La estela de São Francisco

La estela de São Francisco

Mi padre no quería volver a ver San Francisco. Para él, es como ver el cuerpo de un pariente en la sala de estar, en una estela que no tiene fin. Nuestra tierra fue declarada oficialmente muerta en 1988, cuando el Molino Luiz Gonzaga comenzó a operar. Está enterrada bajo las aguas del lago de Itaparica, construido para ser el embalse de la central hidroeléctrica. Nosotros, tuxá, vivíamos en 30 islas fluviales. La más grande de ellas, donde hicimos la agricultura, fue la Ilha da Viúva. Pero cada uno de nosotros tenía su servicio: en uno había más carpinchos para cazar; en otro, los peces eran abundantes; el otro era sagrado para nosotros, nuestro templo. Teníamos todo lo que queríamos. Y así sería a lo largo de toda nuestra existencia, pues sólo tomamos de allí lo que necesitábamos. Nunca hicimos sufrir a San Francisco.

Nuestra cuota de sacrificio por lo que convencionalmente se llamaba progreso era alta. Hoy vivimos en el exilio a orillas del río. Los indígenas son parte de su tierra. Cuando nos sacaron del lecho del río, perdimos parte de nuestra identidad. Tuvimos que rehacernos. Ya no somos el tuxá de antaño, pero seguimos siendo tuxá. Seguimos amando al São Francisco como a un pariente y dependemos de él para sobrevivir. Pero ahora también nos sentimos responsables de él. El río hoy enfrenta fuerzas más allá de las tuyas. Cuando dice “no destruyas el futuro de nuestros hijos”, el Jefe Raoni se refiere no sólo a los Kayapo Curumins, sino a los niños de todo el mundo. Porque cuando los indígenas defienden sus derechos y la naturaleza está luchando por el bien común.

Más allá de nuestras tierras, el São Francisco establece grados de parentesco con otros pueblos. Mucha gente también lo ama como pariente y le quita su sustento. Todo el mal hecho contra el río se refleja directamente en la vida de más de 14 millones de personas. Y hay muchos de estos males: sus aguas reciben aguas residuales no tratadas, son desviadas clandestinamente para el riego, sufren los efectos del cambio climático y la minería, y están prohibidas para la construcción de represas hidroeléctricas. Ahora, São Francisco es víctima indirecta de los mayores desastres ambientales de Brasil: los relaves que se filtraron de la represa Vale en Brumadinho llegaron a ella en abril; el mes pasado, las mareas negras que golpearon la costa noreste entraron en su lecho, viniendo del mar.

No es sólo nuestro dolor de lo que estoy hablando. Siempre hemos sido conscientes de que somos parte de un gran organismo, la Madre Tierra. Esta comprensión nuestra, que es espiritual, ha sido confirmada por la ciencia moderna – la misma que ha atestiguado que nuestra forma de vida preserva los ríos y los bosques. Incluso después de haber sido desarraigados de nuestro territorio original, tenemos que defender la casa en la que vivimos hoy de los invasores. Ailton Krenak advirtió: “Somos indios, hemos resistido durante 500 años. Me preocupa que los blancos se resistan”. Desde la llegada de los europeos, nos hemos visto obligados a convertir nuestro dolor en fuerza para luchar. Pero sabemos que hoy no estamos solos, y eso nos da aún más fuerza. No permitiremos que destruyan el futuro de nuestros hijos.

Por Dinamamam Tuxá, coordinadora de la Articulación de Pueblos y Organizaciones Indígenas del Nordeste, Minas Gerais y Espírito Santo.

Artículo publicado originalmente en el periódico O Globo

Emergência climática

Emergência climática

O clima não está normal nem aqui, nem lá na China. Junho e julho de 2019 foram os mais quentes da História, recordes de calor foram batidos em todo o Hemisfério Norte. Houve apagões em Nova York, o fogo queima florestas no Ártico, os termômetros marcaram 45,1°C na França (42,6°C em Paris) e 800 milhões (!) de chineses estão sendo afetados pelas temperaturas de mais de 40°C que atinge suas metrópoles.

Parlamentos de Alemanha, Argentina, Austrália, Bélgica, Canadá, Espanha, EUA, França, Irlanda, Itália, Nova Zelândia, Reino Unido, República Checa e Suíça decretaram emergência climática. A Organização Meteorológica Mundial (OMM) não tem dúvida: essas ondas de calor “carregam a assinatura da mudança climática provocada pelo homem”.

