fevereiro 2020 | Mudanças Climáticas
Cedeño, mas pode chamar de Atlântida. Honduras é um dos países mais vulneráveis às mudanças climáticas e o citado município, conhecido por suas belas praias, tem submergido um metro e 22 centímetros por ano. Cedeño já perdeu quatro ruas nos últimos 30 anos. A água engoliu as casas de 600 famílias, além de vários estabelecimentos comerciais. “Fomos avisados de que nossos netos não terão cidade, mas nunca imaginei que eu mesma a veria desaparecer”, diz doña Alejandrina, de 70 anos, proprietária do El Oasis, salão de festas hoje frequentado pelos peixes. Assim como o município hondurenho, cidades litorâneas do Brasil, especialmente Rio de Janeiro, São Luiz, Recife, Joinville e Santos – onde o problema já é visível – e Belém, que fica na foz no Rio Amazonas, correm sério risco de submergirem ou sofrerem inundações constantes.
O nível do oceano subiu 1,7 milímetro por ano no século passado e calcula-se que, em média, os mares do mundo tenham avançado 20 centímetros terra adentro desde o início da Revolução Industrial. O Painel Intergovernamental para a Mudança Climática (IPCC) da ONU prevê que os oceanos subirão mais 74 centímetros neste século, podendo chegar a um metro. “O aumento do nível do mar se acelerou devido ao aumento combinado da perda de gelo das camadas da Groenlândia e da Antártida”, conclui o relatório especial do órgão sobre os oceanos. O degelo na Antártida no período entre 2007 e 2016 triplicou em relação à década anterior; na Groenlândia, dobrou. Em média, a Antártica tem derretido todos os anos 145 bilhões de toneladas e a Groenlândia 283 bilhões de toneladas.
Esse degelo acelerado levou o mar a subir mais rápido nos últimos dez anos também – até 2,5 vezes comparado à média do século passado. Os prognósticos do relatório são dramáticos: o problema vai se agravar, mesmo que seja cumprida a meta do Acordo de Paris – que determina que o aumento médio da temperatura da Terra não deve superar 2°C em relação aos níveis pré-industriais. Na hipótese mais otimista, com esse limite respeitado, o IPCC estima um aumento do nível do oceano de 43 cm até 2100; entre 1902 e 2015, foi de 16 cm. Mas caso as emissões continuem crescendo como até agora, essa elevação chegaria a 84 centímetros, podendo passar de um metro.
Os incrédulos costumam citar uma experiência infantil, a de um cubo de gelo num copo cheio d’água, para desacreditar o fenômeno. De fato, quando o gelo derrete, o nível do líquido desce. Mas a experiência correta é outra, e é preciso usar dois copos: um cheio de água (que faria o papel do oceano) e o outro, com gelo (representando a terra firme). E esperar o cubo derreter para jogar a água no outro copo, que transbordará. Não é o gelo que flutua no mar – icebergs, geleiras – que faz o nível do mar subir, mas o que está depositado sobre plataformas continentais, principalmente Antártida e Groenlândia.
As altas temperaturas registradas este mês na região antártica deixaram os cientistas em polvorosa. No dia 6, um termômetro numa base argentina marcou 18,4° C, a mais alta registrada desde o início das medições, em 1961 – o recorde anterior era de 2015, com 17,5° C. Três dias depois, o pesquisador brasileiro Carlos Schaefer anunciou que a temperatura na Ilha Seymour tinha chegado aos 20,75° C, a temperatura mais alta já registrada no continente. Porém, o mais grave é o aumento gradual observado nos últimos 60 anos.
Também é igualmente preocupante a elevação da temperatura do oceano. O aquecimento médio chegou ao maior registro da história em 2019 e bateu o terceiro recorde consecutivo, segundo um estudo internacional publicado em janeiro na revista científica “Advances in Atmospheric Sciences”. O estudo registra 0,075 °C acima da média de 1981 a 2010. Além disso, a taxa de aquecimento de 1987 a 2019 cresceu 450%, se comparada ao período anterior (1955 a 1986). Isso corresponde a uma elevação de 46 mm. “O calor dilata os corpos”, diz a conhecida Lei da Física. O aumento da temperatura faz com que as moléculas de água se afastem mais uma das outras, o que também faz o nível do mar subir. Estima-se que até 2050 cerca de um milhão de pessoas sejam afetadas – no mundo inteiro, este número chega a 300 milhões. Mas engana-se quem acredita que estará protegido vivendo longe do mar: as chuvas que atingiram São Paulo e Belo Horizonte podem ter relação direta com o deslocamento de frentes frias causadas pelo calor na Antártida. Vai faltar galocha – ou escafandro – pra tanta gente.
