Contra o desmonte da saúde indígena

Contra o desmonte da saúde indígena

“Não vamos aceitar o desmonte da saúde indígena. Não vamos aceitar a municipalização da saúde indígena. Nós, mulheres, temos a obrigação de não aceitar nenhum tipo de imposição que venha a atingir nossas vidas.”

Essas são as palavras de Sônia Guajajara, coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Ao lado de outras mulheres indígenas, ela ocupou pacificamente, na manhã desta segunda (12), o quarto andar do prédio do Ministério da Saúde. O ato em defesa do subsistema de atenção à saúde indígena pediu a liberdade de escolha pelo parto natural e também reclamou sobre a imposição da cesariana.

A manifestação teve danças e cânticos tradicionais dos mais de 100 povos indígenas que estão em Brasília para a Primeira Marcha das Mulheres Indígenas. O tema da marcha, que tem horário marcado para as 7h desta terça, é Território: Nosso Corpo, Nosso Espírito.

Muito pertinente. Afinal de contas, os povos indígenas são os guardiões da floresta, parte indissociável da terra onde nasceram e vivem. Não à toa, de acordo com o último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), da ONU, ninguém entende melhor o valor das florestas do que os indígenas. Mas é claro. A floresta é o corpo e o espírito deles.

Foto: Mariana Freitas

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Não precisamos de mais hidrelétricas – “Em nome de quê?”

Não precisamos de mais hidrelétricas – “Em nome de quê?”

O Tribunal de Contas da União (TCU) ainda não fez o devido escarcéu sobre o rombo de quase R$ 160 bilhões nas contas públicas previsto para este ano, mas diz que o país terá um prejuízo de R$ 23 bilhões em 30 anos, caso a Hidrelétrica de São Luiz de Tapajós não seja construída. Segundo o parecer do órgão, torraríamos essa dinheirama toda porque o país seria obrigado a investir em termelétricas, que geram energia mais cara e poluente. Será que não há outra opção?

Assim como o governo, o TCU precisa se reciclar: já se sabe que é mais barato gerar eletricidade com a força do vento e o brilho do sol. 
O uso de fontes limpas e renováveis, como as usinas solares e os parques eólicos, também é a nossa melhor estratégia contra as mudanças climáticas. Os reservatórios de hidrelétricas construídas na floresta emitem metano, um dos mais potentes gases do efeito estufa. E elas não produzem energia o suficiente para compensar os danos que causam. Em nome de que vamos insistir nesse erro?

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De volta a Altamira: a realidade depois de Belo Monte

De volta a Altamira: a realidade depois de Belo Monte

O ano era 2011, carros de som passavam pelas ruas de Altamira fazendo ecoar: “Belo Monte está chegando, cidadão altamirense. Você é contra ou a favor?” Desde então, mais de cem mil pessoas passaram por lá, saindo de vários cantos do país em busca de empregos ligados à construção da usina hidrelétrica. A população aumentou, o índice de empregados caiu e a criminalidade disparou. O que antes era uma pacata cidade do interior do Pará hoje é o segundo município mais violento do país.

Também foi em 2011 que uma campanha fez com que artistas falassem o que até então cientistas, povos tradicionais e ativistas repetiam exaustivamente: a construção de Belo Monte custaria bilhões aos bolsos dos brasileiros e o plano governamental de criar dezenas de hidrelétricas na Amazônia traria danos socioambientais irrecuperáveis. O vídeo “É a Gota D’Água” viralizou, levando a toda a população brasileira aquela pergunta que ecoava em Altamira. Em 10 dias, um milhão de assinaturas foram recolhidas. Ao final da campanha, já eram 2,5 milhões. E da interlocução entre os diferentes grupos envolvidos na gravação nasceu o Movimento Gota D’Água, que deu origem a Uma Gota no Oceano.

Oito anos (de muito trabalho) depois, Altamira recebe o evento “Amazônia: Centro do Mundo”. A reunião promove conversas sobre a crise climática, as grandes obras de infraestrutura, as queimadas ilegais e o avanço do desmatamento. Uma Gota no Oceano participa deste evento, dando continuidade à missão de levar informação consistente, independente e atraente para que cada pessoa possa exercer sua cidadania. Agora que a obra está feita, voltamos a uma pergunta: valeu a pena?

É preciso uma pausa aqui para deixar claro: o histórico de críticas à construção de Belo Monte é muito maior que estes oito anos. O projeto da usina nasce em 1975, em pleno regime de ditadura militar, e desde então os povos indígenas da região se opõem à construção. Em 1989, um ano após a assinatura da Constituição, divergências sobre o impacto socioambiental levam ao corte do financiamento da obra. Em 1994, o governo federal faz uma revisão: tenta manter a obra, mas diminuir a área inundada e garantir que terras indígenas não fossem afetadas. Sendo impossível atender à demanda, o projeto volta à gaveta. Oito anos depois, em 2002, novos levantamentos são feitos, mas o Ministério Público paralisa o processo em um movimento apoiado pela Confederação dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI).

