As duas caras do Brasil na COP23

As duas caras do Brasil na COP23

Nesta quarta-feira (14/11), foi apresentado na 23ª Conferência do Clima da ONU, em Bonn, na Alemanha, (COP 23) o relatório “Desmatamento zero na Amazônia: como e por que chegar lá”. Construído por oito ONGs ambientalistas, o texto indica caminhos para eliminar, no curto prazo, o desmatamento na Amazônia, com benefícios ambientais, econômicos e sociais para todos. Segundo o relatório, não há mais justificativas para a destruição da vegetação nativa do Brasil. Continuar desmatando resulta em desequilíbrio do clima, destrói a biodiversidade e os recursos hídricos, traz prejuízos à saúde humana e, ao contrário do que muitos acreditam, compromete a competitividade da produção agropecuária.

O problema é que o Brasil tem duas caras: da boca para fora, o discurso é o de um país preocupado com a preservação do meio ambiente, com os direitos dos povos tradicionais e com o desenvolvimento sustentável. Na prática, porém, o Governo tem promovido sistematicamente retrocessos nessas áreas, ferindo, inclusive, a própria Constituição brasileira.

O “avanço da fronteira agrícola”, um dos argumentos para os diversos retrocessos ambientais que vimos sofrendo e que resulta no aumento da área desmatada na Amazônia, acrescentou, em média, apenas 0,013% por ano ao PIB brasileiro na última década. E o grande vilão é a pecuária extensiva que, além de ser responsável por 65% do desmatamento na Amazônia, tem uma ocupação média de menos de uma cabeça por hectare. São 100 mil km² de pastos degradados na região, segundo dado do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) de 2014, área pouco maior do que Portugal.

Entre outros retrocessos estão a MP 759, a MP da Grilagem, que anistia invasão de terras públicas entre 2004 e 2011; o Projeto de Lei (PL) que reduz a área da Floresta Nacional do Jamanxim; e mais recentemente a MP 795, a MP do Trilhão, que vai deixar de arrecadar R$ 1 trilhão em impostos até 2040 como incentivo a empresas interessadas na exploração de petróleo e gás no Pré-Sal. Segundo o ministro do Meio Ambiente Sarney Filho, o projeto tramitou “às escondidas” por pelo menos dois meses entre o Palácio do Governo e a Câmara, foi uma iniciativa do Ministério da Fazenda e só tem a assinatura do ministro Henrique Meirelles.

Outro estudo divulgado esta semana foi o da União Internacional Pela Conservação da Natureza (IUCN sigla em inglês), organização formada por órgãos de governos e da sociedade civil. Ele alerta para o fato de as mudanças climáticas duplicarem as reservas naturais ameaçadas. No mundo todo, existem 241 patrimônios mundiais naturais declarados pela Unesco. O estudo constatou que uma em cada quatro (62 no total) estão em risco. Esse número é o dobro do apresentado em 2014. No Brasil existem sete desses patrimônios naturais: o bioma Cerrado, as ilhas de Fernando de Noronha e Atol das Rocas e a Amazônia Central apresentam um bom grau de conservação, mas já inspiram preocupações. Já os biomas Mata Atlântica e Pantanal e o Parque Nacional do Iguaçu apresentam preocupações significativas com a degradação. Além das mudanças climáticas, o estudo destaca também as obras de infraestrutura como estradas e barragens, o desmatamento e o corte nos recursos públicos para conservação dessas áreas como agravantes para a degradação.

Na contramão dessas notícias negativas, uma positiva (mas com ressaltavas!). Dados do Projeto de Desmatamento e Monitoramento do Desflorestamento na Amazônia Legal (Prodes), divulgados pelo Ministro Sarney Filho também nesta semana durante a COP23, mostram que entre agosto de 2016 e julho deste ano, houve uma queda de 28% no desmatamento de florestas protegidas, administradas pelo Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio). O desmatamento é segundo menor já registrado pela série histórica, iniciada há 20 anos. A queda do desmatamento fora das Unidades de Conservação, porém, não foi acompanhada no mesmo ritmo, caindo apenas 16%.

