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Nossa batata está assando

Nossa batata está assando

Dentre as muitas notícias fortes dos últimos dias relacionadas às mudanças climáticas, uma surpreendeu pelo inusitado. Cerca de um bilhão de mexilhões e ostras foram cozidos pelo calor numa praia. Ah, e isso aconteceu perto de Vancouver, no (outrora gelado) Canadá. Foi uma triste caldeirada. Também na semana passada, mais de 800 pessoas morreram na província da Columbia Britânica por causa das altas temperaturas – os termômetros canadenses chegaram a marcar 49,6°C na região. Enquanto isso, Alemanha e Bélgica foram atingidas por um temporal de escala amazônica, que deixou um rastro de destruição sem precedentes e, pelo menos, 196 mortos – ainda há centenas de desaparecidos. A China acaba de enfrentar tragédia parecida. Se moluscos acabaram cozidos no litoral canadense e caiu chuva tropical na Europa e na Ásia é porque estamos fritos em qualquer parte do planeta; e pulamos na frigideira por vontade própria. 

A impressão é de que a coisa está azedando mais rápido no Hemisfério Norte. Não à toa: o lado de lá concentra 87% da população e ocupa 67,3% do território terrestre. A densidade demográfica na Europa e em países asiáticos é altíssima – e, portanto, eles estão mais sujeitos a catástrofes com vítimas. Além disso, é a parte mais rica e industrializada do planeta. Mas os incêndios na Amazônia, no Pantanal e na Austrália, além da temperatura recorde de 18,3°C recentemente registrada na Antártida, são sinais de que o nosso caldo também já está entornando. A temperatura média da América do Sul pode aumentar em quatro graus até o fim do século, caso as emissões de gases de efeito estufa continuem nessa toada. A conclusão é de uma pesquisa do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas, publicado na revista científica “Earth Systems and Environment”.  

“A América do Sul e, em particular, o Brasil já mostram sinais das mudanças climáticas, incluindo o aumento das temperaturas da superfície, mudanças nos padrões de precipitação, derretimento das geleiras andinas e elevação no número e intensidade de extremos climáticos. Essas variações nas características climáticas são precursoras do que pode estar por vir nas próximas décadas”, adverte Lincoln Muniz Alves, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), um dos autores do texto. Entretanto, o governo brasileiro continua fingindo que a casa não está pegando fogo – quando não bota mais lenha na fogueira. 

O desmatamento segue batendo recordes na Amazônia: em junho foram abaixo 926 km², de acordo com o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). O novo relatório da entidade, divulgado nesta semana, mostra que no primeiro semestre de 2021 a floresta perdeu 4.014 km², a maior extensão da década para esse período. Enquanto isso, o Executivo se mantém fiel à sua política antiambiental. Um exemplo de que nada mudou com a saída do ministro Ricardo Salles está estampado em duas notícias recentes: segundo levantamento inédito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), desde que Bolsonaro assumiu, o total de pagamento de multas por crimes ambientais na Amazônia caiu 93%, em comparação aos quatro anos anteriores; ao mesmo tempo, o Ibama, que teve seu quadro de analistas ambientais reduzido a 26%, pretende preencher apenas 655 vagas das 2.348 existentes. De dez anos para cá, perdeu quase metade de seus funcionários. 

Matando a galinha dos ovos de ouro 

Lincoln Alves também alerta que, caso este cenário permaneça, as secas no sul da Amazônia vão se intensificar, o que afetará diretamente áreas que o próprio governo considera estratégicas: “Se antes chovia dez milímetros em um determinado mês, esse número caiu pela metade. Isso tem impactos nos setores agrícola e de geração de energia, por exemplo, que fazem seus planejamentos com base nos volumes de chuvas”. O mercado de commodities está fervendo, mas com sua fome insaciável o agronegócio pode acabar matando a galinha dos ovos de ouro.  

Outros estudos recentes avalizam o que diz o pesquisador do Inpe. O primeiro, que saiu em maio na revista “Nature Communications”, calculou que o setor deixa de ganhar US$ 1 bilhão por ano por causa da estiagem. O motivo é óbvio, mas não custa repetir: “Com menos árvores na floresta, há menos umidade no ar e menos chuvas. Logo, o avanço do desmatamento na Amazônia impacta a produtividade do agronegócio brasileiro”, explica um dos autores, o engenheiro florestal Argemiro Teixeira Leite Filho, da UFMG. O segundo, encabeçado pela engenheira ambiental Rafaela Flach, pesquisadora da Universidade Tufts, nos Estados Unidos, acabou de ser publicado no periódico “World Development”. Segundo este, a indústria da soja perde US$ 3,55 bilhões por ano por causa do calor; quando os termômetros passam dos 30°C, a produtividade cai em até 5%.  

