O filme do Brasil está carbonizado no exterior e não será fácil recuperar a imagem de outrora. Já tínhamos um histórico acumulado e o artigo recém-publicado na revista “Science”, que afirma que 20% da soja e 17% da carne que exportamos para os europeus vêm de áreas desmatadas ilegalmente na Amazônia e no Cerrado, nos queimou mais ainda. O avanço da destruição da floresta e, por consequência, das sanções econômicas, não será detido com palavras. “Queremos ver dados sobre queda do desmatamento”, disse o embaixador da União Europeia (UE) no Brasil, Ignacio Ibáñez. “Acho que as ações que os investidores e atores internacionais estão fazendo estão começando a dar resultado nas declarações. Mas queremos ver que essa vontade vá se converter em dados mais positivos do que os tivemos até agora, porque até agora os dados não são positivos”, continuou.
A chegada do coronavírus deixou ainda mais claro que será preciso um esforço global para deter o avanço das mudanças climáticas. Os boletins do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) são o termômetro que mede nosso empenho no combate à febre que acomete o planeta. Com o Ministério do Meio Ambiente desacreditado, a solução encontrada foi recriar o Conselho Nacional da Amazônia – extinto por este mesmo governo – e dar ao vice-presidente Hamilton Mourão a tarefa de convencer a comunidade internacional de que vamos fazer o dever de casa. Mas de pouco adianta anunciar que as Forças Armadas vão ficar na Amazônia até 2022 e, ao mesmo tempo, contrariar os protocolos de segurança e permitir que militares levem suas esposas a aldeias indígenas em plena pandemia. O governo proibiu as queimadas na Amazônia por 120 dias, mas criminosos não seguem leis. O próprio Mourão admitiu que o Ibama está destroçado e, como o Exército não é especialista no ramo, a catástrofe ainda está anunciada.
A publicação da “Science” deixou os europeus indignados com a possibilidade de serem cúmplices de crime ambiental – e os maus agricultores, revoltados por serem pegos em flagrante. O artigo “As maçãs podres do agronegócio brasileiro” foi escrito pelo cientista brasileiro Raoni Rajão, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em parceria com 12 pesquisadores de Brasil, Alemanha e Estados Unidos. A pesquisa usa dados da safra 2016 e 2017 e comparou informações de 815 mil propriedades rurais. O texto não só dimensiona o problema, mas também sugere soluções: como o número de infratores é relativamente pequeno, então bastaria focar a fiscalização neles. “O resultado do artigo mostra não só o problema, mas identifica quais são aqueles que estão trabalhando certo e os que estão trabalhando errado. O estudo mostra que o governo pode atuar de forma precisa para evitar que 100% do nosso agronegócio seja punido por conta de um número limitado de produtores que atuam de forma ilegal”, explicou Rajão. Caso use dessa informação para combater o desmatamento, o governo ainda pode transformar prejuízo inevitável em lucro e sair por cima.
A crise do pós-pandemia não vai ser boa para ninguém. Tanto que na quarta-feira (22/7), executivos dos três principais bancos brasileiros sugeriram a Mourão medidas para conter o desmatamento da Amazônia. Entre os dez pontos da proposta estão estimular monoculturas sustentáveis, como cacau, açaí e castanha, por meio de linhas de financiamento especiais, e atrair investimentos que incentivem a bioeconomia. “É imprescindível que este modelo seja sustentável e impulsionado por investimentos públicos e privado que construa uma economia de baixas emissões, inclusive e direcionado para o futuro”, diz um artigo assinado pelos presidentes das empresas.
E nós, cidadãos, o que podemos fazer? Também cabe à população limpar a barra do Brasil e mostrar que o país não se limita a seus governantes, que são transitórios. “Você sabe de onde vem sua comida?”, pergunta o Greenpeace em sua nova campanha. Nela, uma série de vídeos, apresentados pela atriz Alice Braga e produzidos por Bianca Comparato, mostram como funciona o sistema da agricultura industrial; a relação entre o que a gente come, a crise climática e a destruição de florestas, além de, assim como o artigo da “Science”, sugerir formas de aperfeiçoar as cadeias produtivas de alimento. A informação é a arma mais poderosa do cidadão.
