13 \13\America/Sao_Paulo julho \13\America/Sao_Paulo 2021 | Amazônia, Garimpo
Disseram “a Amazonia vale ouro” e alguns entenderam o recado de um jeito completamente errado. Pelo menos, é o que indica o relatório “legalidade da produção de ouro no Brasil”, produzido pela UFMG em parceria com o Ministério Público Federal (MPF). O documento aponta que 90% do mineral explorado ilegalmente no país entre 2019 e 2020 saiu da floresta, gerando um prejuízo socioambiental de US$ 1,7 bilhão. A Amazônia vale muito sim, mas de pé. Já o ouro que sai dela, em vez de lucro, só gera dor de cabeça. O problema é tão grande que o MPF tomou uma medida radical: pediu à Justiça a suspensão de todas as permissões para extração, comércio e exportação de ouro no Sudoeste do Pará. Há uma corrida em curso no coração da maior floresta tropical do planeta. De um lado, garimpeiros tentando enriquecer a qualquer custo. De outro, indígenas dispostos a preservar a natureza no local que lhes serve de casa.
Responda rápido: qual é o estado que mais produz ouro no país? Minas Gerais, é claro. Em segundo lugar, vem o Mato Grosso e, em terceiro, o Pará. Acontece que, de acordo com o levantamento, enquanto Minas e Mato Grosso mantiveram produção estável no período analisado, a mineração disparou nos últimos 2 anos no Pará. Lá, o volume produzido saltou de 9,7 toneladas em 2019 para 17,2 em 2020. Esta corrida do ouro não aconteceu sem alguns atropelos. No caso em questão, sem que riquezas tenham deixado a floresta passando longe controles do Estado. Só na Área de Proteção Ambiental (APA) do Tapajós, cerca de 9 toneladas de ouro foram extraídas de forma irregular entre 2019 e 2020. É o dobro do volume verificado na APA Reentrâncias Maranhenses, segunda colocada neste ranking. Porém, o principal aqui é o seguinte: a APA do Tapajós não fica numa região qualquer.
Noventa e nove por cento da área de 2 milhões de hectares da APA do Tapajós estão localizados nos municípios paraenses de Itaituba e Jacaracanga. Colada à APA, está a Terra Indígena (TI) Munduruku, com sua população de mais 6000 pessoas, sua pequena área de 2382 hectares e crescentes taxas de desmatamento desde 2013. Naquele ano, foram 77 hectares de floresta derrubada. Em 2019, 1824. Há mais de 4 milênios na região, os indígenas ultimamente andam assustados com as retroescavadeiras que destroem rios e igarapés à procura de ouro e vomitam toneladas de mercúrio e outros resíduos nos cursos d’água nos quais se banharam seus antepassados. A situação tem sido denunciada por meio de porta-vozes que veem este presente apagar o futuro – como Bheka Munduruku, de 17 anos. “Queremos convencer todo o mundo — inclusive os cabeças-duras — da importância de preservar a floresta e os seus rios”, afirmou ela em um artigo para Folha de São Paulo. Não se trata de arrogância adolescente, mas de um grito de alerta maduro e consciente. Esta caça ao tesouro não vai nos levar a nada. Ou melhor, até vai – mas a um lugar que não queremos chegar.
Como nada nunca é tão ruim que não possa piorar, o Governo Federal parece ter entrado nesta briga – só que do lado errado. Em fevereiro do ano passado, Bolsonaro enviou ao Congresso o Projeto de Lei 191, que pode facilitar a mineração em terras indígenas. O texto ainda não foi analisado por deputados e senadores, mas o estudo da UFMG e do MPF estima em US$ 5 bilhões o prejuízo caso a ideia do presidente se torne de lei. O valor leva em conta o impacto da medida nos chamados serviços ecossistêmicos, que consistem em chuvas, temperaturas amenas e outros favores que a natureza hoje nos presta de graça.
