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Sabemos combater as mudanças climáticas

outubro 2019

Por Dinamam Tuxá, coordenador-executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib)

Em 20 de setembro de 1519 o português Fernão de Magalhães partiu de Sanlúcar de Barrameda, na Espanha, para a primeira viagem de circum-navegação. Essa expedição provou, na prática, que o planeta é esférico. Não é, evidentemente, uma data a ser comemorada pelos povos indígenas, já que as Grandes Navegações foram a maior calamidade que se abateu sobre nós.

Só lembro a data por uma razão: passados 500 anos redondos, pessoas que ainda acreditam que a Terra é plana querem nos tutelar; que gente que nega a existência das mudanças climáticas, diante de tantas evidências, pensa que sabe o que é melhor para nós. Se deixarmos nos guiar por essa turma que parou no tempo, só não cairemos pela borda do globo por motivos óbvios.

Os europeus do século 16 se lançaram ao mar para confirmar empiricamente o formato do planeta. Nós, indígenas, não precisamos sair de nossas terras para comprovar a existência de um desequilíbrio no clima. Entretanto, nosso conhecimento é, da mesma forma, prático. Ao longo dos anos notamos as variações nos ciclos da chuva e no comportamento dos animais, sentimos na pele as variações na temperatura. Vivemos em contato com a natureza, não em uma selva de pedra. Hoje há consenso entre as pessoas sensatas de que o verde é fundamental para conter o avanço das mudanças climáticas. Nossos territórios são os mais preservados e, logo, o nosso conhecimento é necessário.

Durante a campanha eleitoral, o atual presidente disse que sua intenção era que o país voltasse a ser o que era “há 40, 50 anos”. É preciso reconhecer que ele está se esforçando para chegar lá; mas o resto do mundo não poderia dar este grande salto para o passado nem se quisesse. Dos anos 1970 para cá o planeta sofreu estragos consideráveis. Danos que não poderiam ser previstos naquela época, mas que hoje a ciência comprova; prejuízos não podem ser revertidos por decreto.

Convém lembrar que a cobiça e os erros de Fernão de Magalhães o levaram à morte. Devido a essa política retrógrada, o Brasil abriu mão de sediar a conferência climática da ONU (COP25) deste ano. O encontro será em Santiago, no Chile, em dezembro. Fomos convidados a participar de uma série de eventos preparatórios que se realizaram nos Estados Unidos —o mais importante deles é o Climate Action Summit. Não fugimos à responsabilidade.

Os povos tradicionais protegem um terço das florestas tropicais do planeta. Por isso nossa importância foi reconhecida no último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).

O documento, lançado em agosto por especialistas de todo o mundo, afirma que garantir o nosso direito à terra é uma das ações mais eficazes para que a humanidade vença essa crise. Não precisamos de tutela e não temos a intenção de pajear ninguém. Estamos, sim, dispostos a ajudar. Sabemos que a luta agora não é somente por nossos direitos, mas pela sobrevivência da espécie humana.

Artigo publicado na Folha de S. Paulo

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