Na COP26, verde é a cor mais jovem

Na COP26, verde é a cor mais jovem

Geralmente cautelosa, a ONU, compreensivelmente abalada com os resultados do último relatório do IPCC, fez soar este ano as trombetas do apocalipse: botou o dinossauro (de computação gráfica) Frankie para anunciar a COP26, dizendo que o fim está próximo. O vídeo fez o maior sucesso; mas, incrivelmente, a extinção da Humanidade não foi um tema capaz de sensibilizar todo mundo. Com sinceridade rara, o primeiro-ministro britânico, o conservador Boris Johnson, resumiu o porquê, no discurso de abertura do evento: “Caros líderes, todos aqui falamos o que faremos em 2050 0u 2060, mas metade da população do mundo tem menos de 30 anos, enquanto a média de idade das pessoas presentes a este encontro é de mais de 60 anos”. Os sete últimos anos foram os mais quentes já registrados.

É duro, mas é verdade: a geração anterior quer legar a vocês, jovens, a responsabilidade de salvar um mundo em frangalhos para a próxima – se ainda der tempo. Como generais que mandam garotos para a guerra. Enquanto eles aproveitam o fim de festa, vocês herdam o rabo de foguete. “Estamos a um minuto da meia-noite e precisamos agir mais. Se não fizermos nada hoje, será muito tarde para os nossos filhos fazerem algo no futuro. Se não formos sérios a respeito da mudança climática hoje, será tarde demais para nossos filhos fazê-lo amanhã”, acrescentou Johnson, dando uma dimensão ainda mais exata do tamanho do problema. Ele terá 96 anos em 2060.

O presidente do Brasil, que tem 64 anos, preferiu não ir a Glasgow. Na abertura da COP, o país foi  representado por uma jovem indígena de Rondônia, que se apresentou assim: “Meu nome é Txai Suruí, eu tenho só 24, mas meu povo vive há pelo menos 6 mil anos na Floresta Amazônica. Meu pai, o grande cacique Almir Suruí, me ensinou que devemos ouvir as estrelas, a Lua, o vento, os animais e as árvores. Hoje o clima está esquentando, os animais estão desaparecendo, os rios estão morrendo, nossas plantações não florescem como antes. A Terra está falando. Ela nos diz que não temos mais tempo”.

Por trás de sua aparente calma, os indígenas têm a exata noção da urgência da situação; quando também são jovens, têm menos travas na língua. “Precisamos tomar outro caminho com mudanças corajosas e globais. Não é 2030 ou 2050, é agora!”, emendou Txai. Relembrando a primeira vez que viu a fumaça dos incêndios na Austrália chegarem ao seu território ancestral, a neozelandesa India Logan-Riley, do povo Maori, discursou no mesmo microfone usado pela brasileira e Boris Johnson: “Naquele momento, nossa vida foi afetada pelos impactos da mudança do clima em outro país”. Vanessa Nakate, jovem ativista de Uganda, lembrou que quem menos polui, paga mais caro: “Historicamente, a África é responsável por apenas 3% das emissões globais e ainda assim os africanos estão sofrendo alguns dos impactos mais brutais da crise climática”.

É um sentimento global, que não é exclusivo dos povos tradicionais: “São 30 anos de blá-blá-blá”, discursou em Milão, na Itália, a ativista sueca Greta Thunberg, para um grupo de 400 jovens de 200 países. Eles foram selecionados pela ONU para elaborarem um documento dirigido aos líderes mundiais, em evento paralelo à COP. O Fridays For Future, movimento inspirado em Greta, promoveu sua já tradicional passeata em Glasgow. Os jovens também eram a maioria entre as mais de 100 mil pessoas que enfrentaram o frio, o vento e a chuva para protestar contra a inércia dos governantes na Marcha pela Justica Climática, que aconteceu no sábado (6/11) na cidade escocesa. Não esperamos meias-palavras. Mais jovem também pode significar mais verde.

