Marina Silva: economia verde para sair do vermelho

Assista ao bate-papo do arquiteto e conselheiro de Uma Gota No Oceano, Miguel Pinto Guimarães, com a ambientalista Marina Silva. Ela fala sobre o tema “Economia verde para sair do vermelho”, as cadeias de produção e de pesquisa em biotecnologia da Amazônia, o respeito aos direitos dos povos tradicionais e o New Deal.

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Não é só uma febrezinha

Não é só uma febrezinha

Não é só uma febrezinha: Brasília está pegando fogo e as chamas vão se espalhar pela Amazônia. As demissões dos ministros da Saúde e da Justiça podem atiçar ainda mais a temporada de queimadas da região este ano, já prevista como catastrófica. No diagnóstico político atual, o avanço novo coronavírus e os incêndios florestais são sintomas dos mesmos males. Se os antigos titulares das pastas cometeram erros de avaliação – Henrique Mandetta acreditava a Região Norte exigiria menos atenção – ou fizeram vistas grossas para a destruição – como no caso de Sérgio “Eu não tenho interesse de ficar com a Funai” Moro – o governo não sinaliza uma correção de rumos com os critérios usados na escolha de seus substitutos. E sua aproximação com o chamado Centrão – grupo que reúne parlamentares de diversos partidos movidos pela conveniência – tornam ainda mais preocupantes os prognósticos.

A proliferação da Covid-19 e o aumento recorde do desmatamento na região têm se alimentado de um ciclo vicioso: um ajuda o outro a crescer. Entre 1º de agosto de ano passado a 31 de março deste ano a Amazônia perdeu 5.260 km²; no mesmo período entre 2018 e 2019 esta perda foi 2.661 km², uma alta de 97%. O monitoramento em tempo real do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) registrou uma alta de 51% destruição da floresta no primeiro trimestre deste ano, na comparação com o mesmo período em 2018 – foram cortados 796 km² entre 1º de janeiro e 31 de março neste ano, contra 526 km² em 2019. Metade dessa destruição aconteceu em terras públicas – ou seja, nossas.

Segundo uma análise do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), sobre os alertas do sistema Deter, do Inpe, publicada no último dia 22, este aumento constante no desmatamento e o grande volume de áreas desmatadas em 2019 que não foi queimado seriam, por si sós, uma mistura altamente inflamável para causar incêndios ainda maiores do que os de agosto do ano passado – que devastaram uma área de 29.944 km². Isso aconteceria em meio à pandemia do novo coronavírus, que castiga severamente cidades como Manaus e Belém, e a fumaça ainda ajudaria a piorar os problemas respiratórios da população. Mas estão jogando mais lenha na fogueira.

Os povos indígenas estão seguindo as recomendações de isolamento da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde e não saem de suas aldeias; por outro lado, o governo tem punido quem faz o seu trabalho. Como aconteceu com como Olivaldi Alves Borges Azevedo, diretor de Proteção Ambiental do Ibama, que comandou uma ação contra o garimpo ilegal em terras indígenas e foi exonerado. Não custa lembrar que num encontro com investidores na Arábia Saudita, em outubro de 2019, o presidente admitiu que “potencializou” as queimadas na Amazônia por discordar da política ambiental de governos anteriores. Garimpeiros, madeireiros ilegais e grileiros entendem essas ações como incentivo: eles ignoram a quarentena e invadem terras indígenas e unidades de conservação. Acabam levando a devastação e a doença mata adentro. Os povos da floresta, que poderiam ajudar a evitar essa destruição, mas além de acossados pela Covid-19 podem ser encurralados pelas chamas.

Mais gasolina contra o fogo: com data de validade próxima da expiração – no dia 17 de maio – a Medida Provisória 910/2019 foi pautada em regime de urgência e pode ser votada a qualquer momento. A chamada MP da Grilagem permite que terras públicas invadidas – o equivalente a 16,5 km² na Amazônia – virem propriedade de quem as ocupou irregularmente. E pela nova regra, o processo pode ser feito por autodeclaração, sem a necessidade de vistoria. É como se o governo dissesse que o crime compensa. O Estado brasileiro inspira cuidados.

