setembro 2022 | Direitos humanos, Eleições
por Danielle Amaral* e Gabriela Borges*
A cena se passa em 2022. O projetor das eleições é ligado e a tela finalmente dá protagonismo a quem por muitos anos foi relegada ao papel de coadjuvante: a juventude. Segundo o IBGE, 47 milhões de brasileiros têm de 15 a 29 anos. Por outro lado, a população brasileira está envelhecendo rapidamente. Hoje, são 15,7% de pessoas com mais de 60 anos e a Organização Mundial de Saúde calcula que até meados dos anos 2050 um em cada três brasileiros terá ultrapassado essa idade. Por isso é fundamental apontar os holofotes para quem cuidará do país no futuro, caso a gente queira um final feliz.
Não é o que tem acontecido. Uma pesquisa feita pela ONG Engajamundo, em parceria com os Institutos Cíclica e Veredas, comprova que nos últimos dois anos as políticas públicas para jovens foram reduzidas pela metade. Os dados apresentados demonstram uma negligência ainda maior aos mais vulneráveis, como as juventudes negra, indígena e LGBTQIA+. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) registra mais de 21 milhões de eleitores na faixa dos 16 a 24 anos. Os jovens têm o poder e o dever de mudar esse roteiro trágico.
Incentivo para isso não faltou. Foram várias as iniciativas para impulsionar a participação desse grupo na política, principalmente no que diz respeito ao primeiro voto. Dada a largada do ano de eleitoral, o TSE e ONGs como o Nossas entraram de cabeça nessa campanha. A mobilização tomou conta do país, e artistas como Anitta, Juliette, Bruna Marquezine, Zeca Pagodinho – e até mesmo estrangeiros, como Mark Ruffalo e Leonardo DiCaprio – entraram na ciranda para estimular jovens de 16 e 17 anos a tirarem seus títulos de eleitor. E muita gente caiu nessa dança.
Mesmo que o voto seja facultativo para essa faixa etária, o resultado de tanta mobilização foi bastante fértil: entre janeiro e abril de 2022, o país ganhou mais 2.042.817 jovens eleitores, um aumento de 47,2% em relação ao mesmo período em 2018. Esse é só o início da realização de nossos sonhos, que serão construídos nas urnas. Como canta o pernambucano Siba, “cada vez que eu dou um passo, o mundo sai do lugar”. O primeiro passo foi dado, o objetivo agora é que o mundo saia do lugar de encontro à juventude!
Mas a luta só começou. Só 3% dos deputados federais têm menos de 30 anos; a imensa maioria já passou dos 50. Como ninguém vive para sempre, seu futuro tem um horizonte curto: boa parte deles não estará mais entre nós em 30 anos. E é justamente a Câmara que cria as leis e fiscaliza o Poder Executivo. Entendeu agora porque não estamos incluídos na construção de políticas públicas justas para o nosso perfil? É preciso começar a ocupar esse espaço também. Porque o perigo mora ao lado, não só em Brasília
O voto jovem precisa ter consciência de que só votar no melhor candidato para Presidente da República não resolve. Deputados, senadores e governadores também são responsáveis por decidir os caminhos de nossas vidas. E são eles que estão logo ali nas ruas disputando votos no corpo a corpo. O que podemos esperar do futuro num país que corre na Câmara a aprovação para o Pacote Veneno – que libera muito mais agrotóxicos no Brasil, aumentando os danos à saúde pública e ao meio ambiente – assim como outros Projetos de Lei que limitam a demarcação e liberam a mineração em terras indígenas, além de estimularem e a grilagem e a violência.
O agora deles é o nosso futuro. O Greenpeace Brasil lançou a campanha Voto Sem Vacilo, com o objetivo de conscientizar o jovem – mas não só ele –, de forma lúdica e didática, sobre a importância do voto socioambiental. No seu site, o eleitor encontra um guia que descreve as pautas que estarão em jogo depois das eleições e quais as candidaturas estão verdadeiramente comprometidas pautas ligadas à preservação do meio ambiente e com o bem-estar da sociedade.
Nesse momento, o tique-taque do relógio do fim do mundo está acelerado e indica para um esgotamento do planeta num futuro próximo. Sequer sabemos se ainda há tempo para fazer frente às mudanças climáticas. A questão é que, daqui a 10, 20, 30 anos, serão os jovens que estarão aqui para ver o resultado dessa aposta arriscada no desenvolvimento a qualquer preço. E o seu voto vale muito mais que dinheiro.
