Disseram “a Amazonia vale ouro” e alguns entenderam o recado de um jeito completamente errado. Pelo menos, é o que indica o relatório “legalidade da produção de ouro no Brasil”, produzido pela UFMG em parceria com o Ministério Público Federal (MPF). O documento aponta que 90% do mineral explorado ilegalmente no país entre 2019 e 2020 saiu da floresta, gerando um prejuízo socioambiental de US$ 1,7 bilhão. A Amazônia vale muito sim, mas de pé. Já o ouro que sai dela, em vez de lucro, só gera dor de cabeça. O problema é tão grande que o MPF tomou uma medida radical: pediu à Justiça a suspensão de todas as permissões para extração, comércio e exportação de ouro no Sudoeste do Pará. Há uma corrida em curso no coração da maior floresta tropical do planeta. De um lado, garimpeiros tentando enriquecer a qualquer custo. De outro, indígenas dispostos a preservar a natureza no local que lhes serve de casa.
Responda rápido: qual é o estado que mais produz ouro no país? Minas Gerais, é claro. Em segundo lugar, vem o Mato Grosso e, em terceiro, o Pará. Acontece que, de acordo com o levantamento, enquanto Minas e Mato Grosso mantiveram produção estável no período analisado, a mineração disparou nos últimos 2 anos no Pará. Lá, o volume produzido saltou de 9,7 toneladas em 2019 para 17,2 em 2020. Esta corrida do ouro não aconteceu sem alguns atropelos. No caso em questão, sem que riquezas tenham deixado a floresta passando longe controles do Estado. Só na Área de Proteção Ambiental (APA) do Tapajós, cerca de 9 toneladas de ouro foram extraídas de forma irregular entre 2019 e 2020. É o dobro do volume verificado na APA Reentrâncias Maranhenses, segunda colocada neste ranking. Porém, o principal aqui é o seguinte: a APA do Tapajós não fica numa região qualquer.
Noventa e nove por cento da área de 2 milhões de hectares da APA do Tapajós estão localizados nos municípios paraenses de Itaituba e Jacaracanga. Colada à APA, está a Terra Indígena (TI) Munduruku, com sua população de mais 6000 pessoas, sua pequena área de 2382 hectares e crescentes taxas de desmatamento desde 2013. Naquele ano, foram 77 hectares de floresta derrubada. Em 2019, 1824. Há mais de 4 milênios na região, os indígenas ultimamente andam assustados com as retroescavadeiras que destroem rios e igarapés à procura de ouro e vomitam toneladas de mercúrio e outros resíduos nos cursos d’água nos quais se banharam seus antepassados. A situação tem sido denunciada por meio de porta-vozes que veem este presente apagar o futuro – como Bheka Munduruku, de 17 anos. “Queremos convencer todo o mundo — inclusive os cabeças-duras — da importância de preservar a floresta e os seus rios”, afirmou ela em um artigo para Folha de São Paulo. Não se trata de arrogância adolescente, mas de um grito de alerta maduro e consciente. Esta caça ao tesouro não vai nos levar a nada. Ou melhor, até vai – mas a um lugar que não queremos chegar.
Como nada nunca é tão ruim que não possa piorar, o Governo Federal parece ter entrado nesta briga – só que do lado errado. Em fevereiro do ano passado, Bolsonaro enviou ao Congresso o Projeto de Lei 191, que pode facilitar a mineração em terras indígenas. O texto ainda não foi analisado por deputados e senadores, mas o estudo da UFMG e do MPF estima em US$ 5 bilhões o prejuízo caso a ideia do presidente se torne de lei. O valor leva em conta o impacto da medida nos chamados serviços ecossistêmicos, que consistem em chuvas, temperaturas amenas e outros favores que a natureza hoje nos presta de graça.