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É o presente que está em jogo

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Não se trata de uma gripe de estação e nem de uma previsão para um futuro distante: em estudo divulgado no dia 13 de dezembro, a Organização Mundial de Saúde (OMS) alerta para o perigo do aumento de doenças ligadas às mudanças climáticas nos próximos dez anos. Não custa lembrar que a última década foi a mais quente jamais registrada e que as emissões de gases do efeito estufa (GEE) vêm crescendo e já matam mais de sete milhões de pessoas anualmente. E, segundo o recém-divulgado relatório internacional Lancet Countdown 2019, as crianças serão as mais atingidas, com impacto ao longo de suas vidas. Ou seja, o efeito será duradouro. O resultado confirma o que advertia em 2015 a American Academy of Pediatrics (entidade americana que reúne médicos e gestores de políticas de saúde públicas) e a OMS. Naquele ano, as duas instituições estimavam que 88% das doenças causadas pelo desequilíbrio no clima atingiam crianças com menos de 5 anos.

Uma pesquisa da Anistia Internacional feita em dezembro passado apontou que as mudanças climáticas são consideradas o desafio mais sério da atualidade para os jovens. Numa lista de 23 problemas, na qual os entrevistados podiam escolher cinco, elas estiveram presentes em 41% das respostas, ficando à frente da poluição (36%) e do terrorismo (31%). Não à toa, eles têm ido às ruas no mundo inteiro cobrar ações mais firmes das classes governante e empresarial. As crianças, porém, são vítimas inocentes e pouco podem fazer. Cuidar do futuro delas está inteiramente em nossas mãos.

Porém, recentemente a OMS realizou sua primeira avaliação global sobre o problema com mais de 100 países participantes. E a entidade descobriu que, embora cerca de metade deles tenha desenvolvido estratégias para combatê-lo, menos de um em cada cinco está investindo o suficiente para concretizá-las. Os riscos mais comuns são o estresse por calor, ferimentos ou morte causados por eventos climáticos extremos, fome, desnutrição, falta de água e doenças como cólera, dengue ou malária. “A mudança climática não está apenas gerando uma conta para as gerações futuras pagarem, é um preço pelo qual as pessoas estão pagando agora com sua saúde. É imperativo moral que os países apliquem os recursos necessários para agir contra elas”, afirma Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS.

O Lancet Countdown é produzido por 120 especialistas de 35 instituições – entre elas, a OMS, o Banco Mundial e a Fundação Oswaldo Cruz. Se as emissões de GEE continuarem no patamar atual, uma criança nascida hoje herdará um planeta em média 4° C mais quente até os seus 71 anos. Isso traria riscos à saúde dela durante todas as fases da vida. “Longas secas, chuvas excessivas e incêndios não controlados estão agravando os efeitos sobre a saúde. Impulsionado em parte pelas mudanças climáticas, o crescimento contínuo da dengue pode tornar-se incontrolável em breve, pois a incidência triplicou desde 2014. Lamentavelmente, o desmatamento está aumentando novamente, assim como o uso de carvão”, diz a médica brasileira Mayara Floss, uma das autoras do relatório.

Ainda de acordo com o Lancet Countdown 2019, quem nasce hoje vai enfrentar uma intensificação descomunal da quantidade de eventos climáticos extremos na idade adulta. Houve um aumento de 220 milhões de pessoas acima de 65 anos expostas a ondas de calor entre 2000 e 2018; entre a 2017 e 2018, a alta foi de 63 milhões. Secas e inundações também vão prejudicar sobremaneira a produção de alimentos. O documento conclui que apenas uma redução anual de no mínimo 7,4% nas emissões de GEE entre 2019 e 2050 poderá limitar o aquecimento global a 1,5 °C, a meta estipulada pelo Acordo de Paris. Isso salvaria a vida de cerca de um milhão de pessoas por ano. Na Índia, a desnutrição já causa 2/3 das mortes de crianças com menos de 5 anos. É o presente que está em jogo.

