A realidade bateu forte

A realidade bateu forte

O governo sentiu o golpe e parou de brigar com os números. Segundo o sistema Prodes do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe), o desmatamento subiu 29,5% entre agosto de 2018 e julho de 2019 em relação ao mesmo período do ano passado. É o maior percentual em uma década – em 1998 a destruição cresceu 31%. Não houve como questionar os dados divulgados no último dia 18. Afinal, a área ambiental foi reformulada de acordo com as prescrições do Executivo: o Inpe e outros órgãos vitais para o setor estão sob nova direção e direcionamento, reconfigurou-se o Ministério do Meio Ambiente, conselhos e comitês populares foram enfraquecidos ou extintos. A justificativa era buscar mais agilidade e eficiência. A realidade bateu forte.

No início de julho, o Inpe já alertava para o crescimento descontrolado do desmatamento. O governo contestou os números do instituto e o seu diretor, Ricardo Galvão, foi exonerado. Desde o fim daquele mês se sabia que havia um incêndio descontrolado em Rondônia. Pouco depois era o sudoeste do Pará que queimava. Em agosto, mês do pico das queimadas, o fogo consumiu quase 30 mil km² de floresta. Também em agosto as primeiras manchas de óleo foram detectadas no litoral nordestino. Mas, como nos casos anteriores, a resposta foi tardia: o Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo em Águas sob Jurisdição Nacional (PNC) só entrou em ação em outubro. Por sinal, o comitê que desenvolveu o PNC em 2012 foi extinto pelo novo governo.

De acordo com o Prodes, a floresta perdeu uma área de 9,7 mil km², o equivalente a oito cidades do Rio de Janeiro. Desde 2012 há uma tendência de alta, só que a variação média era de 10,2%. A nova política ambiental pode beijar a lona, pois seu ponto fraco é justamente o poder de reação. Quando houve o surto de desmatamento em meados dos anos 1990, o governo reagiu aumentando a área da reserva legal e criando a Lei de Crimes Ambientais (9.605/98). Em 2004, o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) ajudou a reduzir a taxa de desmatamento em 83% entre aquele ano e 2012. O que fará o governo agora? Um dos primeiros atos do ministro do Meio Ambiente foi desativar o PPCDAm e somente no dia último 20 ele apresentou suas ideias para conter o desmatamento e promover o desenvolvimento sustentável da região. As propostas são genéricas e não se sabe de onde virão os recursos para executá-las.

Em agosto, o governo desdenhou da ajuda financeira de Noruega e Alemanha para preservação da floresta via Fundo Amazônia. Agora, o ministro do Meio Ambiente decidiu ir à Conferência do Clima da ONU (COP-25) para buscar recursos que, segundo ele, “foram prometidos e até agora não recebemos”. O ministro também está de olho em um novo fundo de US$ 100 bilhões para países emergentes investirem no combate às mudanças climáticas. “Se o Brasil presta serviços ambientais ao clima e ao planeta, se a Amazônia tem índice de conservação considerável, o outro componente do acordo, a contraprestação financeira, precisa se concretizar”.

Mas é preciso apresentar garantias e o discurso incoerente do governo não chega a inspirar confiança. Em visita a Washington, nos Estados Unidos, a ministra da Agricultura garantiu a empresários e representantes do governo americano que a expansão da agricultura brasileira não depende da Amazônia; ao mesmo tempo, porém, defende a liberação do cultivo da cana-de-açúcar na região e o fim da moratória da soja, que vai incentivar o plantio em áreas desmatadas. Terras griladas representam 35% do desmatamento na região e o presidente pretende editar uma medida provisória para regularização fundiária nos estados da Amazônia Legal. Para isso, bastaria uma autodeclaração, o que poderia funcionar como um salvo-conduto para grileiros. Pior: no sábado (23/11) ele confirmou que estuda liberar a exportação de madeira in natura de árvores nativas da Amazônia. Enquanto isso, Nova York acaba de aprovar uma lei que proíbe que grandes empresas que atuam na cidade comprem de área desmatada da Amazônia. É mais uma sanção internacional que comprova que o governo deveria jogar a toalha e mudar sua política ambiental. A não ser que esteja vendo vitória onde enxergamos derrota.

