Subsídio mortal. Os dados são da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e do Ministério da Saúde: em 2017, foram registrados 4.003 casos de intoxicação por agrotóxicos em todo o país, quase 11 por dia, sendo que 164 pessoas morreram. Em dez anos esses números praticamente dobraram: foram 2.093 casos em 2007.
No ano passado, 157 pessoas ficaram incapacitadas para o trabalho por causa da intoxicação; outras tiveram câncer ou impotência sexual. Agora o Supremo Tribunal Federal julga uma ação para acabar com a isenção de impostos sobre agrotóxicos – zero de IPI desde 2011. O Brasil não é o maior consumidor do produto à toa. Mas o barato sai caro.
Sabe o que o Brasil tem mais que qualquer outro país? Amazônia. Nosso território abriga 60% da maior floresta tropical do mundo. Uma em cada dez espécies conhecidas de animais e vegetais do planeta são nativas de lá. Já ouviu falar em rios voadores? Este fenômeno é responsável por levar umidade da Bacia Amazônica para o Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil, além de Bolívia, Paraguai, Argentina, Uruguai e Chile. Uma única árvore com copa de 10 metros de diâmetro pode mandar para a atmosfera mais de 300 litros vapor d’água por dia.
Sem a Amazônia, não tem água para o agronegócio. Os produtores rurais deveriam ser os primeiros a se preocuparem em preservar esse patrimônio. E a Amazônia e demais florestas tropicais, que armazenam até 140 bilhões de toneladas métricas de carbono, também ajudam a estabilizar o clima do planeta. O nosso futuro depende delas.
Vai mais uma pitada de veneno? Depois de 14 anos repousando na gaveta, está para ser levado à votação na Câmara Federal o Projeto de Lei (PL) 6299/2002, revogando a atual Lei de Agrotóxicos (7.802/1989). Caso seja aprovado, ele abre brechas para a regulamentação de novos produtos que podem ser nocivos à saúde humana e ao meio ambiente. O PL do Veneno é de autoria do atual ministro da Agricultura, Blairo Maggi. Sua volta à cena abriu uma guerra no governo, botando os Ministérios da Saúde, a Anvisa e o Ibama contra o chefiado por Maggi. Além disso, o Ministério Público Federal declarou que o projeto é inconstitucional e ele enfrenta a oposição de entidades do quilate da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e do Instituto Nacional do Câncer (Inca).
Em novembro passado, a opinião pública se revoltou com a liberação do Benzoato de Emamectina, substância proibida no Brasil desde 2010, por suspeita de causar danos ao sistema nervoso. No mês passado a União Europeia proibiu produtos que contenham substâncias conhecidas como neonicotinoides porque podem causar a extinção de insetos polinizadores, como as abelhas. A China também está endurecendo suas leis ambientais e fechando fábricas de pesticidas.
Em nome de que botar a mão num vespeiro desses, justamente quando o resto do mundo começa a adotar políticas de restrição ao uso de agrotóxicos? Estamos na contramão. Arriscar a vida da população está custando mais caro, mas o Brasil parece estar disposto a pagar o preço. O país pode deixar de ser o maior e se tornar o único grande comprador de agrotóxicos. Bom, há pistas a serem seguidas: fabricantes desses produtos financiam campanhas de boa parte dos integrantes da bancada ruralista. Se a gente ligar os pontos vai ver que não dá para engolir mais essa de boca fechada.
No momento, o PL do Veneno está sendo avaliado por uma comissão especial da Câmara, que deve voltar a se reunir no próximo dia 29. É ela quem vai decidir se o projeto vai ou não ao plenário para votação. Só que 20 dos 26 membros desse colegiado são ruralistas. Vai ser preciso muita pressão para derrubá-lo; os lobistas das fábricas de pesticidas insistem em minimizar os seus efeitos nocivos e sempre encontram alguém disposto a lhes dar aval. É uma história que se repete: nos anos 1970, quando começaram a ser divulgados os malefícios do fumo, a indústria tabagista chegou a encomendar estudos falsos para rebater as acusações. A contrapropaganda é uma estratégia antiga, mas os propósitos ficam claros nos pequenos detalhes do projeto. Como, por exemplo, alterar o termo “agrotóxico”, usado na legislação de 1989, para “defensivos fitossanitários”. Fica clara a intenção de levar o consumidor na conversa – como no caso do projeto para tirar o selo “T” dos transgênicos.