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O bicho está pegando

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A União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) incluiu 1.840 novas espécies ameaçadas de extinção em sua lista vermelha. Agora, são ao todo 30.178 animais e plantas que podem ser riscados mapa. O anúncio foi feito durante a Conferência do Clima da ONU (COP-25), em Madri, na Espanha. Em fevereiro deste ano, o rato de cauda em mosaico (Melomys rubicola) foi declarado oficialmente o primeiro mamífero extinto por causa das mudanças climáticas. O roedor vivia apenas na pequena Ilha de Bramble, perto da Austrália, que está sendo tragada pelo mar – encolheu de 4 para 2,5 hectares. O ratinho sumiu do mapa junto com 97% de seu habitat.

O Melomys rubicola era a única espécie endêmica de mamíferos da Grande Barreira de Corais. Só na Austrália, que ora enfrenta as maiores ondas de calor e incêndios florestais de sua história, 37% das espécies de peixes fluviais estão ameaçadas e 25% das espécies de eucalipto podem desaparecer. “As mudanças climáticas aumentam as múltiplas ameaças que as espécies enfrentam, e devemos agir de maneira rápida e decisiva para enfrentar esta crise”, disse a costa-riquenha Grethel Aguilar, diretora-geral da UICN. O desequilíbrio do clima não é a única ameaça da fauna e da flora, que também são vítimas da poluição, da caça e da pesca predatória, do desmatamento e da exploração desenfreada dos recursos naturais do planeta. Mas ainda é possível reverter esse cenário apocalíptico.

Calcula-se que entre os séculos XVIII e XX cerca de 300 mil baleias jubartes foram mortas. Nos anos 1950, a população de espécie foi reduzida a pouco mais de 400 indivíduos no Atlântico Sul. O cetáceo só não foi extinto porque um acordo internacional – que não foi respeitado apenas por Japão, Noruega e Islândia – proibiu sua caça em 1985. O último censo realizado pelo Programa Baleia Jubarte, concluído em novembro, registrou 17 mil delas na costa brasileira. Segundo um estudo publicado em outubro na Royal Society Open Science devem haver 25 mil jubartes em todo Atlântico Sul. “Este é um exemplo claro de que, se fizermos a coisa certa, a espécie se recupera. Espero que sirva de exemplo para que possamos fazer o mesmo por outras populações animais”, diz o biólogo brasileiro Alexandre Zerbini, da agência federal americana, principal autor da pesquisa.

Outro censo recém-realizado mostra que Brasil e Argentina, ao menos em relação ao maior felino das Américas, vêm fazendo a coisa certa. Embora a sobrevivência da espécie ainda esteja por um fio, a população de onças-pintadas na região de Iguaçu, área de Mata Atlântica onde os países mantêm parques nacionais, também vem aumentando. Hoje, o número estimado de animais hoje está entre 84 e 125; em 2014 eram entre 51 e 84 e em 2016, entre 71 e 107. A proeza é resultado do trabalho de uma força-tarefa formada pelo WWF-Brasil, pela Fundación Vida Silvestre Argentina, pelo Parque Nacional do Iguaçu, pelo Parque Nacional Iguazú, pelo Projeto Onças do Iguaçu, pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). “Nosso trabalho de conservação vai além do monitoramento. Atuamos na conscientização de moradores vizinhos ao parque para a redução das principais ameaças à vida silvestre que são a caça, perda de habitat e os atropelamentos”, explica Felipe Feliciani, analista de conservação do WWF-Brasil.

Já é tarde demais para a arara-azul-pequena, o caburé-de-pernambuco, o limpa-folha-do-nordeste e o gritador-do-nordeste, aves brasileiras declaradas extintas no ano passado; mas a ararinha-azul pode ter uma segunda chance. Existem apenas 177 delas vivendo em cativeiro, mas um projeto do ICMBio prevê a reintrodução do pássaro em seu habitat, a Caatinga. Depois de muita negociação, está prevista para março do ano que vem a chegada de 50 deles, vindos da Alemanha. Os bichinhos vão passar por um período de adaptação e só os considerados aptos a voltarem a viver na natureza serão soltas. Que a ararinha-azul volte logo a bater asas no sertão e chegue a hora de a onça beber água.

