outubro 2025 | Ferrogrão
O debate sobre a Ferrogrão voltou ao centro da agenda nacional. Apresentada como uma solução logística para o escoamento da produção de grãos, a ferrovia que ligaria Sinop (MT) a Miritituba (PA) representa, na prática, um projeto de alto risco socioambiental: ameaça de desmatamento em larga escala, invasão de territórios e contaminação dos rios amazônicos. Às vésperas da COP30 em Belém, a discussão sobre a Ferrogrão expõe a contradição entre o discurso climático do Brasil e os interesses do agronegócio. No artigo publicado originalmente em O Globo, Alessandra Munduruku e Renata Utsunomiya analisam como o projeto pode se transformar em um verdadeiro atalho para o colapso climático e agrícola.
Ferrogrão é atalho para o colapso
Ferrovia é vendida como solução logística, mas, na prática, significa mais desmatamento, invasões e veneno
Por Renata Utsunomiya e Alessandra Munduruku*
Na beira do Rio Tapajós, onde barcaças de soja e minério já rasgam malhadeiras e deixam peixes mortos, vemos uma amostra do que a Ferrogrão pode multiplicar. A ferrovia de 933 quilômetros entre Sinop (MT) e Miritituba (PA) é vendida como solução logística, mas, na prática, significa mais desmatamento, invasões e veneno sobre territórios e florestas.
Defensores dizem que a Ferrogrão reduziria as emissões em relação ao transporte rodoviário. Mas a conta não fecha: os impactos cumulativos — desmatamento, monocultura e agrotóxicos — mostram que não basta comparar combustíveis. Estudos da UFMG apontam que os municípios afetados concentram 9,8 milhões de hectares de florestas e savanas ainda intactas, sob risco de conversão em lavouras, fragilizando o equilíbrio das bacias dos rios Xingu e Tapajós.
O povo mundurucu já sente esses impactos. Nas terras Praia do Índio e Praia do Mangue, em Itaituba (PA), portos de soja contaminam a água e restringem a pesca. Se a ferrovia avançar, o transporte de grãos pelo Tapajós poderá aumentar sete vezes, agravando esse cenário.
Nem a lógica econômica sustenta o projeto. Estudo do Amazônia 2030 mostra que o retorno financeiro realista é até sete vezes menor que o projetado, significando mais subsídios pagos pela população para beneficiar Cargill, Bunge e Amaggi. Além disso, o mercado internacional exige rastreabilidade e desmatamento zero; produtos ligados à destruição podem ser barrados, inviabilizando o escoamento que o agronegócio diz querer facilitar.
A Ferrogrão é a espinha dorsal de um corredor que transforma a Amazônia em rota de commodities e condena o país a papel subalterno. Arrasta consigo mais portos e a conversão dos rios em hidrovias.
Em agosto, o governo incluiu os rios Madeira, Tocantins e Tapajós no Programa Nacional de Desestatização, permitindo que grandes empresas os transformem em hidrovias. No Tocantins, querem explodir o Pedral do Lourenção, berço de peixes e espécies únicas. Tudo em flagrante violação da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, que garante a consulta livre, prévia e informada. E, às vésperas da COP30 em Belém, esse retrocesso fragiliza a credibilidade do Brasil diante do mundo.
É nesse contexto que o STF julgará a ADI 6.553 (sobre o trajeto da Ferrogrão) em 1º de outubro. A decisão não trata apenas de uma ferrovia, mas da autoridade da Constituição e da capacidade do país de limitar a pressão do agronegócio.
A ciência e a ancestralidade advertem que o desmatamento já compromete os “rios voadores” que sustentam as chuvas no Centro-Sul e que, sem floresta em pé, não há agricultura que sobreviva. E, com rios mortos, como veias abertas para os lucros do agro, qualquer futuro e soberania se esvai.
Mas há alternativas. Com regularização fundiária, demarcação e titulação de territórios, podemos garantir floresta viva, renda e equilíbrio climático. Em vez de beneficiar empresas estrangeiras, devemos fortalecer economias locais, diversificar a produção e valorizar a sociobiodiversidade. A Ferrogrão não é solução. É um atalho para o colapso climático, agrícola, alimentar e econômico do Brasil.