O filme ainda não acabou. Por isso, ainda que a urna seja uma caixa pequena demais para guardar todos os nossos sonhos, ela é a nossa principal esperança de garantirmos o desfecho que merecemos. Um futuro que não se inicia no amanhã; para nós ele acontece no agora. Vote socioambiental, vote verde, vote jovem!
*Danielle Amaral é mulher preta nordestina e interiorana. É formada em Relações Internacionais, ativista socioambiental e Diretora Executiva da ONG Engajamundo.
*Gabriela Borges: Não binárie, graduanda em Psicologia, ativista, pesquisadora e comunicadora na ONG Engajamundo e é responsável pelas redes sociais da Uma Gota no Oceano.
Saiba mais:
TSE lança campanha para incentivar maior participação dos jovens na política
Nova campanha do TSE convida jComo foi o seu primeiro voto? Ativistas relembram
Como foi o seu primeiro voto? Ativistas relembram
Greenpeace faz campanha para incentivar o voto em candidatos com pautas ambientais
Nos últimos dois anos, políticas públicas para jovens no Brasil reduziram cerca de 50%
Guia Amazônia Legal e o futuro do Brasil um raio-x dos 9 estados da região entre 2018-2022
TSE comemora marca histórica de jovens eleitores nas Eleições 2022
Artistas fazem campanha para incentivar jovens a votar em outubro
Voto Verde 2022
ONGs se reúnem em mobilização nacional para incentivar jovens ao 1º voto
Importância da juventude na política e no voto
‘Falta ensinar aos jovens a importância da democracia’
Nova composição da Câmara ainda tem descompasso em relação ao perfil da população brasileira
Guia do voto sem vacilo
Apesar da renovação, deputados com menos de 30 anos não passam de 3%
Juventudes de Recife e mais 15 cidades mobilizam intervenções artísticas e educacionais para Eleições
Mundo tem apenas três anos para impedir catástrofe climática, diz IPCC
Mesmo que metas sejam cumpridas até 2030, planeta aquecerá 2,7ºC
Mundo está à beira de cinco pontos irreversíveis de desastre climático, segundo estudo
agosto 2022 | Desmatamento
É num piscar de olhos: 18 árvores foram derrubadas por segundo na Amazônia em 2021. A estimativa do Mapbiomas, parece daqueles números impossíveis de se imaginar. Já de acordo com o sistema de alerta do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), desmatou-se 16.557 km² de florestas no ano passado no Brasil, o equivalente a quase três vezes a área do Distrito Federal – e um número 20% maior que o de 2020. Piscou, perdeu: a destruição nos primeiros quatro meses do ano foi 1.968 km², um aumento de 70,7% em relação a 2021, um recorde de velocidade absoluto. Mas não adianta chorar sobre a árvore derrubada; é hora de frear esse trator desgovernado.
Por exemplo: já é possível medir o tamanho do estrago de uma das maiores obsessões deste governo, a liberação da mineração em terras indígenas. Uma pesquisa da Escola Politécnica (Poli) da USP calcula que, em 30 anos perderíamos 7.626 km² de Amazônia abrindo só dez áreas do Amapá e do Pará para o garimpo. Isso dá cinco vezes o tamanho do município de São Paulo.
O estudo da Poli, publicado na revista “Nature Sustainability, usou como exemplos a Renca (Reserva Nacional de Cobre e Associados), duas terras indígenas e várias áreas de preservação. “Metade de todo esse desmatamento aconteceria em áreas de alta importância para conservação da biodiversidade, evidenciando a importância do estabelecimento de áreas protegidas, em que a mineração e seus impactos não são permitidos”, explica Juliana Siqueira-Gay, engenheira ambiental e coautora da pesquisa.
Só no primeiro momento, com o trabalho de escavação de novas minas, a Amazônia perderia 183 km² de floresta. Para se ter uma ideia, todo o parque de mineração do Pará atual, o estado da região onde a atividade é mais praticada, ocupa 337 km². A destruição total de 7.626 km² calculada pelo estudo seria atingida em seguida, por vias indiretas, como a construção de infraestrutura – pistas de pouso, estradas e depósitos.
