Ouro de tolo verde

Ouro de tolo verde

O terreno é fértil e a safra de absurdos no Brasil cresce de forma assombrosa. Agorinha mesmo, a Câmara aprovou, em regime de urgência, o famigerado PL do Veneno. Daí é comum a gente esquecer um ou outro despautério. Alguém se lembra do “dia do fogo”? O evento (sic), que segundo a Polícia Federal, teria sido promovido por ruralistas no Pará, dominou os noticiários em agosto de 2019, ano em que incêndios criminosos devoraram 9.060 km² de Amazônia. Os malfeitores atearam fogo em 197 pontos espalhados por reservas florestais de três municípios paraenses e o deixaram tomar conta de tudo. Não foi só por pura maldade, queriam botar algo que julgavam mais lucrativo no lugar. E a decisão apressada dos deputados em flexibilizar o uso de agrotóxicos tem relação com isso.

O crime permanece impune, mas o que motivou o “dia do fogo” já se sabe: plantar soja. Ela só costuma chegar diretamente ao prato do brasileiro médio na forma de óleo, mas responde por 49% do cultivo de grãos no país. Não há pedaço de terra que não queiram tomar para ela, seja terra indígena, quilombo ou unidade de conservação, e junto chegam obras gigantes de infraestrutura e mais agrotóxicos. Mas além dos danos ambientais, o apetite insaciável e nada saudável do agronegócio pela leguminosa também é um dos maiores responsáveis pela volta da fome e da carestia no Brasil.

É ouro verde: a produção brasileira corresponde a 40% do comércio mundial do grão e a 73% do óleo de soja. Cerca de 75% tomam o caminho da China sem que a gente sinta nem o cheiro. Segundo a Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec), o país exportou 80 vezes mais soja em janeiro deste ano – 4,274 milhões de toneladas – do que no mesmo mês em 2020. Entre 1988 e 2020, a produção de soja cresceu 576%. No mesmo período, as lavouras dos três alimentos mais consumidos pelos brasileiros encolheram: a de arroz caiu 73%; a de mandioca, 33%; e a de feijão, 54% – segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o último terá a menor área cultivada desde 1976.

E ainda corremos o risco de azedarem ainda mais nosso arroz, feijão e farinha do dia a dia. Nem precisava, pois mesmo com a legislação anterior o governo atual liberou 1.517 novos agrotóxicos, uma incrível média de 505 por ano; mas, mesmo assim, a Câmara aprovou de supetão, no último dia 9, o Projeto de Lei 6299/2002, vulgo PL do Veneno, que agora vai ser analisado pelo Senado. Uma das mudanças previstas é que o registro de novas substâncias seria decisão exclusiva do Ministério da Agricultura – cuja titular é conhecida como “musa do veneno”. O agro que serve ao Brasil ou o Brasil que serve ao agro?

Enquanto trata o grande produtor a pão de ló, dá migalhas para o pequeno. Entre os ministérios, o da Agricultura teve um dos menores cortes do orçamento aprovado pelo presidente para este ano, R$ 87,2 milhões. Para se ter uma ideia, Trabalho e Educação perderam, respectivamente, R$ 1 bilhão e R$ 739,9 milhões. Já o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) teve o maior corte de verba do orçamento geral – perdeu R$ 1,3 bilhão ou 35% do total. O pão que o diabo amassou e sem manteiga.

Quem diz é o Censo Agropecuário do IBGE de 2017: a agricultura familiar ocupa 77% das propriedades produtivas do país – 23% de nossa área agrícola total – e assegura renda e comida na mesa para 10 milhões de brasileiros. “O corte no Pronaf surpreendeu muito porque, em São Paulo, por exemplo, 78% dos agricultores são pequenos e cerca de 90% usam o programa”, disse Tirso Meirelles, vice-presidente da Federação da Agricultura do Estado de São Paulo (Faesp). Outros mecanismos voltados para os pequenos agricultores e a população mais carente, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), também estão morrendo de inanição. Seria a fome não uma crise, mas um projeto?

Mas o pior é que esse ouro verde é de tolo. O desmatamento para a expansão da fronteira agrícola e as mudanças climáticas têm acentuado os períodos de seca na região conhecida como Matopiba (que engloba trechos de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), a casa da soja por excelência. O comércio e a política internacionais são uma selva e 44% dos princípios químicos ativos usados em agrotóxicos no Brasil são proibidos na União Europeia, o que soa como música aos ouvidos da concorrência.