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janeiro 2020 | Catástrofe ambiental, Desenvolvimento Sustentável
Quando a barragem da Mina do Feijão se rompeu, no dia 25 de janeiro de 2019, um mar de lama sobrepujou o córrego do Feijão. O que antes era um riacho delicado de água cristalina se tornou uma perigosa corrente de substâncias tóxicas que desviou de curso até se misturar às águas do rio Paraopeba, logo abaixo, contaminando tudo em que tocava. Um ano depois, a natureza mostra seu poder de reconstrução: na nascente do córrego do Feijão ainda brota água pura. O rio, assim como a população afetada, resiste e se regenera de gota em gota.
O córrego do Feijão nasce dois quilômetros acima da barragem que levava seu nome. Espremida entre três grandes focos de exploração minerária (a Mina do Feijão, a Mina de Jangada, e a Mineração Ibirité), a propriedade privada Fazenda Índia guarda o nascedouro do riacho a sete chaves – literalmente, eles fecharam as portas após o rompimento, assim como a maioria dos empreendimentos da região, pela dificuldade de acesso ao local. Escondida por trás das trancas, a nascente segue trabalhando.
A população de Brumadinho também segue, um passo de cada vez. Para marcar um ano do crime ambiental, entre os dias 20 e 25 de janeiro deste ano mais de 350 pessoas atravessaram a pé, juntas, a bacia do rio Paraopeba. Na jornada intitulada “A Vale Destrói, o Povo Constrói”, percorreram cerca de 300 quilômetros para evidenciar o trabalho de recuperação feito majoritariamente pela sociedade civil local e para denunciar o descaso de autoridades e empresas envolvidas. Muitos carregavam faixas onde se lia “o lucro não Vale a vida”, uma das palavras de ordem do movimento social.
A caminhada começou no dia 20 de janeiro na capital Belo Horizonte, mais especificamente em frente ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Ali, denunciaram a paralisação nos auxílios emergenciais, a falta de assessoria técnica, a impunidade da empresa e a ausência de uma política pública que garanta os direitos dessas populações. Juntos, cruzaram a bacia do rio Paraopeba até chegar ao local da barragem.
O percurso impôs desafios, como uma chuva torrencial em Juatuba, a 50km da capital, que inundou a escola onde todos os componentes da jornada estavam pernoitando. Mais uma vez, a solução veio da união: famílias da vizinhança foram ajudar a limpar o colégio e algumas até receberam participantes da marcha em casa.
Foi graças à união que eles atravessaram desde os primeiros dias até hoje. Em grupos, se confortavam uns aos outros, fortalecendo os companheiros. “Nós nos tornamos uma família”, disse à Folha de São Paulo Josiane Melo, que perdeu uma irmã e integra um grupo dedicado a cobrar autoridades a respeito das pessoas que continuam desaparecidas.
Uma rede de solidariedade se formou para mitigar os irreparáveis danos do crime ambiental. Médicos e psicólogos voluntários também se uniram para dar o suporte profissional necessário a essa população. Religiosos estão cedendo até hoje espaço em templos para reuniões de organização do Movimento de Atingidos por Barragens (MAB). Até mesmo músicos profissionais da região se mobilizaram para contribuir a seu modo: eles organizaram um Concerto da Gratidão, em homenagem a todas as vítimas fatais e aos heróis de Brumadinho.
Quando se fala em crime ambiental, não é exagero. O Ministério Público denunciou 16 pessoas por homicídio doloso e crimes ambientais. No Congresso Nacional se debate uma nova legislação criminal: o ecocídio. O projeto de lei 2787, proposto na Câmara dos Deputados em maio de 2019, pretende transformar em crime desastres ambientais que tenham provocado destruição significativa da flora ou com grande mortandade de animais. Hoje o texto aguarda o retorno das atividades no Senado para seguir tramitação. Espera-se que essa nova legislação possa se refletir em melhores ferramentas para impedir tragédias anunciadas, como essa.
