O Mar é o ventre da Terra e se mantém não só gerando vida, mas também sustentando as condições para que continuemos existindo no planeta – desde produzir mais da metade do oxigênio que respiramos até regular o clima. Embora nossos ancestrais, organismos ainda muito primitivos, tenham se instalado em terra firme há bilhões de anos, continuamos umbilicalmente ligados a ele.
Para franceses e romenos, mar é uma palavra feminina; nada mais adequado para quem, mesmo exausta, ainda é esta mãe para todos. Um deles, o Homem, parece ter esquecido disso há séculos e é o principal responsável por essa fadiga. De tanto a natureza nos alertar nossa responsabilidade, parece que, dessa vez, nós finalmente entendemos o recado: o filho ingrato tomou uma importante decisão para proteger àquela a quem tudo deve.
Com a adesão de mais de uma centena de países, foi assinada, no último dia 4, na sede da ONU, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. É o acordo ambiental mais radical – no bom sentido – que se tem notícia: estabelece o aumento, até 2030, de 1,2% para 30% de áreas de proteção contra a mineração, a pesca industrial e o tráfego de embarcações. Finalmente a ficha caiu e foi dentro d’água.
O primeiro encontro a discutir o assunto aconteceu na Jamaica, em 1982, mas só começou a vigorar a partir de 1994. O alto-mar, área do Oceano que equivale a quase metade da superfície da Terra, é a região que fica a mais de 370 km da costa de cada país; é uma terra (sic) de ninguém, onde quase tudo é permitido – os nordestinos vão lembrar do vazamento de petróleo de um navio grego que contaminou seu litoral em 2019 e 2020.
De acordo com a União Internacional para Conservação da Natureza, 10% das espécies marinhas correm risco de extinção. É preciso proteger essa biodiversidade; por causa disso, uma de suas principais metas é não atrapalhar as migrações anuais de cetáceos, diversas espécies de peixes e tartarugas marinhas. É bom lembrar que baleias são grandes depósitos vivos de carbono.
O Greenpeace arrecadou mais de 5.5 milhões de assinaturas em todo o mundo em apoio ao tratado. “O relógio ainda está correndo para entregarmos a meta 30×30. Nos resta meia década e não podemos ser complacentes”, disse a finlandesa Laura Meller, Conselheira Polar Nórdica da ONG. Do Mar viemos e ao Mar parte do planeta retornará – já que a subida do nível do Oceano já é fato consumado, devido às mudanças climáticas.
O acordo prevê, ainda, a criação de um novo órgão para administrar a preservação da vida no Oceano e estabelece regras de avaliação do impacto ambiental de atividades comerciais marítimas, como pesca e turismo. Que noruegueses, islandeses e japoneses, povos reconhecidamente disciplinados e avançados em outras áreas, se convençam que caçar baleias e golfinhos é coisa de bárbaro.
A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, porém, não contempla um problemão ao qual a gente não vem dando a devida atenção: a poluição por plástico. Na semana passada, a revista de divulgação científica “PLOS ONE” publicou um estudo internacional que calcula que há mais de 170 trilhões de partículas do material flutuando no Mar – o equivalente a 2 milhões de toneladas.
Em 2021, um relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), lançado às vésperas da COP26, já alertava que, caso não sejam tomadas medidas drásticas e urgentes para reduzir a produção de plástico, esse número deve aumentar cerca de 2,6 vezes até 2040. Você pode até impedir a entrada de navios em áreas protegidas do alto-mar, mas não há como barrar a passagem desses fragmentos microscópicos que prejudicam a fauna e a flora marinha, e aumentam a temperatura e a acidez das águas oceânicas.
Com a disposição demonstrada pelo atual governo em retomar o caminho da preservação do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável – com volta de Marina Silva, nome respeitado no mundo inteiro, ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima – temos uma excelente oportunidade para recuperar o posto de farol ambiental, que suamos tanto para conquistar. Isso em terra firme, pois em se tratando do Oceano, ainda lembramos uma nau sem rumo.
A vitória da Marinha na batalha naval contra o Ibama, no recente episódio do afundamento do porta-aviões São Paulo, que pode causar sérios danos ao ventre da Terra – incluindo a liberação de mais microplásticos, metais pesados e de poluentes que podem prejudicar a Camada de Ozônio –, foi um mau sinal. Se temos a ambição de ser os timoneiros dessa jornada por um Mar mais limpo e saudável, precisamos fazer uma correção de rota.
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