Transição energética e a seca

Transição energética e a seca

Especialistas já avisavam que hidrelétricas poderiam interferir no curso dos rios e na dinâmica dos ciclos de cheia e vazante

Por Ricardo Baitelo*

Será que precisamos mesmo explorar petróleo na Foz do Amazonas para bancar nossa transição energética? A produção de energia eólica e solar cresce de vento em popa e de sol a sol. Como estamos falando de futuro, é bom lembrar que o mito de que “hidrelétrica é energia limpa” ficou no século passado. Belo Monte está aí para provar isso. E o agravamento das mudanças climáticas — que impõe aos rios da Amazônia a maior seca da História e, no início do mês, levou a Hidrelétrica de Santo Antônio, no Rio Madeira, a desligar as turbinas — reforça esse alerta.

Como contra-argumento à construção de Belo Monte, que está matando o Rio Xingu, já falávamos sobre o potencial das fontes renováveis. Quando a obra começou, já havia acontecido o primeiro leilão de energia eólica. Os primeiros leilões de fotovoltaicas saíram entre 2013 e 2014.

Previa-se que sol e vento tivessem uma participação relevante na descarbonização da matriz energética brasileira em 2050, mas isso aconteceu já nesta década. Nos últimos dois anos, as fontes eólica e solar passaram de 30 GW para mais de 60 GW de capacidade instalada. De agosto de 2022 a agosto de 2023, foram quase 20 GW de crescimento de energia solar distribuída, fazendas solares e parques eólicos, avanço que corresponde ao previsto por projeções governamentais passadas para um período de dez anos — superando o que Belo Monte produz por ano.

Entre os fatores que puxaram esse crescimento, estão incentivos às fontes e condições para sua competitividade nos leilões de energia; a evolução do mercado livre e a aprovação de um marco legal para geração distribuída, que passou a ser respaldada por uma lei federal. A redução de incentivos também provocou uma corrida para a instalação de sistemas fotovoltaicos em 2022.

Mas é preciso que haja planejamento e equilíbrio nessa transição. A instalação de parques eólicos vem causando impactos socioambientais no Nordeste, onde, segundo o MapBiomas, 40 quilômetros quadrados de Caatinga foram desmatados só em 2022 para a construção de complexos eólicos e solares. Isso sem falar em contratos injustos de arrendamento de terras.

O próximo passo para que o Brasil descarbonize sua geração de energia a partir de uma transição justa é aperfeiçoar os critérios socioambientais de aprovação e instalação desses projetos, que muito em breve dividirão o protagonismo da matriz brasileira com as hidrelétricas, altamente vulneráveis a secas e cheias extremas, cada vez mais frequentes.

O cenário atual de seca na Região Norte era previsto. Especialistas já avisavam que o regime hídrico seria impactado cada vez mais por fenômenos climáticos, que as hidrelétricas poderiam, no longo prazo, interferir no curso dos rios e na dinâmica dos ciclos de cheia e vazante e que as mudanças climáticas reduziriam a produção de energia de hidrelétricas na Amazônia. Enquanto os dias de sol e calor batem sucessivos recordes, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) paralisa hidrelétricas por causa da seca e usa diesel para suprir a demanda. A estratégia do governo contra a seca foi acionar termelétricas — elevando nossas emissões, agravando a crise do clima e afastando o Brasil do Acordo de Paris.

O problema de situações de crise é que raramente há alternativas milagrosas de curto prazo. Mas podemos aprender com as oportunidades, para que o cenário não se repita — e para que regiões do país não fiquem vulneráveis em cenários de seca e sujeitas ao acionamento de termelétricas poluentes e caras.

Uma transição energética justa pode fazer a diferença na busca do Brasil por um papel de protagonista global. Para isso, ela deve acompanhar um debate que envolva a proteção das populações tradicionais e a biodiversidade. Afinal, os bons ventos precisam chegar ao país inteiro, e o sol brilhar para todos.

*Ricardo Baitelo, doutor em planejamento energético pela Escola Politécnica da USP, é gerente de projetos do Instituto de Energia e Meio Ambiente

Amazônia em colapso

Amazônia em colapso

Por Vinícius Leal e Monica Prestes

Focos de queimadas por todo lado, fumaça encobrindo florestas e cidades, rios secando em uma velocidade nunca antes registrada, provocando a mortandade de animais, com recordes de temperatura dentro e fora da água. No desidratado lago de Tefé, no Médio Solimões, interior do Amazonas, onde mais de 120 botos morreram desde a semana passada, a água chegou a 40°C, oito acima da média. Enquanto isso, os termômetros em Manaus bateram o recorde histórico três vezes em uma semana. 