Em 05 de agosto de 2020, o então ministro do meio ambiente esteve em Jacareacanga. Em vez de criticar a destruição da floresta, se reuniu com garimpeiros que queriam a suspensão das operações do Ibama na região. Não satisfeito, Ricardo Salles ainda usou um avião da FAB para levar sete deles a uma nova reunião em Brasília no dia seguinte. Para os indígenas, a situação é um deus-nos-acuda. Em 25 de maio, a Polícia Federal realizou em Itaituba a Operação Mundurukânia 1, que teve como alvo os garimpeiros. Eles reagiram e puseram fogo na casa de Maria Leusa Munduruku. “Chegaram com combustível naquelas garrafas de dois litros de refrigerante, armados, atirando, no meio de criança”, lembrou depois a liderança indígena. Um mês após o episódio, a Câmara aprovou outro PL, o 490, que também pode facilitar o garimpo em TIs e depende agora da aprovação do Senado para entrar em vigor.
Pelas contas do MPF, cada grama de ouro que sai da Amazônia de forma ilegal gera um prejuízo de até R$ 3 mil. O cálculo considera o valor necessário para recuperar as áreas afetadas. Para o período entre 2019 e 2020, o custo com este tipo de atividade chegou a R$ 20 bilhões – contra R$ 8,7 bilhões gerados pela mineração legal. É uma conta que não fecha, mas que tem solução. O aumento da fiscalização, a atribuição de responsabilidade a quem compra e o cancelamento de autorizações para mineração em TIs são alguns dos caminhos apontados pelo estudo do MPF e da UFMG para isso. Resta saber quem cruzará a primeiro a reta de chegada: o bom senso ou a ganância. Fique à vontade para escolher em que torcida você prefere estar.
30 \30\America/Sao_Paulo junho \30\America/Sao_Paulo 2021 | Povos Tradicionais
Por Joenia Wapichana, deputada federal (Rede/RR), nascida na comunidade indígena Truaru da Cabeceira, Sonia Bone Guajajara, coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e Ana Patté, integrante da Apib e do povo Xokleng
O Supremo Tribunal Federal pode definir no segundo semestre os critérios definitivos para demarcação de terras indígenas, além de exorcizar de vez uma assombração que há anos nos persegue: a tese do “marco temporal”. O espectro se materializou durante o governo Michel Temer, quando a Advocacia-Geral da União (AGU) emitiu o Parecer 001/2017, prevendo sua adoção. Bandeira criada por ruralistas, ela prega que só teriam direito à posse de suas terras os povos que nelas estivessem vivendo até o dia da promulgação da Constituição, 5 de outubro de 1988. Esse atropelo inconstitucional busca restringir o artigo 231 que trata do tema, para acabar com o reconhecimento dos “direitos originários” sobre nossos territórios. Ele está sendo usado para inviabilizar, retardar e reverter processos de demarcação, ajudando o presidente Bolsonaro a cumprir a promessa de campanha de não demarcar “nem um centímetro a mais” de terras indígenas. As consequências podem ser catastróficas. Há exemplos.
A Mata Atlântica foi tratada como “mato”. Hoje, reduzida a 12,4% do seu tamanho original, ela virou uma espécie de anúncio fúnebre do que pode vir a acontecer com a Amazônia. A história recente dos Xokleng está diretamente ligada a essa tragédia e serve de exemplo para a trajetória da maioria dos povos indígenas brasileiros, desde 1500. O STF nos aproximou ainda mais, ao tornar ação envolvendo a Terra Indígena (TI) Ibirama-Laklanõ, onde vivem, caso de repercussão geral. Ou seja, o que for decidido pela corte ganhará peso de lei. Então, neste momento, somos todos Xokleng. Todos, mesmo, pois não são apenas os direitos dos povos originários que estão em jogo, mas também o interesse público e o bem comum – já que as terras indígenas pertencem à União, têm destinação específica e são consideradas áreas ambientalmente protegidas.
A população sabe disso: expressivamente 98% dos brasileiros se dizem preocupados com o meio ambiente; 95% acreditam que é possível preservar e desenvolver simultaneamente a Amazônia; 77%, que o país deveria reservar mais áreas para conservação; e 83% assinam embaixo de que “a preservação ambiental da floresta amazônica é muito importante para o crescimento do país, pois o desenvolvimento nacional depende do meio ambiente protegido”. Os números são de uma pesquisa feita pelo Instituto FSB, por encomenda da insuspeita Confederação Nacional da Indústria (CNI), divulgada em novembro último.