O que de pior poderia acontecer já está é realidade: a Amazônia tem emitido três vezes mais CO₂ do que absorvido, de acordo com uma pesquisa internacional, liderada pela pesquisadora do Inpe Luciana Vanni Gatti e publicada no último dia 14 na “Nature”. Entre 2010 e 2018 a Amazônia brasileira derramou na atmosfera 1,06 bilhão de toneladas de carbono por ano e só sugou 18% de volta. “A segunda má notícia é que os locais onde o desmatamento é de 30% ou mais apresentam emissões de carbono dez vezes maiores que onde o desmatamento é inferior a 20%”, diz Luciana. “Essas áreas esquentaram nas últimas quatro décadas quase 2,5°C. Para se ter uma ideia, o resto do mundo esquentou 1,2°C em 150 anos”, completa Claudio Angelo, coordenador de comunicação do Observatório do Clima e autor do livro “A espiral da morte”. 

Do outro lado da Linha do Equador a turma já se deu conta de que não dá para levar o problema em banho-maria: “Apenas se nos comprometermos de forma resoluta com a luta contra as mudanças climáticas poderemos controlar condições meteorológicas extremas como as que vivemos atualmente”, declarou o presidente alemão Frank-Walter Steinmeier, que é conservador, sobre o desastre que se abateu sobre o seu país. Os europeus estão sentindo o gosto amargo de suas escolhas equivocadas. “As mudanças climáticas pararam de ser algo que ocorre em algum lugar distante, como o Ártico ou até a Amazônia, e passaram a ser algo que afeta diretamente a vida da população, matando mais de uma centena de pessoas num único evento”, explica a bióloga brasileira Erika Berenguer, pesquisadora das universidades de Oxford e Lancaster, no Reino Unido.  

É a tal história: farinha pouca, meu pirão primeiro. Ainda mais depois que a Agência Internacional de Energia (IEA) anunciou na terça-feira (20) que os recursos internacionais destinados à transição energética no pós-pandemia são insuficientes para reduzir as emissões globais de CO₂. Pior: segundo os seus cálculos, essas emissões vão disparar a partir de 2023, a não ser que o pessoal coce o bolso com vontade. “Desde o início da crise da Covid-19, muitos governos têm destacado como é importante reconstruir melhor, para um futuro mais saudável, mas muitos ainda têm que fazer o que dizem”, cutucou o diretor da IEA, Fatih Birol. Essa conta vai ficar ainda mais salgada, e a turma do Norte não vai querer pagar ela sozinha.  

A batata do Brasil está assando e a pressão não virá só de cima: “O ativismo de investidores pode ser uma força poderosa para o bem”, defendeu o “Financial Times”, uma das bíblias do mercado financeiro, num contundente editorial publicado no dia 14. O jornal inglês sugeriu que a turma do dinheiro puna o Brasil pelo desmatamento na Amazônia. “Pouca gente acredita que Bolsonaro, ligado a um ruidoso eleitorado de madeireiros, pecuaristas e evangélicos, mudará de comportamento em seus 18 meses finais de mandato”, diz o texto. “O Código Florestal, que parecia impressionante, está rapidamente se tornando letra morta, porque as agências que policiam sua aplicação tiveram seus orçamentos cortados severamente”, continua. A sociedade civil reage, pois nem sempre os governos trabalham pelo bem-comum. Precisamos nos mirar nesse exemplo se quisermos continuar sentados à mesa. 

#Clima #MudançasClimáticas #MeioAmbiente #Incêndios #Tempestades #Natureza

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A corrida do ouro

A corrida do ouro

Disseram “a Amazonia vale ouro” e alguns entenderam o recado de um jeito completamente errado. Pelo menos, é o que indica o relatório “legalidade da produção de ouro no Brasil”, produzido pela UFMG em parceria com o Ministério Público Federal (MPF). O documento aponta que 90% do mineral explorado ilegalmente no país entre 2019 e 2020 saiu da floresta, gerando um prejuízo socioambiental de US$ 1,7 bilhão. A Amazônia vale muito sim, mas de pé. Já o ouro que sai dela, em vez de lucro, só gera dor de cabeça. O problema é tão grande que o MPF tomou uma medida radical: pediu à Justiça a suspensão de todas as permissões para extração, comércio e exportação de ouro no Sudoeste do Pará. Há uma corrida em curso no coração da maior floresta tropical do planeta. De um lado, garimpeiros tentando enriquecer a qualquer custo. De outro, indígenas dispostos a preservar a natureza no local que lhes serve de casa.