Em 05 de agosto de 2020, o então ministro do meio ambiente esteve em Jacareacanga. Em vez de criticar a destruição da floresta, se reuniu com garimpeiros que queriam a suspensão das operações do Ibama na região. Não satisfeito, Ricardo Salles ainda usou um avião da FAB para levar sete deles a uma nova reunião em Brasília no dia seguinte. Para os indígenas, a situação é um deus-nos-acuda. Em 25 de maio, a Polícia Federal realizou em Itaituba a Operação Mundurukânia 1, que teve como alvo os garimpeiros. Eles reagiram e puseram fogo na casa de Maria Leusa Munduruku. “Chegaram com combustível naquelas garrafas de dois litros de refrigerante, armados, atirando, no meio de criança”, lembrou depois a liderança indígena. Um mês após o episódio, a Câmara aprovou outro PL, o 490, que também pode facilitar o garimpo em TIs e depende agora da aprovação do Senado para entrar em vigor.
Pelas contas do MPF, cada grama de ouro que sai da Amazônia de forma ilegal gera um prejuízo de até R$ 3 mil. O cálculo considera o valor necessário para recuperar as áreas afetadas. Para o período entre 2019 e 2020, o custo com este tipo de atividade chegou a R$ 20 bilhões – contra R$ 8,7 bilhões gerados pela mineração legal. É uma conta que não fecha, mas que tem solução. O aumento da fiscalização, a atribuição de responsabilidade a quem compra e o cancelamento de autorizações para mineração em TIs são alguns dos caminhos apontados pelo estudo do MPF e da UFMG para isso. Resta saber quem cruzará a primeiro a reta de chegada: o bom senso ou a ganância. Fique à vontade para escolher em que torcida você prefere estar.
Em primeiro plano, um indígena com cocar. Ao fundo, as cúpulas do Congresso Nacional e, entre elas, mais indígenas. A imagem registrada nos últimos dias resume o clima na Praça dos Três Poderes, independente do lado que se escolha do poderoso logradouro. Pode ser a ação de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng no Supremo Tribunal Federal; pode ser um dos seis projetos de lei que tramitam na Câmara dos Deputados e que, de alguma forma, alteram direitos estabelecidos; pode ser qualquer fala do presidente sobre o tema. O fato é que, para onde olhem, os indígenas veem suas vidas ameaçadas e, por isso, decidiram ir a Brasília para se manifestar. Ainda que, para isso, tenham de ficar do lado de fora dos palácios.
A situação não deixa de ser irônica. Afinal, poucos segmentos estão tão por dentro do que acontece hoje no país como os povos originários. Os guardiões da floresta veem o desmatamento disparar ao lado de suas terras, enquanto preservam a mata nas áreas onde vivem. É uma postura que destoa daquela adotada por um governo, que é, digamos, menos preocupado com o meio ambiente, e tem dado as cartas no já citado Plano Piloto. Hoje, pipocam por lá ideias pouco razoáveis, como o tal “marco temporal” (ideia absurda e inconstitucional segundo a qual os indígenas só teriam direito à terra onde estavam em 1988), a liberação de agronegócio, garimpo e outras atividades econômicas em terras indígenas e até mesmo a saída do Brasil de um tratado que o obriga a consultar indígenas quando for tomar decisões que os afetem – algo exigido não só por acordos internacionais, mas também pela boa educação.
Se você duvida, recomendamos que dê uma olhada. Mas não se assuste com a numeralha ou com o juridiquês: o Recurso Extraordinário com repercussão geral, processo 1.017.365 está em análise no STF. Já os projetos de lei 490/2007, 2633/2020, 191/2020, 1443/2021 e 1737/2020 e o Projeto de Decreto Legislativo 177 estão em discussão na Câmara. Ufa! Tomou nota da placa? É o trator passando, ou a boiada.
Lembre-se que tudo isso está em debate em meio a uma pandemia que já vitimou 1.107 indígenas, de acordo com levantamento da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), e na qual o governo fez muito pouco por eles. Em casos como o dos Yanomami, agentes de saúde desviaram vacinas destinadas a aldeias e as trocaram por ouro com garimpeiros. É quase como se o governo quisesse extinguir os povos tradicionais num genocídio. Mas podemos ficar tranquilos: o presidente já nos garantiu que não é o caso – embora até aliados seus no exterior, como o ex-primeiro-ministro de Israel Benjamin Netanyahu, já tenham se preocupado com a possibilidade.