O homem causa e paga: segundo um relatório da seguradora alemã Munich Re, desastres naturais causados pelo desequilíbrio no clima provocaram prejuízos de US$ 42 bilhões no primeiro semestre. Por isso, mesmo que o presidente Donald Trump vá abolir as regras adotadas no governo Barack Obama para reduzir emissões de poluentes por veículos, a Califórnia e outros 13 estados americanos continuarão a aplicá-las. Quatro das maiores montadoras do mundo instaladas nos Estados Unidos  – Ford, Volkswagen, Honda e BMW  – juntaram-se esta semana ao grupo de dissidentes.

Está acontecendo mais rápido do que esperávamos. No ano passado, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) anunciou que as emissões de CO₂ teriam que ser reduzidas em 45% até 2030, para manter o aumento das temperaturas médias globais abaixo de 1,5°C até o fim do século. Hoje, os cientistas reconhecem que será preciso corrigir essa meta e que os próximos 18 meses serão fundamentais.

Neste momento, estamos nos encaminhando para 3°C de aquecimento até 2100, o que seria catastrófico para a vida – humana e animal – no planeta. “A matemática do clima é brutalmente clara: embora o mundo não possa ser curado nos próximos anos, pode ser fatalmente ferido por negligência até 2020”, diz Hans Joachim Schellnhuber, fundador e diretor emérito do Instituto Potsdam de Pesquisas sobre o Impacto Climático.

Assim como nos EUA, no Brasil parece haver um descompasso entre o que pensam opinião e o poder públicos. Pesquisas recém-divulgadas pelo Instituto Datafolha apontam que 85% da população, que sofre os efeitos na pele, acredita que o planeta está esquentando e 72% concordam que a causa é a atividade humana; que 86% dos brasileiros rejeitam a ideia de abrir as terras indígenas para a mineração. Enquanto isso, o governo, que é uma entidade abstrata, luta contra a Ciência e os fatos. Não se detém catástrofes por decreto.

Saiba mais:

Paulo Paulino Guajajara (1993-2019)

Paulo Paulino Guajajara (1993-2019)

Há quatro anos Paulo Paulino Guajajara (1993-2019), assassinado numa emboscada na última sexta-feira, viu metade da Terra Indígena Araribóia ser consumida pelo fogo. As chamas foram controladas nos últimos dias de outubro de 2015, depois de arderem por mais de dois meses. Os Guajajara acreditam que o incêndio foi criminoso. Paulo Paulino protegia a floresta e deu sua vida por ela. Segundo reconhece o texto final do Sínodo da Amazônia, os indígenas têm “uma visão integradora da realidade, capaz de compreender as múltiplas conexões existentes entre tudo o que foi criado”. Como vivem em harmonia com a natureza, acreditam que não há pecado maior do que agredi-la. Podemos não ter a mesma conexão com o meio ambiente que eles, mas como não olhar para florestas queimando e rios mortos e não pensar “que pecado”?

O dia 5 de novembro marca os quatro anos da tragédia de Mariana. O Rio Doce e 19 pessoas morreram, mas é como se nada tivéssemos aprendido: neste momento, o Pantanal está em chamas e o litoral nordestino, tomado pelo óleo. O Sínodo da Amazônia, realizado em outubro, no Vaticano, definiu o “pecado ecológico como uma ação ou omissão contra Deus, contra o próximo, a comunidade e o meio ambiente”. O documento redigido pelos bispos católicos afirma ainda se tratar de “um pecado contra as gerações futuras”, causado pelo desenvolvimento econômico predatório; um desrespeito ao Criador e à sua obra, que são o planeta Terra e todos os seres que nele habitam.

Não é preciso ser religioso para concordar com a definição da Igreja Católica ou para admitir que o Brasil peca, e muito, em nome de um modelo de desenvolvimento econômico predatório e insustentável. Quatro anos se passaram, mas ainda não há previsão para julgamento de responsáveis, e todos aguardam em liberdade, além de estarem livres da acusação de homicídio. O Ministério Público de Minas Gerais calcula que foram 700 mil atingidos. Até agora, 9.120 indenizações foram pagas para quem teve perda de renda ou bens materiais e, segundo a Fundação Renova, até agosto deste ano, 319 mil moradores receberam indenizações ou auxílio financeiro.

As vítimas de outro pecado brasileiro recente foram lembradas no Vaticano, num evento paralelo ao Sínodo. No dia 25 de janeiro, o rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho (MG), deixou 270 pessoas mortas e cerca de 1,3 milhão de pessoas que vivem às margens do Rio Paraopeba podem estar contaminadas com metais pesados. Em Mariana, o primeiro diagnóstico toxicológico aprofundando sobre a população atingida só foi apresentado três anos depois do desastre. Segundo a Fundação Oswaldo Cruz, 10% dos 40 mil moradores do município de Brumadinho foram diretamente afetados pelo desastre. No mesmo relatório a instituição afirma que todas as pessoas que vivem às margens do Rio Paraopeba foram atingidas de alguma forma, não só pelo desastre em si, mas também por questões econômicas e sociais decorrentes dele.