Responda rápido: qual é o estado que mais produz ouro no país? Minas Gerais, é claro. Em segundo lugar, vem o Mato Grosso e, em terceiro, o Pará. Acontece que, de acordo com o levantamento, enquanto Minas e Mato Grosso mantiveram produção estável no período analisado, a mineração disparou nos últimos 2 anos no Pará. Lá, o volume produzido saltou de 9,7 toneladas em 2019 para 17,2 em 2020. Esta corrida do ouro não aconteceu sem alguns atropelos. No caso em questão, sem que riquezas tenham deixado a floresta passando longe controles do Estado. Só na Área de Proteção Ambiental (APA) do Tapajós, cerca de 9 toneladas de ouro foram extraídas de forma irregular entre 2019 e 2020. É o dobro do volume verificado na APA Reentrâncias Maranhenses, segunda colocada neste ranking. Porém, o principal aqui é o seguinte: a APA do Tapajós não fica numa região qualquer.

Noventa e nove por cento da área de 2 milhões de hectares da APA do Tapajós estão localizados nos municípios paraenses de Itaituba e Jacaracanga. Colada à APA, está a Terra Indígena (TI) Munduruku, com sua população de mais 6000 pessoas, sua pequena área de 2382 hectares e crescentes taxas de desmatamento desde 2013. Naquele ano, foram 77 hectares de floresta derrubada. Em 2019, 1824. Há mais de 4 milênios na região, os indígenas ultimamente andam assustados com as retroescavadeiras que destroem rios e igarapés à procura de ouro e vomitam toneladas de mercúrio e outros resíduos nos cursos d’água nos quais se banharam seus antepassados. A situação tem sido denunciada por meio de porta-vozes que veem este presente apagar o futuro – como Bheka Munduruku, de 17 anos. “Queremos convencer todo o mundo — inclusive os cabeças-duras — da importância de preservar a floresta e os seus rios”, afirmou ela em um artigo para Folha de São Paulo. Não se trata de arrogância adolescente, mas de um grito de alerta maduro e consciente. Esta caça ao tesouro não vai nos levar a nada. Ou melhor, até vai – mas a um lugar que não queremos chegar.

Como nada nunca é tão ruim que não possa piorar, o Governo Federal parece ter entrado nesta briga – só que do lado errado. Em fevereiro do ano passado, Bolsonaro enviou ao Congresso o Projeto de Lei 191, que pode facilitar a mineração em terras indígenas. O texto ainda não foi analisado por deputados e senadores, mas o estudo da UFMG e do MPF estima em US$ 5 bilhões o prejuízo caso a ideia do presidente se torne de lei. O valor leva em conta o impacto da medida nos chamados serviços ecossistêmicos, que consistem em chuvas, temperaturas amenas e outros favores que a natureza hoje nos presta de graça.

Em 05 de agosto de 2020, o então ministro do meio ambiente esteve em Jacareacanga. Em vez de criticar a destruição da floresta, se reuniu com garimpeiros que queriam a suspensão das operações do Ibama na região. Não satisfeito, Ricardo Salles ainda usou um avião da FAB para levar sete deles a uma nova reunião em Brasília no dia seguinte. Para os indígenas, a situação é um deus-nos-acuda. Em 25 de maio, a Polícia Federal realizou em Itaituba a Operação Mundurukânia 1, que teve como alvo os garimpeiros. Eles reagiram e puseram fogo na casa de Maria Leusa Munduruku. “Chegaram com combustível naquelas garrafas de dois litros de refrigerante, armados, atirando, no meio de criança”, lembrou depois a liderança indígena. Um mês após o episódio, a Câmara aprovou outro PL, o 490, que também pode facilitar o garimpo em TIs e depende agora da aprovação do Senado para entrar em vigor.