Como será o futuro das cidades no mundo pós-pandemia? O conselheiro de Uma Gota No Oceano Miguel Pinto Guimarães conversa sobre novos conceitos de planejamento urbano com o jornalista André Trigueiro.
Muitos desafios das cidades de nosso tempo têm sua origem em tentativas passadas de fazer dos centros urbanos lugares mais sadios e funcionais. Desta vez, temos de inventar soluções melhores. Vamos pensar juntos sobre novos rumos de um “novo normal”?
24 \24\America/Sao_Paulo junho \24\America/Sao_Paulo 2020 | Mudanças Climáticas
Deu praia de novo na Sibéria; ou seja, o tempo fechou de vez. Já chegou a fazer 68 abaixo de zero em Verkhoyansk, onde os termômetros marcaram 38°C no último sábado (20/6). Um recorde medonho. Tipo neve no sertão. A cidade russa, que fica dentro do Círculo Polar Ártico, vem registrando temperaturas médias de 10°C a 14°C acima do normal para esta época do ano. O ano de 2020 caminha para ser o segundo mais quente da história, ficando atrás somente de 2016 – mas naquele ano teve El Niño para botar lenha na fogueira e este ano ele não deu as caras. América do Sul, a Ásia e a Europa tiveram o período de janeiro a maio mais quente de suas histórias. A Itália tenta salvar a geleira Presena, onde funciona uma movimentada estação de esqui, cobrindo-a com um lençol térmico de 100 mil m². Ela já perdeu mais de 1/3 de seu volume desde 1993. A medida desesperada revela que, em vez de tomarmos medidas realmente eficazes contra as mudanças climáticas, temos enxugando gelo. Daqui a pouco chegamos ao ponto de escolher entre a frigideira e o fogo.
Enquanto penam no Hemisfério Norte, aqui no Sul temos vivido tempos brandos, de temperaturas amenas. Não fosse o coronavírus, uma praga global, nem nos lembraríamos que dividimos o mesmo planeta. Mas esta situação, relativamente confortável, tende a esquentar em breve. Mesmo que o Brasil não sofresse as consequências diretas do desequilíbrio climático e ainda que este não trouxesse o risco da explosão de novas pandemias, o seu bolso doeria, e muito. Ninguém quer pagar sozinho o preço da luta contra as mudanças climáticas.
O país já havia levado uma prensa federal quando o desmatamento disparou no início dos anos 2000. O movimento resultou na criação, em 2006, da chamada moratória da soja. Graças ao pacto, firmado entre governos, agronegócio e organizações ambientais, deixou-se de comercializar soja produzida em regiões desmatadas. Este ano já ganhamos nosso primeiro cartão vermelho: em maio, o Banco Central da Noruega excluiu a mineradora Vale e a estatal de energia Eletrobras do maior fundo soberano do mundo, por violações de direitos humanos e danos ambientais.
Nesta segunda-feira (22/6), os últimos e alarmantes dados sobre desmatamento na floresta amazônica levou um grupo de investidores internacionais, que administra US$ 3,75 trilhões, a enviar uma carta aberta a embaixadas brasileiras em oito países. O documento, assinado por 29 investidores institucionais de Noruega, Suécia, Dinamarca, Reino Unido, França, Holanda, Japão, EUA e Brasil fala, sem papas na língua, em “desmantelamento de políticas ambientais e de direitos humanos” e vai além: “É com grande preocupação que observamos a tendência de crescimento do desmatamento no Brasil. (…) Estamos preocupados com o impacto financeiro que o desmatamento e a violação dos direitos de povos indígenas podem ter sobre nossos clientes e companhias investidas, por potencialmente elevarem os riscos de reputação, operacional e regulatório”.
Ninguém quer ficar com nota vermelha no boletim do tempo. O economês vai ganhar novos termos e palavras e a política ambiental do governo não se enquadra nesse novo vocabulário. Se a boiada passar, como quer o ministro do Meio Ambiente, a gente corre o risco de não vender nem mais um boi sequer.