É em julho de 2008 que começa a escalada pela concretização do projeto da usina: o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) define Belo Monte como o único potencial hidrelétrico a ser explorado no Rio Xingu. E em abril de 2010 é realizado o leilão que escolheu o consórcio Norte Energia como encarregado pela construção de Belo Monte. E o plano não parava por aí, como alertou o ator Malvino Salvador em “É a Gota D’Água”: “Esta é a primeira de dezenas de hidrelétricas que o governo pretende construir na Amazônia”.

O resultado pode ser visto em Altamira. A cidade viu dobrar os índices de roubos, furtos, acidentes de trânsito e episódios de violência doméstica e vivenciou um aumento de 150% no índice de homicídios na última década. Mas tem um índice que permanece baixo: segundo o IBGE, apenas 17% dos cidadãos altamirenses têm emprego. Não à toa, além das compensações ambientais, a Norte Energia se comprometeu a investir R$ 125 milhões na segurança pública da região, dinheiro que deveria ser investido em equipamentos, reformas, veículos, câmeras e uma unidade prisional. O Complexo Penitenciário de Vitória do Xingu deveria ter ficado pronto em 2015, sua inauguração foi no início deste mês.

Segundo a própria Norte Energia, “3.850 famílias foram reassentadas para a implementação da Usina Hidrelétrica de Belo Monte”. Os ribeirinhos foram tirados de suas casas e transferidos para reassentamentos, novos bairros periféricos em Altamira, onde há altos índices de violência e pobreza. Em entrevista ao programa Profissão Repórter veiculada na semana passada, irmã Inês Wenzel, fundadora do movimento Xingu Vivo, resume a história “jogaram centenas e centenas de famílias aqui, abandonadas do centro, longe dos trabalhos, longe das escolas”.

Oito anos (e muitas confirmações) depois, o plano de expansão das hidrelétricas pela Amazônia é o mesmo de antes, mas Altamira já não é mais a mesma e o Brasil também não é aquele de 2011. Por sorte, também o grupo de pessoas que se reúne esta semana não é mais aquele que se reuniu em frente a uma câmera. Hoje somos mais numerosos que antes. Novos rostos são vistos por aqui entre os já conhecidos protetores do Xingu. E temos a certeza de que muitos outros ainda estão por chegar.

#ÉaGotaDágua #XinguVivo #Xingu #BeloMonte #CadaGotaConta #UmaGotaNoOceano

Leia mais: 

Programação do evento “Amazônia: Centro do Mundo”

Cronologia de Belo Monte – Norte Energia

Estudos para construção de Belo Monte começaram na década de 70 – Agência Senado

Bolsonaro retoma plano de erguer grandes hidrelétricas na Amazônia

Com massacre em presídio e desemprego, Altamira (PA) é o 2° município mais violento do Brasil – Profissão Repórter, 13 de novembro de 2019

Usina de Belo Monte causa impactos ambientais e sociais em Altamira (PA) – Profissão Repórter, 20 de julho de 2016

Altamira ganhou mais de 30 mil habitantes em dez anos – Profissão Repórter, 20 de novembro de 2012 

Belo Monte forjou o massacre de Altamira: Novo presídio nuca entregue era obrigação da Norte Energia – The Intercept Brasil

Belo Monte põe em risco peixes raros do rio Xingu – Estadão

Turbinas de Belo Monte devem ser paralisadas após a morte de uma tonelada de peixes no PA

Belo Monte instala grades em turbinas para evitar morte de peixes

 

Primeira Marcha das Mulheres Indígenas

Primeira Marcha das Mulheres Indígenas

Mais de 2 mil pessoas participaram da Primeira Marcha das Mulheres Indígenas, em Brasília. Sob o lema “Território: nosso corpo, nosso espírito”, elas caminharam pela Esplanada dos Ministérios. A manifestação foi colorida, pacífica e alegre. Mães, filhas e avós dançavam e cantavam por respeito. Ao fim da caminhada, que teve como ponto final o gramado do Congresso Nacional, cem lideranças indígenas femininas foram destacadas para comparecer à sessão da Câmara dos Deputados. 
Sonia Guajajara, coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), foi convidada a discursar no púlpito: “Viemos em marcha, de todos os estados. E estamos nessa terra como povos originários para sermos respeitadas”. Mas nossas bravas guerreiras não lutam apenas para que seus direitos sejam reconhecidos, mas também por um futuro melhor para todos. Elas ainda vão se juntar às manifestações pela educação na cidade e amanhã participam da Marcha das Margaridas. É uma história escrita em urucum e jenipapo.

Foto: Evaristo Sá/AFP

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O lobby dos agrotóxicos

O lobby dos agrotóxicos

Nesse momento crítico para o país, em que a bancada ruralista tenta aprovar o Pacote de Veneno na Câmara Federal – uma lei que quer, por exemplo, autorizar agrotóxicos cancerígenos, mudar o nome de “agrotóxicos” para “fitossanitários” e tirar autonomia de órgãos de saúde para realizar pesquisas sobre agrotóxicos. Precisamos falar sobre o lobby dos agrotóxicos no Brasil, sobre como nossa legislação funciona e todos os privilégios que esse setor desfruta em nosso país e nunca ouvimos falar na imprensa, já que os grandes meios de comunicação são parceiros do agronegócio.

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