Pelo direito de existir

Pelo direito de existir

“Decidimos não morrer”. Esse pacto silencioso, firmado pelos povos originários do Brasil há mais de 500 anos, ecoa forte com a chegada deste Abril Indígena, no ápice da pandemia. É um desafio e tanto, já que o governo tem se revelado o principal vetor do novo coronavírus – opinião compartilhada pelos jornais “Washington Post”, num editorial contundente, e o inglês “The Guardian” – e mais uma vez o Acampamento Terra Livre (ATL), que está chegando à sua 17ª edição, será realizado via internet.

Além da Covid-19, eles têm outras batalhas pela frente. Os ataques também vêm de invasores que levam a doença e a destruição às suas terras – com indisfarçável cumplicidade do Executivo –, da bancada ruralista do Congresso, do lobby das mineradoras. Não à toa, o tema escolhido pelo ATL 2021, que acontece até o próximo dia 30, foi “Nossa luta ainda é pela vida. Não é apenas um vírus”. E, como fica cada dia mais claro, essa luta não é só deles.

Já imaginaram se o SUS começasse a transmitir doenças ao invés de vacinar as pessoas? Pois é o que está acontecendo na Fundação Nacional do Índio (Funai). Criada em 1967 com o propósito de proteger e promover os direitos dos povos indígenas, a instituição vem servindo aos interesses de seus adversários. Logo em janeiro, sua diretoria colegiada publicou uma resolução estabelecendo novos critérios para a definição de identidade indígena – algo que nem a ditadura ousou fazer. Essas normas batem de frente com a Constituição, o Estatuto do Índio (decretado em 1973) e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário. As três instâncias reconhecem a autodeclaração como critério único. É fogo amigo que se chama.

Em fevereiro, a fundação se juntou ao Ibama, órgão que deveria zelar pela preservação do meio ambiente, para publicar uma instrução normativa que permitiria a exploração agrícola em territórios indígenas – inclusive para não indígenas. A medida é igualmente inconstitucional e escancarou seus desvios de função. Em 24 de março, o próprio Bolsonaro participou de uma ação típica da Funai de hoje. Ele se reuniu com o presidente da fundação, Marcelo Xavier, que é delegado da Polícia Federal, e com um madeireiro de nome João Gesse para aliciar lideranças Kayapó do sul do Pará.

O encontro não constou na agenda oficial da Presidência da República. Mas o que se sabe dele, a partir de relatos dos próprios indígenas e de uma gravação que vazou, é estarrecedor. Bolsonaro incitou os Kayapó a brigarem pela abertura de suas terras à exploração mineral e agropecuária e Xavier aconselhou Gesse a processar uma associação indígena contrária à abertura de seu território ao garimpo. Em fevereiro do ano passado, Bolsonaro mandou para o Congresso um projeto de lei que abre as terras indígenas para a atividade; no início de 2021, com o país em meio à catástrofe humanitária em que vivemos, o governo definiu a pauta como prioritária. E não mediu esforços para eleger os presidentes da Câmara Federal e do Senado para que ela entre em votação o quanto antes. Mesmo proibido, o garimpo abriu novas frentes e pôs abaixo 330 hectares de floresta no território dos Kayapó em 2019, o dobro do ano anterior.

Engana-se, porém, quem acredita que os indígenas estão esperando soluções caírem do céu enquanto são obrigados a se manter em isolamento social. O ATL virtual do ano passado os deixou ainda mais conectados e ativos; tanto que a duração do evento passou de uma semana, quando presencial, para um mês, agora que é online. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) vem fortalecendo e aprimorando suas ações e estratégias. A entidade, que teve sua representatividade oficialmente reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, quando este acatou e deu ganho de causa à sua Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) ajuizada contra do governo federal, criou o plano Emergência Indígena. A entidade está fortalecendo barreiras sanitárias em centenas de territórios, vem alimentando mais de 10 mil famílias e distribuiu mais de 300 mil equipamentos de proteção a equipes de saúde indígena em todo o país – mais uma obrigação negligenciada pelo governo.

