Nossa batata está assando

Nossa batata está assando

Dentre as muitas notícias fortes dos últimos dias relacionadas às mudanças climáticas, uma surpreendeu pelo inusitado. Cerca de um bilhão de mexilhões e ostras foram cozidos pelo calor numa praia. Ah, e isso aconteceu perto de Vancouver, no (outrora gelado) Canadá. Foi uma triste caldeirada. Também na semana passada, mais de 800 pessoas morreram na província da Columbia Britânica por causa das altas temperaturas – os termômetros canadenses chegaram a marcar 49,6°C na região. Enquanto isso, Alemanha e Bélgica foram atingidas por um temporal de escala amazônica, que deixou um rastro de destruição sem precedentes e, pelo menos, 196 mortos – ainda há centenas de desaparecidos. A China acaba de enfrentar tragédia parecida. Se moluscos acabaram cozidos no litoral canadense e caiu chuva tropical na Europa e na Ásia é porque estamos fritos em qualquer parte do planeta; e pulamos na frigideira por vontade própria. 

A impressão é de que a coisa está azedando mais rápido no Hemisfério Norte. Não à toa: o lado de lá concentra 87% da população e ocupa 67,3% do território terrestre. A densidade demográfica na Europa e em países asiáticos é altíssima – e, portanto, eles estão mais sujeitos a catástrofes com vítimas. Além disso, é a parte mais rica e industrializada do planeta. Mas os incêndios na Amazônia, no Pantanal e na Austrália, além da temperatura recorde de 18,3°C recentemente registrada na Antártida, são sinais de que o nosso caldo também já está entornando. A temperatura média da América do Sul pode aumentar em quatro graus até o fim do século, caso as emissões de gases de efeito estufa continuem nessa toada. A conclusão é de uma pesquisa do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas, publicado na revista científica “Earth Systems and Environment”.  

“A América do Sul e, em particular, o Brasil já mostram sinais das mudanças climáticas, incluindo o aumento das temperaturas da superfície, mudanças nos padrões de precipitação, derretimento das geleiras andinas e elevação no número e intensidade de extremos climáticos. Essas variações nas características climáticas são precursoras do que pode estar por vir nas próximas décadas”, adverte Lincoln Muniz Alves, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), um dos autores do texto. Entretanto, o governo brasileiro continua fingindo que a casa não está pegando fogo – quando não bota mais lenha na fogueira. 

O desmatamento segue batendo recordes na Amazônia: em junho foram abaixo 926 km², de acordo com o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). O novo relatório da entidade, divulgado nesta semana, mostra que no primeiro semestre de 2021 a floresta perdeu 4.014 km², a maior extensão da década para esse período. Enquanto isso, o Executivo se mantém fiel à sua política antiambiental. Um exemplo de que nada mudou com a saída do ministro Ricardo Salles está estampado em duas notícias recentes: segundo levantamento inédito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), desde que Bolsonaro assumiu, o total de pagamento de multas por crimes ambientais na Amazônia caiu 93%, em comparação aos quatro anos anteriores; ao mesmo tempo, o Ibama, que teve seu quadro de analistas ambientais reduzido a 26%, pretende preencher apenas 655 vagas das 2.348 existentes. De dez anos para cá, perdeu quase metade de seus funcionários. 

Matando a galinha dos ovos de ouro 

Lincoln Alves também alerta que, caso este cenário permaneça, as secas no sul da Amazônia vão se intensificar, o que afetará diretamente áreas que o próprio governo considera estratégicas: “Se antes chovia dez milímetros em um determinado mês, esse número caiu pela metade. Isso tem impactos nos setores agrícola e de geração de energia, por exemplo, que fazem seus planejamentos com base nos volumes de chuvas”. O mercado de commodities está fervendo, mas com sua fome insaciável o agronegócio pode acabar matando a galinha dos ovos de ouro.  