O “marco temporal” mascara o violento processo histórico de ocupação do Brasil. Nenhum povo indígena existente deixou sua terra ancestral por vontade própria. Os primeiros conflitos envolvendo os Xokleng e portugueses datam de 1777, a violência contra eles aumentou com a chegada, no sul do país, de novos europeus, imigrantes alemães que vieram incentivados pelo imperador Pedro II, e se estende até o momento atual. Os Xokleng foram sendo paulatinamente expulsos do território que ocupavam e viram sua população encolher tragicamente, dizimada por doenças que vinham de fora e pela força bruta. E contra isso eles apelaram à mais alta Corte do país.
Assim como aconteceu com a Amazônia, o desmatamento na Mata Atlântica, que estava sob relativo controle, voltou a crescer desenfreadamente desde a posse do atual governo. O estado de Santa Catarina, onde fica a Terra Indígena Ibirama-Laklanõ, era totalmente coberto pelo bioma e, segundo o último relatório anual da Fundação SOS Mata Atlântica e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), foi o quarto que mais desmatou no período 2019-2020. No Brasil inteiro, sumiram mais 130.530 km² de floresta, 14% a mais que a de 2017-2018, que registrou a menor taxa de desmatamento desde 1989, quando a pesquisa começou a ser feita.
A terra onde vivem os Xokleng é reivindicada pela Fundação de Amparo Tecnológico ao Meio Ambiente (Fatma) do estado de Santa Catarina, tendo por base o Parecer 001/2017 da AGU que se baseia erroneamente na sentença, de 2009, do STF em ação sobre a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Habitada pelos povos Wapichana, Ingarikó, Macuxi, Patamona e Taurepang, a terra localizada no extremo norte do país era disputada por décadas por fazendeiros e pelo Estado de Roraima. O STF reconheceu a constitucionalidade do processo de demarcação.
No entanto, a sentença desenvolveu a tese do “marco temporal”. Ou seja, querem usar contra nós uma decisão que havia nos favorecido. Mas isto não pode prevalecer: em 2013, o próprio Supremo reconheceu que a decisão do julgamento da Raposa Serra do Sol seria aplicável apenas naquele caso. Posteriormente, houve várias decisões judiciais em que povos indígenas que não estavam na posse de suas terras na data de 5 de outubro de 1988, tiveram seus direitos reconhecidos. Acreditamos assim que há um caminho jurídico sólido para que a Justiça seja feita para todos os povos indígenas no país.
A mesma pesquisa Instituto FSB/CNI citada indica ainda que a maioria da população reconhece os povos indígenas como os maiores protetores da floresta. Essa confiança depositada em nós não é fruto de nenhuma crença, mas do status jurídico que gozam as terras indígenas, da ciência e do espaço que o movimento indígena e nossas lideranças vêm conquistando nos debates nacionais. Nossa arma é a informação. Um estudo da Universidade da Califórnia, publicada em agosto passado na “Proceedings of the National Academy of Sciences”, revista oficial da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, mostra que o desmatamento na Amazônia é 66% menor em Terras Indígenas, conforme também demonstrado por renomados institutos de pesquisa nacional.
A decisão a ser tomada pelo STF é uma oportunidade única de combater o processo violento de colonização, que continua em curso, atualizando a nossa civilização como plural e democrática e de reafirmar o nosso papel fundamental de legítimos protetores da nossa biodiversidade e da vida.
Esta semana, a Justiça teve de conter o ímpeto antidemocrático da Funai (Fundação Nacional do Índio) em relação a Sonia Guajajara, coordenadora-executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), e Almir Suruí, coordenador geral da Associação Metareila do Povo Indígena Paiter Suruí. Ambos foram intimados a depor pela Polícia Federal após a fundação denunciar atividades legítimas desenvolvidas pelas lideranças como crimes. Para isso, a Funai se baseou na empoeirada Lei de Segurança Nacional (LSN) – uma herança maldita da ditadura. No fim, a própria PF concluiu que as acusações não faziam sentido e encerrou os inquéritos. Melhor assim.