Fenômenos naturais que ensinaram as populações amazônidas a serem resilientes, como as ‘terras caídas’, erosão nas margens dos rios provocada pela vazante, este ano estão ganhando dimensões e contornos dramáticos, com desbarrancamentos engolindo casas e ruas, tragédia que aconteceu em Beruri, no interior do Amazonas, e que ameaça outras comunidades às margens dos rios Purus, Amazonas e Solimões. 

Cidades inteiras, cujo acesso só se dá pelos rios, correm o risco de ficar isoladas – 40 dos 62 municípios do Amazonas já decretaram emergência. Único meio de transporte em muitas delas, barcos e balsas estão encalhados nos leitos dos rios, carregados com alimentos, mantimentos e medicamentos que, em breve, devem faltar na mesa dos mais pobres e pesar no bolso de quem ainda puder pagar por eles. E sabe o que já está faltando? Água potável. Na maior bacia hidrográfica do mundo. 

Um cenário apocalíptico que é resultado das mudanças climáticas somadas ao aquecimento anormal do Atlântico, e que ainda devem receber o reforço do El Niño nos próximos meses. Fórmula que transformou a tragédia, antes anunciada, numa rotina, com uma sucessão de notícias e cenas estarrecedoras, que chocam até quem é da região e convive com o ciclo das águas todos os anos, e trazem um alerta: a Amazônia está entrando em colapso.

 De 2009 pra cá, a Amazônia vem enfrentando sucessivos recordes de cheias. As enchentes extremas do Rio Negro – quando seu nível ultrapassou a marca de 29 metros –, que aconteceram três vezes entre 1989 e 2008, triplicaram nos últimos 15 anos. Apesar dos inegáveis impactos das cheias, é a vazante dos rios que mais castiga a Amazônia. E os intervalos entre as secas extremas também vêm diminuindo. 

Desde 1902, quando a medição do Rio Negro começou a ser feita no porto de Manaus, a cota mínima só ficou abaixo de 15 metros nove vezes. Em duas dessas ocasiões – 2010, ano da maior seca já registrada, e 1963 – o Negro chegou a menos de 13 metros. O diferencial de 2023 é que em nenhuma dessas secas a vazante se deu num ritmo tão intenso: desta vez, o rio chegou a baixar mais de 30 centímetros por dia durante duas semanas consecutivas. 

Com o rio em 14,90 metros, esta vazante já é a 9ª maior em 121 anos e o rio deve seguir baixando até meados de novembro. Com chuvas abaixo da média nos próximos três meses, os impactos podem se estender até 2024 e os rios ‘podem não se recuperar’ nem no próximo ciclo de cheia, alertam pesquisadores. Se as previsões se confirmarem, os rios Negro, Solimões, Purus, Madeira e Amazonas devem ter a maior seca da história, afetando milhões de vidas, humanas e não humanas – a fauna é extremamente sensível, dependente das águas. Só no Amazonas já são mais de 257 mil pessoas afetadas e podemos chegar a 500 mil em toda a região. 

O cenário é dramático também na bacia do Rio Branco, no Acre, onde há falta de água potável e a produção rural despencou. Em Rondônia, a vazante do Rio Madeira levou o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) a suspender as operações na Usina Hidrelétrica de Santo Antônio, a quarta maior do país – mesmo risco de paralisação que vem sendo monitorado nas hidrelétricas do Amapá.

Até o principal vetor de desmatamento da Amazônia está sendo afetado: no sudeste do Pará, o pasto morreu e produtores de gado não têm como alimentar os animais. Mais de 100 já morreram de fome, numa estiagem que castiga há meses as calhas dos rios Araguaia e Tocantins. Segundo o Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), 79 municípios da Região Norte tiveram mais de 80% de suas áreas agrícolas impactadas pela seca. E quando os ‘rios voadores’, que alimentam o agronegócio do Centro-Oeste, também secarem? 

Especialistas alertam que essa tragédia sem precedentes que assola a região é uma pequena amostra do que pode acontecer quando a Amazônia atingir o ponto de não retorno. O que, pelos cálculos da ciência, está bem perto de se concretizar. Já desmatamos 19% da floresta e o ponto de inflexão se dará quando atingirmos entre 20% e 25% de desmatamento no bioma.

