Tsunami do bem

janeiro 2020

Esqueceram de avisar a Greta Thunberg que uma andorinha não faz verão e em agosto de 2018, quando tinha apenas 15 anos, ela decidiu fazer um protesto solitário pelo clima. A jovem matava aula e ia todos os dias para a frente do Parlamento sueco levando um cartaz onde se lia “Greve escolar pelo clima”. A Suécia tinha acabado de enfrentar uma temporada de ondas de calor e incêndios sem precedentes e ela queria que o país reduzisse suas emissões de CO₂. Hoje, Greta, eleita personalidade do ano de 2019 pela revista “Time”, arrasta milhões de pessoas às ruas de todo o mundo exigindo providências contra as mudanças climáticas. “Ela conseguiu fazer o que muitos de nós tentamos e não conseguimos nos últimos 20 anos”, disse o naturalista inglês David Attenborough.

Também não se sabe quem foram os primeiros nordestinos que, arriscando sua saúde – até crianças –, puseram mãos à obra para limpar as praias da região atingidas por óleo de procedência ainda desconhecida, em outubro passado. Mas, diante da negligência das autoridades, eles foram seguidos por milhares de outros voluntários. Todo início de ano a gente se pergunta o que pode fazer para melhorar o mundo. Em se tratando do meio ambiente, há muitas atitudes individuais que podemos tomar: maneirar no consumo, reciclar, comer menos carne – o rebanho bovino responde por 17% das emissões de gases de efeito estufa no Brasil –, evitar descartáveis, boicotar empresas poluidoras etc. O canudinho a menos que você usa pode não significar muito, mas se o seu exemplo for seguido por seus amigos, parentes e vizinhos ele pode virar um tsunami do bem.

Vejam outro caso, o de Pat Smith uma senhora inglesa de 70 anos. Ela fez uma promessa na virada do ano: em 2019, ajudaria a limpar as praias britânicas. Pat fundou o grupo Final Straw Cornwall e juntou gente. No fim do ano, tinha limpado 52 – uma por semana. “Tenho a obrigação de proteger nosso planeta e mantê-lo vivo para meus filhos e netos. Vou continuar a fazer tudo o que estiver ao meu alcance!”, garante ela. Como não se contagiar? Precisamos nos juntar em mutirões para meter a mão na massa quando preciso e ir às ruas pedir ações efetivas de governos e empresas, pois nosso mundo está por um triz. Em 2020 a ONU completa 75 anos e elegeu o combate ao aquecimento global como o seu maior desafio. Decisões importantes relativas ao problema vêm sendo proteladas. Este ano isso não será possível, pois o Acordo de Paris entra em vigor para valer.

O ano de 2019 fechou década mais quente já registrada. Foram cinco meses consecutivos de recordes de temperatura batidos no mundo desde e a tendência é piorar. A próxima Conferência do Clima da ONU (COP-26) será realizada em Glasgow, na Escócia, com a missão primordial de ratificar todas as metas do tratado climático, combinadas genericamente em 2015. O problema é que só isso não basta: é quase um consenso de que se as metas não forem revistas, o aquecimento médio do planeta ultrapassará os 3°C – o Acordo de Paris tinha como objetivo ideal 1,5°C. “Em qualquer dia, entre 10 mil e 30 mil incêndios florestais acontecem em algum lugar do planeta. Temos apenas uma única escolha racional: escolher sobreviver. Temos a responsabilidade de deixar um planeta habitável para as gerações futuras”, diz Inger Andersen, diretora executiva do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, o Pnuma. A nova presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, decretou que a proteção do clima seria uma de suas prioridades. Ela já deu um passo importante: a União Europeia assumiu o compromisso de se tornar neutra em carbono até 2050. Para tanto, é preciso elevar a meta de redução de emissões até 2030, de 40% para pelo menos 50%.

A Amazônia e a Califórnia não arderam em chamas em 2019 por acaso: tanto Brasil como os Estados Unidos são governados por pessoas que não levam a sério o risco que corremos. O mesmo acontece com a Austrália, que está em chamas desde setembro. Mais de 20 pessoas e meio bilhão de animais já morreram – metade da população de coalas, espécie que já corria risco de extinção, foi dizimada – e mais de 1.200 casas e cerca de 63 mil km² de terras, o equivalente à área da Áustria, já foram destruídos pelas chamas. O país produz um terço do carvão consumido no mundo e em entrevista à tevê australiana, a despeito da tragédia, o primeiro-ministro australiano Scott Morrison disse que não se comprometeria com objetivos de redução de emissões que considera irresponsáveis. Por causa disso, a Austrália pode ser reduzida a cinzas. O que é irresponsabilidade?

Por isso, nós, brasileiros, temos um compromisso importantíssimo em outubro: as eleições municipais. Uma resolução tão importante quanto economizar água e energia ou praticar o consumo consciente, é pensar muito na hora de ir às urnas: pesquisar sobre a trajetória dos candidatos e informar-se sobre os programas de governo de seus partidos antes de escolher quem merece o seu voto de confiança. De andorinha em andorinha se faz um verão, de gota em gota se faz um tsunami ou se enche um oceano, e a cada bom exemplo se constrói um futuro melhor.

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