Tanto Sonia como Almir foram chamados às falas por críticas feitas pelas entidades que representam à conduta do Executivo no combate à pandemia. A Funai achou por bem acusá-los de difamação. Considerando que a principal função do órgão é defender os direitos indígenas, é como se o seu advogado estivesse trabalhando por sua condenação – com o agravante de saber que você é inocente. Pouco justo, não é? Para piorar, convém lembrar também que, em agosto do ano passado, a Apib ajuizou uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o governo federal, justamente por conta da negligência em relação à saúde dos povos indígenas durante a pandemia. E o que aconteceu? A ADPF foi acatada de pronto pelo ministro Luís Roberto Barroso, que ordenou que o Executivo apresentasse um plano emergencial. Este já está em sua quarta versão. Quer dizer, tudo indica que o governo… merecia mesmo ser criticado.
O Brasil anda um caos, mas é bom ver certas coisas encontrarem, aos poucos, o seu devido lugar. Este caso está repleto de exemplos neste sentido. No último dia 4, a Câmara aprovou um projeto que revoga a LSN. No dia seguinte, o inquérito contra Sonia e a Apib foi trancado pela Justiça Federal. E no dia 6, foi a vez do mesmo acontecer com a investigação que tinha Suruí como alvo. Passado o susto, o episódio ao menos serviu para revelar nas entrelinhas algo muito importante: a inegável relevância conquistada pelo movimento indígena. O adversário acusou o golpe.
Dissociar desenvolvimento de preservação ambiental cheira à naftalina e ninguém sabe melhor disso do que os indígenas. Guardiões de um conhecimento milenar sobre a natureza, eles não ficaram no passado – como muitos de seus detratores – e encontraram rapidamente seu lugar em um mundo globalizado, com fronteiras cada vez mais raras e oportunidades de diálogo cada vez maiores. Em 2020, Sonia recebeu pela Apib o Prêmio Internacional Letelier-Moffitt de Direitos Humanos, concedido pelo Instituto de Estudos Políticos de Washington. Já Suruí foi premiado em 2008 pela Sociedade Internacional de Direitos Humanos, o que lhe rendeu notoriedade suficiente para desenvolver ações de monitoramento da floresta em parceria com o Google.
Hoje, as lideranças indígenas do Brasil têm cadeira cativa em conferências de organizações como a ONU e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos. E quando elas falam, quem está ouvindo não costuma sair da sala, como acontece com presidentes de países com filme queimado em outros encontros internacionais.
Nossos povos tradicionais levaram seu recado aos 4 cantos do mundo e, diante de um governo saudoso do autoritarismo e outras práticas antiquadas, o contraste não poderia ser maior. Presa ao clientelismo que serve de base para toda corrupção e atraso, a chamada Nova Política tem se revelado uma piada de mau gosto. Já os indígenas, com sua articulação, conhecimento e respeito ao meio ambiente, representam claramente o amanhã com que sonhamos. Todos sabemos que, por mais que tente, o passado não é capaz de impedir o futuro. As vozes da terra estão livres e cabe a nós engrossar este coro. Não só porque é justo, mas também porque o que está em jogo é o bem comum.
19 \19\America/Sao_Paulo abril \19\America/Sao_Paulo 2021 | Povos Tradicionais
Os brasileiroscostumam reverenciar com entusiasmoos japoneses, apesar de todos os contrastes culturais – ou por causa deles. Admiramos– quando não adotamos –suas tradições seculares e a forma como elas convivem harmoniosamente com a mais moderna tecnologia. Suas seriedade, disciplina e capacidade de inovação: se o Japão diz que vai fazer Olimpíada este ano, ninguém duvida; e basta o produto ser made in Japan para merecer confiança. Essa consideração é mútua, não à toa o Brasil tem a maior comunidade japonesa fora do Japão. Mas nem sempre foi assim: o brasileiro já achou que comer peixe cru era inconcebível e caçoou do jeito encabulado deles.Felizmente, a informação tem o poder de transformar preconceito em admiração. O mesmo está acontecendo em relação aos povos indígenas, por motivos parecidos. E eles ainda reservam muitas revelações.