No último dia 12, o presidente da França, Emmanuel Macron, que está em campanha para a reeleição, mandou na lata, quer dizer, no seu Twitter: “Continuar dependendo da soja brasileira é endossar o desmatamento na Amazônia”. Ele quer que os franceses plantem a própria soja. Os chineses, que não gostam de depender de ninguém, estabeleceram a meta de aumentar sua produção em 40% até 2025, chegando a 23 milhões de toneladas de grãos. O agronegócio pode ficar sem freguês e sem nada para vender. E pode sobrar só veneno para os nossos pratos, caso a gente não pressione o Senado a rejeitar o PL 6299.

 

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A Mata Atlântica é História e futuro

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A Mata Atlântica sempre foi tratada como a casa da mãe Joana e ganhou um presente de grego em seu dia, comemorado em 27 de maio. Saiu nesta data a notícia de que o bioma perdeu 130,53 km² entre 2019 e 2020. Ainda que a devastação tenha sido menor que a do ano anterior, foi 14% maior que a de 2017-2018, quando comemorávamos a menor taxa de desmatamento em 36 anos. É mito que a floresta tenha sido destruída aos poucos no período colonial, quando os europeus começaram a derrubar árvore para plantar cana-de-açúcar e, em menos de 30 anos, quase levaram à extinção o pau-brasil. O bota-abaixo para valer aconteceu no século XX, quando 5.364,8 km² de mata foram ao chão só entre 1985 e 1990. Tudo isso no quintal de casa da maior parte dos brasileiros. Hoje, sobraram só 12,4% dos seus 1.310.298,98 km² originais.

Toda esta situação desmente um dos hits da desinformação nas atuais discussões sobre ecologia: o argumento de que só as nações ricas destruíram suas florestas, enquanto o Brasil manteve as suas intactas. A área derrubada aqui equivale a três Alemanhas e meia. Não devemos nada a eles. Quer dizer, não em relação a isso. Então, que tal aproveitar a Semana do Meio Ambiente para perguntar: em nome de quê? Presente em 17 estados e lar de 72% da população do país, o bioma parecia ter o desmatamento sob controle até 2017, com dois períodos consecutivos de queda. Mas a coisa degringolou no ano seguinte, quando o indicador cresceu 27% e segue destrambelhada desde então, como mostra o relatório anual da Fundação SOS Mata Atlântica, feito em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Se este parágrafo inteiro lhe fez pensar num certo pessoal que anda batendo ponto em Brasília, tudo bem. A relação era inevitável mesmo.

No ano passado, o ministro do Meio Ambiente sugeriu ao presidente uma revisão na Lei da Mata Atlântica. A regra sancionada em 2008 reduziu consideravelmente a devastação do bioma. Além disso, também tentou anistiar desmatadores ilegais. Investigado por contrabando de madeira, o menino da porteira está feliz com a boiada que passa e só falta pedir ao vaqueiro que toque o berrante. Vale lembrar que, em tese, ele conhece bem a Mata Atlântica – pelo menos por mapas. Salles começou sua carreira como secretário do meio ambiente em São Paulo. É diferente da Amazônia, que ele só viu pela primeira vez após ter se mudado para o Plano Piloto. Agora, entre conhecer e preservar, há uma grande diferença.

As razões para devastação da Mata Atlântica são várias. A expansão imobiliária, a ocupação de áreas pela agropecuária e a queima de árvores para produção de carvão vegetal são apenas algumas delas. Para piorar a situação, tramita hoje no Congresso um projeto que flexibiliza o licenciamento ambiental. O texto abre caminho para mais desmatamento e facilita a construção de barragens como as da Vale e da Samarco, por exemplo. O rompimento da primeira devastou 1,3 km² de vegetação nativa após em 2019. Já o rompimento da segunda arruinou o Rio Doce, cuja bacia atinge 228 municípios de Minas Gerais e Espírito Santo. Tudo isso dentro do mesmo bioma: a Mata Atlântica, que abriga os rios que abastecem Rio e São Paulo. Sentiu o drama? Quem nos lê de uma das duas maiores cidades brasileiras pode, em breve, ter saudades da água do volume morto ou com notas de geosmina.

