Do fogo na floresta ao óleo no mar: é preciso agir logo

Do fogo na floresta ao óleo no mar: é preciso agir logo

Primeiro a Amazônia ardeu em chamas.  Somente após o fogo tomar as matas e as capas de jornais por mais de 20 dias, finalmente se abriu uma investigação de proporções nacionais. Enquanto todos olhavam para o fogo na floresta ao Norte, as águas do Nordeste clamavam por atenção. Ainda em agosto, os primeiros aglomerados de petróleo cru chegavam ao litoral da Paraíba.

A demora em abrir investigações sobre os desastres socioambientais virou praxe. Não adianta chorar pelo óleo derramado. É preciso agir rápido. De acordo com o Ibama, as manchas já chegaram à foz do Rio São Francisco, no limite entre Sergipe e Alagoas. Cerca de 14 milhões de pessoas tiram sustento do Velho Chico. Em nome de que tanto descaso com o meio ambiente e com a vida de populações ribeirinhas, povos indígenas, quilombolas e milhões de brasileiros?

Assim como as queimadas se espalharam rapidamente pela floresta, logo eram 10, 20, 100 praias manchadas. Até o dia 10 de outubro já se contabilizavam 139. Pouco mais de um mês após os primeiros registros, todos os estados do Nordeste apresentavam aglomerados de piche denso e pesado em suas praias, mais de dois mil quilômetros de litoral contaminado.

Para se ter uma noção do tamanho de um navio petroleiro: embarcações como o Suez Max, da Transpetro, comportam mais de 170 mil toneladas de óleo cru. Até agora, foram coletadas nas praias nordestinas mais de 130 toneladas. Não chega a um milésimo.

Apenas no dia 5 de outubro, quando todos os estados nordestinos já tinham reportado casos de contaminação, aí sim uma investigação foi aberta. Hoje Marinha, Polícia Federal e instituições regionais de Meio Ambiente trabalham juntas para solucionar o problema e descobrir a origem do óleo. Segundo o governo federal, há três hipóteses sendo testadas: um navio naufragado, que é considerado o menos provável; um vazamento acidental e até mesmo uma ação criminosa de “navios fantasmas”, que trabalham no mercado ilegal. As investigações estão focadas em 23 navios de diferentes origens que, segundo a Marinha e a Petrobras, estariam carregados com óleo vindo da Venezuela.

O governo de Alagoas afirma que não há risco de contaminação ao São Francisco, o rio da integração nacional, já que o óleo é muito grosso e não se mistura na água. Já o governo de Sergipe afirma que esforços estão sendo feitos para que as toxinas não subam pelo rio. O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, juntamente com Marinha, Ibama, Instituto do Meio Ambiente (IMA), Universidade Federal de Alagoas e população ribeirinha farão monitoramento e ações contínuas para evitar o avanço das manchas de óleo pelo rio. As ações começaram na sexta (11).

Mas há um porém: depois de anunciar que usaria boias absorventes cedidas pela Petrobras, o governo sergipano foi informado pela petroleira que não havia equipamentos disponíveis e que, portanto, o estado teria de comprar os 200 metros de boias necessários. O preço? Cerca de R$ 90 mil. O governo sergipano já havia decretado estado de emergência para arcar com os custos da recuperação, as boias entraram para conta.

Na mesma semana, o governo brasileiro arrecadou R$ 8,915 bilhões em um leilão de petróleo. O maior lance registrado foi de R$ 4,09 bilhões, oferecido pelo consórcio Petrobras & Equinor Brasil. Um dia antes de ser notícia pelo bônus recorde arrecadado em leilões sob o regime de concessão, essa rodada já tinha ido parar nos jornais. É que sete dos 36 blocos oferecidos estavam próximos a Abrolhos, um santuário ecológico, berço da biodiversidade do oceano Atlântico Sul.

Na véspera do leilão, a Justiça Federal da Bahia acatou um pedido de liminar que o Ministério Público Federal vinha fazendo há semanas para “prevenir prejuízos ao Brasil com a comercialização de sete blocos de petróleo no litoral baiano. Em caso de vazamento,  danos irreparáveis podem ser causados ao Parque Nacional Marinho de Abrolhos”. Com base em pareceres técnicos do Ibama e do próprio MPF, a autarquia afirma que a oferta dos blocos só deveria ser permitida após estudos ambientais estratégicos, avaliando a viabilidade de exploração de petróleo nas proximidades do parque de Abrolhos.

