Vivendo de vento

Vivendo de vento

É possível viver de brisa. Os potiguares que o digam: não por acaso, quando se pensa em tirar onda no Rio Grande do Norte o primeiro nome que vem à cabeça é Praia da Pipa. Sopra do litoral do estado outra prova: de longe se avistam os cataventos gigantes chamados aerogeradores, que vem mudando a paisagem e vidas locais – e que podem apontar um rumo mais sustentável para o país. Hoje, a energia eólica abastece mais de 20 milhões de residências no Brasil, onde moram cerca de 70 milhões de pessoas. O vento também já é fonte de renda extra para muita gente. E há bastante em estoque.

Estima-se que aproximadamente 4 mil famílias brasileiras recebam ao todo mais de R$ 10 milhões mensais pelo arrendamento de terra. O lavrador potiguar Romão José da Silva tem um pedaço de chão de 300 hectares em João Câmara. Sua vida era apertada até que há 7 anos uma empresa o procurou para alugar sua propriedade. “Quando chegou a equipe falando sobre essa história de aerogerador, eu tive a maior alegria porque eu ia pegar dinheiro, mas confuso sem entender o que isso significava. Foi a salvação de nossa região”, diz.

Os R$ 3 mil mensais que recebe hoje deram um bom reforço no orçamento familiar. Mas não é só, pois uma das vantagens da energia eólica é que ela pode conviver com outras atividades: seu Romão pode continuar plantando e criando bode em sua terrinha – ele também ganhou um trator, um poço, uma miniestação de energia solar e um sistema de irrigação para 10 hectares. Há outros benefícios, que atingem a todos nós: o setor, que hoje emprega quase 40 mil pessoas no país, pode gerar 200 mil novos postos de trabalho até 2026; ajuda a fixar o homem no campo, além de capacitar a mão de obra local; e os 601 parques eólicos que já funcionam no país, com 15,1GW de capacidade instalada, evitam a emissão de 28 milhões de toneladas de CO₂ por ano – o equivalente a 16 milhões de automóveis, mais do que o dobro da frota de veículos de passeio da cidade de São Paulo. Investir em energia eólica também pode nos ajudar a cumprir as metas do Acordo de Paris.

Das 65 empresas de energia eólica do Brasil, 26 estão no Rio Grande do Norte. Esses bons ventos melhoraram as vidas dos moradores do assentamento Serra do Mel, onde vivem 2.400 famílias. Até chegada dos aerogeradores, elas dependiam basicamente da apicultura e do cultivo do caju. Hoje, recebem cerca de R$ 1.300 pelo arrendamento da terra. E além do dinheirinho extra, receberam outras benfeitorias. “Nós não tínhamos a água, nós não tínhamos energia, nós não tínhamos a maioria das coisas. A gente tinha casa e a terra”, conta a assentada Jaqueline Almeida.

O vento já produz 30% da eletricidade consumida pelos nordestinos; no fim de 2018, ao bater a marca dos 14,34GW, sua capacidade instalada no Brasil se equiparou a da Usina de Itaipu; em abril deste ano, tornou-se a segunda maior fonte de geração de eletricidade no Brasil, ficando atrás somente das hidrelétricas – 9,2% contra 63,7%. Hoje, há mais de 7 mil aerogeradores, instalados em 12 estados. A capacidade de produção de energia pelos ventos no Rio Grande do Norte, que lidera o ranking, é de 4,1 giga watts, o suficiente para atender 8 milhões de pessoas. O estado é seguido de perto por Bahia e, um pouco mais atrás, Ceará, Rio Grande do Sul e Piauí.

Desde 2016 já se sabe que energia sem fumaça sai mais em conta. É mais barato produzir eletricidade usando o vento do que combustíveis fósseis, segundo o relatório “Fim da ocupação do carvão e do gás?” da ONG inglesa Carbon Tracker Initiative. Em 2017, o Brasil pegou vento a favor e ultrapassou o Canadá no ranking mundial de capacidade instalada, e agora ocupa a 8ª posição, atrás de China, Estados Unidos, Alemanha, Índia, Espanha, Reino Unido e França. Os parques hoje em construção vão garantir mais 4,6GW. É saber aproveitar os bons ventos.

Informações retiradas do site da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica)

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#PrayForAmazonas

#PrayForAmazonas

Há quase dois séculos o romancista francês Victor Hugo escreveu que “é triste pensar que a natureza fala e que a raça humana não a escuta”. Cansada de não ser ouvida, a Amazônia desenhou uma mensagem no céu da maior cidade do país na última segunda-feira: o dia virou noite às 15h e logo depois caiu uma chuva preta sobre São Paulo. O fenômeno, com cara de profecia bíblica, foi causado pelo fogo que consome a maior floresta tropical do planeta desde o início do mês.