O coronavírus encontrou na destruição da natureza, promovida pelo homem, o ambiente ideal para proliferar. No Brasil, ainda tem o governo como aliado. A cada dia batemos recordes de mortos. Acompanhar o noticiário é para os fortes. Quando seguiremos o exemplo dos povos indígenas e decidiremos que não vamos morrer também?

#AbrilIndigena #Apib #PovosIndigenas #Kayapó #ATL #Covid #Coronavirus #Amazônia

Saiba mais:

A programação do ATL 2021

Funai muda critérios para definir quem é índio no País

Ação da Funai sobre identidade indígena retoma plano frustrado da ditadura

Funai e Ibama abrem espaço para produção agrícola entrar em terra indígena

Em reunião, Bolsonaro e Funai incentivam indígenas a pedir por agronegócio

Sentença confirma suspensão de portaria da Funai e protege terra indígena no nordeste do Pará contra grilagem

O que passou na “boiada” de Ricardo Salles durante a pandemia?

Um novo jeito de consumir

Um novo jeito de consumir

Consumir é como arrumar o armário: cada um faz de um jeito. Todo mundo tem os seus motivos para, diante das gôndolas, escolher um achocolatado e não outro. A novidade é que, se antes estes critérios estavam limitados a preço, qualidade e aspectos subjetivos, vem ganhando importância o chamado consumo consciente. Queremos saber se a empresa tem fornecedores que não poluem, não desmatam e sigam outras regrinhas que nos parecem básicas, mas que muitos ainda descumprem. Afinal, se a gente pode escolher na hora de comprar, por que não ficar com o que é melhor para nós e para o planeta?

A questão é que tem sido cada vez mais difícil distinguir o que é produzido de forma limpa de bens que deixam um rastro de destruição até chegar ao carrinho. A prática de anunciar como sustentáveis produtos que na verdade não são é tão comum que ganhou até um apelido: greenwashing. Não sei você, mas eu compraria um desinfetante com este nome. Em 2019, um levantamento do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) com mais de 500 itens, como produtos de limpeza e cosméticos, indicou que um terço deles usava deste expediente para tentar vender gato por lebre. Em outros casos, o verde sai no vermelho para que o balanço feche no azul. Uma investigação do site Repórter Brasil mostrou que frigoríficos ligados ao desmatamento na Amazônia abastecem hoje algumas das maiores redes de supermercado do país. É o que o Greenpeace chamou apropriadamente em uma de suas campanhas de carne ao molho madeira. O famoso “barato que sai caro”, como diriam os mais velhos, numa transação em que quem fica vendida é a natureza.

Mas “nada deve parecer impossível de mudar”, como escreveu o dramaturgo Bertold Brecht, na frase que hoje ilustra camisetas por aí. Uma análise da fabricante de embalagens TetraPak apontou que recipientes mais limpos, produção sustentável e redução do desperdício estão entre as principais preocupações dos brasileiros na hora de gastar. Por isso, é inevitável que as empresas comecem a prestar mais atenção a estas questões, já que – como elas mesmas sempre disseram – o cliente tem sempre razão. E, neste caso, as inquietações dos consumidores fazem especial sentido, se considerarmos o impacto que o consumo tem hoje no meio ambiente e não é mais segredo para ninguém. Segundo a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública, o Brasil produz 1,5 milhão de toneladas de lixo por semana, por exemplo. É um volume equivalente a sete navios de cruzeiro e cresceu quase 20% nos últimos 10 anos. Sejamos justos: o problema é global. De acordo com a Organização das Nações Unidas, um terço dos alimentos produzidos para consumo humano são jogados fora. É 1,3 bilhão de tonelada de alimentos por ano. Em nome de quê?

Ao escutar estes dados, muitos fazem ouvido de mercador. Mas os interessados em mudar este jogo podem se inspirar nos povos tradicionais, uma vez que o respeito ao planeta inerente deste novo jeito de consumir é muito parecido com a forma pela qual indígenas e quilombolas se relacionam com os locais onde vivem. Para muitos deles, a natureza é como alguém da família e que, por isso, merece respeito. Além disso, é comum que deem mais valor a princípios como a coletividade. O resultado é um outro sistema de trocas, em que o principal não é que só alguns levem vantagem, mas que tudo e que todos saiam ganhando. É mais do que saber de onde vem e para onde vai. É pôr para trabalhar o que o filósofo Dénètem Touam Bona chama de “inteligência do sensível”, a capacidade de estabelecer conexões “com o conjunto de tudo que vibra”. Enxergar o meio ambiente não como um supermercado, mas como um organismo vivo do qual fazemos parte.

