Meu nome é D’Água, Gota D’Água. Mas pode me chamar só de Gota, que nós já temos intimidade para isso. Aqui em casa, a família é grande. Sou irmã do Pingo D’Água, aquele em que, de vez em quando, você dá um nó, e prima do Zé Gotinha, que agora voltou ao estrelato após um tempo esquecido. Como o próprio nome indica, eu sou feita inteiramente de… água. É a mesma substância que compõe 70% de você. E, por ser assim tão presente, a água até ganhou um dia só para chamar de seu: 22 de março, o Dia Mundial da Água. Mas, se a água está em todas, é bem verdade também que você anda em falta com ela. Eu poderia lhe passar um sabão por isso, mas seria chover no molhado. Por isso, prefiro lhe convidar a refletir.
Não somos apenas nós dois que somos feitos praticamente só de água. Ela cobre 2/3 da superfície do nosso planeta, chega à atmosfera na forma de vapor e está dentro de coisas tão diferentes como melancias e elefantes. Com a água, não tem tempo feio. Ela flui pelos rios, deságua no mar, viaja nas correntes oceânicas e vira gelo nos polos. Enfim, não para. E, nesse vai e vem, desempenha um papel essencial para vida na Terra. Não satisfeita, a água até dança, quando vibra em sintonia com o ritmo dos sons da natureza ou com alguma música que esteja tocando. A água é o espelho da vida, a criação mais simples – e, por isso mesmo, mais sofisticada – de toda a natureza.
Sendo assim, camarada, eu lhe pergunto: em nome de que, então, tratá-la com tanto descuido, hein? Em nome de que fazer de oceano, lagos e rios depósitos de lixo? Por que aprisioná-la em barragens ou contaminá-la com mercúrio ou agrotóxicos? É como diz aquele antigo samba: “Na hora da sede, você pensa em mim”. Se você não vive sem ela, qual o sentido de liquidá-la? Pode ser que eu esteja sendo muito árida, muito seca. Mas realmente não consigo entender. Agredi-la é como agredir a si mesmo.
Sejamos justos: não são todos da sua espécie que tratam mal a água. Dá gosto de ver o carinho dos povos indígenas, o afeto dedicado pelos quilombolas e o amor verdadeiro de ribeirinhos, pescadores, lavadeiras, surfistas, entre outros e outras pessoas. Se você é uma delas, eu me desculpo desde já. E aproveito para lhe pedir um favor: se puder, convença mais gente da importância da nossa causa. Com outros como você, nossa chance de fazer a diferença será bem maior. Não espere por mim – a Gota D’Água – para fazer este copo transbordar.
Eu não entendo quando vocês, humanos, dizem que o mar é traiçoeiro, ficam tristes em dias de chuva e têm outras reações negativas relacionadas à água. É verdade sim que ela pode destruir, mas é certo também que não tem vontade própria. Se o nível do mar está subindo, por exemplo, a causa é o crescimento das emissões de gases do efeito estufa. E, até onde eu sei, a água não anda de carro nem derruba floresta, não é? Tudo é uma questão de compreendê-la e respeitá-la. Isso é tão claro como… água. Mais cedo ou mais tarde, você compreenderá que, ok, água demais mata a planta, mas não tem jeito: todo rio corre para o mar. Cuidar da água do nosso planeta é cuidar de nós mesmos. Pode demorar, mas eu sei que vão entender. É a tal história: água mole em pedra dura…
Até lá, a água vai continuar lhe prestando os serviços que você nem imagina que ela já faz. Você sabia que mais da metade do oxigênio do planeta vem do mar? O oceano é o verdadeiro pulmão da Terra e nós o queremos bem e respirando. O impávido Bruce Lee desferiu um golpe certeiro: “Quando você põe água num copo, ela se torna o copo, quando bota na garrafa, ela vira a garrafa”. Ou seja, precisamos nos adaptar às circunstâncias. A Humanidade está num momento crucial e o seu futuro – ou não futuro – depende das escolhas que você fará agora. Não é preciso fazer tempestade em copo d’água. Eu posso ser só uma gota, mas junto de minhas iguais formo um oceano. Você também não está sozinho. Junte-se aos outros e inunde o planeta de bom senso. Tratem com amor aquela a quem vocês devem tudo.