Se anoiteceu à tarde na capital paulista, na região onde acontecem os incêndios o céu da noite exibe um tom amarelado devido à fumaça e às chamas intensas. Isso vem acontecendo há algum tempo, sem que o resto do Brasil se desse conta. No início do mês, o jornal “Folha do Progresso”, da cidade de Novo Progresso, no sudoeste do Pará, publicou uma reportagem em que fazendeiros locais anunciavam “o dia do fogo”. No dia 10 foram registrados 124 focos de incêndio na região, um aumento em 300% em relação ao anterior.

A Reserva Ambiental Margarida Alves, que fica em Rondônia, arde sem parar desde o fim de julho. Só no estado houve um aumento de 192% em comparação com o ano passado – o que dá 53 mil focos de incêndio até agora. O número de queimadas no Brasil aumentou 82% em relação a 2018. A Amazônia concentra 52,5% delas, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O estado do Mato Grosso lidera as queimadas na região, com 13.682 focos de calor acumulados em todo o ano. Como a estiagem em 2019 não está sendo tão dura quanto em anos anteriores, não há como creditar a ela o fenômeno. O bicho homem colabora de duas formas: ateando fogo e arrancando planta. O desmatamento disparou na Amazônia, ajudando os incêndios a se alastrarem.

Não por acaso a natureza, sábia que é, escolheu o coração econômico do Brasil para mandar o seu recado. Logo que foi divulgado o novo relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU, o professor Humberto Barbosa, do Instituto de Ciências Atmosféricas da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), o primeiro brasileiro a liderar sua elaboração, alertava para as consequências do aumento do desmatamento na região mais rica do país: “A região Sudeste do Brasil seria a mais afetada porque há uma relação pelo transporte da umidade, pela evapotranspiração da floresta para a região. Há ventos da cordilheira dos Andes que arrastam essa umidade para a região centro-sul, que poderia ter secas”.

“Não é só no Brasil, mas a região amazônica tem um impacto muito grande no planeta. O mundo está de olho, há um interesse muito grande na Amazônia, não só com a pressão internacional, mas um olhar de como o Brasil está tratando essa questão ecológica e do desmatamento. Todos os modelos são unânimes e mostram que, quando se afeta essa vegetação, afeta o clima do planeta”, continua Humberto Barbosa. A Floresta Amazônica produz água para o restante do país e da América do Sul. Os chamados “rios voadores”, formados por massas de ar carregadas de vapor de água, gerados pelo fenômeno conhecido como evapotranspiração, levam umidade da Bacia Amazônica para o Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil, além de influenciar o ciclo de chuvas na Bolívia, no Paraguai, na Argentina, no Uruguai e até no extremo sul do Chile.

Segundo estudos do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Ipam), uma árvore com copa de 10 metros de diâmetro pode bombear para a atmosfera mais de 300 litros de água em forma de vapor por dia – mais que o dobro da água consumida por dia por um brasileiro. Uma árvore maior, com copa de 20 metros de diâmetro, pode evapotranspirar mais de mil litros diariamente, levando chuva para irrigar lavouras, encher rios e represas. Logo, preservar a floresta é fundamental para o agronegócio e para gerar energia no Brasil.

A fumaça amazônica que chegou a São Paulo tomou um caminho parecido com o que fazem os “rios voadores”. Então, não foi por acaso que o “apocalipse paulistano” acordou o mundo inteiro. A hashtag #PrayForAmazonas chegou ao topo dos trending topics das redes sociais, com um alcance estimado de 235 milhões de pessoas, de acordo com a plataforma de análise e monitoramento TalkWalker. Ela foi puxada por celebridades como Madonna, Gisele Bündchen, Anitta, Leonardo DiCaprio, Kim Kardashian, Mbappé e Cara Delevingne, e cidades brasileiras e de outros países, como Itália, Espanha, Alemanha, Equador, Uruguai e Peru, marcaram manifestações para sexta-feira, sábado e domingo.

A esmagadora maioria da população brasileira (96%) defende um aumento do combate ao desmatamento ilegal da Floresta Amazônica, segundo uma pesquisa recém-divulgada pelo Ibope, em parceria com a plataforma de campanhas Avaaz. “A natureza não faz milagres; faz revelações”, escreveu o poeta Carlos Drummond de Andrade. A Amazônia precisa de nossa ajuda.

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O que acontece com os Wajãpi diz respeito a todos

O que acontece com os Wajãpi diz respeito a todos

Dificilmente alguém consegue se orientar por uma placa escrita em língua que desconhece. Ao abdicar da ideia de que faz parte da natureza, o homem urbano perdeu a capacidade de ler os seus sinais. Por isso quase todas as suas tentativas de domesticá-la terminam em destruição. Ele é um iletrado na floresta. No recente episódio do assassinato do cacique Emyra e da tentativa de invasão às terras Wajãpi isso ficou ainda mais claro. Segundo o relatado da investigação, a polícia não encontrou indícios dos crimes. Certamente os Wajãpi não mentiram e acredito que o poder público também não. O mais provável é que os policiais foram incapazes de enxergar as evidências apontadas pelos Wajãpi. O que para os meus parentes era claro, para eles era grego.