*Alessandra Korap Munduruku , líder indígena do Médio Tapajós, é presidente da Associação Indígena Pariri e vencedora do Prêmio Goldman
*Renata Utsunomiya , analista de políticas públicas de transporte na Amazônia do Grupo de Trabalho Infraestrutura e Justiça Socioambiental, é doutora em ciência ambiental pela Universidade de São Paulo
setembro 2025 | Povos Tradicionais, Quilombolas
A luta contra a crise climática não é apenas uma questão de tecnologia, metas ou acordos internacionais: é, sobretudo, uma questão de justiça. No coração dessa luta estão os povos afrodescendentes rurais, que há séculos preservam florestas, cultivam alimentos de forma sustentável e mantêm vivas as águas e os solos — muitas vezes sem reconhecimento ou apoio. O artigo abaixo traz à tona essa contradição: quem mais protege o planeta segue invisível nos espaços onde se decide o futuro climático da humanidade.
Justiça Climática é Preta — e começa no chão da vida
Por Thaís Rodrigues*
Enquanto o mundo debate metas de carbono e transições energéticas, há quem já esteja fazendo, há séculos, o que muitos ainda estão prometendo: proteger a natureza, cultivar alimentos de forma sustentável, manter florestas em pé e rios vivos. São os povos afrodescendentes rurais — quilombolas no Brasil, palenques na Colômbia, garífunas em Honduras, cimarrones em Cuba e tantos outros — que seguem cuidando da terra com sabedoria ancestral e resistência cotidiana.
Mas esses mesmos povos, que tanto fazem pelo planeta, seguem invisíveis nas decisões que moldam o futuro climático da humanidade. A exclusão que começou com a escravidão e a colonização ainda se reflete hoje nas políticas ambientais e nos espaços internacionais de negociação. E é justamente essa contradição que precisa ser enfrentada com coragem e urgência na COP30, que será realizada em Belém do Pará.
A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) foi criada em 1992 com o discurso da justiça climática e da participação inclusiva. Mas, mais de 30 anos depois, os povos afrodescendentes ainda não têm assento formal, nem mecanismos próprios de financiamento ou consulta. Ou seja: quem menos poluiu, quem mais protege, continua fora da sala onde se decide o futuro do planeta.
Essa ausência não é técnica. É política. E é injusta.
Em 2024, durante a COP16 da Biodiversidade, realizada em Cali, na Colômbia, lideranças étnico-territoriais conquistaram um marco histórico: a inclusão dos afrodescendentes no artigo 8J da Convenção sobre Diversidade Biológica. Agora, o desafio é outro: garantir presença efetiva nas negociações climáticas. Para isso, mais de 16 países da América Latina e Caribe se uniram na Coalizão Internacional dos Povos Afrodescendentes (Citafro), que entregou em maio uma carta ao presidente da COP30, André Corrêa do Lago, com reivindicações que representam mais de 180 milhões de afrodescendentes no continente.
Enquanto isso não se concretiza, quilombolas, palenques, garífunas, cimarrones e demais povos seguem plantando, pescando e defendendo seus territórios. Eles mostram, na prática, que a luta pelo clima começa no chão da vida — e que as soluções mais eficazes muitas vezes vêm de quem o mundo insiste em não ouvir.
No Brasil, os quilombos são barreiras vivas contra o colapso ambiental. Em Furnas do Dionísio, no Mato Grosso do Sul, a agroecologia quilombola fortalece a soberania alimentar e a resiliência diante das secas. No Vale do Ribeira, em São Paulo, comunidades produzem alimentos sem monocultura, enquanto enfrentam ameaças de barragens e mineração. Nos mangues, sistemas de pesca artesanal mantêm vivos os ecossistemas e reduzem emissões. Onde há quilombo, há floresta em pé.