Confirmando as previsões da ciência, indígenas, quilombolas, extrativistas e ribeirinhos estão entre as primeiras populações afetadas. É o que chamam de racismo ambiental: apesar de serem responsáveis pela proteção de 80% da biodiversidade do planeta e de mais de um terço das florestas do Brasil, os povos tradicionais seguem à margem dos debates e decisões políticas que os impactam. 

Foi assim com o Projeto de Lei (PL) 2903, proposta recheada de inconstitucionalidades que abre as terras indígenas, últimas barreiras contra o desmatamento, para o agronegócio e mineradoras – o que deve agravar ainda mais as emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) e os impactos das mudanças climáticas. O projeto de lei, que passou pelo Senado e foi enviado para sanção presidencial em uma velocidade maior do que a vazante dos rios, teve o apoio da maioria da bancada da Amazônia no Senado: apenas seis dos 27 senadores dos estados da Amazônia Legal votaram contra a proposta, que foi rechaçada pelos movimentos indígena, quilombola e extrativista, que apoiaram a eleição de Lula e agora esperam que ele vete integralmente o texto.  

Outra ameaça que pode agravar a crise ambiental na Amazônia é a decisão do governo federal de explorar petróleo no Amapá, que vai de encontro às metas assumidas pelo Brasil no Acordo de Paris e a todos os alertas do IPCC e da Agência Internacional de Energia para evitar o aumento da temperatura média global.  

A demarcação e proteção de terras de povos tradicionais, a elaboração de planos de mitigação baseados na justiça climática, a promoção de uma transição energética sustentável e a construção de um novo modelo de desenvolvimento para a Amazônia que considere direitos e conhecimentos dos povos tradicionais são parte da solução. Mas é preciso agir rápido, pois a roda do fim do mundo parece já ter começado a girar. Sem água e sufocada, – não pela falta de oxigênio, como na pandemia, mas pela fumaça das florestas em chamas – até quando a Amazônia terá fôlego para resistir?

Raposa Serra do Sol O Legado da Demarcação

Raposa Serra do Sol O Legado da Demarcação

Os povos indígenas venceram mais uma batalha no Supremo Tribunal Federal na semana passada, que fez o óbvio e considerou a tese do “marco temporal” inconstitucional. Mas a guerra não terminou. Os ministros ainda vão ter que se debruçar sobre as condicionantes propostas por Alexandre de Moraes e Dias Toffoli – como, por exemplo, definir as indenizações dos ocupantes de suas terras e quem as ocupou por “boa fé” – e novamente enfrentar a insaciável bancada ruralista, que promete contra-atacar no Congresso. Em defesa dos povos originários contra essas propostas, um artigo assinado por Enock Taurepang, vice-coordenador do Conselho Indígena de Roraima (CIR), e Alcebias Sapará, vice-coordenador geral da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), conta como a Terra Indígena Raposa Serra do Sol se tornou um dos melhores exemplos de que a política de demarcação é bem-sucedida e a melhor solução para produzir preservando o meio ambiente.

*Por Enock Taurepang e Alcebias Sapará

A Raposa Serra do Sol está chegando à maioridade em grande estilo. Basta comparar o que ela é hoje ao que era há 18 anos para entender a importância da demarcação de terras indígenas. Lá não tem criança dormindo na rua ou gente na fila do osso. Os invasores chegaram à região a partir dos anos 1990, derrubando a floresta, arruinando a terra e envenenando os rios. Como não tínhamos o que comer — não havia mais peixe, caça e solo fértil —, éramos obrigados a trabalhar para arrozeiros ou garimpeiros. Nessa época, poucos se preocupavam se estávamos passando necessidade.

Não foi fácil arrumar a casa. Em 2005, quando foi homologada a demarcação, as fazendas que ocupavam a Raposa Serra do Sol tinham virado terra arrasada: a água estava poluída, puseram todas as construções abaixo e envenenaram a última safra de arroz. E os invasores foram devidamente indenizados. Hoje cinquentenário, o Conselho Indígena de Roraima (CIR) nasceu da necessidade e amadureceu na luta. Cada vitória e derrota serviu de experiência.

A tese do “marco temporal”, ora em avaliação no Supremo Tribunal Federal (STF), foi cogitada como forma de garantir a demarcação de nosso território de forma contínua — mas sequer chegou a ser utilizada. O decreto que homologou a Raposa Serra do Sol em 2005 foi alvo de várias contestações judiciais, mas em 2009 parecia que o STF havia batido o martelo definitivamente: o “marco temporal” só valeria para aquele caso.

