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Tsunami do bem

Tsunami do bem

Esqueceram de avisar a Greta Thunberg que uma andorinha não faz verão e em agosto de 2018, quando tinha apenas 15 anos, ela decidiu fazer um protesto solitário pelo clima. A jovem matava aula e ia todos os dias para a frente do Parlamento sueco levando um cartaz onde se lia “Greve escolar pelo clima”. A Suécia tinha acabado de enfrentar uma temporada de ondas de calor e incêndios sem precedentes e ela queria que o país reduzisse suas emissões de CO₂. Hoje, Greta, eleita personalidade do ano de 2019 pela revista “Time”, arrasta milhões de pessoas às ruas de todo o mundo exigindo providências contra as mudanças climáticas. “Ela conseguiu fazer o que muitos de nós tentamos e não conseguimos nos últimos 20 anos”, disse o naturalista inglês David Attenborough.

Também não se sabe quem foram os primeiros nordestinos que, arriscando sua saúde – até crianças –, puseram mãos à obra para limpar as praias da região atingidas por óleo de procedência ainda desconhecida, em outubro passado. Mas, diante da negligência das autoridades, eles foram seguidos por milhares de outros voluntários. Todo início de ano a gente se pergunta o que pode fazer para melhorar o mundo. Em se tratando do meio ambiente, há muitas atitudes individuais que podemos tomar: maneirar no consumo, reciclar, comer menos carne – o rebanho bovino responde por 17% das emissões de gases de efeito estufa no Brasil –, evitar descartáveis, boicotar empresas poluidoras etc. O canudinho a menos que você usa pode não significar muito, mas se o seu exemplo for seguido por seus amigos, parentes e vizinhos ele pode virar um tsunami do bem.

Vejam outro caso, o de Pat Smith uma senhora inglesa de 70 anos. Ela fez uma promessa na virada do ano: em 2019, ajudaria a limpar as praias britânicas. Pat fundou o grupo Final Straw Cornwall e juntou gente. No fim do ano, tinha limpado 52 – uma por semana. “Tenho a obrigação de proteger nosso planeta e mantê-lo vivo para meus filhos e netos. Vou continuar a fazer tudo o que estiver ao meu alcance!”, garante ela. Como não se contagiar? Precisamos nos juntar em mutirões para meter a mão na massa quando preciso e ir às ruas pedir ações efetivas de governos e empresas, pois nosso mundo está por um triz. Em 2020 a ONU completa 75 anos e elegeu o combate ao aquecimento global como o seu maior desafio. Decisões importantes relativas ao problema vêm sendo proteladas. Este ano isso não será possível, pois o Acordo de Paris entra em vigor para valer.

O ano de 2019 fechou década mais quente já registrada. Foram cinco meses consecutivos de recordes de temperatura batidos no mundo desde e a tendência é piorar. A próxima Conferência do Clima da ONU (COP-26) será realizada em Glasgow, na Escócia, com a missão primordial de ratificar todas as metas do tratado climático, combinadas genericamente em 2015. O problema é que só isso não basta: é quase um consenso de que se as metas não forem revistas, o aquecimento médio do planeta ultrapassará os 3°C – o Acordo de Paris tinha como objetivo ideal 1,5°C. “Em qualquer dia, entre 10 mil e 30 mil incêndios florestais acontecem em algum lugar do planeta. Temos apenas uma única escolha racional: escolher sobreviver. Temos a responsabilidade de deixar um planeta habitável para as gerações futuras”, diz Inger Andersen, diretora executiva do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, o Pnuma. A nova presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, decretou que a proteção do clima seria uma de suas prioridades. Ela já deu um passo importante: a União Europeia assumiu o compromisso de se tornar neutra em carbono até 2050. Para tanto, é preciso elevar a meta de redução de emissões até 2030, de 40% para pelo menos 50%.