Mas calma. A esperança é como uma população de micos-leões dourados que, mesmo com risco de extinção, cresce de novo quando a gente preserva. Aqui vão alguns motivos para isso. No Desafio de Bonn e na Declaração de Florestas de Nova York, o Brasil se comprometeu a reflorestar 120 mil km² até 2030. E um estudo publicado em julho de 2019 na revista “Science Advances” identificou que a Mata Atlântica é nosso bioma mais apto a ser regenerado. Assinada por 25 cientistas de Austrália, Brasil, Estados Unidos, Polônia, Reino Unido e Suécia, outra pesquisa divulgada na “Nature Ecology & Evolution” foi além e apontou áreas específicas deste ecossistema para a restauração, levando em conta desde critérios econômicos à conservação da biodiversidade e o combate às mudanças climáticas. De acordo com esta análise, seria possível evitar a extinção de 745 espécies de animais e plantas, absorver um bilhão de toneladas de CO₂ e ainda economizar US$ 28 bilhões por meio desta iniciativa. Ou seja, temos a faca e o queijo na mão. A Mata Atlântica está em nossa História, sobrevive heroicamente no presente e pode ser vital para o nosso futuro.

 

#MataAtlântica #MeioAmbiente #LicenciamentoAmbiental #Preservação #Desmatamento

 

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Parece, mas não é

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É tênue a linha que separa o lampejo genial da ideia de jerico. Há 45 mil anos, um homo sapiens anônimo registrou seus cotidiano e imaginário numa caverna na Ilha de Sulawesi, na Indonésia. Ele foi capaz de criar uma tinta resistente ao tempo e 100% natural. Graças a isso, hoje sabemos algo sobre como viviam alguns de nossos mais remotos ancestrais. Porém, suas pinturas rupestres, as mais antigas que se tem notícia, podem desaparecer. E essa perda inestimável seria mais um estrago para pôr na conta das mudanças climáticas, segundo um estudo recém-publicado no “Scientific Reports”.

É claro que quando James Watts concebeu seu motor a vapor, em 1763, dificilmente imaginou tal relação de causa e efeito. Usar combustíveis fósseis para mover o mundo parecia um lampejo genial. A Humanidade só se deu conta de que seu modo de vida estava influindo no clima do planeta quase dois séculos depois. A invenção de Watts ajudou a encurtar distâncias e a nos aproximar; porém estar perto não resultou em estar junto. Talvez por isso foi preciso que uma pandemia nos obrigasse a enxergar o óbvio: vivemos uma emergência e estamos todos no mesmo barco. Esse sacode fez os EUA retomarem a liderança do combate às mudanças climáticas e os países mais ricos reverem suas metas de emissões.

Quem sabe este embalo tenha inspirado a Câmara dos Deputados a aprovar no último dia 13 a nova Lei de Licenciamento Ambiental. Dita assim, a notícia até parece boa – mas não é. O texto exclui a obrigatoriedade de avaliação e prevenção de impactos em obras em terras indígenas e quilombolas ainda não homologadas, contrariando a Constituição. Também abre brechas que podem levar unidades de conservação à destruição. Isso numa hora em que o mundo inteiro está de butuca no Brasil, já que o desmatamento responde por 44% de nossas emissões de CO₂. E tem mais: a nova regra cria um dispositivo que, na prática, dispensa de licenciamento ambiental a construção de barragens como as de Mariana e de Brumadinho, entre outros despautérios. Talvez os parlamentares quisessem fazer uma surpresa para a população nesses tempos tão bicudos e, por isso, não a consultaram. Que o Senado corrija esse lapso.

No inferno das boas intenções, penam as decisões mais extravagantes. Você sabia que, até os anos 1950, era comum que o pesticida DDT – o famigerado flit – fosse usado nos Estados Unidos diretamente sobre as pessoas, inclusive crianças? O pai de todos os agrotóxicos servia para matar insetos, como piolhos e mosquitos, e tinha gente que acreditava que ele era a cloroquina da poliomielite. Com o tempo, descobriu-se que o suposto santo remédio era, na verdade, um perigoso veneno e o uso do DDT foi banido no mundo todo. Afinal, a ideia de nos envenenarmos voluntariamente não parece razoável, certo? Então, o que dizer sobre o governo brasileiro, que liberou no fim de abril o uso em nossas lavouras de 34 substância proibidas em outras partes do planeta justamente por fazerem mal à saúde humana? Cá entre nós, a situação é bem parecida com a do DDT. Será que teremos um desfecho igual?