O governo brasileiro continua agindo como o comerciante espertalhão que dobra o valor da mercadoria para vendê-la pela metade do preço no dia da liquidação. Tropeçou na pedalada climática, mas se bobear a ausência do presidente acabou sendo benéfica para o país, que assinou importantes acordos multilaterais – o de zerar o desmatamento até 2030 e o de reduzir em 30% as emissões de metano, via pecuária, também até 2030 –, que ao menos servirão de âncoras até a próxima rodada de negociações. Também serviu para abrir novos canais de interlocução; na falta de Bolsonaro, o príncipe Charles marcou encontro com governadores brasileiros, por exemplo.

O presidente parece viver no mundo das mil e uma noites, enquanto o Reino Unido está entre os países que acreditam que poderão lucrar com a transição energética – sim, eles não fazem isso só porque são bonzinhos. O famoso biólogo americano Thomas Lovejoy, que criou o termo “biodiversidade”, dizia em 2016 que o Brasil poderia ser “a maior potência ambiental do planeta”. O cientista se dizia impressionado com o que o país havia feito nos 40 anos que o conhecia: “Existia apenas uma floresta nacional. Hoje, 57% da Amazônia está sob algum tipo de proteção”, dizia ele. De lá para cá, porém, o desmatamento vem crescendo em ritmo vertiginoso – a ponto de fazer o país seguir na direção inversa do resto do mundo, aumentando suas emissões de CO₂ durante a pandemia. Em nome de que estão abrindo mão de garantir um futuro melhor para as novas gerações? Por que o jovem brasileiro vai pagar esse pato?

Preservar as florestas tem custado muitas vidas também. Segundo o mais recente relatório da ONG Global Witness, nunca tantos ativistas ambientais foram assassinados como no ano passado: 228. Segundo o Relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil – Dados de 2020, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), os assassinatos entre indígenas no país cresceram 61%: foram registrados 182. Em debate realizado em Gasglow na quinta-feira (4/11), Juma Xipaia, uma das lideranças indígenas que lutaram contra a hidrelétrica de Belo Monte no Pará, foi firme: “Nunca nenhum povo indígena chegou impondo ou destruindo o lar de vocês, pelo contrário, nós defendemos o lar, a vida. Então respeitem a nossa existência”. Txai Suruí deu um exemplo concreto: “Enquanto vocês estão fechando os olhos para a realidade, o guardião da floresta Ari Uru-Eu-Wau-Wau, meu amigo de infância, foi assassinado por proteger a natureza”. Ari tinha só 32 anos e foi encontrado morto em 18 de abril de 2020.

Os povos tradicionais de todo o mundo cuidam de 80% da biodiversidade da Terra, mas só controlam 1% do orçamento global para a preservação. Ao menos esta distorção começou a ser corrigida nesta COP. Reino Unido, Noruega, Alemanha, EUA, Holanda e 17 doadores americanos se comprometeram em criar um fundo de US$ 1,7 bilhão até 2025 a ser administrado por indígenas. “É o princípio da proteção ao nosso povo, mas ele precisa de mais apoio. Não há solução para os problemas da natureza sem que os indígenas estejam no centro”, disse a ativista filipina Vitória Tauli-Corpuz, do povo Kankana-ey Igorot, ex-relatora especial da ONU para os direitos dos povos indígenas. Este é o ponto: é preciso que eles decidam. Para isso, precisam de toda ajuda possível. A Amazônia é importante para o mundo, mas é ainda mais importante para o Brasil. Sem ela não tem chuva, nem agricultura. É um tesouro que nos pertence e devemos deixar para as próximas gerações.

 

* Na foto: Juma Xipaia, Txai Suruí, Maria Gadu e Alice Pataxó. Crédito: Alice Pataxó.

 

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Não era só uma cachoeira

Não era só uma cachoeira

No último dia 25, às vésperas do início da COP 26, os ministros da Economia e do Meio Ambiente lançaram o seu Programa Nacional de Crescimento Verde. Genérico até dizer chega, com pinta de dever escolar feito na última hora, ele teria como principal objetivo “aliar redução das emissões de carbono, conservação de florestas e uso racional de recursos naturais com geração de emprego verde e crescimento econômico”. Como será posto em prática? “Nunca vi, nem comi, eu só ouço falar” (Pagodinho, Zeca).