O Dia do Índio é uma ótima ocasião para relembrar essa construção de décadas. O movimento indígena brasileiro começa a se organizar em meados dos anos 1970, pressionado pela política expansionista agressiva da ditadura. Foi um ataque em massa na única região ainda praticamente intocada do território brasileiro e do mundo, a Amazônia. Essa mobilização ganha maturidade durante a Constituinte de 1988. Eles se fizeram ouvir sem intermediários, por meio de uma emenda popularassinada pela União das Nações Indígenas. O discurso de Ailton Krenak no Congresso entrou para a História, assim como nomes como Mário Juruna (cacique Xavante e o primeiro deputado federal indígena), Álvaro Tucano, Ângelo Kretã, Marçal de Souza, Raoni Mentuktire, Paulinho Paiakan e Domingos Veríssimo Terena. Os povos indígenas não só asseguraram o direito às suas terras, como à cidadania plena.
Não é novidade para ninguém que esses direitos conquistados precisem ser defendidos até hoje. Isso só fortaleceu o movimento, que hoje mistura a experiência dos pioneiros com o conhecimento adquirido pelos mais jovens nas universidades. Hoje, os indígenas têm voz em importantes fóruns mundiais, como a ONU e a OEA, e a primeira mulher a representá-los na Câmara Federal, a deputada JoêniaWapichana (Rede). Estas três décadas também foram o período de criação, crescimento e amadurecimento da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), fundada no dia 19 de abril de 1989. Seu nascimento é resultado do processo de luta política dos povos indígenas pelo reconhecimento e exercício de seus direitos, em um cenário de transformações sociais e políticas ocorridas no Brasil após a assinatura da Constituição Cidadã de 1988.
A Coiab é a maior organização indígena regional do Brasil. Ela é formada pela união de associações locais, federações regionais, organizações de mulheres, professores e estudantes indígenas.São 64 regiões de baseespalhadas pelos nove estados da Amazônia Legal (Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins). Mas, espera! Ela é a maior, sim, mas é só uma das sete organizações regionais que compõem a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Ainda tem a Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), o Conselho do Povo Terena, a Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste (Arpinsudeste), a Articulação dos Povos Indígenas do Sul (Arpinsul), a Grande Assembléia do povo Guarani (AtyGuasu), e a Comissão Guarani Yvyrupa. Ufa! Tanta gente organizada e coordenada, que cobre aldeias de todos os estados do país e tem desempenhado um papel fundamental durante a pandemia da Covid-19 – alimentando milhares de famílias, reforçando barreiras sanitárias e distribuindo equipamentos de segurança para profissionais de saúde.
A Apib foi criada em 2005, no segundo Acampamento Terra Livre (ATL). No ano passado, ganhou o Prêmio Internacional Letelier-Moffitt de Direitos Humanos, concedido pelo Instituto de Estudos Políticos de Washington, e teve sua representatividade reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal.Até 2020, o ATL costumava ser literalmente um grande acampamento nos gramados de Brasília, ondemilhares de lideranças de todo o país – e até do exterior se reuniam uma vez ao ano.A pandemia fez o evento migrar para plataformas virtuais, mas os povos permanecem unidos, agora através das telas. E a programação desse ano estáintensa, viu? Está durando mês inteiro!
Os indígenas não precisaram que um teórico lhes dissesse que culturas são dinâmicas. Eles assimilam conhecimento sem nenhum preconceito e têm usado a tecnologia moderna a seu favor. A gente só teria a ganhar se pensasse assim também. O Dia do Índio também é um bom momento para frisar que a sabedoria deles sempre foi de vanguarda – e, hoje, mais necessária do que nunca.“Mais avançado que a mais avançada das mais avançadas das tecnologias”, canta Caetano Veloso em “Um índio”. Hoje, a ciência, a medicina e até o design buscam inspiração na natureza. Não existe tecnologia mais avançada. O segredo dos povos indígenas é se reconhecerem parte desse grande mecanismo.
Em 2018, arqueólogos do Brasil e do Reino Unido descobriram vestígios de uma civilização amazônica. Em suas cidadelas, construídas séculos antes da chegada dos europeus, viviamaté 1 milhão de pessoas. Restaram poucos resquícios, justamente porque era uma cultura biodegradável. Somente 3% dos ecossistemas do mundo permanecem intactos, segundo um estudorecém-divulgado da Universidade de Cambridge, na Inglaterra.Entre as áreas que conservama biodiversidade há500 anos, boa parteestá em terras indígenas. Num mundo à beira do colapso, ninguém tem mais know-how em sobrevivência do que eles. Os povos indígenas não só mantiveram praticamente intacta a maior floresta tropical do mundo por milhares de anos, como ajudaram a cultivá-la, e resistiram a 500 anos de perseguições. Os indígenas guardam o segredo de nossa sobrevivência.