A Amazônia e a Califórnia não arderam em chamas em 2019 por acaso: tanto Brasil como os Estados Unidos são governados por pessoas que não levam a sério o risco que corremos. O mesmo acontece com a Austrália, que está em chamas desde setembro. Mais de 20 pessoas e meio bilhão de animais já morreram – metade da população de coalas, espécie que já corria risco de extinção, foi dizimada – e mais de 1.200 casas e cerca de 63 mil km² de terras, o equivalente à área da Áustria, já foram destruídos pelas chamas. O país produz um terço do carvão consumido no mundo e em entrevista à tevê australiana, a despeito da tragédia, o primeiro-ministro australiano Scott Morrison disse que não se comprometeria com objetivos de redução de emissões que considera irresponsáveis. Por causa disso, a Austrália pode ser reduzida a cinzas. O que é irresponsabilidade?

Por isso, nós, brasileiros, temos um compromisso importantíssimo em outubro: as eleições municipais. Uma resolução tão importante quanto economizar água e energia ou praticar o consumo consciente, é pensar muito na hora de ir às urnas: pesquisar sobre a trajetória dos candidatos e informar-se sobre os programas de governo de seus partidos antes de escolher quem merece o seu voto de confiança. De andorinha em andorinha se faz um verão, de gota em gota se faz um tsunami ou se enche um oceano, e a cada bom exemplo se constrói um futuro melhor.

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Feliz 2020

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Encerramos hoje um ano intenso, de muito trabalho. Um ano em que a informação consistente e interessante se tornou ainda mais importante na dinâmica nacional e global. Para a equipe de Uma Gota no Oceano, apesar dos preocupantes acontecimentos na esfera socioambiental, 2019 foi um ano de encontros e de fortalecimento. Estivemos junto à sociedade civil, aos povos tradicionais, aos cientistas e acadêmicos no esforço coletivo para jogar luz sobre os fatos.

Começamos nos reunindo aos colegas dos observatórios do Clima e do Código Florestal. Nestes dois encontros, nosso objetivo foi aproximar cientistas e juristas da sociedade civil através da linguagem simples e direta.

Logo depois veio o Acampamento Terra Livre (ATL), quando mais de 4 mil indígenas de mais de 160 etnias e de todos os estados se reuniram em Brasília. A principal bandeira levantada foi a defesa da demarcação de terras.

Também estivemos presentes nas universidades. Levamos o vídeo-manifesto “Em nome de que, São Francisco?” à Universidade Federal de Alagoas (UFAL), à Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e à Unisuam, nesta participamos da Semana do Meio Ambiente ao lado do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).

Caminhamos ao lado das mulheres indígenas em Brasília, na primeira marcha organizada por elas: foram cerca de duas mil indígenas reunidas e nós pudemos dar as mãos a elas nesse momento histórico. Também estivemos com as mulheres atingidas por barragens, no evento “Mulheres atingidas na luta por direitos”, organizado pelo MAB.

Fechamos o ano participando de eventos internacionais como a Semana do Clima da ONU, em Nova York, a Greve Global pelo Clima e a Cúpula do Clima (COP 25), em Madri. Mas não nos desprendemos de nossas raízes. Estivemos ao lado das bases do movimento social em Altamira, durante a reunião “Amazônia: Centro do Mundo”; no território Guajajara, durante a Festa da Menina Moça; em Alcântara, Maranhão, junto aos povos quilombolas; e no “Encontro das Águas”, em Santarém.

Todos esses momentos foram importantes para estreitar laços e recarregar as forças que nos permitiram seguir a caminhada. Esse apoio mútuo foi imprescindível porque 2019 também foi um ano de notícias, literalmente, devastadoras. Tivemos lama nos rios em Brumadinho, fogo na Amazônia, óleo nas praias do nordeste e um avanço no desmatamento que bateu recordes históricos.

É a força da ancestralidade que nos move em direção a 2020. A cada novo encontro, a cada território reconhecido, a cada pedaço de terra reflorestada, nos fortalecemos.

Que 2020 traga os frutos do que semeamos em 2019.

#CadaGotaConta #UmaGotaNoOceano #Retrospectiva2019 #EmergênciaClimática #TamuAtéAki

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Em nossas mãos

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A Conferência do Clima da ONU 2019 (COP-25) foi para a prorrogação: os trabalhos se estenderam até domingo (15/12), dois dias depois do tempo regulamentar esgotado. Mas apesar da hora extra e de o documento final se chamar “Chile-Madri, hora de agir”, as decisões mais urgentes foram novamente postergadas. Entre elas, a razão principal do encontro, a regulamentação do chamado mercado de carbono. Prevista desde 2105 pelo Acordo de Paris, a medida vai permitir que países que emitiram menos possam vender créditos de CO₂ aos maiores emissores.