Além do tamanho do prejuízo para o meio ambiente, outra coisa já se sabe de antemão: o lugar de onde essa riqueza é extraída é o menos favorecido por ela. O ouro vai embora e ficam a violência, a morte de rios e lagos, e a destruição do verde. A liberação da mineração em terras indígenas é uma medida defendida somente pelo governo, pois mesmo as grandes mineradoras já se manifestaram contra. Em nome de quê?
A Amazônia já foi uma grande fornecedora de oxigênio, mas hoje emite mais CO₂ do que absorve; já foi chamada de ar-condicionado do planeta, porém já existem partes da floresta que hoje são fontes de calor. Mondo afora a situação não está melhor: as metas do Acordo de Paris já estão totalmente ultrapassadas e um estudo do Centro de Biodiversidade e Mudanças Climáticas do Instituto de Pesquisa de Produtos Florestais e Florestais, no Japão, concluiu que a área de floresta per capita no mundo diminuiu 60% em 60 anos.
Está em nossas mãos botar o clima do planeta nos trilhos. Se a gente fizer o trabalho direitinho, termina o serviço num piscar de olhos. Tem um belo atalho bem à nossa frente, ele se chama eleição.
Saiba mais:
Danos causados pela liberação da mineração em floresta protegida na Amazônia são calculados em estudo
Desmatamento aumentará se Brasil legalizar mais mineração na Amazônia, diz estudo – Abertura ao garimpo de dez áreas de Pará e Amapá causaria em 30 anos a perda de área equivalente a cinco vezes a cidade de São Paulo
Planilha revela loteamento político para quem é “a favor do governo” nas terras
Especialista traça crise ambiental generalizada no país: ‘Parte da Amazônia passou a ser fonte de calor’
Levantamento por satélite aponta 1.269 pistas clandestinas a serviço do garimpo na Amazônia
Amazônia tem 362 pistas de pouso clandestinas perto de áreas devastadas pelo garimpo
Ibama de Bolsonaro está destruindo a Amazônia
A urgente agenda ambiental perdida
Área de floresta per capita no mundo caiu 60% em seis décadas, diz estudo
Amazônia tem aumento de 8% nos incêndios em julho em comparação ao ano passado, apontam dados do Inpe
Incêndios na Amazônia brasileira aumentaram em julho
À mercê de mudanças climáticas, Bacia Amazônica perde área três vezes maior que estado de São Paulo
junho 2022 | Agronegócio
por Eduardo Souza Lima
Não adianta culpar a guerra na Ucrânia ou o coronavírus: não há justificativa que explique o aumento da fome no Brasil. A hipótese mais provável é que se trate de um projeto, não mera consequência de medidas desastradas. De que outra forma é possível explicar que ao mesmo tempo em que as exportações do agronegócio renderam, em março, a soma recorde de R$ 14,5 bilhões, hoje 33,1 milhões de brasileiros não tenham o que comer, contra 19 milhões em 2020? “Quem recebe R$ 400 por mês de Auxílio Brasil, pode ter dificuldade, mas fome não passa”, minimizou a tragédia o senador Flávio Bolsonaro.
Quando fala em “dificuldade”, o filho do presidente deve estar se referindo aos 60% da população que sofre algum tipo de insegurança alimentar – como ter que escolher entre jantar ou almoçar. Os dados são do mesmo levantamento do instituto Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan) que apontou o espantoso aumento de famintos no país em dois anos. Já de acordo com a Associação Brasileira de Supermercados (Abras), a cesta básica está custando no país, em média, R$ 758,72. O presidente prometeu que faria o Brasil voltar a ser o que era há 40, 50 anos; neste quesito em particular, já são quase 30, pois regredimos ao patamar de 1993.
O salário-mínimo, renda máxima de 38% dos trabalhadores do país, está em R$ 1.212; cerca de 18,1 milhões de pessoas receberam em maio a merreca de 400 pratas do Auxílio Brasil, segundo o Ministério da Cidadania. Para estes, sobraram R$ 853,28 para “ter dificuldade”; pros outros 18,3 milhões de cidadãos não contemplados, nem isso. A inflação corroeu rapidamente a moeda de troca eleitoral de Bolsonaro; os R$ 400 reais já valem bem menos do que quando o programa do governo foi inventado. Daí ele não estar extraindo os dividendos em forma de voto que esperava.