Aprová-lo agora seria não apenas uma incoerência, como uma punição para quem age corretamente. Afinal, revitalizamos nosso lar seguindo o que prevê a Constituição: usamos a terra somente para exercer nossa cultura e retirar nosso sustento. Nossos costumes ajudam a preservar o meio ambiente porque fazemos parte do ecossistema local; não vivemos na ou da floresta, mas com ela. Já o “marco temporal” é inconstitucional e antinatural.

Em 22 de agosto, durante a nossa sexta assembleia, aprovamos os nossos Protocolo de Consulta e Plano de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA). Elaborados coletivamente, são estes dois documentos que guiarão, a partir de agora, nossas ações e decisões. Daremos atenção especial à educação, para reforçar o ensino da língua materna de cada povo e o uso da medicina tradicional. Se vivemos da mesma forma que nossos ancestrais há milênios, é porque deve ser uma boa forma de viver, não? Nossas terras se prestam naturalmente à agricultura e à criação de animais. Não precisamos desmatar ou modificar o solo para lhe impor uma monocultura invasora.

Por outro lado, como qualquer cultura, assimilamos costumes. Não estamos mais nos tempos da caravela: se Cabral chegou aqui em 44 dias, hoje um português chega à Bahia em pouco mais de oito horas e meia. Daí a decisão de, desde sempre, investirmos na educação formal dos mais jovens. Hoje, nossos departamentos de comunicação e jurídico são formados por jornalistas e advogados indígenas. Aliás, foi do último que veio Joenia Wapichana, primeira mulher indígena deputada federal e primeira mulher presidente da Funai. Estamos na linha de frente até na luta contra o machismo.

Somos cinco povos diferentes vivendo num território do tamanho de Sergipe. O mundo é cheio de exemplos de conflitos envolvendo situações semelhantes. Os povos macuxi, wapichana, taurepang, patamona e ingarikó têm seus próprios costumes, mas as diferenças nos atraem, em vez de nos repelir. A união e o respeito são a base de nossa relação; e a Raposa Serra do Sol, a prova concreta da eficiência da política de demarcações.

* Enock Taurepang é vice-coordenador geral do Conselho Indígena de Roraima (CIR), organização que representa nove povos em 35 terras indígenas do estado, incluindo a Raposa Serra do Sol, Alcebias Constantino Sapará é vice-coordenador geral da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira

Dia do orgulho indígena

Dia do orgulho indígena

O resultado do Censo do IBGE seria a justificativa perfeita para a criação do Dia do Orgulho Indígena. Sigam nosso raciocínio: hoje, 1.693.535 de nós, brasileiros, se declaram assim. Pouco mais da metade dessas pessoas vive na Amazônia Legal. No censo anterior, o IBGE contou 896.917; um aumento de 88,82% em 12 anos. De 2010 para cá, a população total cresceu 6,5%. Mas não houve um baby boom nas aldeias: o que aumentou foi o número de pessoas que se autodeclararam indígenas. O orgulho e um chamado as fizeram abraçar suas raízes, que estão calando o medo da perseguição e do preconceito. Afinal, a Terra grita por socorro; que os ministros do Supremo Tribunal Federal também a ouçam no julgamento do “marco temporal”, que será retomado esta semana.

Não há mão de obra mais qualificada para enfrentar as mudanças climáticas. Os povos originários são guardiões da floresta, mas também protetores do clima. E 867,9 mil deles, mais da metade, vivem na Amazônia Legal, que tem papel relevante para manter o equilíbrio do clima no planeta. O Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e o Centro de Pesquisa em Clima Woodwell divulgaram uma nota técnica que atesta que a temperatura média anual no Território Indígena (TI) do Xingu é 5°C menor do que em sua vizinhança, castigada pelo agronegócio; em geral, as temperaturas nas TIs são 2°C mais baixas do que em áreas não protegidas. Por que será?

A floresta é um ar-condicionado natural, graças a um fenômeno chamado evapotranspiração, que faz a vegetação mandar vapor d’água para cima, como se chovesse ao contrário. As TIs ajudam a temperatura do resto do mundo a ser menos infernal ao guardar 55 bilhões de toneladas de carbono, o que dá 26 anos de emissões brutas do país inteiro. Sem esse serviço ambiental, gratuito, natural e eficiente, o Brasil não cumpre as metas do Acordo de Paris – e se esses 55 bilhões de toneladas de carbono forem para a atmosfera, as portas da extinção serão escancaradas. O MapBiomas divulgou, no fim de agosto, um levantamento preocupante: o país perdeu 960 mil km² de vegetação nativa entre 1985 e 2022 – o que dá duas Alemanhas e meia de extensão e uns graus a mais na temperatura global. 