A lista de pegadinhas ambientais é extensa e curiosa. As hidrelétricas, por exemplo. Durante muito tempo se acreditou que elas produziam energia 100% limpa e renovável. Esses mitos foram derrubados por desastres como Belo Monte, um caso tão emblemático que até Bolsonaro concorda que foi “dinheiro jogado fora” (ainda que ele ache isso por motivos poucos sustentáveis). Inviável desde o começo, a usina é incapaz de fornecer a energia que foi prometida no papel. Para completar, seu reservatório emite metano, um gás do efeito estufa 28 vezes mais potente que o CO₂. A gente já alertava para isso em 2011, quando lançamos o Movimento Gota D’Água, que questionava a obra.

É a ironia das ironias: uma hidrelétrica mal-planejada que pode vir a ser aposentada por falta de água para mover suas turbinas. Uma situação parecida com a de ter um cidadão condenado por fraude ambiental indicado para ministro do meio ambiente e vê-lo ser alvo de uma operação da Polícia Federal por suspeita de envolvimento em um esquema de contrabando de madeira ilegal. São pedras cantadas, que não surpreendem a quem sabe juntar os pontos.

Na vida, você não precisa ser mais esperto que ninguém para não ser enganado. Só tem que se manter atento. Entre uma rodovia com veículos que liberam carbono e uma estrada de ferro com trens elétricos, não é difícil saber o que é melhor para o meio ambiente. Agora, se a ferrovia corta uma área verde, já são outros 500. Ou melhor, US$ 1,9 bilhão. Este é o custo estimado do impacto ambiental da Ferrogrão, que está para sair do papel, de acordo com um estudo da Climate Policy Initiative, em parceria com a PUC/RJ. Entram na conta 2.043 km² de floresta que serão desmatados e 75 milhões de toneladas de CO₂ emitidas por causa da obra. Abrir uma nova BR também não é solução. O que resolve é colocar o projeto nos trilhos, de forma a poluir o mínimo possível. Só assim para o Brasil não perder o trem da história.

 

#MeioAmbiente #Infraestrutura #MudançasClimáticas #BeloMonte #LicenciamentoAmbiental #Ferrogrão

 

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Quebre o vidro

Quebre o vidro

“Em caso de emergência, quebre o vidro”; quando chega a esse ponto é porque a água está batendo no joelho ou a casa pegou fogo. A gente vivia há anos num inusitado estado de alerta apático, como se o amanhã pudesse ser adiado eternamente, até a Covid-19 nos dar um sacode. O novo coronavírus deu um estalo na Humanidade: estamos enfrentando diversas calamidades ao mesmo tempo porque tudo é causa e consequência. Não há como dissociar a pandemia, a crise econômica, a desigualdade social, o negacionismo e o desequilíbrio climático do modelo de desenvolvimento equivocado que abraçamos. Chegou a hora de tomar medidas drásticas, ou este será um abraço de afogados definitivo.

Melhor que curar uma doença é evitá-la. E não há vacina melhor contra novas catástrofes do que atacar sua origem. Mesmo que a economia global tenha tirado o pé do acelerador por causa da Covid-19, as concentrações de metano e dióxido de carbono na atmosfera aumentaram em 2020. Foi um aumento de 2,26 partes por milhão (ppm), o maior desde 2016. Os dados são da insuspeita Agência de Administração Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos (Noaa, na sigla em inglês). Por isso – e de olho no novo mercado que se descortina, evidentemente – tão logo trocaram o ocupante da Casa Branca, os americanos correram para tirar o atraso.

O presidente Joe Biden quer investir US$ 2,3 trilhões exclusivamente em infraestrutura e ao combate às mudanças climáticas, para que o país recupere o protagonismo mundial. Dessa montanha de dinheiro, US$ 174 bilhões serão investidos no setor de veículos elétricos; ou seja, os combustíveis fósseis começam a perder seu principal e mais renitente cliente. A China vinha investindo pesado em energias renováveis – e outras políticas de mitigação das mudanças climáticas – há anos. Todos podem sair ganhando nessa disputa das duas superpotências pelo pódio do desenvolvimento sustentável. Biden convocou uma Cúpula do Clima para os dias 22 e 23 próximos. Conversa séria, de gente grande.