O presidente colhe o que plantou. Já em 2019, começando seu mandato, ele mandou fechar 27 armazéns da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Cabe ao órgão, vinculado ao Ministério da Agricultura, cuidar do chamado estoque regulador do governo. Este serve não só para controlar os preços em período de entressafra e combater a especulação – tem agricultor que joga comida fora para o preço subir, como estamos carecas de saber – mas também ajudar no combate à fome, na proteção a pequenos agricultores, e em garantir alimento a vítimas de desastres ambientais.
Para se ter uma ideia de como essa importante política vem sendo desmantelada, em 2013, havia 944 toneladas de arroz estocados em armazéns do governo; em 2015, mais de 1 milhão de toneladas. Em 2020, eram só 22 toneladas, que não dava nem para matar a fome da população em uma semana. Hoje, nem isso. Os mais pobres que esperem chover maná, como na passagem da Bíblia. Com a alta do dólar, os chefões do agronegócio preferem exportar sua produção, ajudando a desabastecer o mercado nacional e provocando a alta dos preços. É uma lógica cruel, a ponto de o maior produtor e exportador de soja do mundo ser obrigado a importar óleo da vizinha Argentina.
“Há pouco tempo, o Brasil era referência mundial de políticas públicas para reduzir a miséria e a fome. Essas políticas ao longo dos últimos anos foram totalmente negligenciadas, ou reduzidas, ou extintas. O primeiro ato do governo atual foi extinguir o Conselho de Segurança Alimentar. A fome tem uma causa e uma vontade política”, afirma Kiko Afonso, diretor-executivo da Ação da Cidadania contra a Fome, ONG criada por Herbert de Souza, o Betinho, em 1993. Enquanto isso, na lista de bilionários brasileiros da revista “Forbes”, 19 empresários do ramo dividem US$ 78,7 bilhões. As fortunas pessoais – ou familiares – desses felizardos variam de US$ 15,4 bilhões a US$ 1,3 bilhão. Na lista estão o homem e a mulher mais ricos do país, Jorge Paulo Lemann e Lucia Maggi – mãe de Blairo, conhecido desmatador que foi ministro da Agricultura de Michel Temer.
A citação do parentesco não foi gratuita. A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), mais conhecida como bancada ruralista, ocupa 241 cadeiras das 513 do Câmara Federal e 39 das 81 do Senado. São números absurdamente desproporcionais, já que 84% da população brasileira vive em áreas urbanas e apenas 15,6% em zonas rurais – e mais ainda, se levarmos em conta que esses congressistas representam apenas os interesses de algumas dezenas de felizardos. Por outro lado, só quatro em dez famílias brasileiras têm acesso pleno à alimentação. Nunca tantos passaram necessidade por tão poucos.
O agro não planta para encher nossas barrigas, mas seus bolsos. E é quem passa necessidade que paga por isso. O lobby é o principal fertilizante do agronegócio, assim como a soja, seu principal combustível. E, para se ter uma ideia, o Brasil colheu a maior safra de todos os tempos, com aproximadamente 139 milhões de toneladas do grão e exportou 86 milhões desse total. “Nosso foco de apoio tinha que ser na produção de alimentos que nós consumimos. Por que a gente precisa subsidiar tanto um mercado que exporta todo o alimento e não põe comida na nossa mesa?”, questiona Kiko Afonso.
Os agrados do governo molham mãos e irrigam a atividade. Não à toa, o agro segue fechado com Bolsonaro. O Ministério da Agricultura quer aprovar até o fim do mês o Plano Safra 2022/23, no valor de R$ 330 bilhões – o do período anterior foi de R$ 251 bilhões. “O agro nunca teve tanto dinheiro”, confessa o deputado Sérgio Souza (MDB-PR), presidente da FPA. O pequeno e o médio produtor rural dão emprego para 10 milhões de trabalhadores contra 1,4 milhão dos grandes latifundiários, e são eles que produzem a comida que chega no nosso prato. Mas a verba reservada para a agricultura familiar vem murchando: em 2012, por exemplo, era de R$ 512 milhões; em 2019, foi 93% menor, R$ 41 milhões. Hoje está em magérrimos R$ 89 mil.
Existe o crime organizado e o crime legalizado – como pretende o PL da Grilagem, que premia invasores de terras indígenas e unidades de conservação, que são bens da União. Só nas primeiras, foram reconhecidos pelo governo Bolsonaro 2,5 mil km² de fazendas, desde abril de 2020. É um patrimônio de todos nós passando para as mãos de particulares. Os danos causados pelo agronegócio ao Cerrado e à Amazônia e, por consequência, às nossas reservas de água e ao clima do planeta, são amplamente conhecidos – e até a conta de termelétricas usadas na irrigação de lavouras de soja nós estamos pagando, contribuindo involuntariamente com esses problemas.