Aliás, se aqui dentro o cenário é difícil, lá fora o quadro é bem diferente. Vistos pelo mundo como aliados na luta contra as mudanças climáticas, os indígenas brasileiros são reconhecidos pela forma como cuidam do planeta. Um exemplo é Sineia do Vale, foi convidada por Joe Biden a participar da Cúpula de Líderes sobre o Clima organizada em abril. Seja realista: você acha que Bolsonaro teria assunto num encontro desses? Realmente, faz muito mais sentido ter por lá uma das lideranças de nossos povos tradicionais discursando sobre meio ambiente.
Enquanto o Brasil for carta fora do baralho no jogo das grandes potências, vai ser assim e não tem jeito. Se quiser voltar a ter relevância no mundo, precisa fazer o dever de casa e voltar a ouvir indígenas, quilombolas e outros segmentos de sua população que desempenham um papel essencial na preservação da natureza. Além disso, tem de entender que regras precisam ser justas e não podem ser alteradas no meio da partida. É só seguirmos a mais importante delas, a Constituição Federal de 1988, não à toa conhecida como Constituição Cidadã. Este é um campeonato diferente, em que o país pode sair campeão apenas cumprindo à risca o que determina o regulamento.
A Mata Atlântica sempre foi tratada como a casa da mãe Joana e ganhou um presente de grego em seu dia, comemorado em 27 de maio. Saiu nesta data a notícia de que o bioma perdeu 130,53 km² entre 2019 e 2020. Ainda que a devastação tenha sido menor que a do ano anterior, foi 14% maior que a de 2017-2018, quando comemorávamos a menor taxa de desmatamento em 36 anos. É mito que a floresta tenha sido destruída aos poucos no período colonial, quando os europeus começaram a derrubar árvore para plantar cana-de-açúcar e, em menos de 30 anos, quase levaram à extinção o pau-brasil. O bota-abaixo para valer aconteceu no século XX, quando 5.364,8 km² de mata foram ao chão só entre 1985 e 1990. Tudo isso no quintal de casa da maior parte dos brasileiros. Hoje, sobraram só 12,4% dos seus 1.310.298,98 km² originais.
Toda esta situação desmente um dos hits da desinformação nas atuais discussões sobre ecologia: o argumento de que só as nações ricas destruíram suas florestas, enquanto o Brasil manteve as suas intactas. A área derrubada aqui equivale a três Alemanhas e meia. Não devemos nada a eles. Quer dizer, não em relação a isso. Então, que tal aproveitar a Semana do Meio Ambiente para perguntar: em nome de quê? Presente em 17 estados e lar de 72% da população do país, o bioma parecia ter o desmatamento sob controle até 2017, com dois períodos consecutivos de queda. Mas a coisa degringolou no ano seguinte, quando o indicador cresceu 27% e segue destrambelhada desde então, como mostra o relatório anual da Fundação SOS Mata Atlântica, feito em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Se este parágrafo inteiro lhe fez pensar num certo pessoal que anda batendo ponto em Brasília, tudo bem. A relação era inevitável mesmo.
No ano passado, o ministro do Meio Ambiente sugeriu ao presidente uma revisão na Lei da Mata Atlântica. A regra sancionada em 2008 reduziu consideravelmente a devastação do bioma. Além disso, também tentou anistiar desmatadores ilegais. Investigado por contrabando de madeira, o menino da porteira está feliz com a boiada que passa e só falta pedir ao vaqueiro que toque o berrante. Vale lembrar que, em tese, ele conhece bem a Mata Atlântica – pelo menos por mapas. Salles começou sua carreira como secretário do meio ambiente em São Paulo. É diferente da Amazônia, que ele só viu pela primeira vez após ter se mudado para o Plano Piloto. Agora, entre conhecer e preservar, há uma grande diferença.