Enquanto isso, o Brasil bate mais um recorde de desmatamento, o ministro do Meio Ambiente novamente falta com a seriedade publicamente, 58 milhões de pessoas passam fome, ainda temos um negacionista na Presidência e um a cada quatro mortos no mundo pela Covid-19 por dia é brasileiro. A boa notícia é que já tem gente quebrando o vidro de emergência; não fosse isso, já estaríamos irremediavelmente isolados ou vendidos. No último dia 13, por exemplo, seis jovens, dos movimentos Engajamundo e Fridays For Future, entraram na Justiça contra o governo, por “pedalada” ambiental.

Com o apoio de oito ex-ministros do Meio Ambiente, eles querem que o compromisso climático brasileiro para o Acordo de Paris, apresentado em dezembro, seja anulado. O governo se fez de desentendido e apresentou uma nova meta que permitirá ao país emitir, até 2030, 400 milhões de toneladas a mais do que o previsto. Entretanto, essa boiada não passou despercebida. No mesmo dia 13, o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) enviou uma carta ao governo pedindo metas ambientais mais ambiciosas. São 33 assinaturas, entre elas gigantes da indústria petrolífera como Shell, Ipiranga, Michelin e Braskem.

Além de atuar diretamente contra a pandemia, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) ganhou uma linha direta de comunicação com os Estados Unidos para temas relacionados à Amazônia. E a iniciativa de usar o martelo partiu do próprio Biden: foi o presidente americano quem solicitou a abertura deste canal. Governos vão e vem; então é melhor conversar logo com quem vem preservando a floresta há milênios, né? Como Gotas no Oceano, acreditamos que cada um pode fazer diferença se somado ao todo. Muitas vezes os movimentos sociais nascem de ações individuais – estão aí a Greta Thunberg e tantas outras para não nos deixar mentir. Quebre o vidro e encontre a sua capacidade para ajudar o mundo a sair dessa emergência.

#Amazônia #Indígenas #MeioAmbiente #MudançasClimáticas #Apib #JoeBiden #Covid19 #AcordodeParis #China #Pendemia

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Quanto vale esta floresta?

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Amazônia e mineração ilegal são como álcool e direção: não combinam. O último exemplo vem de Uiramutã, a 290 quilômetros de Boa Vista, em Roraima. Pontos turísticos conhecidos pela água cor de esmeralda, as cachoeiras Sete Quedas e Urucá apareceram cheias de um líquido marrom em fotos divulgadas pela Folha de São Paulo esta semana. Motivo: a exploração irregular de minérios na região, que fica dentro da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Indiferente a isso, o governador sancionou na segunda-feira uma lei que libera o garimpo nas terras do estado. Por trás da confusão, há uma pergunta que o Brasil ainda não respondeu: vale a pena pôr a floresta em risco em troca de dinheiro?

O incentivo à mineração na Amazônia é uma das obsessões de Bolsonaro mais difíceis de entender. O tema voltou à pauta no último dia 3, quando o presidente da república apresentou a liberação da atividade em terras indígenas como uma de suas prioridades ao deputado federal Arthur Lira, novo presidente do congresso. Para começo de conversa, 86% dos brasileiros são contra a exploração de minérios nestas áreas, segundo o Datafolha. Elaborado pelo Governo Federal para regulamentar a atividade, o projeto de lei 191/20 prevê a permissão para lavra garimpeira em terras indígenas – algo vetado pela Constituição.

Além disso, os próprios indígenas não estão muito interessados no assunto. “A nossa relação com a terra é totalmente diferente, é de preservação da terra e dos recursos naturais”, disse Luiz Eloy Terena, advogado da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil. Por sua vez, as mineradoras também não querem explorar estes locais. “Se é complexo e moroso trabalhar numa área sem esse tipo de conflito, imagina dentro de uma área dessas”, explicou o empresário Luiz Maurício Azevedo, empresário e presidente da Associação Brasileira das Empresas de Pesquisa Mineral (ABPM).

Sem o interesse dos indígenas e com as companhias fora do páreo, aventureiros que atuam na mineração sem compromisso com a natureza são os únicos beneficiados pela medida defendida por Bolsonaro.

Mas por que o filme da mineração anda tão queimado? É fácil entender. Você sabia que, para cada quilo de ouro produzido, 1,3 quilo de mercúrio é liberado no meio ambiente? A lista de problemas não para por aí. O cientista americano Philip Fearnside identificou um padrão nas regiões amazônicas que abrigam a atividade. Quando o minério acaba, os trabalhadores viram posseiros e o desmatamento dispara. Só entre 2005 e 2015, mais de 11 mil quilômetros quadrados de floresta foram abaixo por conta disso, segundo estudo publicado na Nature.