Para azar da dupla, no dia seguinte, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) soltou um relatório que aponta o Brasil como o país do G-20 que mais regrediu em suas metas para reduzir emissões de CO₂. E, poucos dias antes, o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) havia divulgado os dados sobre o desmatamento em setembro na maior floresta tropical do mundo: 1.224 km² de verde sumiram, a pior taxa para o mês nos últimos 10 anos – o volume acumulado de 2021 alcançou 8.939 km², quase 40% a mais do que no mesmo período em 2020 e o maior índice desde 2012. Não há como engabelar dona realidade.

A cascata não é exclusividade do governo atual: “Disseram para a gente que (a hidrelétrica de) Belo Monte seria só uma cachoeira”, lembra Juma Xipaia, cacica de uma aldeia nas cercanias de Altamira, no Pará, a cidade mais prejudicada pela obra. Parece que foi ontem – pois os erros se repetem em looping, mesmo com as mudanças na Presidência –, mas se vão 10 anos desde que um grupo de artistas, jornalistas, ativistas e cientistas se juntaram à luta dos povos do Xingu contra a construção da hidrelétrica, que já durava boas três décadas.

Em 15 de novembro de 2011, o Movimento Gota D’Água, que daria origem a Uma Gota no Oceano, lançou um vídeo-manifesto estrelado por atores como Marcos Palmeira, Dira Paes, Guilhermina Guinle, Isis Valverde, Eriberto Leão e Cissa Guimarães, entre outros. A campanha, que provocava a população a questionar o uso de uma fortuna em dinheiro público numa iniciativa tão controversa, angariou mais de um milhão de assinaturas em uma semana e entrou para história da Internet. A repercussão não se limitou ao Brasil: o vídeo foi espontaneamente legendado em cinco idiomas e alcançou 22 países.

A reação em contrário foi em cascata; mentiras jorraram de todos os lados – mesmo de quem fazia oposição à presidente Dilma Rousseff, que tirou do papel um projeto que fora gestado pelos militares. Apesar dos ataques, em dois meses a petição chegou a 2,5 milhões de assinaturas. Ela foi entregue ao governo que, literalmente, fez ouvidos de mercador. Juma Xipaia tinha só 20 anos, mas já há algum tempo estava envolvida com a resistência à construção de Belo Monte. Junto ao movimento Xingu Vivo Para Sempre, lutava pelos direitos dos povos tradicionais da região – além dos indígenas, ribeirinhos, quilombolas etc. –, que poderiam ser impactados pelo empreendimento.

Ambientalistas engrossavam o coro dos descontentes, tentando chamar atenção para o efeito nocivo da hidrelétrica para a Amazônia. Naquele momento, o Consórcio Norte Energia S/A já havia vencido a concorrência para construir a usina, e depois de um troca-troca na direção, o Ibama concedia as licenças necessárias à obra. Tudo à revelia dos estudos que previam um desastre – como provou o senhor da razão, o tempo. Belo Monte custou quase três vezes mais que o previsto (R$ 14 bilhões contra R$ 40 bilhões), sem contar os generosos incentivos fiscais; a Norte Energia lucrou R$ 950 milhões só no ano passado. Nada menos que 70% dessa dinheirama foi financiada pelo BNDES.

Curiosamente, o governo atual não se interessou em investigar essa caixa preta, coisa que dizia que faria nos tempos da campanha presidencial. Coincidentemente, o presidente esteve esta semana em Roraima, onde promete construir mais uma hidrelétrica. Ironicamente, ela se chamaria Bem Querer.