Pelas contas do MPF, cada grama de ouro que sai da Amazônia de forma ilegal gera um prejuízo de até R$ 3 mil. O cálculo considera o valor necessário para recuperar as áreas afetadas. Para o período entre 2019 e 2020, o custo com este tipo de atividade chegou a R$ 20 bilhões – contra R$ 8,7 bilhões gerados pela mineração legal. É uma conta que não fecha, mas que tem solução. O aumento da fiscalização, a atribuição de responsabilidade a quem compra e o cancelamento de autorizações para mineração em TIs são alguns dos caminhos apontados pelo estudo do MPF e da UFMG para isso. Resta saber quem cruzará a primeiro a reta de chegada: o bom senso ou a ganância. Fique à vontade para escolher em que torcida você prefere estar.

Foto: Marcos Amend / Greenpeace

 

#Amazônia #Mineração #Munduruku #Garimpo #Ouro #MeioAmbiente

 

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Câmara dos Deputados – PL 191/2020

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Cimi – Povos indígenas ocupam cúpula do Congresso Nacional em manifestação contra o PL 490

Folha – Garimpeiros ilegais fecham aeroporto durante visita de Salles a cidade do Pará

Folha – Ser Munduruku e Ser Amazônia (Bheka Munduruku)

ISA – Área de Proteção Ambiental do Tapajós

ISA – Terra Indígena Munduruku

G1 – MPF questiona FAB sobre voo que levou garimpeiros do PA para reunião com ministro Salles em Brasília

O Globo – Em dois anos, garimpo aumenta em 363% a degradação da Terra Indígena Munduruku

O Liberal – PF apura ataques de garimpeiros contra indígenas e agentes de segurança no Pará

Polícia Federal – Polícia Federal realiza operação para combater a prática de garimpos ilegais em terras indígenas no interior do Pará

Polícia Federal – Polícia Federal deflagra Operação Mundurukânia 2 para aprofundar investigações sobre ataques a agentes de segurança pública e lideranças indígenas

 

Do lado de fora

Do lado de fora

Em primeiro plano, um indígena com cocar. Ao fundo, as cúpulas do Congresso Nacional e, entre elas, mais indígenas. A imagem registrada nos últimos dias resume o clima na Praça dos Três Poderes, independente do lado que se escolha do poderoso logradouro. Pode ser a ação de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng no Supremo Tribunal Federal; pode ser um dos seis projetos de lei que tramitam na Câmara dos Deputados e que, de alguma forma, alteram direitos estabelecidos; pode ser qualquer fala do presidente sobre o tema. O fato é que, para onde olhem, os indígenas veem suas vidas ameaçadas e, por isso, decidiram ir a Brasília para se manifestar. Ainda que, para isso, tenham de ficar do lado de fora dos palácios.

A situação não deixa de ser irônica. Afinal, poucos segmentos estão tão por dentro do que acontece hoje no país como os povos originários. Os guardiões da floresta veem o desmatamento disparar ao lado de suas terras, enquanto preservam a mata nas áreas onde vivem. É uma postura que destoa daquela adotada por um governo, que é, digamos, menos preocupado com o meio ambiente, e tem dado as cartas no já citado Plano Piloto. Hoje, pipocam por lá ideias pouco razoáveis, como o tal “marco temporal” (ideia absurda e inconstitucional segundo a qual os indígenas só teriam direito à terra onde estavam em 1988), a liberação de agronegócio, garimpo e outras atividades econômicas em terras indígenas e até mesmo a saída do Brasil de um tratado que o obriga a consultar indígenas quando for tomar decisões que os afetem – algo exigido não só por acordos internacionais, mas também pela boa educação.

Se você duvida, recomendamos que dê uma olhada. Mas não se assuste com a numeralha ou com o juridiquês: o Recurso Extraordinário com repercussão geral, processo 1.017.365 está em análise no STF. Já os projetos de lei 490/2007, 2633/2020, 191/2020, 1443/2021 e 1737/2020 e o Projeto de Decreto Legislativo 177 estão em discussão na Câmara. Ufa! Tomou nota da placa? É o trator passando, ou a boiada.

Lembre-se que tudo isso está em debate em meio a uma pandemia que já vitimou 1.107 indígenas, de acordo com levantamento da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), e na qual o governo fez muito pouco por eles. Em casos como o dos Yanomami, agentes de saúde desviaram vacinas destinadas a aldeias e as trocaram por ouro com garimpeiros. É quase como se o governo quisesse extinguir os povos tradicionais num genocídio. Mas podemos ficar tranquilos: o presidente já nos garantiu que não é o caso – embora até aliados seus no exterior, como o ex-primeiro-ministro de Israel Benjamin Netanyahu, já tenham se preocupado com a possibilidade.

