Do fogo na floresta ao óleo no mar: é preciso agir logo

outubro 2019

Primeiro a Amazônia ardeu em chamas.  Somente após o fogo tomar as matas e as capas de jornais por mais de 20 dias, finalmente se abriu uma investigação de proporções nacionais. Enquanto todos olhavam para o fogo na floresta ao Norte, as águas do Nordeste clamavam por atenção. Ainda em agosto, os primeiros aglomerados de petróleo cru chegavam ao litoral da Paraíba.

A demora em abrir investigações sobre os desastres socioambientais virou praxe. Não adianta chorar pelo óleo derramado. É preciso agir rápido. De acordo com o Ibama, as manchas já chegaram à foz do Rio São Francisco, no limite entre Sergipe e Alagoas. Cerca de 14 milhões de pessoas tiram sustento do Velho Chico. Em nome de que tanto descaso com o meio ambiente e com a vida de populações ribeirinhas, povos indígenas, quilombolas e milhões de brasileiros?

Assim como as queimadas se espalharam rapidamente pela floresta, logo eram 10, 20, 100 praias manchadas. Até o dia 10 de outubro já se contabilizavam 139. Pouco mais de um mês após os primeiros registros, todos os estados do Nordeste apresentavam aglomerados de piche denso e pesado em suas praias, mais de dois mil quilômetros de litoral contaminado.

Para se ter uma noção do tamanho de um navio petroleiro: embarcações como o Suez Max, da Transpetro, comportam mais de 170 mil toneladas de óleo cru. Até agora, foram coletadas nas praias nordestinas mais de 130 toneladas. Não chega a um milésimo.

Apenas no dia 5 de outubro, quando todos os estados nordestinos já tinham reportado casos de contaminação, aí sim uma investigação foi aberta. Hoje Marinha, Polícia Federal e instituições regionais de Meio Ambiente trabalham juntas para solucionar o problema e descobrir a origem do óleo. Segundo o governo federal, há três hipóteses sendo testadas: um navio naufragado, que é considerado o menos provável; um vazamento acidental e até mesmo uma ação criminosa de “navios fantasmas”, que trabalham no mercado ilegal. As investigações estão focadas em 23 navios de diferentes origens que, segundo a Marinha e a Petrobras, estariam carregados com óleo vindo da Venezuela.

O governo de Alagoas afirma que não há risco de contaminação ao São Francisco, o rio da integração nacional, já que o óleo é muito grosso e não se mistura na água. Já o governo de Sergipe afirma que esforços estão sendo feitos para que as toxinas não subam pelo rio. O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, juntamente com Marinha, Ibama, Instituto do Meio Ambiente (IMA), Universidade Federal de Alagoas e população ribeirinha farão monitoramento e ações contínuas para evitar o avanço das manchas de óleo pelo rio. As ações começaram na sexta (11).

Mas há um porém: depois de anunciar que usaria boias absorventes cedidas pela Petrobras, o governo sergipano foi informado pela petroleira que não havia equipamentos disponíveis e que, portanto, o estado teria de comprar os 200 metros de boias necessários. O preço? Cerca de R$ 90 mil. O governo sergipano já havia decretado estado de emergência para arcar com os custos da recuperação, as boias entraram para conta.

Na mesma semana, o governo brasileiro arrecadou R$ 8,915 bilhões em um leilão de petróleo. O maior lance registrado foi de R$ 4,09 bilhões, oferecido pelo consórcio Petrobras & Equinor Brasil. Um dia antes de ser notícia pelo bônus recorde arrecadado em leilões sob o regime de concessão, essa rodada já tinha ido parar nos jornais. É que sete dos 36 blocos oferecidos estavam próximos a Abrolhos, um santuário ecológico, berço da biodiversidade do oceano Atlântico Sul.

Na véspera do leilão, a Justiça Federal da Bahia acatou um pedido de liminar que o Ministério Público Federal vinha fazendo há semanas para “prevenir prejuízos ao Brasil com a comercialização de sete blocos de petróleo no litoral baiano. Em caso de vazamento,  danos irreparáveis podem ser causados ao Parque Nacional Marinho de Abrolhos”. Com base em pareceres técnicos do Ibama e do próprio MPF, a autarquia afirma que a oferta dos blocos só deveria ser permitida após estudos ambientais estratégicos, avaliando a viabilidade de exploração de petróleo nas proximidades do parque de Abrolhos.

Mais de um milhão de pessoas assinaram uma petição para que o MPF fizesse tal posicionamento. E, no dia do leilão, ativistas, preocupados com o parque, fizeram manifestações em frente ao prédio onde a venda foi realizada. Como consequência, nenhuma empresa fez qualquer tentativa de compra para os sete blocos próximos ao santuário. Quando as instituições se mostram prontas a agir e a sociedade está atenta, desastres podem ser evitados.

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