O Dia do Consumidor é comemorado em 15 de março. É mais interessante ver a data como uma oportunidade de refletir do que uma chance de trocar de celular ou renovar o guarda-roupa. Neste dia, em 1962, John Kennedy enviou ao Congresso Americano um documento com os direitos do consumidor. Ele incluía estar seguro e informado ao consumir, assim como poder escolher e ser ouvido em suas reclamações. “Consumidores, por definição, somos todos nós”, escreveu o presidente americano. “Compartilhamos a obrigação de proteger o interesse comum em todas as decisões que tomamos”, acrescentou ele no texto, numa regra que vale tanto para compra e venda quanto para a forma como escolhemos existir no planeta. Seja no caso do consumo, seja em relação ao meio ambiente, é preciso ficar de olho para que ninguém leve vantagem em função do prejuízo dos outros.

#Consumo #DiaDoConsumidor #Greenwashing #Lixo #MeioAmbiente #PovosTradicionais

Leia mais:

Idec – Dia do Consumidor: 15 direitos para dia 15

Harvard Business Review – How Competitive Forces Shape Strategy

Idec – Mentira Verde

Tetra Pak – Em meio à pandemia, 62% dos brasileiros acreditam que ser saudável é se manter seguro

Abrelpe – Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil 2020

Cult – As vozes das mulheres quilombolas

The American Presidency Project – Special Message to the Congress on Protecting the Consumer Interest

Uma nova luta

Uma nova luta

Sobre a pandemia de Covid-19, quilombolas e indígenas podem dizer: “de onde menos se espera, daí é que não sai nada mesmo”. Cravada há mais de 50 anos pelo humorista Barão de Itararé, a máxima retrata bem o papelão do Ministério da Saúde desde que declarou situação pandêmica no país, em 18 de março de 2020. O quadro de descaso obrigou a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), a exemplo do que haviam feito os indígenas, a entrar no Supremo Tribunal Federal (STF) com uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) contra o governo. O objetivo é obrigá-lo a cumprir seu dever constitucional de protegê-los do coronavírus. Até hoje, o Executivo não tomou nenhuma medida ou apresentou um planejamento para evitar a propagação da doença nesses territórios ou, pelo menos, amenizar seus efeitos. E os quilombolas são especialmente vulneráveis.

A taxa de mortalidade entre eles é maior (3,6%) que a da população em geral (3%). Editada em julho do ano passado, a Lei 14.021 até estipulava medidas de apoio às comunidades quilombolas – mas não saiu do papel. Diante da negligência do poder público, a Conaq chamou para si a responsabilidade de monitorar casos de Covid-19 nas comunidades. Até o dia 17/2, a entidade registrava 4.914 casos confirmados e 204 mortes. Se estar isolado era uma vantagem no passado, hoje isso se tornou um obstáculo. Segundo o IBGE, existem hoje pelo menos 5.972 localidades quilombolas, a maior parte localizada em áreas de difícil acesso e com população idosa numerosa. Somente 5,34% desses territórios foram titulados – ou seja, a imensa maioria não tem pleno acesso a serviços públicos. Mais de 80% dos quilombos não têm rede de esgoto e de água encanada adequadas. Além disso, estão expostos aos problemas crônicos do país, como qualquer outra comunidade: entre os 1.672 municípios com presença quilombola, 1.485 (89%) não têm leitos de UTI.

Criados para enfrentar a escravidão, os quilombos têm outros desafios nesta nova luta. Negar o racismo e renegar a herança africana brasileira são especialidades de Sérgio Camargo, atual presidente da Fundação Palmares. Seria apenas mais uma vergonha em pleno século XXI se “promover a preservação dos valores culturais, sociais e econômicos decorrentes da influência negra na formação da sociedade brasileira” não fosse o principal objetivo do órgão que ele preside, também responsável por certificar territórios quilombolas. O Projeto de Lei Orçamentária Anual 2021 prevê uma redução de 90% na verba que seria destinada à regularização de territórios e o programa de enfrentamento e combate ao racismo foi excluído do Plano Plurianual 2020-2024. Em nome de quê?