As TIs são as áreas menos desmatadas, com apenas 1% do total. Essas terras resguardam 19% da vegetação nativa do país em 13% da área total de seu território, mas estão ameaçadas. Além de não demarcar nenhuma TI, o governo anterior estimulou a motosserra a cantar e, de 2018 a 2022, foram desmatados 128 mil km² de vegetação nativa, 120% a mais que entre 2008 e 2012. A destruição, agora, parece sob controle – de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), ela diminuiu 42,5% entre janeiro e julho deste ano, em comparação com o mesmo período de 2022. 

Ainda assim, continuamos na beira do ponto de inflexão da Amazônia, quando a floresta não conseguirá mais se regenerar. A gente não quer pressionar, longe de nós influenciar os votos dos Excelentíssimos Ministros do STF, mas seria de bom tom lembrar que o julgamento marcado para esta quarta não decide apenas as vidas de 1.693.535 de brasileiros, mas de todos os habitantes do planeta. Que a decisão deles dê a todos nós um motivo de orgulho. 

Saiba mais

Terras indígenas, “ar-condicionado” do Brasil: Xingu tem 5°C a menos que áreas desmatadas

https://ipam.org.br/terras-indigenas-ar-condicionado-do-brasil-xingu-tem-5c-a-menos-que-areas-desmatadas/

Brasil perde 2,5 Alemanhas de vegetação nativa em 38 anos, diz estudo

https://noticias.uol.com.br/colunas/carlos-madeiro/2023/08/31/pais-perde-area-de-25-alemanhas-de-vegetacao-nativa-em-38-anos-diz-estudo.htm

Dados do Censo 2022 revelam que o Brasil tem 1,7 milhão de indígenas

https://www.gov.br/funai/pt-br/assuntos/noticias/2023/dados-do-censo-2022-revelam-que-o-brasil-tem-1-7-milhao-de-indigenas

O que explica alta de quase 90% na população indígena registrada pelo Censo 2022

https://www.bbc.com/portuguese/articles/c6pw10g6w4xo

Mulheres indígenas em defesa da vida

Mulheres indígenas em defesa da vida

Por Vinícius Leal

Se não é fácil ser mulher nesse mundo cruel, imagina ser mulher indígena? Segundo a ONU, há 238,4 milhões delas espalhadas pelos cantos do globo. Elas são fundamentais para o bem-estar de suas famílias, das comunidades onde vivem e do próprio planeta: como estão na linha de frente da preservação da natureza, formam, junto com os biomas que protegem, a principal barreira contra as mudanças climáticas. Como além de cruel o mundo é ingrato, em geral elas recebem em troca descaso e opressão. Mas jamais fogem à luta. E suas armas são muitas.

Foi num período especialmente dramático para os povos originários do Brasil que muitas mulheres indígenas encararam mais um desafio: o da reinvenção. Durante a onda da Covid-19 em Manaus, no coração do Parque das Tribos, o maior bairro indígena do país, onde vivem mais de 700 famílias de 35 etnias, surgiu um novo jeito de gerar renda e resistir à necessidade. Impossibilitadas de saírem de casa para vender suas obras artesanais ou trabalhar como empregadas domésticas – atividade que a maioria exercia –, elas começaram a costurar máscaras de proteção contra o coronavírus. Usaram de uma velha arte para combater um novo inimigo.

Vanda Witoto, coordenadora do Ateliê Derequine, faz parte desse grupo de empreendedoras. “Antigamente fazíamos nossas produções de roupa a partir das cascas de pau, como o tururi. A minha mãe costurou a vida inteira, aprendeu com minha avó, que foi ensinada pelas freiras. Mas foi na pandemia que começamos a estruturar o nosso ateliê com a produção de máscaras. Muitas mulheres receberam formação para produzir peças de roupa. Isso nos motivou”, explica ela, que também é profissional da saúde, professora e liderança política. Nas últimas eleições, recebeu mais de 25 mil votos para deputada federal, mas não se elegeu por conta do coeficiente partidário.

