O ano era 2011, carros de som passavam pelas ruas de Altamira fazendo ecoar: “Belo Monte está chegando, cidadão altamirense. Você é contra ou a favor?” Desde então, mais de cem mil pessoas passaram por lá, saindo de vários cantos do país em busca de empregos ligados à construção da usina hidrelétrica. A população aumentou, o índice de empregados caiu e a criminalidade disparou. O que antes era uma pacata cidade do interior do Pará hoje é o segundo município mais violento do país.
Também foi em 2011 que uma campanha fez com que artistas falassem o que até então cientistas, povos tradicionais e ativistas repetiam exaustivamente: a construção de Belo Monte custaria bilhões aos bolsos dos brasileiros e o plano governamental de criar dezenas de hidrelétricas na Amazônia traria danos socioambientais irrecuperáveis. O vídeo “É a Gota D’Água” viralizou, levando a toda a população brasileira aquela pergunta que ecoava em Altamira. Em 10 dias, um milhão de assinaturas foram recolhidas. Ao final da campanha, já eram 2,5 milhões. E da interlocução entre os diferentes grupos envolvidos na gravação nasceu o Movimento Gota D’Água, que deu origem a Uma Gota no Oceano.
Oito anos (de muito trabalho) depois, Altamira recebe o evento “Amazônia: Centro do Mundo”. A reunião promove conversas sobre a crise climática, as grandes obras de infraestrutura, as queimadas ilegais e o avanço do desmatamento. Uma Gota no Oceano participa deste evento, dando continuidade à missão de levar informação consistente, independente e atraente para que cada pessoa possa exercer sua cidadania. Agora que a obra está feita, voltamos a uma pergunta: valeu a pena?
É preciso uma pausa aqui para deixar claro: o histórico de críticas à construção de Belo Monte é muito maior que estes oito anos. O projeto da usina nasce em 1975, em pleno regime de ditadura militar, e desde então os povos indígenas da região se opõem à construção. Em 1989, um ano após a assinatura da Constituição, divergências sobre o impacto socioambiental levam ao corte do financiamento da obra. Em 1994, o governo federal faz uma revisão: tenta manter a obra, mas diminuir a área inundada e garantir que terras indígenas não fossem afetadas. Sendo impossível atender à demanda, o projeto volta à gaveta. Oito anos depois, em 2002, novos levantamentos são feitos, mas o Ministério Público paralisa o processo em um movimento apoiado pela Confederação dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI).
É em julho de 2008 que começa a escalada pela concretização do projeto da usina: o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) define Belo Monte como o único potencial hidrelétrico a ser explorado no Rio Xingu. E em abril de 2010 é realizado o leilão que escolheu o consórcio Norte Energia como encarregado pela construção de Belo Monte. E o plano não parava por aí, como alertou o ator Malvino Salvador em “É a Gota D’Água”: “Esta é a primeira de dezenas de hidrelétricas que o governo pretende construir na Amazônia”.
O resultado pode ser visto em Altamira. A cidade viu dobrar os índices de roubos, furtos, acidentes de trânsito e episódios de violência doméstica e vivenciou um aumento de 150% no índice de homicídios na última década. Mas tem um índice que permanece baixo: segundo o IBGE, apenas 17% dos cidadãos altamirenses têm emprego. Não à toa, além das compensações ambientais, a Norte Energia se comprometeu a investir R$ 125 milhões na segurança pública da região, dinheiro que deveria ser investido em equipamentos, reformas, veículos, câmeras e uma unidade prisional. O Complexo Penitenciário de Vitória do Xingu deveria ter ficado pronto em 2015, sua inauguração foi no início deste mês.
Segundo a própria Norte Energia, “3.850 famílias foram reassentadas para a implementação da Usina Hidrelétrica de Belo Monte”. Os ribeirinhos foram tirados de suas casas e transferidos para reassentamentos, novos bairros periféricos em Altamira, onde há altos índices de violência e pobreza. Em entrevista ao programa Profissão Repórter veiculada na semana passada, irmã Inês Wenzel, fundadora do movimento Xingu Vivo, resume a história “jogaram centenas e centenas de famílias aqui, abandonadas do centro, longe dos trabalhos, longe das escolas”.
Oito anos (e muitas confirmações) depois, o plano de expansão das hidrelétricas pela Amazônia é o mesmo de antes, mas Altamira já não é mais a mesma e o Brasil também não é aquele de 2011. Por sorte, também o grupo de pessoas que se reúne esta semana não é mais aquele que se reuniu em frente a uma câmera. Hoje somos mais numerosos que antes. Novos rostos são vistos por aqui entre os já conhecidos protetores do Xingu. E temos a certeza de que muitos outros ainda estão por chegar.
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