Biko Rodrigues, quilombola de Ivaporunduva e coordenador da CONAQ, resume com clareza: “A maioria dos países da Amazônia Legal e da Pan-Amazônia têm grande presença da população negra, fundamental na preservação do maior bioma tropical do planeta. Garantir a titulação dos territórios quilombolas é assegurar que a balança climática continue favorecendo o mundo. Onde estamos, tem floresta em pé. Nada mais justo do que garantir o direito à terra para que possamos seguir preservando a biodiversidade e construindo um planeta mais justo.”
A COP30 precisa ouvir essas vozes. A titulação dos territórios quilombolas é uma ferramenta concreta de mitigação. Segundo estudo do MapBiomas, entre 1985 e 2022, a perda de vegetação nativa em territórios quilombolas foi de apenas 4,7%, contra 17% em áreas privadas. Quilombolas já enfrentam secas, inundações e erosão, mas sem reconhecimento formal na UNFCCC, não têm acesso a reparações. E mesmo quando há recursos disponíveis, a burocracia impede que eles cheguem diretamente às comunidades. Projetos precisam passar por governos ou intermediários que nem sempre priorizam os territórios negros.
Fran Paula, engenheira agrônoma da CONAQ, alerta: “O atual plano de transição ecológica ainda reproduz uma lógica excludente e racista, centrada nos grandes setores econômicos. Não garante mecanismos concretos de escuta, participação e financiamento direto às populações quilombolas. O futuro climático só será justo com a participação quilombola.”
Na Colômbia, José Absalón Suárez Solís, presidente do Processo de Comunidades Negras (PCN), reforça: “Queremos que os instrumentos ambientais reconheçam os afrodescendentes como sujeitos coletivos de direitos, valorizando nossos conhecimentos ancestrais como fundamentais para a adaptação, mitigação e preservação florestal.”
Não há espera passiva. Os povos afrodescendentes já estão agindo. Preservam florestas, cultivam alimentos sustentáveis, defendem rios e constroem alternativas reais à crise climática. A exigência é que essas práticas sejam reconhecidas e apoiadas de forma justa e direta e que incluam:
- Reconhecimento dos povos afrodescendentes como sujeitos de direitos dentro da UNFCCC;
- Mecanismos específicos para financiamento climático direto;
- Participação plena nos órgãos e instrumentos da Convenção;
- Segurança jurídica dos territórios;
- Visibilidade dos afrodescendentes na Amazônia, que historicamente habitam e preservam esse bioma.
O que os povos afrodescendentes reivindicam não é favor. É o que lhes é devido. Durante séculos, cuidam de florestas, águas e solos. Agora, exigem que o mundo reconheça que sua contribuição é parte fundamental da solução para a crise climática.
*Thaís Rodrigues é jornalista quilombola, correspondente da Gota na CONAQ
agosto 2025 | Quilombolas
Enquanto o desmatamento ameaça a Amazônia, os quilombos da Calha Norte, no Pará, mostram um caminho diferente: são territórios de resistência, refúgio e biodiversidade. O artigo abaixo revela como essas comunidades se tornaram fundamentais para a proteção do clima, da floresta e da vida, um tema central para o Brasil rumo à COP30.
Quilombos na Calha Norte: criadores de refúgio e guardiões da biodiversidade
Enquanto o desmatamento avança sobre a Amazônia, comunidades quilombolas mostram que proteger territórios é proteger o futuro do planeta.
Por Monica Prestes *
No noroeste do Pará, um imponente bloco verde resiste. Formado por florestas preservadas e rios saudáveis, ele contrasta com o cenário de degradação que domina o sul do estado-sede da COP30: pastos abandonados, garimpos ilegais e rios feridos. É na Calha Norte do Rio Amazonas que se encontra o maior bloco contínuo de áreas protegidas do Brasil — uma área equivalente à soma dos estados do Paraná e Alagoas.
Esse cinturão de proteção ambiental reúne 11 Unidades de Conservação, seis Terras Indígenas e 39 comunidades quilombolas distribuídas em sete territórios. Juntas, essas áreas mantêm em pé mais de 27 milhões de hectares de floresta tropical. Para se ter uma ideia, a capacidade de reter carbono da Calha Norte supera a das florestas da Indonésia e do Congo, que, ao lado da Amazônia, formam o principal cinturão de florestas tropicais do planeta.
