Sabemos combater as mudanças climáticas

Sabemos combater as mudanças climáticas

Por Dinamam Tuxá, coordenador-executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib)

Em 20 de setembro de 1519 o português Fernão de Magalhães partiu de Sanlúcar de Barrameda, na Espanha, para a primeira viagem de circum-navegação. Essa expedição provou, na prática, que o planeta é esférico. Não é, evidentemente, uma data a ser comemorada pelos povos indígenas, já que as Grandes Navegações foram a maior calamidade que se abateu sobre nós.

Só lembro a data por uma razão: passados 500 anos redondos, pessoas que ainda acreditam que a Terra é plana querem nos tutelar; que gente que nega a existência das mudanças climáticas, diante de tantas evidências, pensa que sabe o que é melhor para nós. Se deixarmos nos guiar por essa turma que parou no tempo, só não cairemos pela borda do globo por motivos óbvios.

Os europeus do século 16 se lançaram ao mar para confirmar empiricamente o formato do planeta. Nós, indígenas, não precisamos sair de nossas terras para comprovar a existência de um desequilíbrio no clima. Entretanto, nosso conhecimento é, da mesma forma, prático. Ao longo dos anos notamos as variações nos ciclos da chuva e no comportamento dos animais, sentimos na pele as variações na temperatura. Vivemos em contato com a natureza, não em uma selva de pedra. Hoje há consenso entre as pessoas sensatas de que o verde é fundamental para conter o avanço das mudanças climáticas. Nossos territórios são os mais preservados e, logo, o nosso conhecimento é necessário.

Durante a campanha eleitoral, o atual presidente disse que sua intenção era que o país voltasse a ser o que era “há 40, 50 anos”. É preciso reconhecer que ele está se esforçando para chegar lá; mas o resto do mundo não poderia dar este grande salto para o passado nem se quisesse. Dos anos 1970 para cá o planeta sofreu estragos consideráveis. Danos que não poderiam ser previstos naquela época, mas que hoje a ciência comprova; prejuízos não podem ser revertidos por decreto.

Convém lembrar que a cobiça e os erros de Fernão de Magalhães o levaram à morte. Devido a essa política retrógrada, o Brasil abriu mão de sediar a conferência climática da ONU (COP25) deste ano. O encontro será em Santiago, no Chile, em dezembro. Fomos convidados a participar de uma série de eventos preparatórios que se realizaram nos Estados Unidos —o mais importante deles é o Climate Action Summit. Não fugimos à responsabilidade.

Os povos tradicionais protegem um terço das florestas tropicais do planeta. Por isso nossa importância foi reconhecida no último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).

O documento, lançado em agosto por especialistas de todo o mundo, afirma que garantir o nosso direito à terra é uma das ações mais eficazes para que a humanidade vença essa crise. Não precisamos de tutela e não temos a intenção de pajear ninguém. Estamos, sim, dispostos a ajudar. Sabemos que a luta agora não é somente por nossos direitos, mas pela sobrevivência da espécie humana.

Artigo publicado na Folha de S. Paulo

Em nome do clima

Em nome do clima

Quem disse que ciência e fé não podem andar juntas? Os cientistas foram os primeiros a falar ao mundo que a floresta é uma das barreiras mais confiáveis contra o avanço das mudanças climáticas. Eles falaram à razão; mas às vezes também é preciso falar ao espírito. De 6 a 27 de outubro será realizado, no Vaticano, o Sínodo da Amazônia. Convocado pelo Papa Francisco, o evento terá como tema “Amazônia: novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral”. Depois da recém-realizada Cúpula Climática da ONU (Climate Action Summit 2019), a reunião de Bispos da Igreja Católica vira centro de discussões sobre o meio ambiente. Cientistas e religiosos concordam em outro ponto: os povos tradicionais são fundamentais para a preservação da floresta.

O reconhecimento da ciência da importância dos indígenas ganhou forma no último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU, que recomendou que o seu direito à terra seja fortalecido. O documento serviu de base para as negociações do Climate Action Summit 2019. As deliberações do Sínodo serão guiadas pelo “Instrumentum Laboris”, texto publicado em 17 de junho. No centro das discussões no Vaticano estarão as principais ameaças aos povos da Amazônia, que nascem da exploração descontrolada dos recursos naturais da região: o desmatamento, a proliferação do garimpo ilegal, os grandes projetos hidrelétricos, o avanço das monoculturas e o desrespeito às suas culturas e ao seu direito à terra.

