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O poder das palavras

O poder das palavras

Em 1938, um então desconhecido ator e diretor de cinema fez uma dramatização na rádio que levou pânico a cidades norte-americanas. O medo, contudo, não tinha razão de ser. Tratava-se de Orson Welles narrando uma invasão alienígena do livro de ficção científica “A guerra dos mundos”, do escritor inglês Herbert George Wells. A manchete do jornal “Daily News” resumiu o efeito da encenação do genial cineasta: “Guerra falsa no rádio espalha terror pelos Estados Unidos”. O episódio, com um quê de comicidade, revela algo sério: o poder das palavras. Diante disso, os homens públicos precisam ter cuidado com o que falam. Uma frase mal-aplicada pode gerar confusão e, até mesmo, violência. Todo o estadista que se preze sabe disso. São princípios da arte de governar.

De certa forma, a jornalista da TV Globo Miriam Leitão abordou o tema. Disse, na última segunda-feira, que “os sinais que o governo já deu estão incentivando grileiros a invadir terras indígenas (TIs)”. Os acenos aos quais ela se referiu vêm de mudanças abruptas e atabalhoadas em órgãos governamentais e desastrados discursos sobre a questão indígena. Nas entrelinhas, ela pede prudência com as palavras.

Em apenas 15 dias do novo governo federal, houve quatro invasões em TIs. Pare só um minuto de ler e leve seu olhar à pequena indígena retratada acima. Viaje até sua infância e imagine como você se sentiria se um grupo entrasse no seu quintal, mudasse a disposição das coisas, revirasse o ambiente. Agora, se transporte para uma aldeia indígena. Por que lá “pode” haver invasão? Em nome de quê?

Veja só o que aconteceu na comunidade Ponta do Arado, às margens do Rio Guaíba, em Porto Alegre. Ali, na madrugada da última sexta-feira, os Guarani Mbya foram alvo de tiros de dois homens encapuzados. “As crianças ficaram todas assustadas, chorando”, contou o cacique Timóteo Karai Mirim.

Na terra dos Awá Guajá, no Maranhão, grileiros, como relatou o cacique Antonio Guajajara, derrubaram florestas e tentaram impor à força sua presença, também na semana passada. Na TI Uru-eu-wau-wau, a 322 quilômetros de Porto Velho, em Rondônia, os últimos dias também têm sido de grande tensão. A “Folha de São Paulo” informou que dezenas de grileiros estão fazendo estragos por lá. Áreas já foram desmatadas e já se vê um imenso clarão na floresta. Um homem informou, sem cerimônia, que houve uma determinação de invadir “de fora”. E, no início do mês, madeireiros entraram na Terra Indígena Arara, no Pará, com o objetivo claro de marcar lotes em uma terra que não lhes pertence.

O Estado, por enquanto, parece preferir a omissão a uma atitude mais forte contra os invasores. Coordenadora-executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Sônia Guajajara não tem dúvidas de que tais invasões foram articuladas e estimuladas pelos discursos presidencial e de novos atores do governo federal. “Está acontecendo de forma articulada e orientada pelos invasores, que estão ligados aos grandes produtores rurais e à especulação imobiliária”, disse ela à DW Brasil.

O ocupante do cargo maior do Executivo já disse que não vai demarcar mais TIs. Declarou que deseja reintegrar os índios à sociedade, desprezando sua cultura. E afirmou que vai querer comprar terras dos indígenas. As mudanças institucionais são coerentes com suas afirmações. Como já é sabido, a demarcação de TIs foi transferida do Ministério da Justiça para o da Agricultura, dominado pelo agronegócio. E, algo aterrador, os povos indígenas não podem vetar ou mesmo acompanhar as licenças para empreendimentos em suas terras. Ou seja, as TIs não estão apenas sob ameaça da grilagem ilegal. São pressionadas também pelo agronegócio e por interesses imobiliários.

Infelizmente, esse cenário não é novidade. Quando da discussão da Constituição de 1824, dois anos depois da proclamação da independência, José Bonifácio fez sugestões à Carta Magna pelas quais garantia direitos aos povos indígenas. A elite agrária da época fez tanta campanha contra que nada, nada mesmo, proposto por Bonifácio foi acolhido na nossa primeira Lei Maior. O que acontece agora com mais eloquência e descortesia é um perverso moto-contínuo. Que os povos da floresta nos iluminem para que se mude o curso da História.

Saiba mais:

Índios denunciam invasão de terras indígenas no Maranhão

Comunidade Guarani Mbya da Ponta do Arado é atacada a tiros em Porto Alegre

Terra indígena é invadida por grileiros em Rondônia

Madeireiros invadem Terra Indígena Arara, no sudoeste do PA, diz Funai

Lideranças temem ação orquestrada contra terras indígenas

O sapo Romeu encontra sua Julieta

O sapo Romeu encontra sua Julieta

Romeu finalmente encontrou sua Julieta. Mas ela não é fácil. Há 10 anos o anfíbio mais solitário do mundo, um sapo-aquático-de-sehuencas, esperava por companhia em uma instituição científica na Colômbia. Já se acreditava que ele fosse o último de sua espécie, até acharem uma fêmea na floresta. Criada livre, leve e solta, Julieta (abaixo) curte um agito; já Romeu (acima), que viveu a última década numa solitária de laboratório, não tem muito o que contar.

Mas, como disse o ator francês Jean-Paul Belmondo, “não existe mulher que resista a um homem feio com boa conversa”. Vamos lá, Romeuzão, o futuro dos sapos-aquáticos-de-sehuencas depende da tua lábia. Que esta história de Romeu e Julieta tenha final feliz e que ela se traduza na salvação da espécie.

Via BBC News Brasil

Foto: Robin Moore/Global Wildlife Conversation

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Tapajós, o rio da vida

Tapajós, o rio da vida

A região da Bacia do Tapajós, no Pará, abriga uma das maiores biodiversidades do mundo.

Imagens: Greenpeace Brasil e Uma Gota no Oceano

Edição: Uma Gota no Oceano

Música: The Carnival of the Animals / Camille Saint-Saëns / Seattle Youth Symphony (Musopen)

Indígenas temem uma grande invasão

Indígenas temem uma grande invasão

Miriam Leitão esteve, em 2013, com o fotógrafo Sebastião Salgado em território Awá Guajá, no Maranhão, e testemunhou o drama vivido pelos povos indígenas locais. Não é de hoje que eles são vítimas do descaso do Estado; há tempos eles têm que defender suas terras praticamente sozinhos. Mas a situação pode ficar muito mais grave: lideranças indígenas maranhenses informaram à jornalista que grileiros estão planejando uma grande invasão. Eles se sentem encorajados, uma vez que a Funai saiu da alçada do Ministério da Justiça, que costumava mediar esse tipo de conflito. A instituição foi para a pasta da Agricultura, dominado pelos ruralistas.

O mundo está mudando. Os povos indígenas ganharam mais voz na Conferência sobre Mudanças Climáticas da ONU. Jair Bolsonaro discursará em Davos e conforme escreveu a jornalista, os líderes mundiais “Querem ouvir Paulo Guedes contar como tornará as contas públicas sustentáveis. Querem ouvir a história do juiz ícone do combate à corrupção no Brasil, agora em nova função. Mas querem também saber o que o governo pretende fazer para proteger florestas e seus povos originais”. Se o novo presidente quer realmente mudar o país, deve olhar com mais carinho para os indígenas. Eles são os guardiões de nossas florestas, nossa maior riqueza. Cuidam delas para todos nós.

Via Bom Dia Brasil

Foto: Sebastião Salgado

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