As razões para devastação da Mata Atlântica são várias. A expansão imobiliária, a ocupação de áreas pela agropecuária e a queima de árvores para produção de carvão vegetal são apenas algumas delas. Para piorar a situação, tramita hoje no Congresso um projeto que flexibiliza o licenciamento ambiental. O texto abre caminho para mais desmatamento e facilita a construção de barragens como as da Vale e da Samarco, por exemplo. O rompimento da primeira devastou 1,3 km² de vegetação nativa após em 2019. Já o rompimento da segunda arruinou o Rio Doce, cuja bacia atinge 228 municípios de Minas Gerais e Espírito Santo. Tudo isso dentro do mesmo bioma: a Mata Atlântica, que abriga os rios que abastecem Rio e São Paulo. Sentiu o drama? Quem nos lê de uma das duas maiores cidades brasileiras pode, em breve, ter saudades da água do volume morto ou com notas de geosmina.
Mas calma. A esperança é como uma população de micos-leões dourados que, mesmo com risco de extinção, cresce de novo quando a gente preserva. Aqui vão alguns motivos para isso. No Desafio de Bonn e na Declaração de Florestas de Nova York, o Brasil se comprometeu a reflorestar 120 mil km² até 2030. E um estudo publicado em julho de 2019 na revista “Science Advances” identificou que a Mata Atlântica é nosso bioma mais apto a ser regenerado. Assinada por 25 cientistas de Austrália, Brasil, Estados Unidos, Polônia, Reino Unido e Suécia, outra pesquisa divulgada na “Nature Ecology & Evolution” foi além e apontou áreas específicas deste ecossistema para a restauração, levando em conta desde critérios econômicos à conservação da biodiversidade e o combate às mudanças climáticas. De acordo com esta análise, seria possível evitar a extinção de 745 espécies de animais e plantas, absorver um bilhão de toneladas de CO₂ e ainda economizar US$ 28 bilhões por meio desta iniciativa. Ou seja, temos a faca e o queijo na mão. A Mata Atlântica está em nossa História, sobrevive heroicamente no presente e pode ser vital para o nosso futuro.
É tênue a linha que separa o lampejo genial da ideia de jerico. Há 45 mil anos, um homo sapiens anônimo registrou seus cotidiano e imaginário numa caverna na Ilha de Sulawesi, na Indonésia. Ele foi capaz de criar uma tinta resistente ao tempo e 100% natural. Graças a isso, hoje sabemos algo sobre como viviam alguns de nossos mais remotos ancestrais. Porém, suas pinturas rupestres, as mais antigas que se tem notícia, podem desaparecer. E essa perda inestimável seria mais um estrago para pôr na conta das mudanças climáticas, segundo um estudo recém-publicado no “Scientific Reports”.
É claro que quando James Watts concebeu seu motor a vapor, em 1763, dificilmente imaginou tal relação de causa e efeito. Usar combustíveis fósseis para mover o mundo parecia um lampejo genial. A Humanidade só se deu conta de que seu modo de vida estava influindo no clima do planeta quase dois séculos depois. A invenção de Watts ajudou a encurtar distâncias e a nos aproximar; porém estar perto não resultou em estar junto. Talvez por isso foi preciso que uma pandemia nos obrigasse a enxergar o óbvio: vivemos uma emergência e estamos todos no mesmo barco. Esse sacode fez os EUA retomarem a liderança do combate às mudanças climáticas e os países mais ricos reverem suas metas de emissões.
Quem sabe este embalo tenha inspirado a Câmara dos Deputados a aprovar no último dia 13 a nova Lei de Licenciamento Ambiental. Dita assim, a notícia até parece boa – mas não é. O texto exclui a obrigatoriedade de avaliação e prevenção de impactos em obras em terras indígenas e quilombolas ainda não homologadas, contrariando a Constituição. Também abre brechas que podem levar unidades de conservação à destruição. Isso numa hora em que o mundo inteiro está de butuca no Brasil, já que o desmatamento responde por 44% de nossas emissões de CO₂. E tem mais: a nova regra cria um dispositivo que, na prática, dispensa de licenciamento ambiental a construção de barragens como as de Mariana e de Brumadinho, entre outros despautérios. Talvez os parlamentares quisessem fazer uma surpresa para a população nesses tempos tão bicudos e, por isso, não a consultaram. Que o Senado corrija esse lapso.