Outros estudos recentes avalizam o que diz o pesquisador do Inpe. O primeiro, que saiu em maio na revista “Nature Communications”, calculou que o setor deixa de ganhar US$ 1 bilhão por ano por causa da estiagem. O motivo é óbvio, mas não custa repetir: “Com menos árvores na floresta, há menos umidade no ar e menos chuvas. Logo, o avanço do desmatamento na Amazônia impacta a produtividade do agronegócio brasileiro”, explica um dos autores, o engenheiro florestal Argemiro Teixeira Leite Filho, da UFMG. O segundo, encabeçado pela engenheira ambiental Rafaela Flach, pesquisadora da Universidade Tufts, nos Estados Unidos, acabou de ser publicado no periódico “World Development”. Segundo este, a indústria da soja perde US$ 3,55 bilhões por ano por causa do calor; quando os termômetros passam dos 30°C, a produtividade cai em até 5%.  

O que de pior poderia acontecer já está é realidade: a Amazônia tem emitido três vezes mais CO₂ do que absorvido, de acordo com uma pesquisa internacional, liderada pela pesquisadora do Inpe Luciana Vanni Gatti e publicada no último dia 14 na “Nature”. Entre 2010 e 2018 a Amazônia brasileira derramou na atmosfera 1,06 bilhão de toneladas de carbono por ano e só sugou 18% de volta. “A segunda má notícia é que os locais onde o desmatamento é de 30% ou mais apresentam emissões de carbono dez vezes maiores que onde o desmatamento é inferior a 20%”, diz Luciana. “Essas áreas esquentaram nas últimas quatro décadas quase 2,5°C. Para se ter uma ideia, o resto do mundo esquentou 1,2°C em 150 anos”, completa Claudio Angelo, coordenador de comunicação do Observatório do Clima e autor do livro “A espiral da morte”. 

Do outro lado da Linha do Equador a turma já se deu conta de que não dá para levar o problema em banho-maria: “Apenas se nos comprometermos de forma resoluta com a luta contra as mudanças climáticas poderemos controlar condições meteorológicas extremas como as que vivemos atualmente”, declarou o presidente alemão Frank-Walter Steinmeier, que é conservador, sobre o desastre que se abateu sobre o seu país. Os europeus estão sentindo o gosto amargo de suas escolhas equivocadas. “As mudanças climáticas pararam de ser algo que ocorre em algum lugar distante, como o Ártico ou até a Amazônia, e passaram a ser algo que afeta diretamente a vida da população, matando mais de uma centena de pessoas num único evento”, explica a bióloga brasileira Erika Berenguer, pesquisadora das universidades de Oxford e Lancaster, no Reino Unido.  

É a tal história: farinha pouca, meu pirão primeiro. Ainda mais depois que a Agência Internacional de Energia (IEA) anunciou na terça-feira (20) que os recursos internacionais destinados à transição energética no pós-pandemia são insuficientes para reduzir as emissões globais de CO₂. Pior: segundo os seus cálculos, essas emissões vão disparar a partir de 2023, a não ser que o pessoal coce o bolso com vontade. “Desde o início da crise da Covid-19, muitos governos têm destacado como é importante reconstruir melhor, para um futuro mais saudável, mas muitos ainda têm que fazer o que dizem”, cutucou o diretor da IEA, Fatih Birol. Essa conta vai ficar ainda mais salgada, e a turma do Norte não vai querer pagar ela sozinha.  

A batata do Brasil está assando e a pressão não virá só de cima: “O ativismo de investidores pode ser uma força poderosa para o bem”, defendeu o “Financial Times”, uma das bíblias do mercado financeiro, num contundente editorial publicado no dia 14. O jornal inglês sugeriu que a turma do dinheiro puna o Brasil pelo desmatamento na Amazônia. “Pouca gente acredita que Bolsonaro, ligado a um ruidoso eleitorado de madeireiros, pecuaristas e evangélicos, mudará de comportamento em seus 18 meses finais de mandato”, diz o texto. “O Código Florestal, que parecia impressionante, está rapidamente se tornando letra morta, porque as agências que policiam sua aplicação tiveram seus orçamentos cortados severamente”, continua. A sociedade civil reage, pois nem sempre os governos trabalham pelo bem-comum. Precisamos nos mirar nesse exemplo se quisermos continuar sentados à mesa. 