Ambientalismo sem justiça social é jardinagem – daí hoje a palavra socioambiental ter sido adotada. O fator humano não pode ser excluído da equação que envolve a natureza e a produção de alimentos. A solução para ela se chama desenvolvimento sustentável. O Brasil saiu do mapa da fome em 2013 e voltou em 2018. Ao mesmo tempo em que roncam os nossos estômagos, o país contribui para que o futuro do mundo seja mais sombrio. A ganância e a perversidade de uns poucos têm feito com que a gente perca muito sem ganhar nada em troca. Nossas escolhas definem o nosso futuro. As eleições estão chegando: plante nas urnas um mundo melhor.
Saiba mais:
Fome avança no país e atinge mais de 33 milhões de brasileiros
33 milhões de pessoas passam fome no Brasil, aponta pesquisa
Número de brasileiros com fome dispara e atinge 33,1 milhões, diz pesquisa
Fome avança no Brasil e afeta mais de 33 milhões de pessoas
‘Quem recebe R$ 400 de Auxílio Brasil fome não passa’, diz Flávio Bolsonaro
Kiko Afonso: ‘Há pouco tempo, o Brasil era referência mundial de políticas públicas para reduzir a miséria’
Governo Bolsonaro trabalha pelo desmonte da Conab e da política nacional de alimentos
O desmonte da Conab e a política agrícola suicida do governo Bolsonaro
Legado de Temer e Bolsonaro: Estoque da Conab quase zerado aumenta fome no país
No país do agro, estoques estratégicos de alimentos viram coisa do passado
Bolsonaro fechou mais de vinte armazéns públicos de alimentos em 2019
O governo deveria estocar arroz, não você
Política séria de estoques reguladores aliviaria preço de alimentos
Brasil esvazia estoques de alimentos e perde ferramenta para segurar preços
Desigualdade no Brasil caiu no início do ano, mas todos ficaram mais pobres, diz Ipea
Rendimento médio do brasileiro tem queda recorde em 2021
Fome no país da abundância: que Brasil é este?
Porteira aberta: governo Bolsonaro reconhece 250 mil hectares de fazendas em Terras Indígenas
Fazendeiros usam gado para invadir Terra Indígena homologada há 15 anos no Pará
Bolsonaro reserva R$ 0,002 para cada um dos 33 milhões de brasileiros que passam fome
Consumidor paga na conta de luz de irrigação de soja a térmica a carvão
Os números mostram: agronegócio recebe muitos recursos e contribui pouco para o país
Apesar de Alckmin, agronegócio resiste a Lula e comemora ganhos sob Bolsonaro
Exportações do agronegócio atingem recorde de R$ 14,5 bilhões em março com alta de preços
40 bilionários das cadeias produtivas do agronegócio brasileiro
Maiores bilionários brasileiros do agronegócio em 2022
As 100 maiores empresas do agronegócio brasileiro em 2020
Lista Forbes Agro100: 10 maiores empresas faturam R$ 806,1 bi
Quem é Lucia Maggi, a mulher mais rica do Brasil, segundo a ‘Forbes’
Governo federal ignora inflação e repassa menos de R$ 1 para alimentação de aluno
junho 2022 | Amazônia, Direitos humanos
“É uma região inóspita, afastada de tudo”, declarou o vice-presidente Hamilton Mourão, nove dias depois do desaparecimento do indigenista Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips, na Terra Indígena Vale do Javari. Mourão já se disse descendente de indígenas; ele é gaúcho de Porto Alegre, mas seu pai é amazonense. Hoje general da reserva, foi comandante da 2ª Brigada de Infantaria de Selva em São Gabriel da Cachoeira (Amazonas), de 2005 a 2008, e preside há dois anos o Conselho Nacional da Amazônia Legal (CNAL). Deveria saber que na região onde a dupla sumiu vivem mais de 190 mil pessoas. Como assim “inóspita”?