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A realidade bateu forte

A realidade bateu forte

O governo sentiu o golpe e parou de brigar com os números. Segundo o sistema Prodes do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe), o desmatamento subiu 29,5% entre agosto de 2018 e julho de 2019 em relação ao mesmo período do ano passado. É o maior percentual em uma década – em 1998 a destruição cresceu 31%. Não houve como questionar os dados divulgados no último dia 18. Afinal, a área ambiental foi reformulada de acordo com as prescrições do Executivo: o Inpe e outros órgãos vitais para o setor estão sob nova direção e direcionamento, reconfigurou-se o Ministério do Meio Ambiente, conselhos e comitês populares foram enfraquecidos ou extintos. A justificativa era buscar mais agilidade e eficiência. A realidade bateu forte.

No início de julho, o Inpe já alertava para o crescimento descontrolado do desmatamento. O governo contestou os números do instituto e o seu diretor, Ricardo Galvão, foi exonerado. Desde o fim daquele mês se sabia que havia um incêndio descontrolado em Rondônia. Pouco depois era o sudoeste do Pará que queimava. Em agosto, mês do pico das queimadas, o fogo consumiu quase 30 mil km² de floresta. Também em agosto as primeiras manchas de óleo foram detectadas no litoral nordestino. Mas, como nos casos anteriores, a resposta foi tardia: o Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo em Águas sob Jurisdição Nacional (PNC) só entrou em ação em outubro. Por sinal, o comitê que desenvolveu o PNC em 2012 foi extinto pelo novo governo.

De acordo com o Prodes, a floresta perdeu uma área de 9,7 mil km², o equivalente a oito cidades do Rio de Janeiro. Desde 2012 há uma tendência de alta, só que a variação média era de 10,2%. A nova política ambiental pode beijar a lona, pois seu ponto fraco é justamente o poder de reação. Quando houve o surto de desmatamento em meados dos anos 1990, o governo reagiu aumentando a área da reserva legal e criando a Lei de Crimes Ambientais (9.605/98). Em 2004, o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) ajudou a reduzir a taxa de desmatamento em 83% entre aquele ano e 2012. O que fará o governo agora? Um dos primeiros atos do ministro do Meio Ambiente foi desativar o PPCDAm e somente no dia último 20 ele apresentou suas ideias para conter o desmatamento e promover o desenvolvimento sustentável da região. As propostas são genéricas e não se sabe de onde virão os recursos para executá-las.

Em agosto, o governo desdenhou da ajuda financeira de Noruega e Alemanha para preservação da floresta via Fundo Amazônia. Agora, o ministro do Meio Ambiente decidiu ir à Conferência do Clima da ONU (COP-25) para buscar recursos que, segundo ele, “foram prometidos e até agora não recebemos”. O ministro também está de olho em um novo fundo de US$ 100 bilhões para países emergentes investirem no combate às mudanças climáticas. “Se o Brasil presta serviços ambientais ao clima e ao planeta, se a Amazônia tem índice de conservação considerável, o outro componente do acordo, a contraprestação financeira, precisa se concretizar”.

Mas é preciso apresentar garantias e o discurso incoerente do governo não chega a inspirar confiança. Em visita a Washington, nos Estados Unidos, a ministra da Agricultura garantiu a empresários e representantes do governo americano que a expansão da agricultura brasileira não depende da Amazônia; ao mesmo tempo, porém, defende a liberação do cultivo da cana-de-açúcar na região e o fim da moratória da soja, que vai incentivar o plantio em áreas desmatadas. Terras griladas representam 35% do desmatamento na região e o presidente pretende editar uma medida provisória para regularização fundiária nos estados da Amazônia Legal. Para isso, bastaria uma autodeclaração, o que poderia funcionar como um salvo-conduto para grileiros. Pior: no sábado (23/11) ele confirmou que estuda liberar a exportação de madeira in natura de árvores nativas da Amazônia. Enquanto isso, Nova York acaba de aprovar uma lei que proíbe que grandes empresas que atuam na cidade comprem de área desmatada da Amazônia. É mais uma sanção internacional que comprova que o governo deveria jogar a toalha e mudar sua política ambiental. A não ser que esteja vendo vitória onde enxergamos derrota.

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