9 \09\America/Sao_Paulo março \09\America/Sao_Paulo 2020 | Mudanças Climáticas
Já parou para pensar que quem se manifesta contra a democracia está se manifestando contra o direito de se manifestar?
Que quem admite a tortura admite ser torturado?
Que ninguém é imune à injustiça ou à prova de bala perdida?
A democracia existe para defender as minorias, não para fazer prevalecer a vontade da maioria – até porque, se a gente parar para pensar, vai chegar à conclusão de que todo mundo pertence a uma minoria. Hoje cassam o direito de alguém que você discorda; amanhã podem cassar o seu. A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi criada, principalmente, para defender o cidadão dos desmandos do Estado. Um dos direitos assegurados por ela é o direito à segurança. Você está disposto a abrir mão deste direito também?
Democracia também pressupõe diversidade de opiniões e de fontes de informação. Regimes totalitários sempre impuseram sua própria versão dos fatos: os nazistas tinham o “Völkischer Beobachter” e os mandachuvas da União Soviética, o “Pravda”. Vamos nos tornar reféns voluntários das redes sociais oficiais das autoridades e de seus aplicativos de mensagens?
Sem democracia também não há defesa do meio ambiente e dos direitos humanos. Que mundo deixaremos para nossos filhos e netos? Em nome de que abrir mão do direito de lutar pelo que acreditamos ser o certo? Somos todos gotas no oceano. Não só fazemos parte do mundo em que vivemos, como também ajudamos a construí-lo. Quando decidimos nos empenhar na luta contra a construção da Usina de Belo Monte, pensamos não só no impacto que traria às populações locais, mas à floresta como um todo, ao nosso país e mesmo ao planeta. Quando defendemos o direito dos povos da floresta a preservá-la, estamos ajudando a preservar nossas próprias vidas. Defender a democracia é defender a nossa sobrevivência.
Neste verão, um padrão vem se repetindo por todo o país: tempestades intensas transformam as ruas das capitais em corredeiras de esgoto e lixo, trazendo doenças e destruindo casas. Foi assim em Vitória no dia 22 de janeiro, em Belo Horizonte, no dia 28, em Fortaleza e em Campo Grande no dia 31. Em fevereiro, Rio de Janeiro e São Paulo se transformaram em um cenário de destruição. Mas, afinal, o que explica tantas cidades sofrendo de forma tão parecida e sincrônica?
Na mensagem ao Congresso, enviada no dia 3 de janeiro para a cerimônia de abertura do ano legislativo, o governo federal afirma que a maioria dos desastres recentes está relacionada às “instabilidades atmosféricas”, que provocam desde vendavais até alagamentos. De fato, cientistas alertam há anos que as mudanças climáticas estão aumentando a quantidade e a intensidade das tempestades e dos furacões. No entanto, essa é só uma parte da mensagem. Há de se lembrar que estas alterações do clima são o efeito colateral da poluição gerada por um modo de vida e de crescimento insustentáveis, que tratam a natureza como barreira ao desenvolvimento.
Não adianta tentar culpar a natureza. Vivemos, sim, uma situação de emergência climática, mas este tipo de desastre – cada vez mais recorrente, diga-se de passagem – é provocado pelo ser humano. O ambientalista e professor da faculdade de Medicina da UFMG Apolo Heringer Lisboa explica por que não se deve “criminalizar” o meio ambiente: “A chuva foi muito forte, mas não foi ela que causou isso, não. O que ela fez foi expor a fragilidade da concepção da gestão das águas e como o poder público está a serviço da indústria das enchentes, dessas empreiteiras que só sabem impermeabilizar o solo e canalizar os rios”.