15 \15\America/Sao_Paulo abril \15\America/Sao_Paulo 2021 | Mudanças Climáticas
“Em caso de emergência, quebre o vidro”; quando chega a esse ponto é porque a água está batendo no joelho ou a casa pegou fogo. A gente vivia há anos num inusitado estado de alerta apático, como se o amanhã pudesse ser adiado eternamente, até a Covid-19 nos dar um sacode. O novo coronavírus deu um estalo na Humanidade: estamos enfrentando diversas calamidades ao mesmo tempo porque tudo é causa e consequência. Não há como dissociar a pandemia, a crise econômica, a desigualdade social, o negacionismo e o desequilíbrio climático do modelo de desenvolvimento equivocado que abraçamos. Chegou a hora de tomar medidas drásticas, ou este será um abraço de afogados definitivo.
Melhor que curar uma doença é evitá-la. E não há vacina melhor contra novas catástrofes do que atacar sua origem. Mesmo que a economia global tenha tirado o pé do acelerador por causa da Covid-19, as concentrações de metano e dióxido de carbono na atmosfera aumentaram em 2020. Foi um aumento de 2,26 partes por milhão (ppm), o maior desde 2016. Os dados são da insuspeita Agência de Administração Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos (Noaa, na sigla em inglês). Por isso – e de olho no novo mercado que se descortina, evidentemente – tão logo trocaram o ocupante da Casa Branca, os americanos correram para tirar o atraso.
O presidente Joe Biden quer investir US$ 2,3 trilhões exclusivamente em infraestrutura e ao combate às mudanças climáticas, para que o país recupere o protagonismo mundial. Dessa montanha de dinheiro, US$ 174 bilhões serão investidos no setor de veículos elétricos; ou seja, os combustíveis fósseis começam a perder seu principal e mais renitente cliente. A China vinha investindo pesado em energias renováveis – e outras políticas de mitigação das mudanças climáticas – há anos. Todos podem sair ganhando nessa disputa das duas superpotências pelo pódio do desenvolvimento sustentável. Biden convocou uma Cúpula do Clima para os dias 22 e 23 próximos. Conversa séria, de gente grande.
Enquanto isso, o Brasil bate mais um recorde de desmatamento, o ministro do Meio Ambiente novamente falta com a seriedade publicamente, 58 milhões de pessoas passam fome, ainda temos um negacionista na Presidência e um a cada quatro mortos no mundo pela Covid-19 por dia é brasileiro. A boa notícia é que já tem gente quebrando o vidro de emergência; não fosse isso, já estaríamos irremediavelmente isolados ou vendidos. No último dia 13, por exemplo, seis jovens, dos movimentos Engajamundo e Fridays For Future, entraram na Justiça contra o governo, por “pedalada” ambiental.
Com o apoio de oito ex-ministros do Meio Ambiente, eles querem que o compromisso climático brasileiro para o Acordo de Paris, apresentado em dezembro, seja anulado. O governo se fez de desentendido e apresentou uma nova meta que permitirá ao país emitir, até 2030, 400 milhões de toneladas a mais do que o previsto. Entretanto, essa boiada não passou despercebida. No mesmo dia 13, o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) enviou uma carta ao governo pedindo metas ambientais mais ambiciosas. São 33 assinaturas, entre elas gigantes da indústria petrolífera como Shell, Ipiranga, Michelin e Braskem.
Além de atuar diretamente contra a pandemia, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) ganhou uma linha direta de comunicação com os Estados Unidos para temas relacionados à Amazônia. E a iniciativa de usar o martelo partiu do próprio Biden: foi o presidente americano quem solicitou a abertura deste canal. Governos vão e vem; então é melhor conversar logo com quem vem preservando a floresta há milênios, né? Como Gotas no Oceano, acreditamos que cada um pode fazer diferença se somado ao todo. Muitas vezes os movimentos sociais nascem de ações individuais – estão aí a Greta Thunberg e tantas outras para não nos deixar mentir. Quebre o vidro e encontre a sua capacidade para ajudar o mundo a sair dessa emergência.