Entretanto, o desmatamento em unidades de conservação federais representa 2,4% do total. O levantamento mostrou também um aumento de áreas de garimpo ilegal nas áreas protegidas. Neste ano, foram registradas até setembro 949 áreas de mineração, somando 45,8 km². Em todo o ano de 2016 o mapeamento apontava 382 áreas com 29,3 km².

O Ministério do Meio Ambiente e o Fórum dos Governadores da Amazônia Legal, ao lado do Ministério para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico da Alemanha, do Banco Nacional de Desenvolvimento/Fundo Amazônia e do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia promoveram um debate com governos, o setor privado e a sociedade civil para discutirem os desafios e as oportunidades do desenvolvimento sustentável na Amazônia. O evento, chamado Amazon-Bonn, foi realizado no Museu de Arte de Bonn. Participaram, entre outros, José Sarney Filho, Ministro do Meio Ambiente do Brasil; Gerd Müller, Ministro de Cooperação Econômica e Desenvolvimento da Alemanha; o Cacique Raoni Kayapó, representante dos povos indígenas; Vidar Helgesen, Ministro do Meio Ambiente da Noruega; e Claire Perry, Ministra de Energia e Mudanças Climáticas do Reino Unido. O resultado desse debate foi a assinatura de acordos de cooperação entre os quatro países que representam um investimento de aproximadamente US$ 100 milhões para o Brasil na área ambiental, segundo o Ministério do Meio Ambiente.

Organizações ambientalistas, indígenas e de defesa dos direitos humanos, juntamente com representantes da Frente Parlamentar Ambientalista do Congresso Nacional reunidos na cidade, aproveitaram a ocasião para lançar o manifesto abaixo, no qual denunciam esses retrocessos e o discurso dúbio do governo brasileiro.

 

O Brasil na contramão: retrocessos internos comprometem metas do clima

Lideranças indígenas, organizações ambientalistas e de defesa dos direitos humanos, juntamente com representantes da Frente Parlamentar Ambientalista do Congresso Nacional, uniram-se em Bonn, Alemanha, para protestar contra a contradição entre o discurso do Brasil na 23a Conferência das Partes da Convenção do Clima das Nações Unidas (COP 23) e a agenda de retrocessos em curso no país.

O grupo reconhece o esforço da diplomacia brasileira para sair deste encontro com um desenho progressista do livro de regras do Acordo de Paris. Porém o país, um importante ator nas negociações, está com a credibilidade internacional abalada por sucessivas medidas domésticas que impõem retrocessos, não só na agenda climática, mas também – e principalmente – na agenda de direitos humanos, que impactam toda a sociedade brasileira, atual e futura.

Os desafios internos para cumprir os compromissos brasileiros com as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) são enormes. As emissões nacionais de gases- estufa estão em alta. Dados do Observatório do Clima mostram que o Brasil emitiu em 2016 2,2 bilhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente a um aumento de 8,9% em relação ao ano anterior. É a maior alta em 13 anos e o maior valor desde 2008.

Mesmo com a redução recente da taxa de devastação na Amazônia, o Brasil está longe de cumprir sua meta climática doméstica. Só em 2017, o desmatamento no bioma foi de 6.624 km2. Este número é 70% maior do que o que determina a lei nacional do clima, segundo a qual, o Brasil não poderia chegar em 2020 com mais de 3.900 km2 desmatados. Ou seja, para cumprir a meta, seria necessária uma queda inédita na taxa de desmatamento nos próximos três anos.

Na área de energia, o país também caminha na contramão do que deve ser feito. O Plano Decenal de Energia (2017-2026) prevê que 70,5% de todos os recursos destinados à investimentos em energia na próxima década vá para combustíveis fósseis, em especial para a exploração do pré-sal. O setor ainda pode receber mais um incentivo do governo e do Congresso: está para ser votada no Plenário da Câmara uma Medida Provisória, a 795, que amplia o subsídio às petroleiras, gerando uma renúncia fiscal de até R$ 1 trilhão em 25 anos.