Mais do que um refúgio ecológico, esse território é um elo vital entre a Amazônia Central e o Corredor de Biodiversidade do Amapá, formando o maior corredor de biodiversidade em florestas tropicais do mundo. São essas florestas que alimentam os chamados “rios voadores”, responsáveis por levar umidade para o Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil — regiões que dependem dessas chuvas para o agronegócio e a geração de energia.
Mas a Amazônia que conhecemos hoje é também fruto da sabedoria ancestral dos povos indígenas e quilombolas. Eles manejam a floresta há séculos e continuam sendo a forma mais eficaz de proteção ambiental. Estudos do Instituto Socioambiental (ISA) mostram que os territórios quilombolas perderam apenas 4,7% de suas florestas entre 2003 e 2022, enquanto as áreas privadas ao seu redor perderam 17%. Além disso, esses territórios armazenam 48% mais carbono florestal.
No final de julho, um estudo publicado pela revista Nature reforçou essa evidência: os quilombos são verdadeiros guardiões da biodiversidade, com maior variabilidade de espécies e retenção de carbono. Em Oriximiná, município paraense que abriga o primeiro quilombo titulado do Brasil (Boa Vista) e o maior titulado da Amazônia (Cachoeira Porteira), mais de 80% das florestas estão protegidas. Ali vivem quase 10 mil quilombolas — 13% da população local, percentual bem acima da média nacional de 0,66%.
Essas comunidades construíram, ao longo das décadas, uma bioeconomia baseada em produtos florestais não madeireiros, como castanha, andiroba e copaíba, além de atividades sustentáveis como o artesanato e o turismo de base comunitária. Essa estratégia tem sido essencial para enfrentar as pressões da mineração, do agronegócio e dos grandes empreendimentos.
Proteger os territórios quilombolas é proteger o clima. É reconhecer que há saberes ancestrais que sustentam a vida e que, diante da emergência climática, podem ser nossa melhor esperança. Com a COP30 se aproximando, o Brasil tem a oportunidade de assumir um papel de liderança ambiental global — e isso passa, necessariamente, pelo reconhecimento dos direitos quilombolas.
A adesão da CONAQ à Coalizão Internacional CITAFRO marca um avanço decisivo rumo ao protagonismo afrodescendente nas negociações climáticas. Representando comunidades de 18 países da América Latina e Caribe, o bloco ganha força justamente na primeira COP a reconhecer formalmente essas populações nos debates sobre clima, com a criação de uma Comissão Internacional e a aprovação de uma carta-manifesto. É chegada a hora de escutar quem há séculos protege o que ainda resta da floresta — e de garantir que suas vozes influenciem os rumos do planeta.
*Monica Prestes é jornalista e correspondente da Gota na Amazônia
julho 2025 | Metano
À medida que nos aproximamos da COP30, marcada para acontecer em Belém, cresce a urgência de encarar a crise climática com a seriedade que ela exige. Neste artigo, publicado na Folha de S. Paulo, os especialistas Carlos Nobre e Durwood Zaelke alertam para o risco iminente de colapso em dois ecossistemas cruciais para o equilíbrio climático da Terra: a floresta amazônica e a tundra do Ártico. Atravessando hemisférios e conectados por um mesmo problema, a aceleração do aquecimento global e a emissão desenfreada de gases de efeito estufa, especialmente o metano, esses biomas caminham para um ponto de não retorno climático, com impactos devastadores e irreversíveis. A leitura é um chamado à ação urgente e coordenada, especialmente por parte de países como o Brasil, que têm um papel decisivo na construção de soluções.
Extremos do planeta caminham para o perigoso ponto de não retorno
Tundra do Ártico e floresta amazônica demandam ações imediatas para mitigar o metano e outros superpoluentes climáticos de curta duração
Por Carlos Nobre e Durwood Zaelke
O atual cenário de guerra e o clima de tensão entre países importantes na geopolítica mundial têm afastado a crise climática global do noticiário diário. A proximidade da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30), no entanto, traz o tema para a ordem do dia, diante da alarmante situação de dois importantes extremos ambientais da Terra: a floresta amazônica e a tundra do Ártico — um bioma localizado no extremo norte do planeta, coberto quase que exclusivamente por gelo. Ambos enfrentam riscos reais de ultrapassar o chamado ponto de não retorno climático, situação em que os danos ambientais se tornam irreversíveis.