“Num local onde o povo indígena consegue achar até um miquinho ou uma arara-canindé, o Brasil não sabe encontrar dois homens adultos que foram desaparecidos num trecho de floresta que é tão conhecido e em que pescadores e todo mundo andam por lá, e que agora está sendo controlado por traficantes”, desabafou o escritor e liderança Ailton Krenak. A alegada ascendência de Mourão e sua experiência de comandante na Amazônia e no atual cargo que ocupa não o têm ajudado nas buscas por Bruno e Dom. Aliás, o presidente da CNAL age como se não tivesse nada a ver com o caso. Na verdade, talvez seja melhor ele se manter afastado, mesmo.
O Conselho Nacional da Amazônia Legal foi reativado em fevereiro de 2020, vinculado à vice-Presidência da República. Originalmente, o órgão foi criado em 1995, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, subordinado ao Ministério do Meio Ambiente, embora nunca tivesse mostrado ao que veio. Tudo leva a crer que devia ter continuado assim: as três missões de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) promovidas pelas Forças Armadas no combate a crimes ambientais na Amazônia consumiram R$ 550 milhões e não reduziram o desmatamento na maior floresta tropical do mundo. Muito ao contrário, só em maio último, foram abaixo 1.180km² de verde, a maior destruição para este mês desde 2016. Essa dinheirama equivale a quase seis vezes o orçamento do Ibama em 2020 para fiscalização e licenciamento ambientais, e gestão da biodiversidade.
Os militares também se aboletaram na Funai: eles ocupam as chefias de 19 das 39 coordenações regionais da fundação, contra duas de servidores públicos, como o Bruno Pereira – as demais foram tomadas por policiais militares e federais, ou por funcionários de cargos comissionados. Desde 2017 já se sabia que o crime organizado estava tomando conta da região onde o jornalista e o indigenista desapareceram; mas de lá para cá, a situação só piorou. Entre 2018 e 2019, a Base de Proteção Ituí-Itacoaí foi atacada a tiros oitos vezes; em setembro de 2019, assassinaram o funcionário da Funai Maxciel Pereira dos Santos, que denunciava e combatia invasões naquela área. O crime permanece impune. Três meses depois, a Justiça condenou o governo federal por omissão e determinou que as bases locais fossem reforçadas; a ordem, porém, foi ignorada.
Há seis meses, do outro lado da fronteira, um posto da polícia peruana de Puerto Amelia foi atacado por 20 criminosos que roubaram oito fuzis, uma metralhadora e três mil cartuchos de bala. Os tiros foram ouvidos em Atalaia do Norte, cidade de 20.868 habitantes, que fica na região onde Bruno e Dom desapareceram. “As duas pessoas entram numa área que é perigosa sem pedir uma escolta, sem avisar efetivamente as autoridades competentes e passam a correr risco, né?”, também disse Mourão sobre o episódio. “Se o lugar onde a gente trabalha é perigoso e precisa de escolta armada, tem uma coisa muito errada aí. E a culpa não é nossa”, rebateu a antropóloga Beatriz Matos, mulher de Bruno. O general da reserva procurou uma justificativa e achou um veredicto: culpado.
A autoproclamada eficiência militar virou lenda do boitatá? Como esquecer a desastrosa passagem de outro general, Eduardo Pazuello, pelo Ministério da Saúde, no auge da pandemia de Covid-19? Os amazonenses, em especial, talvez jamais se curem desse trauma. Antes de assumir a pasta, em 2020, ele foi comandante da 12ª Região Militar, em Manaus. Considerado especialista em logística, esqueceu-se de abastecer os hospitais da capital amazonense com cilindros de oxigênio. Seu, digamos, descuido levou os hospitais da cidade a entraram em colapso e pelo menos 31 pessoas à morte, em dois dias. Quando foi efetivado ministro da Saúde, em 16 de maio de 2020, o Brasil contabilizava 233 mil casos e 15.633 mortes por Covid-19; ele deixou o cargo em 15 de março do ano seguinte com mais de 11,5 milhões de infectados, e cerca de 280 mil mortos.
Depois de sair do Ministério da Saúde, Pazuello foi designado para chefiar a Secretaria de Assuntos Estratégicos do Executivo. O que nos leva a pensar: será que não é incompetência, mas estratégia? Para Ailton Krenak, não há dúvida: “A Amazônia está sendo devorada, e o Brasil entrou no rodo com uma disposição voluntária de ser usado e abusado. Quando os sujeitos do governo falam em preocupação acerca da soberania, eles ocultam a má intenção de entregar todo esse território e virar as costas para a morte de Yanomami, a violência contra o corpo de crianças indígenas, o ataque contra lideranças e defensores dos que estão sendo assassinados semanalmente”.