É notória a lista de retrocessos socioambientais computados nos últimos meses, ancorada na aliança entre o Palácio do Planalto e a bancada ruralista, que articula reformas que impõem perdas ambientais e sociais, em uma série de medidas que tem aumentado os conflitos no campo, assassinatos de ativistas, desmatamento e emissões. Entre elas, destacamos:

• A Lei da Grilagem – A Lei 13.465/2017 anistia invasões de terras públicas feitas entre 2004 e 2011 e libera para regularização grandes propriedades de até 2.500 hectares.
• O marco temporal – O governo está adotando medidas que materializam uma tese ruralista que retira os direitos de índios e quilombolas que foram expulsos de suas terras antes da promulgação da Constituição de 1988. Centenas de processos de demarcação estão sendo afetados.
• Corte orçamentário – No bastasse a imposição da Emenda Constitucional 95 – que congela os investimentos públicos por 20 anos, e sucessivos cortes orçamentários que atingem frontalmente os órgãos de fiscalização e programas sociais, a proposta orçamentária para 2018 reduz ainda mais a capacidade do Estado de promover as políticas públicas. Isso compromete, entre outros, as atividades fundamentais da Funai, Incra e ICMBio, distanciando o Brasil dos compromissos no Acordo de Paris e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
• Trabalho escravo – Nosso país, que obteve reconhecimento internacional no combate ao trabalho escravo, em outubro deu outro passo atrás. O governo baixou uma portaria mudando o conceito de trabalho escravo de forma a dificultar a fiscalização e autuação deste crime.
• Arrendamento em Terras Indígenas – O governo, atendendo a mais um pleito ruralista, anunciou que enviará ao Congresso uma proposta de arrendamento de Terras Indígenas para o agronegócio. A medida, em afronta à Constituição, vai aumentar o desmatamento, a desagregação social e os conflitos.
• Criminalização e assassinato de ativistas – O Brasil é o país que mais mata lideranças indígenas, trabalhadores rurais, ambientalistas e defensores de direitos humanos. Os casos não contam com investigações aprofundadas e poucos criminosos chegam a ser indiciados. A bancada ruralista conduziu uma Comissão Parlamentar de Inquérito da Funai e Incra com o claro objetivo de criminalizar lideranças e defensores dos direitos indígenas e quilombolas, membros do Ministério Público Federal e da academia.

Além disso, há outros retrocessos iminentes tramitando no Congresso: a flexibilização do licenciamento ambiental e do registro de agrotóxicos, a desregulamentação do setor de mineração e o enfraquecimento das unidades de conservação. O conjunto desses retrocessos e ameaças aos direitos conquistados enfraquece a posição brasileira nas negociações do clima. Nós, lideranças indígenas, parlamentares e sociedade civil, denunciamos essa incoerência. Demandamos que cessem o uso da agenda socioambiental como moeda de troca para a manutenção do governo. Exigimos:

• Que a Medida Provisória 795 seja retirada do Congresso;
• Que tanto a da Lei da Grilagem quanto a portaria do trabalho escravo, sejam revogadas;
• Que o orçamento dos órgãos de fiscalização e apoio às comunidades tradicionais e agricultura familiar seja recomposto.
• Repudiamos também todo e qualquer ato do Executivo, Legislativo ou Judiciário que atentem contra os direitos constitucionais dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, e seus modos de vida.

Entendemos que, sem reverter esses retrocessos, o Brasil não terá condições de cumprir os acordos internacionais. Mas, muito pior do que isso, ao jogar fora ativos fundamentais, como sua diversidade biológica, e desprezar sua sociodiversidade, o país está fechando diante de si a melhor oportunidade de construir uma agenda real de desenvolvimento no século marcado pelos desafios das mudanças climáticas.