Belo Monte opera, em média, com apenas 40% da sua capacidade anual instalada; em setembro, gerou somente 2% de seu potencial. Vivemos a maior crise hídrica em mais de 90 anos e 65% da eletricidade do Brasil vem de nossos rios. A vazão do Xingu foi reduzida em 80%, afetando diretamente a biodiversidade e os povos indígenas locais. A usina inundou 640 km² de floresta; em consequência, elevou em três vezes as emissões de gases do efeito estufa na região da Volta Grande do Xingu. O fenômeno é o resultado da decomposição de matéria orgânica em áreas inundadas, que produz metano, um gás até 86 vezes mais danoso que o CO₂.

Nesses 10 anos, Juma enfrentou ruralistas, foi ameaçada e passou um ano fora do Brasil. Voltou para casa e criou um instituto com seu nome, para continuar lutando pelos direitos indígenas. Altamira viu dobrar os índices de roubos, furtos, acidentes de trânsito e violência doméstica. O índice de homicídios aumentou 150% desde 2011, levando a cidade ao topo do ranking das cidades mais violentas do Brasil em 2015, segundo o Atlas da Violência (Ipea/Fórum de Segurança Pública). “Eu tinha 13 anos quando se iniciou esse processo e logo percebi que não seria somente uma grande cachoeira, como diziam, e sim um projeto de morte. O que está acontecendo hoje em Altamira é tudo aquilo que a gente já tinha imaginado. A gente já sabia que o que teria era destruição. Não somente do meio ambiente, da fauna e da flora, mas sobretudo de nosso modo de vida, nossa essência, o nosso lar”, lamenta a cacica Xipaia, hoje com 30 anos.

Mas apesar de todos esses pesares, há o que se comemorar nesse aniversário de dez anos do movimento Gota d’Água. Hoje, a sociedade brasileira está mais atenta às questões ambientais e entende a importância da preservação das culturas indígenas para proteger a floresta – e, consequentemente, o nosso futuro. Tem cascata que não cola mais. Hoje, há muito mais gotas nesse oceano. Ou, como diz Juma, “sejamos uma só gota, ainda que de povos diferentes”.

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Nossa biblioteca de Alexandria

Nossa biblioteca de Alexandria

Por Monica Prestes

Uma das sete maravilhas do mundo antigo, a Biblioteca de Alexandria, no Egito, que por 600 anos figurou como o principal repositório de conhecimentos do mundo, foi destruída por incêndios. Seus pergaminhos foram queimados para abastecer as caldeiras dos 4 mil banheiros públicos da cidade por seis meses, em meados do ano 642. Mas há historiadores que defendem que, antes disso, a biblioteca, que chegou a reunir cerca de um milhão de documentos, deixou de ser prioridade do governo egípcio e enfrentou um melancólico corte de recursos públicos. O resultado: conhecimentos adquiridos e compartilhados por diferentes povos ao longo de séculos viraram cinzas simplesmente por não atenderem aos interesses do grupo dominante à época.

O roteiro é parecido com o que vive a Amazônia em pleno 2021. O enfraquecimento sistemático dos órgãos de proteção ambiental e o avanço das queimadas e do desmatamento vêm transformando em cinzas um patrimônio que sequer conhecemos totalmente: a biodiversidade. Um estudo publicado na revista científica ‘Nature’ em setembro mostrou que os incêndios na bacia amazônica entre 2001 e 2019 atingiram o território de 64% das espécies de plantas e animais estudados e de 85% das ameaçadas de extinção. Pesquisadores estimam que a cada 10 mil km² de queimada, 40 novas espécies são afetadas – e isso considerando só o que conhecemos.

Para se ter uma ideia, há 166 mil espécies de animais e plantas reconhecidos no Brasil, e sobre a maioria deles pouco ou quase nada sabemos. Das 16 mil espécies de árvores reconhecidas na Amazônia, por exemplo, menos da metade foi descrita em pesquisas. Estudos estimam que uma nova espécie foi descoberta a cada dois dias entre 2013 e 2015 na Amazônia – foram 381 novos registros nesse período.

Ameaçamos o pouco que conhecemos e, de 2019 para cá, estamos fazendo isso em um ritmo desgovernado. A Amazônia, região que concentra 10% da biodiversidade do planeta, já perdeu quase 20% de suas florestas e o ritmo da devastação vem aumentando nos últimos três anos. Segundo o Imazon, de janeiro a agosto de 2021, o desmatamento acumulado foi 48% maior do que no mesmo período de 2020.