Mais de um milhão de pessoas assinaram uma petição para que o MPF fizesse tal posicionamento. E, no dia do leilão, ativistas, preocupados com o parque, fizeram manifestações em frente ao prédio onde a venda foi realizada. Como consequência, nenhuma empresa fez qualquer tentativa de compra para os sete blocos próximos ao santuário. Quando as instituições se mostram prontas a agir e a sociedade está atenta, desastres podem ser evitados.

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Brumadinho: hora de reconstruir

Brumadinho: hora de reconstruir

Não se trata de soterrar o passado, mas de olhar em frente. Fazer de tudo para evitar novos desastres, reconstruir vidas e a natureza: esta é a melhor forma de honrar a memória de quem se foi em Brumadinho. Hoje, completam-se seis meses do rompimento da barragem da Vale na cidade mineira. São 248 mortes confirmadas e 22 pessoas desaparecidas. A Justiça tarda para as vítimas, que têm sua dor desrespeitada. O que pode ser feito para que isso não se repita?

O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), organização que existe desde 1979, buscou o caminho da reconstrução e foi fundamental em duas conquistas para toda a sociedade. Em 3 de junho foi instaurada uma Comissão Parlamentar de Inquérito, pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais, para investigar irregularidades no setor. A CPI das Barragens continua funcionando, com a atuação de deputados e do Ministério Público.

E no dia 25, a Câmara Federal aprovou o Projeto de Lei (PL) 2788/2109, que institui a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (Pnab). O PL ainda precisa passar pelo Senado para virar lei. Será um marco na luta do MAB pois, pela primeira vez, o país tem a possibilidade de contar uma legislação específica para este tipo de adversidade – seja causada por acidentes ou obras, de mineradoras ou de hidrelétricas. Regras claras podem melhorar o trabalho de prevenção e acelerar o andamento da Justiça.

O Pnab não é importante apenas pelo que faz em si, mas também por seu valor simbólico, carregado de mobilização e fraternidade, que serão necessários daqui para frente. “Queremos que a decisão anime ainda mais a população atingida por barragens a intensificar a luta por direitos, até porque ainda há um longo caminho pra esse projeto virar lei e pra essa lei mudar para melhor as nossas vidas”, disse Andréia Neiva, liderança do MAB na Bahia.

É preciso continuar reagindo. Passados quase quatro anos, ninguém ainda foi responsabilizado pelo que aconteceu em Mariana e as vítimas ainda não receberam a indenização devida. Segundo um estudo da Fundação SOS Mata Atlântica, resíduos tóxicos que atingiram o Rio Paraopeba, em Brumadinho, chegaram ao São Francisco em março. Só em Minas Gerais, 22 barragens em 12 cidades correm o risco de se romper, sendo que quatro delas – todas da Vale – estão sob alerta máximo. De acordo com a Agência Nacional de Mineração (ANM), quase dois milhões de pessoas são assombradas por esse pesadelo no estado. Ainda estamos de luto, mas continuamos em luta.

Saiba mais:

 

10 livros para você entender as mudanças climáticas

10 livros para você entender as mudanças climáticas

As consequências da crise climática estão todos dias no noticiário, tema de cúpulas de líderes globais e a razão de mais de 7 milhões de pessoas terem protestado ao redor do mundo na Greve Global pelo Clima. O futuro do planeta nunca foi tão discutido.

Ainda que cientistas divulguem relatórios que evidenciem as mudanças no clima, as incertezas sobre o assunto continuam.

Para ajudar a entender como essas mudanças provocam impacto na vida das pessoas, montamos uma lista de 10 livros que abordam o assunto e dão ideias sobre ações para reverter o colapso climático.

Publicações sobre a Amazônia ganharam destaque na nossa seleção. A maior floresta tropical do mundo vive a sua maior crise ambiental nos últimos anos. Seu papel é fundamental na conservação do meio ambiente, uma vez que as florestas são responsáveis por reter carbono na Terra. Enxergar a Amazônia sob a perspectiva dos seus habitantes ancestrais ajuda a compreender o histórico de sobrevivência e luta da região e outros olhares sobre o Brasil.