Aliás, se aqui dentro o cenário é difícil, lá fora o quadro é bem diferente. Vistos pelo mundo como aliados na luta contra as mudanças climáticas, os indígenas brasileiros são reconhecidos pela forma como cuidam do planeta. Um exemplo é Sineia do Vale, foi convidada por Joe Biden a participar da Cúpula de Líderes sobre o Clima organizada em abril. Seja realista: você acha que Bolsonaro teria assunto num encontro desses? Realmente, faz muito mais sentido ter por lá uma das lideranças de nossos povos tradicionais discursando sobre meio ambiente.
Enquanto o Brasil for carta fora do baralho no jogo das grandes potências, vai ser assim e não tem jeito. Se quiser voltar a ter relevância no mundo, precisa fazer o dever de casa e voltar a ouvir indígenas, quilombolas e outros segmentos de sua população que desempenham um papel essencial na preservação da natureza. Além disso, tem de entender que regras precisam ser justas e não podem ser alteradas no meio da partida. É só seguirmos a mais importante delas, a Constituição Federal de 1988, não à toa conhecida como Constituição Cidadã. Este é um campeonato diferente, em que o país pode sair campeão apenas cumprindo à risca o que determina o regulamento.

#MeioAmbiente #Indígenas #DireitosIndígenas #G7

 

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A Mata Atlântica é História e futuro

A Mata Atlântica é História e futuro

A Mata Atlântica sempre foi tratada como a casa da mãe Joana e ganhou um presente de grego em seu dia, comemorado em 27 de maio. Saiu nesta data a notícia de que o bioma perdeu 130,53 km² entre 2019 e 2020. Ainda que a devastação tenha sido menor que a do ano anterior, foi 14% maior que a de 2017-2018, quando comemorávamos a menor taxa de desmatamento em 36 anos. É mito que a floresta tenha sido destruída aos poucos no período colonial, quando os europeus começaram a derrubar árvore para plantar cana-de-açúcar e, em menos de 30 anos, quase levaram à extinção o pau-brasil. O bota-abaixo para valer aconteceu no século XX, quando 5.364,8 km² de mata foram ao chão só entre 1985 e 1990. Tudo isso no quintal de casa da maior parte dos brasileiros. Hoje, sobraram só 12,4% dos seus 1.310.298,98 km² originais.

Toda esta situação desmente um dos hits da desinformação nas atuais discussões sobre ecologia: o argumento de que só as nações ricas destruíram suas florestas, enquanto o Brasil manteve as suas intactas. A área derrubada aqui equivale a três Alemanhas e meia. Não devemos nada a eles. Quer dizer, não em relação a isso. Então, que tal aproveitar a Semana do Meio Ambiente para perguntar: em nome de quê? Presente em 17 estados e lar de 72% da população do país, o bioma parecia ter o desmatamento sob controle até 2017, com dois períodos consecutivos de queda. Mas a coisa degringolou no ano seguinte, quando o indicador cresceu 27% e segue destrambelhada desde então, como mostra o relatório anual da Fundação SOS Mata Atlântica, feito em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Se este parágrafo inteiro lhe fez pensar num certo pessoal que anda batendo ponto em Brasília, tudo bem. A relação era inevitável mesmo.

No ano passado, o ministro do Meio Ambiente sugeriu ao presidente uma revisão na Lei da Mata Atlântica. A regra sancionada em 2008 reduziu consideravelmente a devastação do bioma. Além disso, também tentou anistiar desmatadores ilegais. Investigado por contrabando de madeira, o menino da porteira está feliz com a boiada que passa e só falta pedir ao vaqueiro que toque o berrante. Vale lembrar que, em tese, ele conhece bem a Mata Atlântica – pelo menos por mapas. Salles começou sua carreira como secretário do meio ambiente em São Paulo. É diferente da Amazônia, que ele só viu pela primeira vez após ter se mudado para o Plano Piloto. Agora, entre conhecer e preservar, há uma grande diferença.