E essa destruição não se limita à Amazônia. A última edição do Livro Vermelho do ICMBio, informe oficial sobre a situação da fauna e flora brasileiras, publicada em 2018, apontou que pelo menos 1.173 espécies de animais viviam sob risco de extinção no país em 2018 e ao menos dez espécies já desapareceram. Um estudo da Embrapa Pantanal revelou que pelo menos 17 milhões de animais vertebrados foram mortos pelo fogo durante as queimadas que devastaram 27% da cobertura vegetal do Pantanal em 2020. O Pampa, bioma que é rota de migração de aves, perdeu mais de um quinto (21,4%) da cobertura vegetal entre 1985 e 2020. Enquanto isso, o Cerrado viu o desmatamento e as queimadas consumirem 19,8% do seu território nesse mesmo período. A Mata Atlântica, onde vive metade das cerca de 170 espécies de aves ameaçadas de extinção no Brasil, tem apenas 12% de sua cobertura original.

Isso sem falar nas ameaças aos povos tradicionais, que detêm esse conhecimento ancestral sobre a floresta e são diretamente impactados pela destruição desses territórios. Uma pesquisa da Universidade de Zurique, na Suíça, revelou que 86% dos saberes desses povos tradicionais da Amazônia sobre o uso medicinal da floresta estão ameaçados pelo desaparecimento de línguas indígenas, uma vez que a difusão desse conhecimento costuma se dar pela prática oral, ou seja, quando uma etnia desaparece, o conhecimento tradicional desse povo, muitas vezes, some com ele. Não custa lembrar que o conhecimento indígena sobre a biodiversidade está por trás de muitas substâncias da medicina atual, como o ácido acetilsalicílico, princípio ativo da aspirina, que remete ao pó das folhas e da casca do salgueiro, usada pelos indígenas para aliviar dores e reduzir inflamações, a morfina, que veio das sementes da papoula, e relaxantes musculares, como a estricnina, derivada do curare, usado por indígenas na ponta de suas flechas para caçar.

Negócios sustentáveis

Nossas atitudes geram prejuízo de todo tipo, inclusive no sentido literal. O potencial inexplorado de negócios sustentáveis na Amazônia poderia render ao Brasil US$ 2 bilhões por ano com a exportação de produtos da floresta, como castanhas, açaí, cacau e peixes. Os dados são de um estudo publicado em abril deste ano pelo projeto Amazônia 2030, iniciativa do Imazon, Climate Policy Initiative, PUC-Rio e do Centro de Empreendedorismo da Amazônia, situado em Belém, que reúne pesquisadores em torno de um plano de desenvolvimento sustentável para a região. Segundo a pesquisa, a exportação de produtos do extrativismo florestal não madeireiro, sistemas agroflorestais, pesca, piscicultura e hortifruticultura geram receita anual de US$ 300 milhões ao país, o que representa só 0,17% do mercado global desses produtos. Considerando a participação média do Brasil no mercado global, que é de 1,3%, esses produtos poderiam gerar uma receita anual de até US$ 2,3 bilhões. Ou seja, ainda há muito espaço para crescer.

Para se ter uma ideia, no projeto Amazônia 4.0, o pesquisador Carlos Nobre aponta que, enquanto pecuária gera de US$ 30 a US$ 100 por hectare e, o plantio de soja, de US$ 100 a US$ 200 por hectare, o cultivo de açaí apresenta lucro líquido médio de US$ 200 ha/ano em sistemas não manejados a até US$ 1,5 milhão em sistemas agroflorestais. Além disso, só utilizando a área já desmatada da Amazônia, que corresponde aos territórios de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro juntos, e que está 90% abandonada ou subutilizada, seria possível triplicar a produção agrícola do Brasil e ainda recuperar matas ciliares e nascentes.