As negociações da Cúpula Climática partiram de uma convocação do secretário-geral da ONU, António Guterres, para que os líderes mundiais apresentassem planos mais efetivos para a redução das emissões de gases do efeito estufa. Os povos tradicionais levaram o seu recado e foram ouvidos. Se os políticos relutaram em tomar decisões mais corajosas, o evento despertou de vez a sociedade civil. Além das manifestações que levaram 4 milhões às ruas no último dia 20, o setor privado começou a fazer a sua parte: 87 das maiores empresas do mundo se comprometeram a cumprir metas climáticas. A lista inclui marcas como Burberry, Danone, Ericsson, Electrolux e Nestlé.

Essas companhias valem US$ 2,3 trilhões, empregam mais de 4,2 milhões de pessoas e emitem o equivalente a 73 usinas de carvão por ano. Algumas se comprometerem com “metas baseadas na ciência”, o que significa que os cortes de suas emissões podem ser avaliados de forma independente. No setor financeiro, alguns dos maiores fundos de pensão e seguradoras se uniram para formar a Aliança de Proprietários de Bens. A entidade tem como objetivo realocar os mais de US$ 2 trilhões que administra em investimentos que sejam neutros em carbono até 2050. Os homens de negócio botam fé no desenvolvimento sustentável e a economia também é uma ciência. Quem atacar os direitos dos povos indígenas não vai mais lucrar.

O futuro é agora

O futuro é agora

Já notaram que todo filme-catástrofe começa um cientista alertando a Humanidade de algum perigo e sendo desacreditado? No caso das mudanças climáticas, a vida imitou a arte: os interesses econômicos falaram mais alto e conseguiram abafar a voz da razão. Aí foi a própria Natureza quem decidiu falar grosso, para não deixar dúvidas. O verão de 2019 no Hemisfério Norte foi de lascar – chegou a fazer inacreditáveis 34,8°C no Círculo Polar Ártico. E o mundo foi às ruas gritar junto com ela, seguindo uma jovem sueca de 16 anos, Greta Thunberg, fundadora do movimento Fridays For Future.

A Marcha Global Pelo Clima desta sexta-feira foi a maior manifestação ambiental da História, reunindo cerca de 4 milhões de pessoas ao redor do planeta. Calcula-se que só em Nova York, nos EUA, onde fica a sede da ONU, 250 mil pessoas tenham participado da passeata. Entre elas, a própria Greta e representantes da Aliança Global de Comunidades Territoriais, que mostravam, mais uma vez, que os povos indígenas querem ter mais voz ativa nas decisões que movem o mundo.

Não é hora para meias-palavras: ou tomamos medidas realmente concretas contra as mudanças climáticas agora ou seremos obrigados a nos preparar para o pior. Um grupo de cientistas franceses divulgou um relatório esta semana – que servirá de base para o próximo relatório do IPCC da ONU – que aponta que a temperatura global pode aumentar 7° C até o fim do século; a previsão mais pessimista era de 4,8° C. Um novo estudo da Federação Internacional das Sociedades da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho (IFRC) alerta que o número de pessoas que necessitam de assistência humanitária anualmente por causa de desastres relacionados ao clima pode dobrar até 2050, ultrapassando 200 milhões por ano – hoje, são cerca de 108 milhões.

“É preciso fazer as pessoas entenderem que há uma emergência climática hoje, que o problema da mudança climática é de hoje, que a saúde pública está ameaçada hoje, que o mar está subindo hoje, que as temperaturas já estão provocando problemas muito graves”, diz o secretário-geral da ONU, António Guterres. Na segunda (23) será realizada a Climate Action Summit 2019. Nesse dia, os líderes mundiais serão pressionados a apresentar planos mais exigentes para a redução das emissões. A pressão vai continuar até a COP-25, em dezembro, em Santiago, no Chile.