Também foi adiada para a COP-26, em Glasgow, na Escócia, a apresentação de metas mais ambiciosas para a redução de emissões de gases do efeito estufa (GEE). Segundo o Programa da ONU para o Meio Ambiente (Pnuma), elas precisariam cair 7,6% ao ano para evitar que o aumento da temperatura média global ultrapasse 1,5° C até o fim do século. Mas há dois anos as emissões vem subindo – este ano já aumentaram 0,6%, de acordo com o balanço anual do Global Carbon Project (GCP) – e em 2018 o nível de concentração na atmosfera bateu recorde.

Os cientistas acreditam que se medidas realmente efetivas não forem tomadas nos próximos 10 anos, o aquecimento do planeta atingirá um ponto irreversível – e quanto mais a gente demorar para agir, mais drásticas terão de ser essas ações. Na velocidade atual, a temperatura mundial poderá estar 4°C ou 5°C maior em 2100 em comparação com a era pré-industrial. Mas se os líderes mundiais têm se mostrado hesitantes, há quem tenha cansado de esperar e esteja fazendo a sua parte. A sociedade civil começa a se mexer: 177 multinacionais já se comprometeram a tomar ações para combater às mudanças climáticas. Elas atuam em 36 países – 18 delas no Brasil – e, juntas, suas emissões anuais equivalem às da França.

O presidente Donald Trump retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris, mas, ainda assim, o país está cumprindo aproximadamente 70% das metas que se comprometeu no tratado. Há dois anos foi criada a US Climate Alliance, uma coalizão bipartidária de 25 governadores, e um estudo liderado pela Universidade de Maryland já aponta resultados nos esforços do setor privado, dos estados e dos municípios. Graças a ações como essa, as emissões do país podem cair até 37% em 2030, em relação a 2005 – enquanto a meta era de 25%. O Brasil permanece no acordo, mas deve ficar 2% acima do que comprometeu para 2020. O país sempre teve papel de destaque nas conferências do clima, mas sua atual política ambiental tem feito com que perca o protagonismo. E o pior, pela primeira vez o Brasil ganhou o infame prêmio Fóssil Colossal, dedicado aos vilões do clima.

E temos feito por onde: segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o desmatamento na Floresta Amazônica foi 104% maior em novembro do que no mesmo mês em 2018. Os números foram divulgados no dia 13, que seria o último dia da COP. Depois de fazer pouco-caso do Fundo Amazônia, o Brasil chegou à Madri passando o chapéu, sem mostrar resultados, e voltou de bolso vazio. Em carta aberta publicada em 3 de dezembro, um grupo de 87 empresas europeias já haviam cobrado a redução no desmatamento para manter negócios com país. Enquanto isso, nossa vizinha Colômbia, que reduziu em 10% o desmate entre 2017 e 2018 na região, vai receber US$ 360 milhões da Alemanha, Noruega e Reino Unido.

Bolsonaro chegou a ameaçar seguir os passos de Trump e tirar o Brasil do Acordo de Paris. Ainda que tenha permanecido, aqui começa a acontecer um fenômeno semelhante: parlamentares, prefeitos e governadores decidiram entrar nas negociações, à revelia do governo federal. Um consórcio formado pelos nove estados da Amazônia Legal aproveitou a COP 25 para fechar um acordo com a França pela preservação da floresta. Se o caminho principal tem se mostrado tortuoso, o jeito é comer as mudanças climáticas pelas beiradas. E a sociedade civil é fundamental para construir esse atalho.

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Muda esse clima

Muda esse clima

Sextou! Quer dizer, menos para quem vive na Ilha de Sommarøy, na Noruega, no extremo Norte do globo. Lá faz sol dia e noite durante o verão, o que levou os moradores a pensarem em abolir o conceito de tempo. A ideia pode ter chegado atrasada: em breve é possível que as mudanças climáticas obriguem todos nós a adaptar o relógio biológico. A noção de clima será atualizada.