No inferno das boas intenções, penam as decisões mais extravagantes. Você sabia que, até os anos 1950, era comum que o pesticida DDT – o famigerado flit – fosse usado nos Estados Unidos diretamente sobre as pessoas, inclusive crianças? O pai de todos os agrotóxicos servia para matar insetos, como piolhos e mosquitos, e tinha gente que acreditava que ele era a cloroquina da poliomielite. Com o tempo, descobriu-se que o suposto santo remédio era, na verdade, um perigoso veneno e o uso do DDT foi banido no mundo todo. Afinal, a ideia de nos envenenarmos voluntariamente não parece razoável, certo? Então, o que dizer sobre o governo brasileiro, que liberou no fim de abril o uso em nossas lavouras de 34 substância proibidas em outras partes do planeta justamente por fazerem mal à saúde humana? Cá entre nós, a situação é bem parecida com a do DDT. Será que teremos um desfecho igual?
A lista de pegadinhas ambientais é extensa e curiosa. As hidrelétricas, por exemplo. Durante muito tempo se acreditou que elas produziam energia 100% limpa e renovável. Esses mitos foram derrubados por desastres como Belo Monte, um caso tão emblemático que até Bolsonaro concorda que foi “dinheiro jogado fora” (ainda que ele ache isso por motivos poucos sustentáveis). Inviável desde o começo, a usina é incapaz de fornecer a energia que foi prometida no papel. Para completar, seu reservatório emite metano, um gás do efeito estufa 28 vezes mais potente que o CO₂. A gente já alertava para isso em 2011, quando lançamos o Movimento Gota D’Água, que questionava a obra.
É a ironia das ironias: uma hidrelétrica mal-planejada que pode vir a ser aposentada por falta de água para mover suas turbinas. Uma situação parecida com a de ter um cidadão condenado por fraude ambiental indicado para ministro do meio ambiente e vê-lo ser alvo de uma operação da Polícia Federal por suspeita de envolvimento em um esquema de contrabando de madeira ilegal. São pedras cantadas, que não surpreendem a quem sabe juntar os pontos.
Na vida, você não precisa ser mais esperto que ninguém para não ser enganado. Só tem que se manter atento. Entre uma rodovia com veículos que liberam carbono e uma estrada de ferro com trens elétricos, não é difícil saber o que é melhor para o meio ambiente. Agora, se a ferrovia corta uma área verde, já são outros 500. Ou melhor, US$ 1,9 bilhão. Este é o custo estimado do impacto ambiental da Ferrogrão, que está para sair do papel, de acordo com um estudo da Climate Policy Initiative, em parceria com a PUC/RJ. Entram na conta 2.043 km² de floresta que serão desmatados e 75 milhões de toneladas de CO₂ emitidas por causa da obra. Abrir uma nova BR também não é solução. O que resolve é colocar o projeto nos trilhos, de forma a poluir o mínimo possível. Só assim para o Brasil não perder o trem da história.
As mudanças climáticas estão abalando as estruturas não só do mundo ocidental, como também do oriental. Literalmente e metaforicamente. Um estudo da Academia Chinesa de Ciências e da Universidade Técnica da Dinamarca indica que o descontrole no clima vem causando alterações no eixo de rotação da Terra desde os anos 1990. A razão é a redistribuição do volume de água no planeta, causada pelo degelo dos polos – afinal, H₂O pesa. Por outro lado, depois da Cúpula do Clima convocada por Joe Biden, já é possível vislumbrar o copo meio cheio – no bom sentido, é claro. As grandes potências parecem ter acordado para o significado da expressão emergência climática, o que é ótimo. O próprio presidente americano disse que é preciso limitar em 1,5°C o aumento médio da temperatura global até 2100 – o Acordo de Paris prevê, oficialmente, 2° C. “Estão deixando a gente sonhar”, já dizia o filósofo Ronaldinho Gaúcho.