#Clima #MudançasClimáticas #MeioAmbiente #Incêndios #Tempestades #Natureza

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Cortina de fumaça

Cortina de fumaça

O negacionismo sempre nasce de algum motivo obscuro e se aproveita da boa-fé alheia para se espalhar como um vírus. A CPI da Covid está escancarando como funciona essa estratégia perversa em tempos de pandemia, mas ela já foi usada em outros carnavais. Um bom – quer dizer, mau – exemplo foi o da indústria tabagista, que somente nos anos 1990 admitiu que cigarro fazia mal à saúde, mesmo que já se soubesse disso há três décadas. Essa tática não tem servido para atentar somente contra a saúde pública, mas também o bem-estar do planeta: a gigante Exxon foi alertada em 1977 por seus cientistas que as emissões de CO₂ da indústria petroleira estavam ajudando a bagunçar o clima do planeta; só que além de manter a informação em segredo, juntou-se às outras companhias para desacreditar as mudanças climáticas. Hoje, não há mais como negar, a Terra não deixa.

A pinguinzada penou e quis se depenar no dia 6 de fevereiro do ano passado, quando o termômetro marcou 18,3°C, recorde de temperatura na Antártida. A marca foi reconhecida no último dia 1º pela Organização Meteorológica Mundial da ONU e registrada no norte da Península Antártica – uma das regiões do mundo que está esquentando mais rapidamente, onde a temperatura média costumava ser -10°C. No outro extremo do globo, o Canadá vem sofrendo com uma onda de calor inédita, que já matou mais de 500 pessoas. A pequena cidade de Lytton, na Columbia Britânica, ardeu sob uma temperatura de inacreditáveis 49,6°C – quentura infernal até para os padrões brasileiros – e um estudo recente da Universidade de Lanzhou, na China, alerta que a área do planeta coberta por neve e gelo está encolhendo 87.000 km² por ano, o que dá dois estados do Rio de Janeiro.

Na Lapônia, Papai Noel encarou 33,6ºC no último dia 5, a maior temperatura na região desde 1914, segundo informou o Instituto de Meteorologia da Finlândia. Sua vizinha, a ativista sueca Greta Thunberg criticou a postura dos países do G7 em seu último encontro, dizendo que seus líderes pareciam estar se divertindo “apresentando seus compromissos climáticos vazios e repetindo velhas promessas não cumpridas”. Porém, se por um lado a reunião dos maiorais frustrou algumas expectativas, ao menos reforçou o fato de que hoje há consenso quando o assunto é a influência de atividades humanas nas mudanças climáticas. É um grande passo para a Humanidade, creiam. O negacionismo acerca desse assunto foi praticamente erradicado. Entretanto, o governo brasileiro e seus aliados no Congresso andam no mesmo descompasso, rumo a um lockdown em escala global.

Cortina de fumaça é um termo que cai como uma luva para descrever o negacionismo ambiental no Brasil. O desmatamento responde por 44% das emissões de CO₂ do país e é corresponsável pela atual crise hídrica, já que as nuvens de chuva que abastecem rios e reservatórios das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste vêm da Amazônia. E, no momento, assombram a Câmara Federal projetos de lei que facilitam a concessão de florestas públicas, regulamentam invasões e grilagens, mudam as regras de demarcação de terras indígenas, as mais preservadas do país, além de liberar a mineração e a construção de hidrelétricas em seus limites. Ou seja, botam mais lenha na fogueira da devastação florestal, que já vem crescendo em alta velocidade nos últimos anos – e que tende a disparar, pois em período pré-eleitoral o lobby das empreiteiras funciona a todo gás.

Investir em infraestrutura é a ordem do dia e, pelo andar da carruagem, um prenúncio de novos desastres. Estradas mal planejadas são os principais vetores do vírus do desmatamento. Tem um exemplo saindo do forno, quentinho: o governo acaba de licitar (em 7/7), sob uma saraivada de críticas, a concessão transitória da BR-163. A rodovia liga Sinop, no Mato Grosso, a Itaituba, no Pará, e serve de rota de exportação para o agronegócio. No seu entorno há 15.000 km² de terras públicas, cuja exploração é proibida; mas, de acordo com relatórios lançados este mês por Greenpeace e Rede Xingu+, a devastação cresceu 359% em um ano. Encarar a floresta abrindo picada a faca não é para qualquer um; com estrada asfaltada, qualquer aventureiro pode lançar mão.