Assista ao bate-papo do arquiteto e conselheiro de Uma Gota No Oceano, Miguel Pinto Guimarães, com a ambientalista Marina Silva. Ela fala sobre o tema “Economia verde para sair do vermelho”, as cadeias de produção e de pesquisa em biotecnologia da Amazônia, o respeito aos direitos dos povos tradicionais e o New Deal.
28 \28\America/Sao_Paulo abril \28\America/Sao_Paulo 2020 | Mudanças Climáticas
Não é só uma febrezinha: Brasília está pegando fogo e as chamas vão se espalhar pela Amazônia. As demissões dos ministros da Saúde e da Justiça podem atiçar ainda mais a temporada de queimadas da região este ano, já prevista como catastrófica. No diagnóstico político atual, o avanço novo coronavírus e os incêndios florestais são sintomas dos mesmos males. Se os antigos titulares das pastas cometeram erros de avaliação – Henrique Mandetta acreditava a Região Norte exigiria menos atenção – ou fizeram vistas grossas para a destruição – como no caso de Sérgio “Eu não tenho interesse de ficar com a Funai” Moro – o governo não sinaliza uma correção de rumos com os critérios usados na escolha de seus substitutos. E sua aproximação com o chamado Centrão – grupo que reúne parlamentares de diversos partidos movidos pela conveniência – tornam ainda mais preocupantes os prognósticos.
A proliferação da Covid-19 e o aumento recorde do desmatamento na região têm se alimentado de um ciclo vicioso: um ajuda o outro a crescer. Entre 1º de agosto de ano passado a 31 de março deste ano a Amazônia perdeu 5.260 km²; no mesmo período entre 2018 e 2019 esta perda foi 2.661 km², uma alta de 97%. O monitoramento em tempo real do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) registrou uma alta de 51% destruição da floresta no primeiro trimestre deste ano, na comparação com o mesmo período em 2018 – foram cortados 796 km² entre 1º de janeiro e 31 de março neste ano, contra 526 km² em 2019. Metade dessa destruição aconteceu em terras públicas – ou seja, nossas.
Segundo uma análise do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), sobre os alertas do sistema Deter, do Inpe, publicada no último dia 22, este aumento constante no desmatamento e o grande volume de áreas desmatadas em 2019 que não foi queimado seriam, por si sós, uma mistura altamente inflamável para causar incêndios ainda maiores do que os de agosto do ano passado – que devastaram uma área de 29.944 km². Isso aconteceria em meio à pandemia do novo coronavírus, que castiga severamente cidades como Manaus e Belém, e a fumaça ainda ajudaria a piorar os problemas respiratórios da população. Mas estão jogando mais lenha na fogueira.
Os povos indígenas estão seguindo as recomendações de isolamento da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde e não saem de suas aldeias; por outro lado, o governo tem punido quem faz o seu trabalho. Como aconteceu com como Olivaldi Alves Borges Azevedo, diretor de Proteção Ambiental do Ibama, que comandou uma ação contra o garimpo ilegal em terras indígenas e foi exonerado. Não custa lembrar que num encontro com investidores na Arábia Saudita, em outubro de 2019, o presidente admitiu que “potencializou” as queimadas na Amazônia por discordar da política ambiental de governos anteriores. Garimpeiros, madeireiros ilegais e grileiros entendem essas ações como incentivo: eles ignoram a quarentena e invadem terras indígenas e unidades de conservação. Acabam levando a devastação e a doença mata adentro. Os povos da floresta, que poderiam ajudar a evitar essa destruição, mas além de acossados pela Covid-19 podem ser encurralados pelas chamas.
Mais gasolina contra o fogo: com data de validade próxima da expiração – no dia 17 de maio – a Medida Provisória 910/2019 foi pautada em regime de urgência e pode ser votada a qualquer momento. A chamada MP da Grilagem permite que terras públicas invadidas – o equivalente a 16,5 km² na Amazônia – virem propriedade de quem as ocupou irregularmente. E pela nova regra, o processo pode ser feito por autodeclaração, sem a necessidade de vistoria. É como se o governo dissesse que o crime compensa. O Estado brasileiro inspira cuidados.