Não é a natureza hostil que oferece perigo no Vale do Javari, mas os invasores e sua ganância, que se espalham como ervas daninhas – com a indisfarçável negligência ou até cumplicidade do poder público. “Vemos agora o último assalto a uma região do mundo com muita riqueza. É como se estivessem descobrindo de novo a América”, reflete Krenak. O que fazer? O autor do best-seller “Ideias para adiar o fim do mundo” aconselha: “A coisa está virulenta. Não se sabe mais de onde pode sair um ataque. Mas a gente vai superar esse momento. Não dá para nos desencorajarmos. Precisamos não cultivar a mentira e não nos associarmos a versões fajutas da realidade”. Que a verdade seja a nossa arma.
Saiba mais:
Mourão afirma que indigenista e jornalista passaram a ‘correr risco’ por não avisar autoridades
‘No lugar onde indígenas acham até micos, o Brasil não sabe encontrar dois homens’, diz Ailton Krenak
Militares na Amazônia custaram R$ 550 mi e não baixaram desmatamento
“Funai se transformou em Fundação Anti-indígena”, alerta dossiê sobre a atuação do órgão no governo Bolsonaro
Marcelo Xavier, da PF, Álvaro Simeão, da AGU, e o ruralista Nabhan Garcia são os responsáveis por colocar a Funai contra os povos indígenas que deveria proteger
Justiça condenou União a reforçar bases no Vale do Javari, mas foi ignorada
Atalaia do Norte vive trauma e discute desaparecimento
Cartéis de drogas e armas dominam região onde Bruno e Dom desapareceram
Amazônia se tornou uma terra sem lei, apontam especialistas
Colega de Bruno Pereira vive exilado na Europa
36 indígenas e aliados foram ameaçados de morte em 2021; saiba quem são
Caos e explosão de mortes: o legado de Pazuello na Saúde
Não é incompetência nem descaso: é método
maio 2022 | Amazônia, Desmatamento
A expressão “desvio de finalidade” está na moda, mas não explica adequadamente como vêm agindo algumas instituições no atual governo. O caso do Ministério do Meio Ambiente, então, é muito instrutivo. O último lance infeliz da pasta foi bater mais um recorde de desmatamento. Imagine que o zagueiro de seu time seja torcedor fanático do adversário e marque, de propósito, um gol contra na final?
O Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe) divulgou na última sexta-feira que foram abaixo 1.012 km² de floresta em abril – 75% a mais que no mesmo período em 2021. O número é particularmente impressionante porque chove muito nessa época na Amazônia, o que costuma dar um tempo na devastação. É a primeira vez na história que a área desmatada ultrapassa os 1.000 km² num mês de abril.
De acordo com um levantamento feito pelo MapBiomas, 97% dos alertas de desmatamento emitidos desde 2019 foram ignorados pelos órgãos de fiscalização ligados à pasta. Não foi por falta de disposição dos aguerridos jogadores do Ibama que, não custa lembrar, tem entrado em campo desfalcado; o seu técnico é que gosta de jogar recuado. E quem achar ruim vai pro banco de reservas.
Na última segunda-feira, a Associação Nacional dos Servidores Ambientais (Ascema), que reúne funcionários do instituto, do ICMBio e do Serviço Florestal Brasileiro, divulgou uma nota na qual acusa o governo de dificultar suas ações: “Sem fiscalização, as atividades criminosas ganharam espaço para se desenvolver livremente, colocando sob risco não apenas os povos originários do Brasil, mas também toda a população, as futuras gerações, bem como a nossa megabiodiversidade”. O texto também diz que “há ainda dezenas de casos de perseguições e assédio aos servidores do Ibama e ICMBio, especialmente àqueles que atuam na fiscalização ambiental. Por fim, mas não menos importante, temos queda drástica de servidores nas diversas autarquias ambientais”.
Quem quer jogar pra frente é tratado como pereba ou desequilibrado: “Muita gente louca e os loucos gostam de direito ambiental porque eles se sentem confortáveis na área, inventando coisas”, respondeu Eduardo Bim, presidente do Ibama. Não contente, ele emendou: “Tem gestor que se sente constrangido por reportagem de jornal. Eu não. Eu sou um psicopata”. No ano passado, Bim foi afastado do cargo por três meses pelo Supremo Tribunal Federal (STF), quando a Polícia Federal o investigava por suspeita de favorecimento a madeireiras ilegais. Coisa de perna de pau.