Assinam este manifesto:

Apib – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil
Coiab – Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira
Apoinme -Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo
Arpinsul – Articulação dos Povos Indígenas do Sul
Arpinsudeste – Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste
Comissão Guarani Ywyrupa
Conselho Terena
Aty Guassu
RCA – Rede de Cooperação Amazônica
ISA- Instituto Socioambiental
CPI-AC – Comissão Pro-índio do Acre
CTI – Centro de Trabalho Indigenista
Iepé – Instituto de Pesquisa e Formação Indígena
ATIX- Associação Terra Indígena Xingu
HAY – Hutukara Associação Yanomami
CIR – Conselho Indígena de Roraima
Apina – Conselho das aldeias Wajãpi
Opiac – Organização dos Professores Indígenas do Acre
Foirn – Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro
OGM – Organização Geral Mayuruna
Wyty-Catë – Associação dos Povos Indígenas Timbira
Amaaic – Associação do Movimento dos Agentes Agroflorestais Indígenas do Acre
Frente Parlamentar Ambientalista
Coordenação do Observatório do Clima
Uma Gota no Oceano

Foto: Kate Evans/Center For International Forestry Research

Sombras sobre o planeta

Sombras sobre o planeta

Sombras ameaçadoras pairam sobre o planeta. Há 25 anos, cientistas do mundo todo lançaram um alerta sobre os perigos para o meio ambiente. Hoje, foi divulgada uma atualização do documento, que diz que a situação está ficando “muito pior”.

Publicado na revista científica “BioScience”, com mais de 15 mil signatários de 184 países, a carta aponta como maiores ameaças à vida humana na Terra a explosão demográfica, as emissões de carbono geradas pelo uso de combustíveis fósseis, as práticas agropecuárias não sustentáveis, o desmatamento, a escassez de água doce e a perda de vida marinha. O nosso papel nesse embrulho está claro?

Via G1

Foto: Nasa

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Terras Indígenas estão no Maps

Terras Indígenas estão no Maps

Não dá mais para se fazer de desenganado: agora, os limites das Terras Indígenas (TIs) brasileiras estão ao alcance de todos, nas plataformas Maps e Earth do Google. A iniciativa é uma parceria entre a Funai e a empresa, e já tinha sido implantada no Canadá.

Hoje, o Brasil tem 480 TIs regularizadas, que ocupam 13% da área do país. Ninguém mais vai poder dizer que botou uma cerca dentro delas por engano. Além disso, dá para ver perfeitamente pelo computador que elas estão muito mais bem preservadas do que as áreas à sua volta; ou seja, que não há melhor ação contra o desmatamento do que a demarcação.

Via Nexo

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Devastação premiada: MP da Grilagem

Devastação premiada: MP da Grilagem

Devastação premiada: a Câmara dos Deputados aprovou ontem as oito emendas da Medida Provisória (MP) 759/16, que dita novas regras para regularização fundiária urbana e rural. Conhecida como MP da Grilagem, ela pode facilitar a legalização de terras invadidas e contribuir com o aumento do desmatamento e de conflitos no campo.

O governo parece uma loja que entrou em liquidação porque vai fechar. A MP ainda pode ser vetada: vamos deixar barato?

Via Agência Brasil

Foto: Getty Images

Saiba mais: https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2017-06/camara-aprova-mp-que-cria-normas-para-regularizacao-fundiaria

Brasil precisa reduzir desmatamento em 43%

Brasil precisa reduzir desmatamento em 43%

Para não ficar com o nome sujo na praça, o Brasil precisa reduzir o desmatamento em 43% até 2020 – ou seja, em dois anos. O país assumiu em 2009 um compromisso com a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima e é preciso ser muito otimista para acreditar que irá cumpri-lo.

A análise é do Instituto Socioambiental (ISA), a partir de dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). E pensar que até 2012 já tínhamos cumprido 96% da meta. De lá, para cá, porém, a motosserra cantou bonito – e nós desafinamos feio.

Via Instituto Socioambiental (ISA)

Foto: Vinícius Mendonça/Ibama

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