Ainda que separados por milhares de quilômetros, esses dois biomas compartilham uma ligação fundamental: estão profundamente ameaçados pelo aumento acelerado da temperatura global e pelas emissões de gases de efeito estufa (GEE), especialmente o metano. Embora similar ao dióxido de carbono (CO2), ele permanece na atmosfera por cerca de uma década, em comparação a centenas de milhares de anos do CO2, mas absorve 86 vezes mais energia solar, contribuindo para o efeito estufa e impactando severamente o meio ambiente. Os prejuízos causados rompem limites geográficos e socioambientais, afetando o agronegócio e a economia de forma geral.
Como sabemos, a amazônia é a maior floresta tropical do mundo e tem um papel fundamental na regulação do clima terrestre. Além de manter o ciclo das chuvas e abrigar uma biodiversidade única, ela funciona como “sumidouro de carbono”. É um processo natural que absorve e armazena CO2 da atmosfera. O desmatamento ilegal, juntamente com os incêndios florestais, está reduzindo a capacidade da amazônia de absorver CO2 e nos aproxima de um colapso ecológico que pode ser irreversível.
Do outro lado do hemisfério, no Norte, o Ártico está aquecendo quatro vezes mais rápido do que a média global e, com isso, o gelo do Ártico e a tundra terrestre estão derretendo a um ritmo preocupante. Essa camada marinha de água congelada é altamente reflexiva, e a substituição desse grande escudo branco por um oceano mais escuro acarreta mais aquecimento por conta da absorção do calor, em um efeito de retroalimentação autoamplificadora. A neve e o gelo terrestres no Ártico também são reflexivos e, quando derretem e são substituídos por terra mais escura, desencadeiam outro ciclo de retroalimentação autoamplificadora. Além disso, neste bioma, conhecido como “permafrost”, o aquecimento do solo congelado há milênios corre o risco de liberar vastas reservas de metano e CO2.
A conexão entre esses dois biomas revela que a crise climática não é localizada, é global. A ciência nos mostra o que está acontecendo e o futuro do planeta depende das escolhas que fazemos hoje. Se chegarmos a esse ponto de não retorno —e estamos caminhando céleres para isso—, a amazônia e o Ártico não conseguirão mais se regenerar. Nesse grave cenário que se avizinha, mesmo se reduzíssemos drasticamente as emissões, o sistema climático seguiria aquecendo por conta própria. Se esse limite for ultrapassado, cerca de 70% da amazônia pode se degradar nas próximas décadas, tornando a floresta inviável.
Evitar esse ponto crítico requer ação imediata para mitigar o metano e outros poluentes climáticos de curta duração, desacelerando o aquecimento mais próximo. Nesse sentido, estudos do Instituto de Governança e Desenvolvimento Sustentável (IGSD) indicam que mitigar o metano e outros superpoluentes climáticos pode evitar quatro vezes mais aquecimento em 2050 do que cortar apenas o CO2.
No ano em que o Brasil sedia a COP30, em Belém, há um apelo crescente para que o país lidere uma nova abordagem para mitigar os superpoluentes climáticos de curto prazo. Isso inclui a exigência para que as empresas de óleo e gás limitem imediatamente suas emissões de metano e desencorajem fortemente a exploração de novos combustíveis fósseis, reconhecendo que as reservas existentes hoje são muito maiores do que podem ser queimadas mantendo o planeta relativamente seguro.
A impossibilidade de atingir a meta firmada em 2015 no Acordo de Paris —de frear o aumento da temperatura média global em até 1,5°C— é um estímulo para que sigamos em busca de uma transição justa e inclusiva para as próximas gerações. Cada dia é importante para não recebermos uma conta impagável e sem retorno, em um futuro que está mais próximo do que se imagina.