E as possibilidades não param aí. A adoção de um modelo econômico que privilegie o manejo sustentável da floresta pode gerar US$ 1,5 bilhão por ano e receitas de US$ 220 milhões em ICMS para os estados amazônicos, só com o manejo de áreas desmatadas, apontou um estudo publicado em março pela Chatham House, de Londres. Além disso, o estudo da Amazônia 2030 apontou que o processamento de matérias-primas vendidas atualmente em estado bruto e o investimento na ciência e tecnologia de ponta para a descoberta de novos compostos, moléculas e materiais da biodiversidade são mercados promissores e ainda pouco explorados pelo Brasil.

Mas o desenvolvimento desses setores envolve políticas públicas, a formação de lideranças comunitárias e independentes e investimentos nas cadeias produtivas locais. Pesquisador associado e cofundador do Imazon, Beto Veríssimo destaca a importância de se investir em tecnologia e ciência na Amazônia para alcançar a tão almejada bioeconomia. Ele é uma das pessoas que usam a comparação da Amazônia a “uma grande biblioteca de Alexandria da biodiversidade”. Mas, observa o especialista, nossa capacidade de “ler” é limitada pela ciência e pelo fato de o conhecimento ancestral ter se perdido com os povos indígenas dizimados nos séculos 16 e 17. “Junto com eles, perdemos o conhecimento empírico que os indígenas adquiriram ao longo de 15 mil anos”, lembra Veríssimo. “A bioeconomia é uma dessas janelas de oportunidades, mas o Brasil está indo na direção contrária, porque além de não ter políticas públicas e investimentos nessa área, ainda está destruindo os recursos naturais que são a base dessa bioeconomia”.

Veríssimo, Nobre e tantos outros pesquisadores ecoam em seus estudos o que os povos tradicionais já sabem há gerações: se queremos o melhor da Amazônia, temos que dar a ela o melhor que temos. Isso inclui tecnologia de ponta, políticas públicas de proteção territorial e, claro, o compromisso com uma agenda ambiental positiva, cenário para o qual o governo brasileiro tem fechado as portas. A próxima oportunidade é logo ali: em novembro, na COP 26, em Glasgow, na Escócia, onde o Brasil poderá escolher entre mudar o curso atual (que poderá nos levar ao chamado ponto de inflexão da Amazônia) e finalmente, abrir as janelas da bioeconomia; ou riscar o fósforo que vai incendiar de vez nossa biblioteca de Alexandria da sociobiodiversidade.

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A arte de furar bolhas

A arte de furar bolhas

Por Helena Aragão

Reza a cartilha do mundo ocidental que o trabalho dignifica o homem. Mas muitas vezes o que se vê é muito sacrifício, passando longe da dignidade – “no pain, no gain”, diria o ditado em inglês. Já os indígenas encaram a rotina de labuta numa lógica diferente em muitos aspectos. Ali, os cantos acompanham as andanças, os utensílios levam desenhos e cores vibrantes, as danças são parte da identidade – e da resistência, vide sua presença constante na mobilização com representantes de mais de 170 etnias em Brasília no mês passado. O que chamamos de arte, em diferentes esferas, faz parte do dia a dia, não só nas horas de lazer ou descanso. Ailton Krenak resumiu esse espírito numa reflexão que fez no programa “Roda Viva”, em abril. “A vida, por ser esse dom tão indescritível, ela não pode ser recebida de outra maneira se não com contentamento, alegria e uma resposta criativa para o sentido de uma dança cósmica. Se você fosse chamado para uma dança cósmica, você ficaria cabisbaixo?”.

Em 1986, quando escreveu sobre “Arte Índia”, Darcy Ribeiro marcou como diferencial a dimensão coletiva dessa produção. “A arte ali é mais comunal que individual, em cujo seio o artista nem sequer reivindica para suas obras a condição de criações únicas e pessoais.” Ribeiro também ponderou que, se o simples fato de escrever não faz de ninguém um escritor, a mera capacidade de criar mais ou menos bem qualquer artefato não faz de nenhum indígena, só por isso, um artista. “Faz é toda a comunidade participar da alegria da criatividade e do gozo da apreciação estética.”