A Vale pecou primeiro por omissão: segundo o primeiro inquérito da Polícia Federal, concluído em setembro, a empresa vinha sendo alertada desde 2017 para a falta de segurança na mina do Córrego do Feijão. A PF ainda aguarda a conclusão das perícias sobre as causas do rompimento para apontar responsáveis pelos crimes ambientais e pelas 270 mortes. Em 28 de outubro saiu o resultado da quarta CPI sobre Brumadinho, desta vez na Câmara Federal – houve antes no Senado, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais e nas Câmaras de Vereadores de Belo Horizonte de Brumadinho. O relator pediu o indiciamento de ex-presidente da Vale e mais 21 pessoas por homicídio doloso – quando há a intenção de matar. Mas o que vem depois?

Não pagamos nossos pecados em Mariana e Brumadinho e já cometemos outro, que pode ser ainda maior, no litoral nordestino. Como em Brumadinho, pecou-se por omissão. O Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo em Águas sob Jurisdição Nacional (PNC), que deveria ser acionado no dia 2 de setembro, só entrou em vigor 41 dias depois, em 11 de outubro. O Ministério do Meio Ambiente também desconsiderou a nota técnica de um analista da pasta, que alertava que a extinção de três comitês poderia prejudicar o combate a desastres causados por óleo. O documento foi assinado no dia 26 de abril, 15 dias depois da publicação do decreto 9.759/2019, que extinguiu colegiados considerados “supérfluos”. O corte atingiu os comitês concebidos pelo decreto de 2013 que criou o PNC.

Também se pecou por omissão no assassinato de Paulo Paulino. Desde o início do ano os Guajajara alertam para a invasão de suas terras e em setembro foi o próprio governo do Maranhão que pediu à Funai e ao Ministério da Justiça proteção para a Terra Indígena Governador, que fica próxima à Arariboia e também é habitada pelos Guajajara. Para não pecar mais primeiro é preciso reconhecer seus pecados.

Saiba mais:

Em 2015, queimadas destruíram mais de 100 mil hectares de floresta na Terra Indígena Araribóia, o equivalente a quase 25% da área, com 413 mil hectares. Fonte: Instituto Socioambiental (ISA)

Exploração ilegal de madeira na reserva foi apontada pelo Ibama como uma das causas do incêndio de 2015 

Documento final do Sínodo Amazônico 

Tragédia de Mariana: rejeitos continuam em Bento Rodrigues 4 anos após rompimento 

“O rio está morto.”, Depoimento de Shirley Krenak à revista Época

Em 2015, rompimento de barragem matou 19 pessoas 

Bispos querem aprovar conceito de “pecado ecológico” no Sínodo da Amazônia

Mariana: quatro anos após rompimento de barragem, não há previsão para julgamento de responsáveis 

Brumadinho: trabalho dos bombeiros chegou ao 283º dia

10% da população de Brumadinho foi afetada pelo desastre 

#TamuAtéAki #EmNomeDeQuê? #NenhumaGotaAMais #DemarcaçãoJá #Amazônia #SínodoDaAmazônia #Mariana #ÓleoNoNordeste

Governo omite ataques a três aldeias Wajãpi

Governo omite ataques a três aldeias Wajãpi

No fim de semana foram registrados três ataques coordenados a aldeias Wajãpi, no Amapá. Ao comentar esses crimes, o governo despreza os ataques simultâneos a três aldeias e prefere questionar o assassinato de um cacique, ignorando o contexto de invasões registradas na mesma Terra Indígena em um curto intervalo de tempo. Em nome de que essa informação é omitida?

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) manifestou sua preocupação. Pediu para que o governo brasileiro proteja as TIs de atos violentos. A OEA solicitou ainda explicações sobre a demora da Polícia Federal em atender aos pedidos de socorro dos indígenas no último fim de semana. Líderes Wajãpi garantem que o primeiro contato com a Funai foi feito na noite de quinta-feira (25). A PF só chegou ao local na manhã de domingo.

Essa demora não seria um incentivo àqueles que pretendem invadir territórios indígenas? Em nome de que atacar aqueles que têm papel crucial na conservação da biodiversidade e do nosso planeta?

Leia mais:

Agrotóxicos: o perigo iminente

Agrotóxicos: o perigo iminente

O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. A aprovação do Projeto de Lei conhecido como Pacote do Veneno, que libera o uso de agrotóxicos, preocupa especialistas e organizações sociais. Boa parte da população brasileira já apresenta algum tipo de distúrbio causado por contaminação das substâncias pesticidas.

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