Por isso, as históricas manifestações do dia 20 foram apenas o pontapé inicial. Estão programados mais de 5.225 atos em 156 países ao longo da semana que vem. Para a próxima sexta-feira (27) está marcada uma greve mundial pelo clima, com a participação não só de estudantes, mas também de milhares de entidades da sociedade civil: a plataforma 350.org diz que mais de 73 sindicatos, 820 organizações e 2.500 empresas já manifestaram seu apoio.

O líder espiritual dos budistas tibetanos, Dalai Lama, publicou uma mensagem no seu Twitter apoiando as manifestações. “Esta é provavelmente a geração mais jovem que tem sérias preocupações com a crise climática e seus efeitos no meio ambiente. Eles estão sendo muito realistas sobre o futuro. Eles veem que precisamos ouvir os cientistas. Nós devemos encorajá-los”. Sábias palavras. Afinal, não é o futuro que está em jogo, mas o presente.

Outros olhares para o clima

Outros olhares para o clima

“Vamos precisar de todo mundo/um mais um é sempre mais que dois”. As mudanças climáticas são um desafio do tamanho do mundo: nenhum indivíduo, povo ou nação conseguirá enfrentá-lo sozinho. Como diz “O sal da Terra”, canção de Beto Guedes, somar forças é multiplicar. Este mês serão realizados nos EUA o Climate Action Summit 2019 e mais uma série de eventos preparatórios para a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas de 2019 (COP25). Os povos indígenas foram convocados para participar. Um novo desafio requer outros olhares.

Ninguém é tão qualificado quanto eles para proteger as florestas, a principal barreira contra as mudanças climáticas. Por isso, o último relatório do IPCC da ONU afirma que garantir aos indígenas o direito às suas terras é uma das principais saídas para a crise global do clima. Não à toa também, desde a COP 24 eles têm assento permanente nas discussões sobre o clima. O Climate Action Summit 2019, que será realizado na sede da ONU, em Nova York, começa no dia 23; mas a largada da maratona climática será dada na semana que vem.

Nos dias 16, 17 e 18, cinco lideranças irão a Washington se encontrar com a sueca Greta Thunberg, criadora do Fridays For Future – movimento que tem incentivado jovens do mundo inteiro a cobrarem medidas mais efetivas dos governos de seus países contra o avanço das mudanças climáticas. A jovem ativista de 16 anos – que atravessou o Atlântico de veleiro – e os indígenas vão se juntar a congressistas e representantes da sociedade civil americana para debaterem os impactos do desequilíbrio climático no dia a dia dos povos tradicionais.

A Marcha pelo Clima de Nova York, ponto de partida da Greve Mundial pelo Clima, acontece no dia 20. O objetivo é pressionar os governantes para que sejam adotadas ações concretas contra essa crise. Na Esquina Comunitária, que faz parte da programação paralela oficial do Climate Action Summit, a Aliança Global Guardiões da Floresta – entidade que agrupa diversas associações de povos tradicionais – se reúne nos dias 20, 21 e 22 para debater temas como os incêndios na Amazônia, os desafios políticos das mulheres indígenas e a ameaça da mineração sobre as comunidades tradicionais.

Agora é para valer: António Guterres, Secretário-Geral da ONU, convocou os líderes mundiais a levarem para o Climate Action Summit projetos sólidos e realistas para reforçar seus programas de redução de emissões de gases do efeito de estufa até 2020. As metas assumidas no Acordo de Paris simplesmente não darão conta do recado. É preciso cortar até 45% na próxima década e chegar a zero até 2050. Não dá mais para postergar. Só temos este planeta para viver.

A Amazônia ainda pulsa

A Amazônia ainda pulsa

Gigante pela própria natureza, a maior árvore da Amazônia escapou da mais grave temporada de incêndios na floresta dos últimos anos. Uma expedição se embrenhou 230 quilômetros mata adentro para ver como estava de saúde um angelim vermelho que vive na Floresta Estadual do Parú, no Pará, uma unidade de conservação estadual de uso sustentável. O impávido colosso tem 88 metros de altura, o tamanho de um prédio de 24 andares. Sua espécie é bastante valorizada no mercado de madeira; mas como ele está numa área de difícil acesso, goza de relativa tranquilidade. Por enquanto: como se diz por aí, ele é grande, mas não é dois. Hoje é o Dia da Amazônia, uma boa ocasião para a gente se lembrar disso.