As razões para devastação da Mata Atlântica são várias. A expansão imobiliária, a ocupação de áreas pela agropecuária e a queima de árvores para produção de carvão vegetal são apenas algumas delas. Para piorar a situação, tramita hoje no Congresso um projeto que flexibiliza o licenciamento ambiental. O texto abre caminho para mais desmatamento e facilita a construção de barragens como as da Vale e da Samarco, por exemplo. O rompimento da primeira devastou 1,3 km² de vegetação nativa após em 2019. Já o rompimento da segunda arruinou o Rio Doce, cuja bacia atinge 228 municípios de Minas Gerais e Espírito Santo. Tudo isso dentro do mesmo bioma: a Mata Atlântica, que abriga os rios que abastecem Rio e São Paulo. Sentiu o drama? Quem nos lê de uma das duas maiores cidades brasileiras pode, em breve, ter saudades da água do volume morto ou com notas de geosmina.

Mas calma. A esperança é como uma população de micos-leões dourados que, mesmo com risco de extinção, cresce de novo quando a gente preserva. Aqui vão alguns motivos para isso. No Desafio de Bonn e na Declaração de Florestas de Nova York, o Brasil se comprometeu a reflorestar 120 mil km² até 2030. E um estudo publicado em julho de 2019 na revista “Science Advances” identificou que a Mata Atlântica é nosso bioma mais apto a ser regenerado. Assinada por 25 cientistas de Austrália, Brasil, Estados Unidos, Polônia, Reino Unido e Suécia, outra pesquisa divulgada na “Nature Ecology & Evolution” foi além e apontou áreas específicas deste ecossistema para a restauração, levando em conta desde critérios econômicos à conservação da biodiversidade e o combate às mudanças climáticas. De acordo com esta análise, seria possível evitar a extinção de 745 espécies de animais e plantas, absorver um bilhão de toneladas de CO₂ e ainda economizar US$ 28 bilhões por meio desta iniciativa. Ou seja, temos a faca e o queijo na mão. A Mata Atlântica está em nossa História, sobrevive heroicamente no presente e pode ser vital para o nosso futuro.

 

#MataAtlântica #MeioAmbiente #LicenciamentoAmbiental #Preservação #Desmatamento

 

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Parece, mas não é

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É tênue a linha que separa o lampejo genial da ideia de jerico. Há 45 mil anos, um homo sapiens anônimo registrou seus cotidiano e imaginário numa caverna na Ilha de Sulawesi, na Indonésia. Ele foi capaz de criar uma tinta resistente ao tempo e 100% natural. Graças a isso, hoje sabemos algo sobre como viviam alguns de nossos mais remotos ancestrais. Porém, suas pinturas rupestres, as mais antigas que se tem notícia, podem desaparecer. E essa perda inestimável seria mais um estrago para pôr na conta das mudanças climáticas, segundo um estudo recém-publicado no “Scientific Reports”.

É claro que quando James Watts concebeu seu motor a vapor, em 1763, dificilmente imaginou tal relação de causa e efeito. Usar combustíveis fósseis para mover o mundo parecia um lampejo genial. A Humanidade só se deu conta de que seu modo de vida estava influindo no clima do planeta quase dois séculos depois. A invenção de Watts ajudou a encurtar distâncias e a nos aproximar; porém estar perto não resultou em estar junto. Talvez por isso foi preciso que uma pandemia nos obrigasse a enxergar o óbvio: vivemos uma emergência e estamos todos no mesmo barco. Esse sacode fez os EUA retomarem a liderança do combate às mudanças climáticas e os países mais ricos reverem suas metas de emissões.

Quem sabe este embalo tenha inspirado a Câmara dos Deputados a aprovar no último dia 13 a nova Lei de Licenciamento Ambiental. Dita assim, a notícia até parece boa – mas não é. O texto exclui a obrigatoriedade de avaliação e prevenção de impactos em obras em terras indígenas e quilombolas ainda não homologadas, contrariando a Constituição. Também abre brechas que podem levar unidades de conservação à destruição. Isso numa hora em que o mundo inteiro está de butuca no Brasil, já que o desmatamento responde por 44% de nossas emissões de CO₂. E tem mais: a nova regra cria um dispositivo que, na prática, dispensa de licenciamento ambiental a construção de barragens como as de Mariana e de Brumadinho, entre outros despautérios. Talvez os parlamentares quisessem fazer uma surpresa para a população nesses tempos tão bicudos e, por isso, não a consultaram. Que o Senado corrija esse lapso.