Muita coisa mudou nesses 35 anos, é claro. Mas, apesar de tanta pressão em cima das tradições, há um tanto desse espírito que se mantém. Como quando Daiara Tukano diz ao jornal britânico “The Guardian” que a arte que faz pertence a seus ancestrais (“ancestrais que estão aqui comigo”). Ou quando Jaider Esbell, macuxi de Roraima, reflete: “Uma palavra para traduzir a arte indígena contemporânea? A coletividade. Mas ela precisa ainda da assinatura do artista para poder chegar no sistemão europeu, que trabalha ainda em cima da centralidade de uma só pessoa”.

Daiara e Jaider são representantes de um momento de visibilidade ímpar da arte indígena em museus e galerias do Brasil. Ambos concorrem em categorias do Prêmio Pipa (sendo que ele venceu a edição online em 2016) e são destaques da Bienal de Arte de São Paulo, com Sueli Maxakali, Uýra, Gustavo Caboco e mais quatro indígenas estrangeiros. Em programação paralela, o evento abriga no MAM-SP a coletiva Moquém-Surarî, com curadoria de Jaider. A alguns quilômetros dali, no Masp – museu que conta com uma curadora indígena, Sandra Benites –, a multiartista Zahy Guajajara apresenta trabalhos de videoarte. Isso se nos limitarmos aos exemplos em São Paulo, há muitos outros Brasil afora.

É uma oportunidade para, além de conhecer essas obras, refletirmos sobre o papel da arte e aprendermos sobre sua dimensão coletiva. Um exemplo? Jaider faz uso da tal assinatura imposta pelo “sistemão europeu” para dar espaço a outros 33 artistas indígenas, sendo 11 de Roraima, na mostra Moquém-Surarî, a que está no MAM. Ele e mais sete de seus conterrâneos apresentam as 17 obras da coleção “Vacas nas terras de Makunaimî: de malditas a desejadas”, carro-chefe da exposição.

Cores da pecuária indígena

Esta coleção, que já foi exposta nos Estados Unidos, reúne obras que têm em comum a referência à pecuária indígena. Que, acredite, é outro exemplo de trabalho coletivo completamente diferente dos moldes que vemos por aí. Há 40 anos, há na Terra Indígena Raposa Serra do Sol uma criação de gado feita de forma comunitária e sem desmatamento, porque seu território é de savana – o lavrado, como se conhece localmente. Ameaçados por fazendeiros nos anos 1970, os indígenas passaram a criar seu próprio gado para garantir terra e alimentação. Ao reproduzirem, os bois e vacas adultos eram doados a outra comunidade, e o grupo original ficava com os bezerros. Hoje, só na região da Raposa Serra do Sol são 40 mil cabeças de gado. “O gado é para os macuxi o que o cavalo foi para os povos nativos das pradarias norte-americanas: o elemento invasor que deu certo”, explica a antropóloga Leda Leitão Martins.

Deu certo, mas a partir de um processo que nem sempre foi simples (vide o nome “de malditas a desejadas”). E é isso que os indígenas, todos eles com alguma relação com o gado, retratam em suas obras – que, no dia 11 de outubro, poderão ser vistas uma visita guiada seguida de debate com personagens importantes desta saga da pecuária. “Estamos aqui para mostrar que o macuxi difere de todos os outros criadores de gado no Brasil. Isso acontece há 40 anos e é pouco falado. A arte é fundamental para essa ação contracolonial”, diz Jaider.

E é fundamental para furar bolhas. Enquanto os indígenas pecuaristas provam seu poder de adaptação ao incorporar uma prática externa de maneira sustentável e comunitária, os artistas usam armas em formas de cores e texturas para mostrar a resistência de seus povos. A arte tem potencial de sensibilizar, gerar empatia, explorar mundos distintos. E provocar – não à toa, os artistas circularam com o cartaz “A Bienal dos Índios” pela megaexposição, e usam este nome também numa programação paralela de debates, dando a dimensão crítica de sua participação. E engrossando o importante debate sobre representatividade no Brasil e no mundo.