As complicações continuam. Lugar com gente precisa de estradas. Elas valorizam as terras às suas margens e são outro motor de destruição da mata. Uma análise do WWF apontou que 75% do desmatamento da Amazônia se deu perto de rodovias e, de acordo com estimativas publicadas na revista PNAS, 2,4 milhões de hectares de floresta poderiam vir abaixo se 12 mil quilômetros de vias previstos para região saíssem do papel.

Toda esta destruição ambiental gera consequências. As árvores mortas e cortadas viram combustível para incêndios. Só no ano passado, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais contou 103.161 casos na Amazônia – um aumento de 16% em relação a 2019. Com as mudanças climáticas, as secas estão mais frequentes, o que potencializa o fogo. A estação seca hoje já é quatro semanas maior do que era no sul e sudeste da Amazônia na década de 1980, segundo o cientista Carlos Nobre.

Este calor todo vai matando a vegetação e, aos poucos, transformando a floresta tropical em savana. Se isso acontecer, não teremos uma mera mudança na paisagem. Doenças hoje restritas à mata podem se tornar mais comuns. Aliás, cerca de 70% dos últimos surtos epidêmicos vividos pela humanidade começaram assim, de acordo com María Neira, diretora de Saúde Pública e Meio Ambiente da Organização Mundial da Saúde. Para ela, preservar a floresta não é uma questão de ecologia, mas de saúde pública. “O planeta, nós o estamos destruindo, mas ele vai encontrar uma maneira de sobreviver; os humanos, não”, adverte.

Este processo pode ser freado? A boa notícia é que sim. E nós até sabemos o que fazer. Em um passado recente, medidas como o bloqueio de empréstimos de bancos públicos a empresas com multas pendentes em órgãos ambientais já surtiram efeito e ajudaram na preservação da floresta. Além disso, ideias como a bioeconomia podem ajudar o garimpeiro a trocar o papel de inimigo do meio ambiente por conta da falta de oportunidades pelo de amigo da natureza. Um hectare de soja rende, em média, R$ 604 por ano – contra R$ 12,4 mil de uma área do mesmo tamanho dedicada ao cultivo de espécies nativas, como o açaí e a castanha do pará. Detalhe: é dinheiro que vem sem que nenhuma árvore se vá.

Divulgada nesta semana, uma pesquisa do Ibope indicou que 77% dos brasileiros consideram preservar a meio ambiente é o mais importante, ainda que isso signifique menor crescimento econômico e geração de empregos. Nós estamos com a faca e o queijo na mão. Salvar a floresta é o interesse de maioria, o melhor para nosso futuro e, de quebra, o que rende mais dinheiro.

Em nome de que fazer o contrário?

#Amazônia #Mineração #Garimpo #MeioAmbiente #Economia #UmaGotaNoOceano #CadaGotaConta

Saiba mais:

Folha – Incentivado pelo senador da cueca, garimpo ilegal emporcalha cachoeiras em terra indígena

Jornal Nacional – Governador de Roraima libera garimpo no estado e com uso de mercúrio

O eco – Mineração em Terras Indígenas, regularização fundiária e mais, entenda as prioridades de Bolsonaro para 2021

Folha – Maioria dos brasileiros rejeita abrir mineração em terras indígenas

Valor – Mineradoras descartam explorar áreas indígenas

National Geographic – Imagens aéreas mostram o impacto da mineração na Amazônia

Amazonia Real – O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 8 – Lavagem de dinheiro, exploração madeireira e mineração

O eco – Em 10 anos, mineração causou 9% de desmatamento na Amazônia

Nature – Mining drives extensive deforestation in the Brazilian Amazon

WWF – Maior parte do desmatamento da região está concentrado nas rodovias

Mongabay – Projetos de estradas na Amazônia podem desmatar 2,4 milhões de hectares nos próximos 20 anos

Inpe – Queimadas

Valor – “Savanização da Amazônia já está ocorrendo”, diz Nobre

El País – Diretora de Meio Ambiente da OMS: “70% dos últimos surtos epidêmicos começaram com o desmatamento”

Amazônia Real – O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 6 – Commodities e governança

Revista Globo Rural – Açaí, cacau e castanha são mais rentáveis que pecuária e soja na Amazônia, diz Carlos Nobre

Ibope/ITS – Percepção climática

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