No inferno das boas intenções, penam as decisões mais extravagantes. Você sabia que, até os anos 1950, era comum que o pesticida DDT – o famigerado flit – fosse usado nos Estados Unidos diretamente sobre as pessoas, inclusive crianças? O pai de todos os agrotóxicos servia para matar insetos, como piolhos e mosquitos, e tinha gente que acreditava que ele era a cloroquina da poliomielite. Com o tempo, descobriu-se que o suposto santo remédio era, na verdade, um perigoso veneno e o uso do DDT foi banido no mundo todo. Afinal, a ideia de nos envenenarmos voluntariamente não parece razoável, certo? Então, o que dizer sobre o governo brasileiro, que liberou no fim de abril o uso em nossas lavouras de 34 substância proibidas em outras partes do planeta justamente por fazerem mal à saúde humana? Cá entre nós, a situação é bem parecida com a do DDT. Será que teremos um desfecho igual?

A lista de pegadinhas ambientais é extensa e curiosa. As hidrelétricas, por exemplo. Durante muito tempo se acreditou que elas produziam energia 100% limpa e renovável. Esses mitos foram derrubados por desastres como Belo Monte, um caso tão emblemático que até Bolsonaro concorda que foi “dinheiro jogado fora” (ainda que ele ache isso por motivos poucos sustentáveis). Inviável desde o começo, a usina é incapaz de fornecer a energia que foi prometida no papel. Para completar, seu reservatório emite metano, um gás do efeito estufa 28 vezes mais potente que o CO₂. A gente já alertava para isso em 2011, quando lançamos o Movimento Gota D’Água, que questionava a obra.

É a ironia das ironias: uma hidrelétrica mal-planejada que pode vir a ser aposentada por falta de água para mover suas turbinas. Uma situação parecida com a de ter um cidadão condenado por fraude ambiental indicado para ministro do meio ambiente e vê-lo ser alvo de uma operação da Polícia Federal por suspeita de envolvimento em um esquema de contrabando de madeira ilegal. São pedras cantadas, que não surpreendem a quem sabe juntar os pontos.

Na vida, você não precisa ser mais esperto que ninguém para não ser enganado. Só tem que se manter atento. Entre uma rodovia com veículos que liberam carbono e uma estrada de ferro com trens elétricos, não é difícil saber o que é melhor para o meio ambiente. Agora, se a ferrovia corta uma área verde, já são outros 500. Ou melhor, US$ 1,9 bilhão. Este é o custo estimado do impacto ambiental da Ferrogrão, que está para sair do papel, de acordo com um estudo da Climate Policy Initiative, em parceria com a PUC/RJ. Entram na conta 2.043 km² de floresta que serão desmatados e 75 milhões de toneladas de CO₂ emitidas por causa da obra. Abrir uma nova BR também não é solução. O que resolve é colocar o projeto nos trilhos, de forma a poluir o mínimo possível. Só assim para o Brasil não perder o trem da história.

 

#MeioAmbiente #Infraestrutura #MudançasClimáticas #BeloMonte #LicenciamentoAmbiental #Ferrogrão

 

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Projeto de lei sobre novo licenciamento ambiental ameaça áreas de proteção

Câmara conclui votação de Licenciamento Ambiental e texto segue para o Senado

Como ficariam as terras indígenas com as novas regras de licenciamento ambiental? Tire suas dúvidas

Câmara conclui aprovação de projeto de lei de licenciamento ambiental

Os riscos da proposta do novo licenciamento ambiental

Relator de projeto do novo licenciamento ambiental tem terras em regiões de conflito

MPF pede novas providências contra lançamento aéreo de agrotóxico sobre comunidades tradicionais do município de Buriti (MA)

Agrotóxicos são lançados de avião sobre crianças e comunidades em disputa por terra

Governo autoriza o registro de 1 princípio ativo inédito e 33 genéricos usados na formulação de agrotóxicos

Pesticidas vetados na UE são detectados em frutas vindas do Brasil

Projetos ferroviários de R$ 40 bilhões disputam grãos de Mato Grosso

Ferrogrão tem viabilidade questionada por economistas

Os impactos ambientais da Ferrogrão (estudo da Climate Policy Initiative e da PUC/RJ)

EUA entregaram ao Brasil detalhes que levaram PF a Salles por suspeita de contrabando de madeira

Construção da represa de Belo Monte foi ‘dinheiro jogado fora’, diz Bolsonaro

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