Carlos Nobre é Climatologista, membro da Academia Brasileira de Ciências e do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC); Durwood Zaelke é Advogado ambiental, fundador do Institute for Governance & Sustainable Development (IGSD).
junho 2025 | Metano
O mar não é lugar para falsas soluções. Em meio à emergência climática, cresce a tentativa de apresentar o gás natural liquefeito (GNL) como uma alternativa “limpa” para a transição energética, especialmente no setor naval. Mas essa narrativa ignora uma verdade: o GNL é composto majoritariamente por metano, um gás de efeito estufa extremamente potente, que agrava o aquecimento global e ameaça diretamente os oceanos. No artigo a seguir, publicado no site O Eco, em 13 de junho, a oceanógrafa Elissama Menezes revela por que o GNL é uma aposta cara, poluente, ultrapassada e como o Brasil pode (e deve) fazer diferente.
O falso herói dos mares: por que o GNL ameaça os oceanos e o futuro do Brasil?
Por Elissama Menezes*
É impossível ignorar uma ameaça crescente ao nosso planeta: o avanço na atmosfera do metano (CH4), presente na composição do gás natural liquefeito. Conhecido como GNL, ele é equivocadamente promovido como uma alternativa limpa para a transição energética na indústria marítima, onde é largamente utilizado. Mas a realidade é outra: o metano é um potente gás de efeito estufa (GEE), similar ao dióxido de carbono (CO2). Apesar de permanecer na atmosfera por menos tempo que o CO2, ele absorve 82 vezes mais energia. Ou seja, sua contribuição para o efeito estufa é igualmente impactante e prejudicial ao meio ambiente.
Avaliação recente do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) indica que o caminho para garantir um futuro habitável para o planeta passa pela urgente eliminação dos combustíveis fósseis e por cortes profundos e imediatos nas emissões de gases em geral. Na contramão disso, dados do Conselho Internacional de Transporte Limpo (ICCT) apontam que, entre 2016 e 2023, as emissões de metano no transporte marítimo aumentaram 180%, impulsionadas principalmente pelo uso do GNL nas embarcações. Esse incremento de emissões acelera o aquecimento global, intensifica a acidificação dos oceanos, ameaça recifes de corais e compromete cadeias alimentares, afetando a segurança alimentar de milhões de brasileiros. Mas os riscos não param por aí. O GNL avança sobre territórios marcados por alta biodiversidade e povos originários, colocando em xeque importantes patrimônios culturais da humanidade.
Mas, mesmo diante desse cenário, o Brasil parece apostar em um mercado sem futuro. O país tem demonstrado interesse em investir em navios movidos a GNL. Isso vai de encontro aos dados da Agência Internacional de Energia, que estima que, daqui a cinco anos, a demanda por gás natural vai cair drasticamente, projeções alinhadas com o Acordo de Paris. Ou seja, são ativos com décadas de vida útil e sério risco de se tornarem obsoletos em pouquíssimo tempo. Além disso, a partir de 2028, embarcações que usam GNL começarão a pagar taxas sobre emissões de carbono – mais uma prova que essa opção é uma estratégia incompatível com um futuro climático seguro, com a saúde dos oceanos e com os compromissos de redução de emissões para nos garantir um futuro sustentável.
A COP30 em Belém é uma enorme oportunidade para o Brasil mudar de direção e liderar uma transição energética justa e inclusiva, investindo em energias renováveis e em modelos de transporte resiliente. Continuar insistindo em falsas soluções, como o GNL do setor naval, não é definitivamente o melhor caminho.
As águas profundas da Amazônia e do litoral brasileiro não merecem ser palco de mais uma aposta equivocada no atraso. Neste Dia Mundial dos Oceanos – que cobrem 71% da superfície da terra e são vitais para a produção de oxigênio e regulação climática global –, esperamos que o país olhe para o mar não como depósito de metano, mas como fonte de vida e esperança.
Elissama Menezes é oceanógrafa, diretora da Equal Routes e da campanha global “Diga Não ao GNL”.
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