O Ministério do Meio Ambiente tem a missão de “formular e implementar políticas públicas ambientais nacionais de forma articulada e pactuada com os atores públicos e a sociedade para o desenvolvimento sustentável”. Para quem não se lembra, uma das primeiras jogadas do atual governo foi entrar de carrinho na participação da sociedade civil nas comissões da pasta; mas no último dia 28, o STF lhe deu cartão vermelho. Na primeira votação do chamado “Pacote Verde”, o Supremo restituiu sua representação no conselho deliberativo do Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA).
No mesmo dia, o tribunal também declarou ilegal o decreto que que afastou governadores de estados da Amazônia legal do Conselho Nacional da Amazônia Legal (CNAL) e o que extinguiu o Comitê Organizador do Fundo Amazônia (Cofa). Isso obrigou o governo a mudar sua tática: no dia 30 de abril, aumentou, voluntariamente, o número de representantes do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), de 23 para 36. Ainda faltam 60 para os 96 originais, mas o recuo mostra que o jogo ainda está longe de acabar.
A pasta do Meio Ambiente não é o único a jogar contra. O escrete da Funai, vinculado ao Ministério da Justiça, hoje é comandado por ruralistas. Sua missão institucional é “proteger e promover os direitos dos povos indígenas no Brasil”. Essa regra é desrespeitada diariamente; mas em março a Polícia Federal interrompeu uma jogada especialmente desleal: desbaratou uma quadrilha chefiada pelo coordenador-geral do órgão em Ribeirão Cascalheira (MT), onde fica a Terra Indígena Marãiwatsédé, do povo Xavante.
Militar inativo da Marinha, Jussielson Gonçalves Silva é acusado, junto com três PMs, de arrendar áreas protegidas para criadores de gado. Antes de ser pego no antidoping, chegou a ser elogiado por Marcelo Xavier, presidente da Funai: “Esse é o caminho. O coordenador regional Jussielson Gonçalves e a prefeitura de Canarana estão de parabéns. Isso pode ser reproduzido em outras aldeias. Pode servir de modelo”.
O jogo só termina quando o juiz apita; então, ainda dá para virar. Mas é preciso reforçar o time do meio ambiente, e as eleições de outubro são a nossa oportunidade de levar para Brasília gente que honre a camisa.
Saiba mais:
Amazônia tem recorde de desmatamento em abril
Alertas de desmatamento na Amazônia passam de 1 mil km² em abril e batem recorde para o período
Amazônia tem recorde de desmate e supera mil km² de destruição em abril pela 1ª vez
‘Pacote Verde’ do STF: entenda quais são as 7 ações ambientais em pauta pelo tribunal
‘Pacote Verde’ do STF: ambientalistas comemoram primeira decisão da corte
Supremo impõe derrota ao governo Bolsonaro na área ambiental
STF derruba três decretos ambientais do governo Bolsonaro
STF suspende decreto de Bolsonaro que eliminou participação da sociedade em conselho ambiental
Em meio a ação no STF, governo eleva de 23 para 36 número de conselheiros do Conama
MapBiomas: 97% dos alertas de desmatamento desde 2019 continuam sem ação
Governo Bolsonaro fiscalizou menos de 3% dos alertas de desmatamento no país
Dados sobre fiscalização mostram que impunidade ainda predomina no combate ao desmatamento
Presidente do Ibama compara órgão ambiental a manicômio: “cheio de maluco”
Associação afirma que servidores do ICMBio e Ibama não fiscalizam Terra Yanomami há 5 meses
PF prende servidor da Funai em operação para coibir exploração ilegal de terra indígena
Preso por arrendar terra indígena, coordenador da Funai era considerado “modelo” pelo governo
“A Funai parou de ajudar as pessoas que estão defendendo a floresta”, diz líder Kayapó
Despacho da Funai indica assédio e suposta tentativa de retaliação a servidores
Inquérito detalha apoio de militar da Funai a arrendamento de área indígena
Funai contratou servidores para proteger isolados, mas não construiu base onde eles atuariam
‘A Funai acabou’, diz Sebastião Salgado, o artista da floresta
MPF obtém liminar para suspender em SP norma da Funai que põe em risco terras indígenas ainda em demarcação