No Brasil, os negros são a maioria tratada como minoria; já os quilombolas são tratados como a minoria da minoria. Além do racismo estrutural, eles enfrentam o racismo ambiental. O fato de ocuparem terras é visto pelo Estado brasileiro como entrave ao desenvolvimento. A ponto de, no pico da pandemia, tentarem remover 800 famílias quilombolas no Maranhão para ampliar a Base Espacial de Alcântara. Já pensou se fizessem o mesmo num condomínio de luxo de Rio ou São Paulo? A diferença na repercussão seria do tamanho do nosso preconceito. No Amazonas, estado onde a pandemia está fora de controle, só há oito comunidades certificadas pela Fundação Palmares; já o IBGE calcula que existam muitas mais. Pelas contas do instituto, o município amazonense de Barreirinha é o que abriga mais localidades quilombolas do país, 167. É uma matemática perversa, em que o resultado mais correto vem de onde há menos poder para se promover as maiores mudanças.

Os quilombolas são guardiões de uma cultura única, com raízes africanas profundas, mas que nasceu no Brasil. Em suas comunidades, preservam o meio ambiente e são grandes produtores de alimentos orgânicos. Um estudo divulgado em 2011 pela Comissão Pró-Índio de São Paulo apontou a desaceleração do desmatamento em áreas da Amazônia com comunidades do tipo, algo valioso em um tempo no qual interferências na natureza tendem a se refletir em mudanças climáticas cada vez mais radicais. Em vez de ressentimento, os quilombos sempre foram sinônimo de resistência e só nos pedem uma coisa: respeito. Será que é muito ou somos capazes de dar isso a eles?

#PovosTradicionais #Quilombolas #ADPFQuilombola #Covid19 #STF #UmaGotaNoOceano #CadaGotaConta

Saiba mais:

O Globo – Fachin vota pela proteção de territórios quilombolas

O Globo – Covid-19: STF julga se União deve oferecer cuidados específicos a quilombolas

Yahoo Brasil – STF começa a julgar falta de assistência do governo Bolsonaro aos quilombolas na pandemia

Brasil de Fato – STF julga auxílio a quilombolas: relator vota a favor; entidades acham pouco

CONAQ

Fundação Palmares

A chama que não se apaga

A chama que não se apaga

Depois da tempestade vem a bonança. Infelizmente, na vida real, as coisas nem sempre saem como no ditado. O exemplo mais recente é o caso dos quilombolas do Amapá: após um incêndio na principal subestação de energia do estado, no último dia 3, eles viram o já precário fornecimento de luz se tornar ainda pior. Catorze dias depois, um novo blecaute agravou a situação. Tudo isso no mês da consciência negra, que celebra a importância de pretos e pardos para o país e propõe uma reflexão em relação ao racismo que resiste em nossa sociedade.

Se antes os quilombos do Amapá chegavam a sofrer no mesmo mês até quatro blecautes que duravam alguns dias, a escuridão desta vez se prolongou por uma semana em lugares como Conceição do Macacoari. As 40 famílias que vivem na comunidade foram forçadas a fazer uma viagem no tempo. Trocaram lâmpada por lamparina e água encanada por água de poço. Diante deste cenário, a Anistia Internacional lançou uma mobilização exigindo que autoridades dos governos tomem providências em relação a esta situação.

Um ingrediente pode tornar especialmente devastador o efeito do apagão nestas comunidades: a pandemia. O Amapá só perde para Rio de Janeiro e Pará em número de quilombolas mortos por Covid-19. Quando a comparação é feita entre municípios, Macapá (com 15 casos) só fica atrás da capital fluminense, que tem 30. Os números são da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), que mantém por conta própria um monitoramento. Entretanto, a organização admite que a quantidade de infectados é bem maior. “Quando adoece uma pessoa, não tem serviço de testagem ampla para a gente saber, naquele raio, quem mais se contaminou”, explica a educadora Givânia da Silva em vídeo compartilhado pela entidade no Instagram.