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Um ano de extremos

Instabilidade e variações ao longo do período. Pelo lado positivo: 2017 foi o ano em que barramos a liberação da Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca), uma enorme área na Amazônia, para a exploração mineral, mostrando que, unidos, somos fortes. Se houve retrocessos socioambientais no país, diante da avalanche de leis semeada pela bancada ruralista no Congresso, o estrago foi até pequeno – pois em grande parte, as votações ficaram para 2018. Estrago real e muito maior quem mostrou, de fato, foi a natureza, revoltada com nosso descaso: este foi um ano de recordes de queimadas e de estiagem, que quase secou o maior reservatório de água do Brasil. Motivos para nos mobilizarmos em 2018 não faltam.

A crise política aumentou o poder da bancada ruralista que usou seus 240 votos na Câmara para dar apoio a projetos e garantir a cadeira do presidente da República, recebendo em troca uma série de “agrados” e reivindicações atendidas. Do perdão para dívidas à redução de contribuições fiscais e à anistia para grileiros, passando pelo loteamento de cargos e o esvaziamento de órgãos governamentais “incômodos”, como a Funai e o Ibama. E, também, uma série de alterações na legislação à sua feição que, entre outras coisas, liberam agrotóxicos banidos no Primeiro Mundo, enfraquecem o licenciamento ambiental e a fiscalização, dificultam o reconhecimento e a demarcação de terras indígenas e quilombolas e reduzem as áreas protegidas de florestas. Dentro de uma estratégia coordenada, Executivo e Legislativo lançaram ao longo do ano uma coleção de Medidas Provisórias (MPs), Projetos de Emendas Constitucionais (PECs) e Projetos de Lei (PLs) que tratavam das mesmas matérias, sucessivamente, até que um deles fosse aprovado em votações que, muitas vezes aconteciam na calada da noite.

Do Palácio do Planalto vieram Medidas Provisórias como as MPs 756/2016 e 758/2016, que se aprovadas acabariam de uma vez com mais de 1,1 milhão de hectares de áreas de proteção e Unidades de Conservação das florestas brasileiras, como a Floresta Nacional do Jamanxim, no Pará, que teria 37% de sua extensão liberados para exploração por mineradoras e pecuaristas. Somadas, nada menos que 10% de todas as terras protegidas do país (cerca de 80 mil km2, ou uma Áustria) estiveram – e boa parte ainda está – em risco.

Felizmente, boa parte desse verdadeiro bombardeio legislativo acabou sendo desarmado ou, pelo menos por enquanto, mantido no ar. O contra-ataque veio com contestações legais (várias das “bombas” são simplesmente inconstitucionais e foram denunciadas pelo Ministério Público), emendas e adiamentos. Tudo sob forte influência e pressão do movimento de resistência integrado por organizações e entidades ambientalistas, indígenas, de direitos humanos, do campo e da mobilização da opinião pública.

Foi esse conjunto de vozes, com grande repercussão no exterior, que fez, por exemplo, com que o presidente da república recusasse na liberação para a exploração mineral da Renca. E, na mesma região, que a licença ambiental para a instalação da mineradora predadora Belo Sun fosse cancelada – pelo menos até que, cumprindo procedimentos legais, a população tradicional diretamente afetada pelo empreendimento seja ouvida e levada em conta.

A grande visibilidade dada a essas e outras ameaças e retrocessos repercutiu no exterior. Na Noruega, o presidente Temer enfrentou protestos e recebe um pito da primeira ministra e a bagagem de volta recebeu um corte considerável nos repasses feitos pelo país nórdico para o Fundo Amazônia. E, especialmente durante o período da COP-23 de Bonn, nosso país foi muito criticado pelo papel “o que eu faço não é bem o que eu digo” que anda representando no campo socioambiental. Além do aumento do desmatamento e do desrespeito aos direitos das comunidades tradicionais, a edição da MP do Trilhão – que dá para petroleiras incentivos e isenções trilionárias –, que torna o cumprimento das metas brasileiras de emissões no Acordo de Paris virtualmente impossível. Descobrimos ainda que somos a única grande economia do mundo que aumentou expressivamente suas emissões de gases do efeito estufa sem obter nenhum crescimento econômico.