A terra é o espírito e o corpo do indígena: sentimos o que ela sente. O médico ouve os sintomas, mede a temperatura, mas só o paciente sente. E o planeta está febril, começando a entrar em convulsão. Cidades e até países já decretam emergência climática e, segundo a recém-divulgada pesquisa de opinião do Datafolha, a grande maioria da população (72%) não só acredita na existência das mudanças climáticas como credita a atividade humana como sua maior causadora. Os diagnósticos da Ciência são sombrios, mas não definitivos. Ainda há tempo, mas sabemos que o homem urbano, um dos principais agentes da enfermidade, não vai conseguir curá-lo sozinho.

Nós, indígenas brasileiras, queremos ajudar. Não lutamos somente para que se cumpra o que determina a Constituição de 1988, mas também por um planeta saudável. Temos a consciência de que pouco adiantaria garantir nosso direito à terra se o resto do mundo fosse devastado. Queremos cuidar da floresta para todos, porque sabemos de sua importância para a saúde do planeta – e temos o conhecimento necessário para fazer isso. Além das questões humanitária e de Justiça em si, o que acontece com os Wajãpi ou a qualquer outro povo indígena diz respeito a todos.

O movimento de mulheres indígenas cresceu muito nesta década. Pela primeira vez tivemos uma mulher indígena compondo uma chapa presidencial, temos uma indígena no Congresso Nacional, a deputada Joênia Wapichana, e outra, Nara Baré, está à frente da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia (Coiab). Percebemos que nossa luta não pode ficar restrita ao Brasil. No último Acampamento Terra Livre, realizado em abril, decidimos que em agosto faríamos um encontro de lideranças e ativistas femininas, o Fórum Nacional das Mulheres Indígenas, que será seguido da Marcha das Mulheres Indígenas. O tema escolhido para o evento foi “Território: nosso corpo, nosso espírito”, pois um dos temas centrais será o cuidado com a Mãe Terra.

O planeta está passando por uma crise sem precedentes e não à toa as mulheres começam a se levantar no mundo inteiro: somos nós quem mais sofremos não só com os efeitos das guerras, da fome, das doenças e a intolerância, mas também das mudanças climáticas. A mitologia Munduruku fala de um tempo em que as mulheres mandavam. Não queremos mandar, queremos ser ouvidas.

Por Sonia Guajajara, coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib)

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A luta dos povos indígenas é de todos nós

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Durante o Fórum Nacional das Mulheres Indígenas, Sonia Bone Guajajara mandou uma daquelas “letras” que só ela sabe. “A luta indígena deixou de ser apenas uma responsabilidade nossa. A garantia dos territórios é o que assegura a vida de todos”, disse a coordenadora executiva da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil).

Não à toa, o governo quer permitir a mineração em terras indígenas e contesta dados do Inpe, órgão que monitora a floresta desde os anos 1970. O Executivo ainda desmonta todas as instituições e políticas sociais que dizem respeito aos indígenas.

Até quando vamos deixar isso acontecer? A luta dos povos indígenas é de todos nós. É uma luta pelo planeta, pelo nosso futuro. “Em nossa humanidade, somos todos um”.

Foto: Eduardo Di Napoli

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Fatos Florestais: caem mitos que opõem produção à conservação no Brasil

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Em formato de conversa entre o engenheiro florestal Tasso Azevedo, do Observatório do Clima, e a atriz Camila Pitanga, o filme Fatos Florestais é uma parceria entre o Observatório do Clima, a Produtora Imaginária e o cineasta Fernando Meirelles, da O2 Filmes. Em 13 minutos, o vídeo Fatos Florestais expõe dados sobre uso da terra e conservação no Brasil a partir do cruzamento de duas grandes bases públicas de informações: o projeto MapBiomas, que mapeou todas as alterações da cobertura vegetal no país nos últimos 35 anos, e o Atlas da Agropecuária Brasileira, criado pela Esalq-USP e pelo Imaflora, que mapeou a situação fundiária do país inteiro. Fatos Florestais também recorre a dados da FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação), da Embrapa e do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).

FICHA TÉCNICA

Produção: Fernando Meirelles, Observatório do Clima e Produtora Imaginária

Com: Tasso Azevedo e participação de Camila Pitanga

Direção: Gisela Moreau

Roteiro: Oswaldo Braga de Souza, Claudio Angelo, Tasso Azevedo e Fernando Meirelles

Assistentes de direção: Fred Rahal Mauro e Danila Bustamante

Animação: Marina Quintanilha

Ilustrações: Marina Quintanilha e Gisela Moreau

Câmera: Tiago Laires

Edição: Fred Rahal Mauro e Danila Bustamente

Música, sound design e finalização de áudio: Quincas Moreira

Assistentes de estúdio: Lucca Carvalho e Heitor Peres

Agradecimentos: O2 Filmes, ISA, Luiz Bolognese, Carlos Rittl e Raul Telles do Valle

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