Um estudo da Universidade Federal do Amazonas apontou que a taxa de mortalidade do novo coronavírus entre os quilombolas de 5 estados da região é de 11,5%. É quase quatro vezes a média de 3% verificada pelo Ministério da Saúde em todo o território nacional. Um olhar menos atento poderia entender que se trata de um vírus racista. Porém, não precisa ser um expert para saber que microrganismos infecciosos desconhecem tons de pele.

De acordo com a pesquisa, na prática, é a desigualdade gerada por racismo que favorece a maior propagação do Sars-Cov-2. Esta desigualdade se reflete na dificuldade de acesso à água tratada, na falta de uma rede de esgoto e ou de coleta de lixo, na deficiência de políticas de prevenção e atenção, e mesmo na distância dos centros urbanos que, no passado, protegeu esses territórios e hoje pode atrapalhar. A distorção afeta até a distribuição da ajuda, quando ela existe. Sem energia e internet, muitos quilombolas não conseguiram pedir auxílio emergencial, por exemplo.

Os problemas não se limitam ao Amapá. Em todo o Brasil, 4.635 casos de Covid-19 foram contabilizados pela Conaq em 19 estados até o último dia 11. São histórias com nome e sobrenome, como Cirilo Araújo Brito, patriarca da comunidade do Grotão, em Goiás, que morreu no último dia 23.

Numa entrevista concedida em 2017, Cirilo contou que, na sua infância, as crianças tinham obrigação de acompanhar a conversa dos mais velhos para que pudessem passá-las adiante. Este hábito deixou de ser comum e revela um dos impactos da perda de anciãos nestas comunidades. Quando um deles morre, um pouco da trajetória de cada povo some junto. “A história quilombola e a indígena, ela é muito oral, é muito da memória. Então, a gente perdeu a pessoa, perdeu a história e perdeu parte da memória daquela comunidade”, lembra Givânia.

Entre os especialistas, o clima é de preocupação. A negligência em relação aos territórios durante a pandemia “pode vir a representar o maior genocídio da população quilombola no Brasil desde o período escravocrata”, escreveu Eduardo Rodrigues Santos, sociólogo da Universidade Nacional de Brasília, no artigo “Necropolítica, coronavírus e o caso das comunidades quilombolas brasileiras”.

Com quase 500 anos de luta, os quilombolas já não esmorecem mais diante de ameaças como a redução no reconhecimento de territórios por parte do governo federal. Em 2018, foram 144 áreas reconhecidas. Já no ano passado, só 70. O que as comunidades têm feito é buscar novas estratégias, como a eleição de um prefeito, um vice-prefeito e 54 vereadores em 2020. Para quem se define a partir de um espaço que é fruto da busca pela liberdade, a coragem nunca foi uma qualidade – mas sempre um pré-requisito.

#Amapá #Coronavírus #Covid19 #Apagão #Energia #Quilombos #PovosTradicionais #Racismo

Saiba mais:

Anistia Internacional – Amapá pede socorro! Pressione as autoridades

G1 – Laudo inicial descarta que raio tenha causado incêndio que provocou apagão no Amapá

Folha – Macapá pode ficar até 15 dias sem luz após incêndio em subestação

G1 – Amapá tem novo apagão total

Portal Cultura – Dia da Consciência Negra: entenda o significado da data

Portal Geledés – O que é Consciência Negra?

Folha – Com apagão no Amapá, quilombolas perdem carne, peixe e polpa de fruta

Conaq e ISA – Quilombo sem Covid-19

Conaq (instagram) – Covid-19 nos quilombos

Ufam – Amazônia concentra recorde de mortes de quilombolas por covid-19

Ministério da Saúde – Painel Coronavírus

Conaq (instagram) – Cirilo Araújo Brito

Universidade Federal do Tocantins – A formação socioterritorial da comunidade remanescente de quilombo Grotão

Revista do CEAM – Necropolítica, coronavírus e o caso das comunidades quilombolas brasileiras

Nexo – A covid-19 nos quilombos. E a cobrança por ações do governo

O Globo – Quilombolas elegeram 56 representantes na eleição de ontem em dez estados — um recorde