Batalhas importantes aconteceram também no STF, onde foram barradas as tentativas de legalizar o arrendamento de terras indígenas na amazônia e a diminuição de limites de parques nacionais. O julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o Decreto de Titulação Quilombola, que coloca em xeque os direitos dessas comunidades, porém, foi duas vezes adiado e, agora, está marcado para fevereiro próximo. De praticamente desconhecida da grande maioria da população, depois da mobilização e de campanhas por seus direitos, a luta dos quilombolas ganhou destaque, conseguindo mais de 100 mil adesões.

No bojo dessa ação, entretanto, já houve uma definição preocupante: o princípio do marco temporal, tese defendida pelo governo e que condiciona o reconhecimento ao direito pela terra a grupos quilombolas que comprovem a ocupação das áreas reivindicadas na data de promulgação da Constituição de 1988, já foi apreciado e reconhecido, deixando sem garantias aqueles que tenham sido expulsos antes dessa data. Um princípio que ameaça – e por isso, também, une em uma mesma luta – quilombolas e indígenas.

Alheia às decisões políticas ou jurídicas, a natureza impôs duras penas ao país. O ano de 2017 foi o que mais registrou queimadas desde 1998, quando o monitoramento por satélites começou a funcionar. Foram 273 mil focos de calor, incluídos aí os 65 mil hectares do Parque Nacional Chapada dos Veadeiros, destruídos este ano no maior incêndio de sua história, com fortes indícios de ter sido criminoso. O fogo foi favorecido pela seca de uma crise hídrica tão violenta que deixou o maior reservatório de água do país, Serra da Mesa (GO) com menos de 8% de sua capacidade. A natureza do Brasil, no entanto, deu grande demonstração de sua abundância no relatório divulgado, também este ano pelo WWF-Brasil e pelo Instituto Mamirauá, apresentando ao mundo nada menos que mais 381 espécies, entre plantas, peixes, anfíbios, répteis e mamíferos. E isso somente na Amazônia.

Se podemos tirar uma lição e, com ela, um alento para as dificuldades que certamente continuaremos a enfrentar em 2018, é que em poucos momentos da história de nosso país a força da opinião pública e do engajamento dos movimentos socioambientais foi tão importante quanto neste período em que vivemos. Foi sua pressão que, a despeito do peso da bancada ruralista e de poderosos lobbies, como o da mineração, fez com que o governo, no mínimo, desacelerasse suas ações de mudança e de revisão de direitos. Isso nos garantiu mais tempo para que possamos agir. Em 2018, talvez mais do que nunca, nossa mobilização será fundamental para o futuro do país.

 

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O Brasil está pegando fogo

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O Brasil continua pegando fogo

O Brasil continua pegando fogo

Uma chama que, infelizmente, não se apaga. O Brasil continua pegando fogo: já foram registradas mais de 9 mil queimadas no país entre janeiro e maio, um número 12% maior que o mesmo período no ano passado.

É um dado especialmente preocupante se levarmos em conta que as temporadas de incêndios dos dois últimos anos foram os maiores da história.

No ano passado, o fogo consumiu quase 15% do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, no Cerrado. A Amazônia lidera o raking de 2018, com quase metade dos focos de incêndio registrados. E a atividade humana está por trás da maioria deles. Estão queimando o país em nome de quê?

Assista à reportagem do Bom Dia Brasil

Foto: Amazônia Real

Mudanças climáticas podem colocar seu vinho favorito pode estar em risco

Mudanças climáticas podem colocar seu vinho favorito pode estar em risco

Apesar de estarmos na época mais propícia para o consumo vinho no hemisfério sul devido as temperaturas amenas, as videiras estão sendo podadas para começar a produção durante a primavera e os produtores precisam lidar com as geadas e as baixas temperaturas que podem prejudicar a plantação.