A crise hídrica e o fiasco chamado Belo Monte evidenciaram que hidrelétrica, além de não ser uma fonte de energia limpa, também não pode mais ser considerada renovável; mas ao que parece, construir elefantes brancos ainda é um bom negócio. Negando a realidade, a medida provisória que regulamenta a privatização da Eletrobras vai além e prevê a obrigatoriedade da contratação de 8 GW de eletricidade produzida por termelétricas a gás, futuras peças de museu. “O risco de racionamento que o Brasil vive vem como consequência de deficiências no planejamento energético e da maior crise hídrica dos últimos 90 anos, provocada por mudanças climáticas. No entanto, a resposta que o governo federal nos dá vai na contramão do problema, ampliando a geração por termelétricas fósseis, notória consumidora de água e emissora de gases de efeito estufa, e tardando em diversificar a matriz elétrica para além das hidrelétricas, cada vez mais vulneráveis a efeitos climáticos”, diz Ricardo Baitelo, coordenador de projetos do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema).

Termelétricas são beberronas e dispendiosas: de 70% a 80% da água usada para resfriar sua estrutura evapora. Uma usina a gás natural pode consumir mil litros de água por MW/h. Para abastecer uma cidade de 156 mil habitantes, vai entornar 24 milhões de litros, caso funcione sem parar. “As térmicas a gás e que estão sendo acionadas em tempo integral nos próximos meses devem estressar ainda mais a demanda de água em regiões vulneráveis. Como é o caso do Rio Cubatão, microbacia de balanço hídrico muito crítico, segundo mapeamento da Agência Nacional de Águas, e que fornece água para a termelétrica Euzébio Rocha. Essa usina foi recontratada recentemente no leilão de energia existente, para operar pelos próximos 15 anos”, diz Baitelo. A quem interessa negar isso? O melhor remédio contra o vírus do negacionismo continua sendo a informação.

 

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Parece, mas não é

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É tênue a linha que separa o lampejo genial da ideia de jerico. Há 45 mil anos, um homo sapiens anônimo registrou seus cotidiano e imaginário numa caverna na Ilha de Sulawesi, na Indonésia. Ele foi capaz de criar uma tinta resistente ao tempo e 100% natural. Graças a isso, hoje sabemos algo sobre como viviam alguns de nossos mais remotos ancestrais. Porém, suas pinturas rupestres, as mais antigas que se tem notícia, podem desaparecer. E essa perda inestimável seria mais um estrago para pôr na conta das mudanças climáticas, segundo um estudo recém-publicado no “Scientific Reports”.

É claro que quando James Watts concebeu seu motor a vapor, em 1763, dificilmente imaginou tal relação de causa e efeito. Usar combustíveis fósseis para mover o mundo parecia um lampejo genial. A Humanidade só se deu conta de que seu modo de vida estava influindo no clima do planeta quase dois séculos depois. A invenção de Watts ajudou a encurtar distâncias e a nos aproximar; porém estar perto não resultou em estar junto. Talvez por isso foi preciso que uma pandemia nos obrigasse a enxergar o óbvio: vivemos uma emergência e estamos todos no mesmo barco. Esse sacode fez os EUA retomarem a liderança do combate às mudanças climáticas e os países mais ricos reverem suas metas de emissões.

Quem sabe este embalo tenha inspirado a Câmara dos Deputados a aprovar no último dia 13 a nova Lei de Licenciamento Ambiental. Dita assim, a notícia até parece boa – mas não é. O texto exclui a obrigatoriedade de avaliação e prevenção de impactos em obras em terras indígenas e quilombolas ainda não homologadas, contrariando a Constituição. Também abre brechas que podem levar unidades de conservação à destruição. Isso numa hora em que o mundo inteiro está de butuca no Brasil, já que o desmatamento responde por 44% de nossas emissões de CO₂. E tem mais: a nova regra cria um dispositivo que, na prática, dispensa de licenciamento ambiental a construção de barragens como as de Mariana e de Brumadinho, entre outros despautérios. Talvez os parlamentares quisessem fazer uma surpresa para a população nesses tempos tão bicudos e, por isso, não a consultaram. Que o Senado corrija esse lapso.