Em frentes distintas, água nova brota. E, gota por gota, a esperança se renova. O povo reconstrói, a natureza também.
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PL 2787/2019
dezembro 2019 | Mudanças Climáticas, Povos Tradicionais
Encerramos hoje um ano intenso, de muito trabalho. Um ano em que a informação consistente e interessante se tornou ainda mais importante na dinâmica nacional e global. Para a equipe de Uma Gota no Oceano, apesar dos preocupantes acontecimentos na esfera socioambiental, 2019 foi um ano de encontros e de fortalecimento. Estivemos junto à sociedade civil, aos povos tradicionais, aos cientistas e acadêmicos no esforço coletivo para jogar luz sobre os fatos.
Começamos nos reunindo aos colegas dos observatórios do Clima e do Código Florestal. Nestes dois encontros, nosso objetivo foi aproximar cientistas e juristas da sociedade civil através da linguagem simples e direta.
Logo depois veio o Acampamento Terra Livre (ATL), quando mais de 4 mil indígenas de mais de 160 etnias e de todos os estados se reuniram em Brasília. A principal bandeira levantada foi a defesa da demarcação de terras.
Também estivemos presentes nas universidades. Levamos o vídeo-manifesto “Em nome de que, São Francisco?” à Universidade Federal de Alagoas (UFAL), à Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e à Unisuam, nesta participamos da Semana do Meio Ambiente ao lado do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).
Caminhamos ao lado das mulheres indígenas em Brasília, na primeira marcha organizada por elas: foram cerca de duas mil indígenas reunidas e nós pudemos dar as mãos a elas nesse momento histórico. Também estivemos com as mulheres atingidas por barragens, no evento “Mulheres atingidas na luta por direitos”, organizado pelo MAB.
Fechamos o ano participando de eventos internacionais como a Semana do Clima da ONU, em Nova York, a Greve Global pelo Clima e a Cúpula do Clima (COP 25), em Madri. Mas não nos desprendemos de nossas raízes. Estivemos ao lado das bases do movimento social em Altamira, durante a reunião “Amazônia: Centro do Mundo”; no território Guajajara, durante a Festa da Menina Moça; em Alcântara, Maranhão, junto aos povos quilombolas; e no “Encontro das Águas”, em Santarém.
Todos esses momentos foram importantes para estreitar laços e recarregar as forças que nos permitiram seguir a caminhada. Esse apoio mútuo foi imprescindível porque 2019 também foi um ano de notícias, literalmente, devastadoras. Tivemos lama nos rios em Brumadinho, fogo na Amazônia, óleo nas praias do nordeste e um avanço no desmatamento que bateu recordes históricos.
É a força da ancestralidade que nos move em direção a 2020. A cada novo encontro, a cada território reconhecido, a cada pedaço de terra reflorestada, nos fortalecemos.
Que 2020 traga os frutos do que semeamos em 2019.
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março 2019 | Amazonas, Área de preservação ambiental, Rios
É para comemorar. Agora temos um mapa global de ecossistemas intactos da Terra. Os cientistas responsáveis pela iniciativa apontam cinco países com as maiores áreas desenhadas: Brasil, Austrália, Canadá, Estados Unidos e Rússia. Entre as muitas funções desses territórios, está a de amortecer desastres naturais e eventos climáticos extremos. Para os pesquisadores, neles é fundamental evitar a expansão de estradas, da mineração, da extração de madeira, da agricultura… A Amazônia (foto) se destaca no quesito matas virgens. Os povos que as preservam e defendem merecem todo o nosso apoio!
Via BBC News Brasil
Foto: BBC Brasil
Saiba mais: https://tinyurl.com/yx9gmllo
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fevereiro 2016 | catastrophe ambiental, Mata Atlântica
Meses depois da maior tragédia ambiental do Brasil, um grupo de cientistas voluntários viajou à região de Mariana para analisar os impactos na água do Rio Doce.
Via Greenpeace Brasil
Edição: Uma Gota no Oceano