Negligência histórica

Negligência histórica

“Fomos apresentados a Zumbi e outros personagens negros de nossa História pelo Carnaval”, lembrou Flávia Oliveira, jornalista e conselheira de Uma Gota no Oceano, em nossa última live. Por causa dessa negligência histórica mesmo ela, sambista militante cujo coração bate na cadência da bateria da Beija-Flor de Nilópolis, descobriu somente há 9 anos sua ascendência quilombola. “Confunde-se o movimento negro com o quilombola, que tem reivindicações específicas”, disse ela, na conversa que teve com Miguel Pinto Guimarães, arquiteto, urbanista e presidente de nosso conselho. Os quilombos também têm sido vítimas do descaso do governo – que chegou a lhes negar água, em veto à lei de proteção aos povos tradicionais durante a pandemia – no combate ao coronavírus.

Hoje é difícil acreditar, mas quando o Movimento Gota D’Água surgiu ainda tinha gente que pensava que não existiam mais indígenas no Brasil. De 2011 – quando começamos nossa campanha contra a construção da Usina de Belo Monte – para cá, muita coisa mudou: Sonia Bone Guajajara foi candidata à vice-Presidência da República, a deputada Joênia Wapichana é figura de destaque no Congresso Nacional, e a voz dos povos originários está mais potente como um todo e reverbera no mundo inteiro. Ainda assim, eles continuam forçados a recorrer à Justiça para que seus direitos prevaleçam. Quando Uma Gota no Oceano foi convidada pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) para trabalhar com a causa quilombola, em 2017, ela tinha menos visibilidade ainda do que a indígena. “Até hoje tem gente que acredita que os quilombos acabaram com Palmares”, lembrou Flávia. Em fevereiro de 2018, os direitos dos quilombolas foram reafirmados em julgamento histórico no STF; mas, assim como acontece com os dos indígenas, continuam sendo desdenhados.

Segundo dados da Conaq e do Instituto Socioambiental (ISA), até o dia 13, 133 quilombolas tinham morrido e havia 3.465 infectados. O Estado do Rio de Janeiro lidera em número de mortes de quilombolas. “A interação com áreas urbanas facilita o contágio”, disse Flávia. Não à toa, o quilombo mais atingido é o Dona Bilina, que fica na Zona Oeste da capital fluminense (a região mais afetada da cidade), que registra 72% do total de mortos do estado. Só que, diferentemente dos indígenas, recenseados em 2010, não sabemos quantos quilombolas há no Brasil. Para ajudar no combate à pandemia, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) adiantou dados preliminares primeiro censo oficial desta população, que será concluído em 2021. Assim, ficamos sabendo que o país tem 5.972 localidades quilombolas, que estão divididas em 1.672 municípios. Acabaram-se as desculpas: tem quilombo no país inteiro e só não ver quem não quer. Não há justificativa para o governo deixá-los desamparados na luta contra a Covid-19.

É preciso reforçar: nem todos os negros são quilombolas – embora sejam a maioria – e nem todo quilombola é negro. Os negros vieram da África, mas quilombos são espaços de liberdade, não colônias estrangeiras; recebiam refugiados de diversos povos. Mas também há negros que desconhecem suas origens. Flávia só descobriu sua ascendência quando da morte repentina de sua mãe, baiana de Cachoeira: “A partir daí, comecei a me aprofundar em sua ancestralidade. Fiz um teste para um documentário chamado ‘Brasil DNA África’ e me descobri descendente da linhagem Balanta, de um território que hoje é a Guiné-Bissau. Eu nunca soube disso e em 2016 fiz uma viagem de pesquisa à Bahia com minha filha, em busca de nossas origens”. A jornalista acabou descobrindo que as terras que pertenceram ao seu bisavô deram origem ao Quilombo Tabuleiro da Vitória. “O censo de 2021 será a oportunidade de revelar de vez esse Brasil que muita gente não sabe que existe”, disse ela. Quilombos não só ajudam a preservar a natureza como guardam importantes tradições. São um patrimônio do Brasil. A cultura popular e os movimentos sociais mantiveram vivas a memória de Zumbi; hoje cabe à sociedade como um todo defender o seu legado.

#MovimentoNegro #FláviaOliveira #VidasNegrasImportam #VidasQuilombolasImportam #UmaGotaNoOceano

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