No inferno das boas intenções, penam as decisões mais extravagantes. Você sabia que, até os anos 1950, era comum que o pesticida DDT – o famigerado flit – fosse usado nos Estados Unidos diretamente sobre as pessoas, inclusive crianças? O pai de todos os agrotóxicos servia para matar insetos, como piolhos e mosquitos, e tinha gente que acreditava que ele era a cloroquina da poliomielite. Com o tempo, descobriu-se que o suposto santo remédio era, na verdade, um perigoso veneno e o uso do DDT foi banido no mundo todo. Afinal, a ideia de nos envenenarmos voluntariamente não parece razoável, certo? Então, o que dizer sobre o governo brasileiro, que liberou no fim de abril o uso em nossas lavouras de 34 substância proibidas em outras partes do planeta justamente por fazerem mal à saúde humana? Cá entre nós, a situação é bem parecida com a do DDT. Será que teremos um desfecho igual?

A lista de pegadinhas ambientais é extensa e curiosa. As hidrelétricas, por exemplo. Durante muito tempo se acreditou que elas produziam energia 100% limpa e renovável. Esses mitos foram derrubados por desastres como Belo Monte, um caso tão emblemático que até Bolsonaro concorda que foi “dinheiro jogado fora” (ainda que ele ache isso por motivos poucos sustentáveis). Inviável desde o começo, a usina é incapaz de fornecer a energia que foi prometida no papel. Para completar, seu reservatório emite metano, um gás do efeito estufa 28 vezes mais potente que o CO₂. A gente já alertava para isso em 2011, quando lançamos o Movimento Gota D’Água, que questionava a obra.

É a ironia das ironias: uma hidrelétrica mal-planejada que pode vir a ser aposentada por falta de água para mover suas turbinas. Uma situação parecida com a de ter um cidadão condenado por fraude ambiental indicado para ministro do meio ambiente e vê-lo ser alvo de uma operação da Polícia Federal por suspeita de envolvimento em um esquema de contrabando de madeira ilegal. São pedras cantadas, que não surpreendem a quem sabe juntar os pontos.

Na vida, você não precisa ser mais esperto que ninguém para não ser enganado. Só tem que se manter atento. Entre uma rodovia com veículos que liberam carbono e uma estrada de ferro com trens elétricos, não é difícil saber o que é melhor para o meio ambiente. Agora, se a ferrovia corta uma área verde, já são outros 500. Ou melhor, US$ 1,9 bilhão. Este é o custo estimado do impacto ambiental da Ferrogrão, que está para sair do papel, de acordo com um estudo da Climate Policy Initiative, em parceria com a PUC/RJ. Entram na conta 2.043 km² de floresta que serão desmatados e 75 milhões de toneladas de CO₂ emitidas por causa da obra. Abrir uma nova BR também não é solução. O que resolve é colocar o projeto nos trilhos, de forma a poluir o mínimo possível. Só assim para o Brasil não perder o trem da história.

 

#MeioAmbiente #Infraestrutura #MudançasClimáticas #BeloMonte #LicenciamentoAmbiental #Ferrogrão

 

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Copo meio cheio

Copo meio cheio

As mudanças climáticas estão abalando as estruturas não só do mundo ocidental, como também do oriental. Literalmente e metaforicamente. Um estudo da Academia Chinesa de Ciências e da Universidade Técnica da Dinamarca indica que o descontrole no clima vem causando alterações no eixo de rotação da Terra desde os anos 1990. A razão é a redistribuição do volume de água no planeta, causada pelo degelo dos polos – afinal, H₂O pesa. Por outro lado, depois da Cúpula do Clima convocada por Joe Biden, já é possível vislumbrar o copo meio cheio – no bom sentido, é claro. As grandes potências parecem ter acordado para o significado da expressão emergência climática, o que é ótimo. O próprio presidente americano disse que é preciso limitar em 1,5°C o aumento médio da temperatura global até 2100 – o Acordo de Paris prevê, oficialmente, 2° C. “Estão deixando a gente sonhar”, já dizia o filósofo Ronaldinho Gaúcho.