Intempéries como granizo, seca e incêndios também afetam a produção de uva, seja no Brasil, no Uruguai, Chile ou Argentina, onde fica Mendonza, uma das maiores regiões produtoras de vinho do mundo.  

A pesquisa Global Wine Risk Index feita em mais de 130 países e 110 mil vinícolas, coloca a região argentina como a que mais sofre com as mudanças climáticas quando relacionado à produção mundial de vinho. Mendoza é atingida por todos esses problemas, além dos terremotos que frequentemente sacodem a região.

Desenvolvido por uma equipe de geofísicos, geocientistas, meteorologistas e economistas, o estudo utilizou de dados sobre as perdas da indústria vitivinícola devido aos fenômenos naturais. No Brasil, a região Sul que é a maior produtora de vinho do país, também está vulnerável às mudanças climáticas.

Não são só as vinícolas da América do Sul que tem sofrem com as mudanças climáticas. Na França, a produção caiu 10% em 2016 quando comparada ao ano anterior. Essa queda está associada principalmente ao aumento do número de geadas. Foi então que enólogos das regiões de Champagne, Bordeaux e Borgonha instalaram fogueiras, aquecedores e estão usando até helicópteros para salvar as plantações. Para evitar prejuízo, os agricultores instalaram tochas de fogo para criar correntes de ar sobre as videiras e evitar que a geada as atinja.

A Itália, que detém aproximadamente 18% da produção mundial, também está prejudicada pelas mudanças climáticas. Produtores da região de Vêneto, no norte do país, assim com os franceses, já estimam uma grande perda na safra deste ano, o que afetará o valor dos vinhos daqui alguns anos, quando estas safras chegarem ao mercado.

Mas é do “país da bota” também que uma invenção chama atenção. O Wineleather: couro vegetal com resíduos de vinho. A produção não utiliza água, ácido ou metais pesados, além de envolver animais. O produto criado por um arquiteto é composto de fibras e óleos contidos no bagaço da uva: peles, sementes e caules. Todos esses componentes podem ser obtidos durante a produção do vinho, ou seja, é uma maneira de aproveitar algo que já seria descartado. A ideia tem tudo para ser um sucesso, contato que as produções de uva e vinho resistam às mudanças climáticas.

Fotos: Universo Evino, Bom Gourmet e Ciclo Vivo
Saiba mais em:
https://glo.bo/2peXWVF
https://glo.bo/2p69grV
https://bit.ly/2qxetEN
https://bit.ly/2qKwi4P

Na Amazônia, até áreas alagadas estão vulneráveis à incêndios

Na Amazônia, até áreas alagadas estão vulneráveis à incêndios

Um estudo internacional liderado pela UFRN utilizando imagens de satélite e de campo, revelou que as áreas inundadas na Amazônia podem sofrer com incêndios e fazer a floresta entrar em colapso.

Foram analisadas imagens de um período de quase 20 anos e descobriu-se que as regiões de várzea são as mais vulneráveis a incêndios. Essa descoberta sugere que, se o clima amazônico se tornar mais seco, a floresta terá fortes impactos nas áreas alagadas durante as cheias.

A equipe do estudo fez a descoberta combinando dados de satélite e de campo, referente a toda a bacia, com informações sobre mais de 250 incêndios florestais, para comparar como a resiliência florestal varia entre áreas inundáveis e não inundáveis, e em relação às variáveis climáticas.

Os autores mediram as taxas de recuperação florestal após os megaincêndios de 1997 e 2005, como uma indicação de resiliência. Eles descobriram que o impacto do fogo na estrutura da floresta e na fertilidade do solo era maior e mais persistente nas planícies inundadas.

 

Via: O Globo
Saiba mais em: https://glo.bo/2o1kN6e
Foto: Chico Batata

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