Os ponteiros dispararam no noroeste da Groenlândia. Isso possibilitou o cientista dinamarquês Steffen M. Olsen a fazer um retrato do futuro: ele estava a caminho de uma estação meteorológica quando os cães que puxavam seu trenó pisaram em água. Olsen tirou uma foto histórica, que normalmente só seria possível em meados de julho, quando o gelo começa a derreter na região.

O calor no Ártico está deixando o urso polar sem comida e sem teto. Ele é o mais novo refugiado climático do planeta. Um vídeo que circulou nas redes recentemente flagrou uma fêmea da espécie 800 km de casa. Faminta, ela foi encontrada na cidade industrial de Norilsk procurando comida no lixo. É cada vez mais comum encontrar ursos polares nos centros urbanos da Sibéria.

Um recente estudo da Universidade do Alasca Fairbanks, publicado na revista Science Advances, aponta que a velocidade do degelo na Groenlândia está aumentando vertiginosamente. Suas geleiras devem derreter completamente até o fim deste milênio, caso as emissões de gases do efeito estufa não sejam reduzidas drasticamente. Também de acordo com a pesquisa, toda essa água pode elevar o nível do mar em 33 cm até 2100.

Parece pouco? Não para o povo Kuna, que vive em San Blas. Nos últimos 50 anos, o oceano subiu três vezes mais no Caribe Panamenho, onde fica o arquipélago. Como se não bastasse, agora chove forte o ano todo na região. Antes isso só acontecia em novembro. “A natureza está zangada e está mandando um recado. Essas fábricas que jogam tanta fumaça são as culpadas”, diz Pablo Preciado, sagla – uma espécie de pajé – de San Blas. Os Kuna serão o primeiro povo a ficar sem casa devido às mudanças climáticas. Eles não fabricam nada, mas o estrago causado pelo CO₂ é planetário.

Metaforicamente falando, a água começa a bater também nas canelas dos europeus. Os verões no Velho Continente têm sido de lascar mas este, especialmente, promete ser uma brasa. Pessoas já começam a morrer – literalmente – de calor na Espanha e os termômetros marcaram o recorde temperatura na França: 45,1°C.

Não à toa, as mudanças climáticas ganharam peso extra na reunião do G-20, em Osaka, no Japão. O presidente francês Emmanuel Macron condicionou assinatura do tratado de livre comércio entre Mercosul e União Europeia à permanência do Brasil no Acordo de Paris. O governo brasileiro cedeu e o acordo comercial ainda prevê a participação da sociedade civil – incluindo ONGs – no processo de monitoramento de questões sociais, ambientais e de direitos humanos e inclui um capítulo dedicado aos desenvolvimento sustentável. Mas o avanço no desmatamento na Amazônia e a sua política ambiental pode afastar doadores, compradores e investidores internacionais. O inverno no país deve ser mais quente do que de costume, mas nossas relações com o resto do mundo podem esfriar.

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Negligência

Negligência

Onde eu nasci passa um rio 
Que passa no igual sem fim
Igual, sem fim, minha terra
Passava dentro de mim
(Caetano Veloso)

Alguma coisa grave acontece no coração de São Paulo. Sua principal artéria, o Rio Tietê, e vários cursos d’água da Região Metropolitana transbordaram na noite de domingo, 10 de março. Casas em encostas também foram atingidas. A consequência da forte chuva foi a pior possível. Mais de dez pessoas morreram. No início do ano, situação semelhante matou seis pessoas na cidade do Rio de Janeiro. Toda essa tristeza expõe um imenso vazio no debate na sociedade civil e nos poderes públicos: as questões urbana e ambiental estão sendo discutidas separadamente. Num país com um processo de urbanização dos mais intensos do mundo a partir dos anos 1960, tal segregação é uma irresponsabilidade.

Temas como especulação imobiliária, déficit habitacional e áreas de risco têm a ver, sim, com o meio ambiente. As mudanças climáticas, por sinal, têm um poder de destruição devastador sobre os grandes centros urbanos. E a preservação de florestas é um fator fundamental para contê-las. É por isso que os moradores da Região Sudeste têm de se preocupar, sim, com o futuro da Amazônia. Os fenômenos urbano e ambiental se relacionam o tempo todo.