Todas estas cidades cresceram sobrepujando seus mananciais. Em vez de um desenvolvimento que tratasse o meio ambiente como fator de agregação à qualidade de vida, as capitais brasileiras cresceram sem que seus gestores respeitassem as matas e os córregos de seus territórios. A história se repete de sul a norte: governo após governo, correntes livres de água pura se transformaram em canais cimentados e poluídos, não raro sufocados abaixo do asfalto.
Com a chegada da indústria automobilística ao país, na década de 1960, este processo se intensificou, explica Alessandro Borsagli, geógrafo e autor do livro Rios Invisíveis da Metrópole Mineira. “Os cursos d’água, nesse novo planejamento rodoviarista, entraram em rota de colisão com a cidade, eram vistos como entraves para o desenvolvimento regular da cidade”, conta o especialista ao jornal O Estado de Minas.
Sessenta anos depois, os sinais de mudança na gestão hídrica foram poucos e, caso permaneça assim, os alagamentos tendem a piorar. É o que prevê desde 2016 o estudo Análise de Vulnerabilidade às Mudanças Climáticas do Município de Belo Horizonte. O relatório indica que haverá intensificação de eventos como inundações, ondas de calor e deslizamentos. Segundo o documento, 42% dos bairros da capital já se encontram em situação de alta vulnerabilidade e, se medidas não forem tomadas, essa taxa pode chegar a 68% até 2030. E o ano de 2020 já é prova disso: no dia 3 de fevereiro a cidade mal terminava de se recuperar da última chuva quando a Defesa Civil lançou novo alerta sobre o risco de tempestades em toda a primeira semana do mês.
Governantes podem até aderir ao negacionismo, fingir não ver as evidências de que o mundo passa por uma emergência climática, ou mesmo repetir exaustivamente que as tempestades não são consequência ação do homem. Ainda assim – tal e qual os rios abafados sob o asfalto nas capitais brasileiras – a verdade virá à tona de forma avassaladora.
Para evitar novas enchentes, é necessário encarar a crise climática de frente: como um fato e uma questão de Estado. A solução é aliar o conhecimento ancestral dos povos tradicionais à tecnologia urbana do século XXI: respeitar os rios como um indígena e criar soluções como um cientista.
Bons exemplos já estão há um tempo por aí. O caso pioneiro é do rio Tâmisa, que começou a ser revitalizado na década de 1950. Na época, era conhecido como “O Grande Mau Cheiro” e em seu entorno eram comuns epidemias de cólera. Um sistema de captação de esgoto foi construído em 1958 e é constantemente ampliado até hoje. De segunda a sexta, dois barcos recolhem o lixo através de grades instaladas na proa e por esteiras que varrem o leito do rio. Câmeras de vídeo, radares e sonares informam a localização dos detritos. Como resultado, o rio, antes considerado biologicamente morto, hoje é a casa de 121 espécies de peixes e mais de 400 espécies de invertebrados.
Em Seul, o rio Cheonggyecheon era um córrego poluído até 2005. Hoje é um ponto disputado entre turistas que buscam um refresco. Já o rio Tejo, em Lisboa, começou a ser despoluído em 2000. Como resultado, os golfinhos voltaram a saltar nas águas do rio europeu. Em nome de que o Brasil, país com a maior concentração de água doce do mundo, se mantém fora desta lista?
22 \22\America/Sao_Paulo agosto \22\America/Sao_Paulo 2018 | Mudanças Climáticas
O mar virou sertão na Alemanha. Por causa da seca, voltaram à tona três vilas que estavam submersas no reservatório de Edersee. Asel, Berich e Bringhausen foram inundadas entre 1908 e 1914 – assim como aconteceu com Canudos, que emergiu do Sobradinho na Bahia.
As ondas de calor que atingiram a Europa também fizeram rios alemães secarem, desenterrando bombas da Segunda Guerra Mundial. As mudanças climáticas podem nos levar a uma desagradável volta ao passado.