É claro que nem tudo são flores. De acordo com a mesma pesquisa, caso as emissões de gases do efeito estufa continuem em desabalada carreira, o Ártico pode descongelar nos verões de 2040 em diante. O pior é que a economia mundial pode derreter junto. O quadro é tão sério que até o presidente brasileiro foi obrigado a reconhecer que as mudanças climáticas são resultado da ação humana, um dos últimos bastiões de sua cartilha negacionista. Caso o governo não demonstre seriedade, periga o Brasil ser abandonado no século XX por seus pares. Certa vez, o ex-presidente Collor comparou os carros brasileiros a carroças. Essa hipérbole pode deixar de ser figura de retórica: se até os Estados Unidos, que têm o petróleo entranhado em sua cultura, vão apostar na eletrificação de automóveis, quem vai comprar lá fora uma peça de museu movida a suco de dinossauro?

A boa notícia é que, com a água batendo em lugares, digamos, desagradáveis, os países começaram a se mexer. Na véspera da cúpula, a União Europeia (UE) anunciou que o bloco vai zerar as emissões de CO₂ até 2050 e as reduzirá em 55 % em relação aos níveis de 1990; Vladimir Putin, presidente da Rússia, se comprometeu a atingir neutralidade em carbono até 2025; e o Japão, a diminuir em 46%, até 2030. Os americanos também deram uma cartada alta: afirmaram que vão cortar as emissões de carbono em até 52% até 2030 – na era Barack Obama, a meta era reduzir de 26 a 28% até 2025. A onda verde contagiou até o presidente brasileiro, que prometeu duplicar a verba da fiscalização ambiental no encontro de líderes – para, no dia seguinte, cortar o orçamento do Ministério do Meio Ambiente. Como diz o ditado, o que é bom dura pouco. Nesse caso, muito pouco mesmo.

O fato é que águas passadas não movem moinhos e o mundo parece mesmo estar finalmente enxergando com novos olhos a questão ambiental. Na cúpula, Joe Biden falou explicitamente nos empregos que a indústria de energia eólica poderia gerar. Os líderes das principais nações agem por duplo pragmatismo. “Ações sobre o clima não são necessárias apenas para o futuro de nossas vidas e meios de subsistência. A ação climática é o principal motor do crescimento; é a história de crescimento do século XXI”, disse o ex-economista-chefe do Banco Mundial, Nicholas Stern. Gina McCarthy, assessora nacional de clima do presidente americano, foi ainda mais sincera: “É por isso que tantas pessoas estão se interessando pela questão das mudanças climáticas. Porque agora está sendo apresentado como uma oportunidade”. É como se alguém enfim tivesse lido o cartaz há anos exibido pelos ambientalistas, que diz “Quer saber como salvar a humanidade e ainda ganhar um troco? Pergunte como!”, e pensado “Hmmm… Acho que isso me interessa”. Óbvio que interessa!

Oba-oba à parte, é hora de arregaçarmos as mangas e trabalharmos por um mundo mais sustentável. Afinal, o copo só está meio cheio. É claro que esta missão envolverá desafios. Como ajudar, por exemplo, James Owuor? Retratado pela revista Time, este queniano viu as mudanças climáticas causarem o aumento das chuvas e a subida das águas em 12 metros no Lago Baringo, na região onde vivia. Com isso, ele perdeu não só sua casa como seu emprego em um resort que existia na região e teve de fechar. O que faremos em casos como este? As nações ricas sabem que as menos favorecidas vão precisar de ajuda para fazer a transição para uma economia mais sustentável. EUA, Noruega e Reino Unido criaram um fundo para brecar o desmatamento e o anfitrião Joe Biden também anunciou na cúpula que vai dobrar as verbas para ações climáticas em países em desenvolvimento. O Brasil já falou alto quando o assunto era o meio ambiente. Em vez de pedir dinheiro em troca da proteção da Amazônia, nós, brasileiros, deveríamos liderar essa revolução verde e ajudar o mundo a superar essa emergência. Em nome de que abrir mão desse privilégio?