É claro que nem tudo são flores. De acordo com a mesma pesquisa, caso as emissões de gases do efeito estufa continuem em desabalada carreira, o Ártico pode descongelar nos verões de 2040 em diante. O pior é que a economia mundial pode derreter junto. O quadro é tão sério que até o presidente brasileiro foi obrigado a reconhecer que as mudanças climáticas são resultado da ação humana, um dos últimos bastiões de sua cartilha negacionista. Caso o governo não demonstre seriedade, periga o Brasil ser abandonado no século XX por seus pares. Certa vez, o ex-presidente Collor comparou os carros brasileiros a carroças. Essa hipérbole pode deixar de ser figura de retórica: se até os Estados Unidos, que têm o petróleo entranhado em sua cultura, vão apostar na eletrificação de automóveis, quem vai comprar lá fora uma peça de museu movida a suco de dinossauro?
A boa notícia é que, com a água batendo em lugares, digamos, desagradáveis, os países começaram a se mexer. Na véspera da cúpula, a União Europeia (UE) anunciou que o bloco vai zerar as emissões de CO₂ até 2050 e as reduzirá em 55 % em relação aos níveis de 1990; Vladimir Putin, presidente da Rússia, se comprometeu a atingir neutralidade em carbono até 2025; e o Japão, a diminuir em 46%, até 2030. Os americanos também deram uma cartada alta: afirmaram que vão cortar as emissões de carbono em até 52% até 2030 – na era Barack Obama, a meta era reduzir de 26 a 28% até 2025. A onda verde contagiou até o presidente brasileiro, que prometeu duplicar a verba da fiscalização ambiental no encontro de líderes – para, no dia seguinte, cortar o orçamento do Ministério do Meio Ambiente. Como diz o ditado, o que é bom dura pouco. Nesse caso, muito pouco mesmo.
O fato é que águas passadas não movem moinhos e o mundo parece mesmo estar finalmente enxergando com novos olhos a questão ambiental. Na cúpula, Joe Biden falou explicitamente nos empregos que a indústria de energia eólica poderia gerar. Os líderes das principais nações agem por duplo pragmatismo. “Ações sobre o clima não são necessárias apenas para o futuro de nossas vidas e meios de subsistência. A ação climática é o principal motor do crescimento; é a história de crescimento do século XXI”, disse o ex-economista-chefe do Banco Mundial, Nicholas Stern. Gina McCarthy, assessora nacional de clima do presidente americano, foi ainda mais sincera: “É por isso que tantas pessoas estão se interessando pela questão das mudanças climáticas. Porque agora está sendo apresentado como uma oportunidade”. É como se alguém enfim tivesse lido o cartaz há anos exibido pelos ambientalistas, que diz “Quer saber como salvar a humanidade e ainda ganhar um troco? Pergunte como!”, e pensado “Hmmm… Acho que isso me interessa”. Óbvio que interessa!
Oba-oba à parte, é hora de arregaçarmos as mangas e trabalharmos por um mundo mais sustentável. Afinal, o copo só está meio cheio. É claro que esta missão envolverá desafios. Como ajudar, por exemplo, James Owuor? Retratado pela revista Time, este queniano viu as mudanças climáticas causarem o aumento das chuvas e a subida das águas em 12 metros no Lago Baringo, na região onde vivia. Com isso, ele perdeu não só sua casa como seu emprego em um resort que existia na região e teve de fechar. O que faremos em casos como este? As nações ricas sabem que as menos favorecidas vão precisar de ajuda para fazer a transição para uma economia mais sustentável. EUA, Noruega e Reino Unido criaram um fundo para brecar o desmatamento e o anfitrião Joe Biden também anunciou na cúpula que vai dobrar as verbas para ações climáticas em países em desenvolvimento. O Brasil já falou alto quando o assunto era o meio ambiente. Em vez de pedir dinheiro em troca da proteção da Amazônia, nós, brasileiros, deveríamos liderar essa revolução verde e ajudar o mundo a superar essa emergência. Em nome de que abrir mão desse privilégio?