Foi o engenheiro agrônomo Adilson Paschoal, Ph.D. em Ecologia e Conservação de Recursos Naturais pela Universidade Estadual de Ohio, nos Estados Unidos, que criou a palavra, em 1977, com rigor científico: “agrotóxicos têm sentido geral para incluir todos os produtos químicos usados nos agrossistemas para combater pragas e doenças. O termo é uma contribuição útil, já que a ciência que estuda esses produtos chama-se toxicologia”, escreveu ele em seu livro “Pragas, praguicidas & a crise ambiental”. Não à toa, ela foi adotada oficialmente, batizando sua lei específica. Paschoal também defende que o uso de agrotóxicos aumenta o número de pragas, porque matam os seus predadores naturais, como as vespas, que também são insetos polinizadores. Professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da USP, ele é um dos pioneiros da agroecologia no Brasil e defensor de sua viabilidade econômica.
Além dos métodos mais sustentáveis de produção, como a agrofloresta ou permacultura, inspirados nos usados pelos povos tradicionais, a Ciência tem apontado novos caminhos. Assim como está mudando a matriz energética do mundo, a atividade agropecuária começa a buscar soluções menos danosas ao meio-ambiente – e, por que não?, mais economicamente viáveis. O controle natural de pragas e os chamados bioinseticidas parecem ser o caminho. A empresa mexicana Seipasa acaba de conseguir o registro de um novo bioinseticida nos Estados Unidos. Um imenso novo mercado se descortina. O Brasil tem expertise nessa área. Um estudo desenvolvido há seis anos pela Esalq/USP, em parceria com a Universidade da Califórnia pode levar ajudar na erradicação do greening, principal doença que afeta os laranjais. E a fórmula é 100% natural: usar hormônios do psilídeo para combater o próprio inseto. Em nome de que vamos continuar marcando passo?
‘O uso seguro de agrotóxicos é um mito’ (entrevista com Raquel Rigotto, professora do Departamento de Saúde Comunitária da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará)
“Bancadas conservadoras são as mais leais a Temer”, diz a manchete da “Folha de S.Paulo”. Entre elas, está a ruralista. E o presidente tem retribuído – ou, antes, garantido – esta lealdade com mimos à granel. A Frente Parlamentar da Agropecuária ocupa 40% das cadeiras do Congresso Nacional. Numa democracia representativa, isso significaria que 40% da população brasileira seria formada por grandes produtores rurais.
Esta proporcionalidade não existe no Brasil real, mas se reflete no país do vale-tudo, como aponta uma reportagem da DW Brasil. Enquanto o agronegócio recebe agrados, os povos indígenas podem perder suas terras – com a adoção da tese inconstitucional do “marco temporal”, por exemplo. Vamos nos calar diante dessa injustiça?
Nunca mais ouviremos o canto do Limpa-folha do Nordeste; vê-lo, só em fotos como esta. Assim como seu conterrâneo Gritador do Nordeste ele foi extinto por causa de destruição de seu habitat natural pelo agronegócio. Em menos de 30 anos, a floresta na área de Murici, em Alagoas, foi reduzida de 70 km² para 30 km².
Dez espécies brasileiras foram oficialmente declaradas extintas. Sete delas eram aves. E a nossa capacidade de destruição vem de longe: a primeira foi o Rato de Fernando de Noronha, que foi riscada do mapa com a chegada das caravelas ao famoso arquipélago no século XVI.