 

#MeioAmbiente #MudançasClimaticas #Brasil #EmissoesdeCarbono

 

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Quebre o vidro

Quebre o vidro

“Em caso de emergência, quebre o vidro”; quando chega a esse ponto é porque a água está batendo no joelho ou a casa pegou fogo. A gente vivia há anos num inusitado estado de alerta apático, como se o amanhã pudesse ser adiado eternamente, até a Covid-19 nos dar um sacode. O novo coronavírus deu um estalo na Humanidade: estamos enfrentando diversas calamidades ao mesmo tempo porque tudo é causa e consequência. Não há como dissociar a pandemia, a crise econômica, a desigualdade social, o negacionismo e o desequilíbrio climático do modelo de desenvolvimento equivocado que abraçamos. Chegou a hora de tomar medidas drásticas, ou este será um abraço de afogados definitivo.

Melhor que curar uma doença é evitá-la. E não há vacina melhor contra novas catástrofes do que atacar sua origem. Mesmo que a economia global tenha tirado o pé do acelerador por causa da Covid-19, as concentrações de metano e dióxido de carbono na atmosfera aumentaram em 2020. Foi um aumento de 2,26 partes por milhão (ppm), o maior desde 2016. Os dados são da insuspeita Agência de Administração Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos (Noaa, na sigla em inglês). Por isso – e de olho no novo mercado que se descortina, evidentemente – tão logo trocaram o ocupante da Casa Branca, os americanos correram para tirar o atraso.

O presidente Joe Biden quer investir US$ 2,3 trilhões exclusivamente em infraestrutura e ao combate às mudanças climáticas, para que o país recupere o protagonismo mundial. Dessa montanha de dinheiro, US$ 174 bilhões serão investidos no setor de veículos elétricos; ou seja, os combustíveis fósseis começam a perder seu principal e mais renitente cliente. A China vinha investindo pesado em energias renováveis – e outras políticas de mitigação das mudanças climáticas – há anos. Todos podem sair ganhando nessa disputa das duas superpotências pelo pódio do desenvolvimento sustentável. Biden convocou uma Cúpula do Clima para os dias 22 e 23 próximos. Conversa séria, de gente grande.

Enquanto isso, o Brasil bate mais um recorde de desmatamento, o ministro do Meio Ambiente novamente falta com a seriedade publicamente, 58 milhões de pessoas passam fome, ainda temos um negacionista na Presidência e um a cada quatro mortos no mundo pela Covid-19 por dia é brasileiro. A boa notícia é que já tem gente quebrando o vidro de emergência; não fosse isso, já estaríamos irremediavelmente isolados ou vendidos. No último dia 13, por exemplo, seis jovens, dos movimentos Engajamundo e Fridays For Future, entraram na Justiça contra o governo, por “pedalada” ambiental.

Com o apoio de oito ex-ministros do Meio Ambiente, eles querem que o compromisso climático brasileiro para o Acordo de Paris, apresentado em dezembro, seja anulado. O governo se fez de desentendido e apresentou uma nova meta que permitirá ao país emitir, até 2030, 400 milhões de toneladas a mais do que o previsto. Entretanto, essa boiada não passou despercebida. No mesmo dia 13, o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) enviou uma carta ao governo pedindo metas ambientais mais ambiciosas. São 33 assinaturas, entre elas gigantes da indústria petrolífera como Shell, Ipiranga, Michelin e Braskem.

Além de atuar diretamente contra a pandemia, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) ganhou uma linha direta de comunicação com os Estados Unidos para temas relacionados à Amazônia. E a iniciativa de usar o martelo partiu do próprio Biden: foi o presidente americano quem solicitou a abertura deste canal. Governos vão e vem; então é melhor conversar logo com quem vem preservando a floresta há milênios, né? Como Gotas no Oceano, acreditamos que cada um pode fazer diferença se somado ao todo. Muitas vezes os movimentos sociais nascem de ações individuais – estão aí a Greta Thunberg e tantas outras para não nos deixar mentir. Quebre o vidro e encontre a sua capacidade para ajudar o mundo a sair dessa emergência.

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