Foi quando faziam esse trabalho que a virada de chave para o mundo da moda se deu. A partir de então, formou-se um coletivo de criação e de empreendedorismo feminino indígena. “A primeira peça que criamos foi um poncho com a representação do topo da maloca do povo Witoto. A gente fez aplicação de todos os grafismos de triângulo da maloca na peça e isso fez um estalo na cabeça. Eu falei ‘mãe, a gente tem um potencial, essas mulheres não têm renda fixa, vamos nos organizar’. Aí articulamos parcerias para doação de máquinas de costura e oficinas, o que qualificou a gente”, conta Vanda.

Naquela época também nascia uma cena de moda cada vez mais forte em Manaus, que começou a ascender no mercado nacional. Foi aí que o Ateliê Derequine estabeleceu parcerias, ganhou impulso e vem se consolidando como marca, transformando a ancestralidade em traços únicos que traduzem a resistência dos povos e geram renda. O Ateliê é um dos 32 projetos de organizações indígenas da Amazônia financiados pelo Fundo Podáali, o primeiro fundo comunitário indígena, criado e administrado totalmente por indígenas, para indígenas.

Seguindo o mesmo propósito de fortalecimento da autonomia da mulher indígena através da arte e da economia, o projeto Kywagâ – Contrução da Casa de Artesanato, Arte e Moda das Mulheres Kurâ – Bakairi, também é apoiado pelo Podáali. Na parceria, os recursos vêm sendo utilizados para a construção da sede do projeto, o que incentiva a profissionalização. As condições de trabalho e a geração de renda também ganham melhorias a olhos vistos para 20 mulheres do Kywagâ e suas famílias, beneficiando, direta e indiretamente, 300 indígenas das comunidades Aki Ety, Paikum, Aturua, Pakuera e Kuiakware, em Mato Grosso.

Para Rosi Meire Apurinã, vice-diretora do Podáali, o fato de ser um fundo de financiamento que arrecada e aplica recursos em iniciativas geridas por mulheres indígenas, reforça a missão de transformar o presente e o futuro dos povos originários através da descolonização da economia e de ações de sobrevivência protagonizadas por eles próprios. 

“O Podáali tem como uma de suas premissas  fazer com que os recursos cheguem no território respeitando as formas próprias de organização social de cada povo, e é um processo incidir na filantropia, incidir nos doadores, que geralmente têm processos burocráticos que não conversam com as diferentes formas de organização social. ⁹⁹A nossa primeira chamada, que apoiou projetos de até R$ 50 mil, é reflexo disso”, afirmou, referindo-se às iniciativas apoiadas pela 1ª Chamada do Podáali, “Amazônia Indígena Resiste”.

O resultado dessas potências em gestão, financiamento, empreendedorismo e arte produzida por mulheres indígenas esteve representado em Brasília (DF) durante a 3ª Marcha das Mulheres Indígenas, o maior evento de mobilização indígena feminina do país. Os dois coletivos, Ateliê Derequine e o projeto Kywagâ, participaram do Desfile das Originárias da Terra, realizado durante a programação cultural do evento, e que contou com a presença de inúmeras lideranças, artistas de moda e personalidades indígenas.

O nosso desfile ancestral, que conta com mulheres de vários biomas, descoloniza a moda. Quantas vezes nos perguntaram se passamos batom? Passamos batom para não deixar a boiada passar, passamos batom e acertamos os tons para não deixar o marco temporal passar”, bradou a deputada federal Célia Xariabá (PSOL-MG) na abertura do desfile.

Sob o tema “Mulheres Biomas em Defesa da Biodiversidade pelas Raízes Ancestrais” e organizado pela Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga) e pelo movimento “Mulheres Biomas do Brasil”, a marcha reuniu mais de 5 mil mulheres indígenas de todas as regiões do país para debater soluções e encontrar caminhos para os desafios vividos pelos povos originários. Entre eles, o combate à violência de gênero e violência política e o empoderamento feminino nos espaços de poder e pela luta de direitos. Com criatividade, coragem, batom ou urucum, elas seguem em frente, seja nas passarelas ou no ‘front’

Foto: Nathalie Brasil / Ateliê Derequine

Saiba mais:

https://www.nationalgeographicbrasil.com/historia/2023/09/dia-internacional-da-mulher-indigena-por-que-a-data-e-celebrada-em-5-de-setembro 

https://www.gov.br/funai/pt-br/assuntos/noticias/2023/dia-internacional-da-mulher-indigena-2013-entenda-a-importancia-da-data 

https://amazoniareal.com.br/terceira-marcha-mulheres-indigenas/ 

https://anmiga.org/iii-marcha-das-mulheres-indigenas-2023/ 

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