Mesmo localmente, isso pode ser observado. A preservação dos rios e cursos d’água da Grande São Paulo seria essencial para evitar desastres como o causado pelo temporal do último fim de semana, como enfatiza o geógrafo Gustavo Veronesi, da Fundação SOS Mata Atlântica. “Se as matas ciliares fossem cuidadas, serviriam para drenar a água e os rios não transbordariam sempre que chovesse um pouco mais forte”. Veronesi explica que é necessário cuidar também das nascentes de rios auxiliares, impedindo que esgoto e lixo sejam jogados lá. Outra fonte de sujeira é a poluição do ar, que chega às águas do rio levada pelas chuvas. Como se vê, tudo se relaciona.

A poluição dos rios da região não promove só a degradação da metrópole, como também gera doenças para a população. Parece óbvio, então, que preservá-los deveria ser prioridade para São Paulo. E por que nesse entra e sai de governo nada é feito? Veronesi afirma que a mentalidade dominante é a de que os rios são o problema e não a solução. Logo, o poder público prefere represá-los em valões ou simplesmente aterrá-los, deixando a cidade ainda mais impermeável. “As pessoas precisam entender que não foi a água que invadiu a rua, a rua é que invadiu a água”, diz o geógrafo.

O Rio de Janeiro não tem alternativa a não ser vestir a carapuça lançada por Veronesi.  Segundo o Instituto Pereira Passos, só na capital são 22 rios subterrâneos, dos quais pouca gente ouviu falar. Nomes de cursos d’água como Papa Couve, Algodão e Jacó são meros desconhecidos do carioca. O Rio Berquó, que passa sob um cemitério da Zona Sul, chega imundo na Enseada de Botafogo, protagonizando uma cena melancólica para o município. Assim, sem que ninguém veja, casas de áreas pobres, prédios e residências da cidade dita formal, com suas redes clandestinas, levam esgoto às águas de um lugar chamado Rio e cuja população é chamada de fluminense justamente por querer dizer originário do rio.

Parte do Rio Carioca, que apelida o povo da capital, também está submersa em quatro bairros da Zona Sul, chegando à praia do Flamengo num estado lastimável. Mais: na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, 34 cursos d’água deságuam na Baía de Guanabara, quase todos repletos de lixo e esgoto. Tudo isso potencializa ainda mais os riscos durante as enchentes. É o que ocorre nas favelas do Rio. A despeito de as casas ficarem em meio a cursos d’água, quase nada é feito para melhorar a drenagem. O esgoto e o lixo das comunidades convergem para os valões. O que traria mais segurança e saúde às famílias seria algo chamado de básico: saneamento.

Mas a falta de ação dos governos em relação a riscos como esses tem falado mais alto. Nem sempre foi assim. No Rio de Janeiro, a Floresta da Tijuca, sob a supervisão do major Gomes Archer a partir de 1861, teve seus mananciais reflorestados. Motivo: a crise do abastecimento de água na capital do império do país provocada por desmatamentos causados pelo crescimento urbano e pela expansão da cultura cafeeira.

As providências, porém, não podem ser ilusórias. Em Belo Horizonte, na área central, o principal rio da cidade, que a corta de leste a oeste, também foi aterrado. Trata-se do Ribeirão Arrudas. Para a urbanista mineira Cláudia Pires, da Comissão Nacional de Política Urbana do Instituto dos Arquitetos do Brasil, foi feito algo naquele trecho da capital que é falsamente ambiental. “Tornaram o rio submerso em vez de despoluí-lo. Em cima dele, instalaram placas de cimento e um canteiro de flores”…

Se os rios são as artérias do planeta, deveriam então correr livres e saudáveis. O que observamos neste início de ano é como se eles estivessem sofrendo de embolia, quando uma ou mais veias ficam bloqueadas por um coágulo sanguíneo.

Ter empatia por nossos rios é fundamental nestes tempos em que a questão hídrica é um desafio global e testemunhamos nossas águas serem tão maltratadas. Os povos tradicionais conservam uma relação sagrada com seus rios. Se lembrarmos que somos 70% água, faz todo o sentido. Preservar os rios é assegurar nossa sobrevivência em vários aspectos.

Em nome de que estamos mutilando e envenenando aqueles que garantem nosso futuro?

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