Nada, nem ninguém, é imune à irresponsabilidade e à ganância alheias. O galalau se garantiu sozinho até agora, mas deveria receber proteção redobrada. Só que o Ministério do Meio Ambiente acaba de anunciar que reduziu em 34% a verba destinada a combater incêndios em 2020 – de R$ 45,5 milhões para R$ 29,6 milhões. Além disso, nos últimos cinco anos congressistas oriundos da Amazônia Legal (que engloba Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins, e Maranhão) reservaram somente 0,001% dos recursos de emendas parlamentares para a sua preservação.

Projetos importantes, que poderiam ajudar a pôr um freio ao desmatamento ilegal galopante do primeiro semestre e às recentes queimadas, hibernam no Congresso – o mesmo que no momento se apressa em aprovar um desfigurado Código Florestal e as Propostas de Emenda à Constituição (PECs) 187 e 343, que ameaçam os direitos dos povos indígenas às suas terras. Nem todos são uma unanimidade entre os defensores do meio ambiente, mas podem representar avanços. Por isso, devemos concentrar nossos esforços em pressionar deputados e senadores para a sua aprovação ou aperfeiçoamento. São propostas que partiram de parlamentares de diferentes estados, partidos e ideologias.

Há dois anos, por exemplo, o senador Acir Gurgacz (PDT-RO) apresentou um projeto que concede incentivos fiscais e econômicos a produtores rurais da Amazônia Legal que promovam a preservação ou o reflorestamento em suas propriedades. “A criação de instrumentos econômicos que recompensem aqueles que contribuem para a conservação da natureza pode ser mais efetiva do que a mera ação fiscalizadora e sancionadora do Estado, especialmente em um país de dimensões continentais e com enormes extensões de florestas como o Brasil”, diz o texto.

O deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP), Presidente da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara, propôs mudanças na lei que regula os crimes contra a flora para combater a impunidade – o principal motor da devastação da Amazônia. Seu projeto prevê que destruir floresta pode dar de dois a quatro anos, além do pagamento de uma multa. Quem cortasse uma árvore em área de preservação também seria multado e pegaria de um a três anos de detenção. Outro deputado, Zé Vitor (PL-MG) apresentou uma proposta que permite que doações a entidades sem fins lucrativos que atuem na proteção do meio ambiente sejam deduzidas do Imposto de Renda.

Quando quer, o Congresso corre. Na última terça-feira (3/9), a Câmara aprovou, em votação simbólica no plenário, o Projeto de Lei (PL) que institui a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (PNPSA). Este PL havia sido apresentado em 2015, mas foi tirado da gaveta por causa da crise das queimadas na Amazônia – que deflagrou uma série de restrições de empresas estrangeiras contra produtos brasileiros. O texto agora vai para o Senado. Se pudesse falar, o angelim vermelho gigante da Floresta Estadual do Parú certamente pediria pressa aos parlamentares na aprovação das demais propostas e sopraria no ouvido do presidente que há mais de 200 terras indígenas à espera de demarcação e que elas seria a sua maior proteção.

Saiba mais:

Pesquisadores encontram árvore mais alta da Amazônia e dizem que ‘até o momento’ está salva das queimadas

Projetos que visam a aumentar proteção à Amazônia estão parados no Congresso

Ambiente recebe só 0,001% das emendas parlamentares para Amazônia

Ministério do Meio Ambiente reduz em 34% a verba para combater incêndios em 2020

Câmara aprova projeto que institui pagamento a produtores rurais que preservem meio ambiente

Exportações brasileiras de alimentos recuam 8% neste ano

Projetos dependem da floresta em pé para gerar lucro na Amazônia

O que o acordo comercial UE-Mercosul diz sobre meio ambiente

Fogo e desmate ameaçam negócios com madeira legal

ADM, Bunge e Cargill dizem não comprar produtos de novas áreas desmatadas na Amazônia

Boicote por crise dos incêndios na Amazônia chega ao mercado financeiro e acende alerta

Fiesp recebe Mercedes, Louis Vuitton e Nestlé para debater Amazônia

 

Translate »