Nossa curadoria também inclui livros para a criançada. O objetivo é conectar os pequenos às questões socioambientais. Vamos lá?

Mudanças climáticas:

– “Drawdown: 100 iniciativas poderosas para resolver a crise climática” – Paul Hawken, Editora Manole, 2018

“Aquecimento Global e Crise Ambiental” – Claudio Blanc, Gaia, 2012

– “Nossa casa está em chamas: Ninguém é pequeno demais para fazer a diferença” – Greta Thunberg, BestSeller, 2019

– “Diario Do Clima – Efeitos Do Aquecimento Global – Um Relato Em Cinco Continentes” – Sônia Bridi, Editora Globo, 2012

– “A Grande Ruptura – Como A Crise Climática Vai Acabar Com o Consumo e Criar Um Novo Mundo” – Paul Gilding,

Amazônia:

– “A invenção da Amazônia” – Neide Gondim, Marco Zero, 1994

– “Amazônia – O anteato da destruição” – Lúcio Flávio Pinto, Grafisa, 1977

– “Ideias para adiar o fim do mundo” – Ideias para adiar o fim do mundo Ailton Krenak, Companhia das letras, 2019

Livros infantis:

– “Heróis do clima – A aventura e a ciência por trás das mudanças climáticas” – Caco Galhardo, Planeta Sustentável, 2014

– “Contos e lendas da Amazônia” –  Reginaldo Prandi, Companhia das Letrinhas, 2011

A empatia é contagiosa

A empatia é contagiosa

Ser ativista é ter vontade de abraçar o mundo com as mãos. É ser movido pela empatia, por saber que estamos todos no mesmo barco, e que ele é frágil. Que a dor que aflige o outro pode lhe afligir. Também é ter a consciência de que não basta pensar apenas no presente, é preciso deixar um legado para as futuras gerações, assim como nos deixaram as anteriores. Como plantar tamareiras: a gente sabe de antemão que não vai viver tempo o suficiente para comer dos seus frutos. Sentir-se como uma gota que ajuda a formar o oceano.

Os ativistas ajudaram a dar fim à escravidão e a guerras, e foram fundamentais na conquista do voto universal. Desde meados do século passado, porém, nos defrontamos com outro desafio, quando a questão ambiental bateu à porta. É a causa principal desta era.
É uma atividade arriscada, especialmente no Brasil. Pelo segundo ano consecutivo o país foi apontado como o que mais mata ativistas ambientais . De acordo com a Global Witness, foram 57 pessoas assassinadas em 2017 – os números referentes a 2018 ainda não foram divulgados. Dá 28% do total de 207 pessoas no mundo inteiro.

Como a ONG britânica trabalha com dados oficiais, a quantidade de mortos pode ser ainda maior. Muitos desses crimes sequer são descobertos. A Justiça também pode ser lenta e ineficiente, até em casos de grande repercussão, como o de Dorothy Stang.
Ela foi assassinada em 2005 e em 2010 o mandante do crime, o fazendeiro Regivaldo Pereira Galvão, condenado a 30 anos de reclusão. Graças a recursos da lei, ele ficou solto de 2012 a 2017. O criminoso voltou à prisão em abril deste ano, mas os antigos colaboradores da missionária americana ainda se sentem ameaçados.

Mas são muitos os sonhos de quem se dedica a defender causas justas. Por isso, eles sobrevivem às suas vidas, seguindo adiante até se tornarem realidade. A empatia é um sentimento contagioso. Esta semana perdemos Rogério Daflon, a quem este texto é dedicado. Daflon era um jornalista apaixonado e usava da atividade para exercitar seu ativismo apaixonante. Um guerreiro terno.

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Mares Limpos #1 | Estamos criando um oceano de plástico?

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Você já ouviu falar na Ilha de Plástico no Pacífico? Tá sabendo que ela é 16x o tamanho de Portugal? A websérie Mares Limpos veio pra colocar o assunto da poluição dos oceanos no centro do debate da conscientização ambiental. A limpeza dos oceanos precisa estar atrelada aos temas urgentes do desenvolvimento sustentável e precisamos falar sobre os verdadeiros impactos da poluição marinha.

Em 32 anos, os oceanos vão abrigar mais plástico do que peixes e 100% dos animais marinhos terão se alimentado ou sofrido com as consequências do lixo no mar. A reciclagem do plástico é uma solução?

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