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Crônica de mortes anunciadas? 

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Muita gente fica horrorizada – com razão, evidentemente – ao ver o Talibã impondo seus costumes, fé e ideologia à população afegã em geral. Por outro lado, naturaliza a ideia de impor aos povos tradicionais os modos ocidentais. Essas pessoas muitas vezes são movidas pelas melhores intenções; acreditam piamente que não exista modo de vida melhor que o seu. Só que desde que foi promulgada a Constituição de 1988, os indígenas têm os mesmos direitos e deveres que qualquer cidadão brasileiro. Isso inclui liberdade de escolha. Se eles vivem como vivem, é porque assim desejam. E esta mesma Constituição prevê que o Estado brasileiro tem a obrigação de proteger seus cidadãos, estejam eles dentro ou fora das terras indígenas. No caso de povos isolados ou de recente contato, essa responsabilidade deveria ser redobrada – assim como são as ameaças. 

O dicionário define genocídio como “extermínio deliberado, parcial ou total, de uma comunidade, grupo étnico, ou religioso”. Jamais saberemos quando se deu o início do fim dos Piripkura, por exemplo. É uma história cheia de lacunas, que jamais serão preenchidas: oficialmente, só foram contatados nos anos 1980; mas já no fim do século XIX, começaram a ser caçados por seringueiros, e na década de 1940 o território deles, que fica no noroeste de Mato Grosso, foi invadido por grileiros e madeireiros. Rita Piripkura, a última mulher de seu povo, deixou há cerca de 40 anos seu território ancestral, a contragosto. Hoje, vive numa aldeia Karipuna, em Rondônia. Ela conta que o último grande massacre aconteceu entre os anos 1960 e 1970, quando restavam apenas 20 indivíduos. Atualmente, só se tem notícia de dois: seu irmão, Baita (ou Monde’i), e um sobrinho, Tamandua (sem acento mesmo, ou Tikum). E seus dias podem estar contados. Com eles, podem desaparecer sua língua, derivada do tupi primitivo, e saberes que têm garantido a sua sobrevivência.  

Se não podemos afirmar quando começou o genocídio Piripkura, aquele que pode ser o seu último suspiro tem data conhecida: 18 de março de 2022. Até semana passada essa data era 18 de setembro, mas a pressão de órgãos indigenistas levou o governo brasileiro a adiar esse momento em seis meses – mas não a eliminar de vez a ameaça. Este marco só torna legal um crime em andamento. Segundo a Funai, atualmente há 237 processos de demarcação de terras indígenas que dependem apenas da homologação presidencial. Como os processos de demarcação se movem a passos de cágado, a entidade baixou uma norma em 2008, que restringe a entrada de estranhos nesses territórios.  

Essa proteção deveria ser renovada por tempo suficiente para a conclusão desses trabalhos; a última vez que isso aconteceu foi em 2018. Conseguirá, agora, o governo brasileiro fazer, em apenas seis meses, o trabalho de identificação e demarcação que não conseguiu concluir em três anos – ou 41, se considerarmos o primeiro registro do povo, em 1980? Sem a proteção integral do território até a identificação e homologação da TI, Baita e Tamandua – e outros Piripkura que porventura estejam escondidos na mata – serão abandonados à própria sorte 

A Funai foi criada em dezembro de 1967, em plena ditadura, com o objetivo de “promover e proteger os direitos dos povos indígenas do Brasil”. O atual governo entregou as rédeas dela para ruralistas e religiosos fundamentalistas. E ela se tornou a maior inimiga de quem devia defender. Por exemplo, em fevereiro deste ano a fundação baixou a Instrução Normativa 9, que escancarou as portas para invasores em áreas em processo de demarcação. Mas nem precisava, pois a Terra Indígena (TI) Piripkura, que tem 243 mil hectares de área, já tinha sido a mais devastada em 2020, entre as que vivem isolados: 962 hectares foram abaixo, 95% deste total somente entre agosto e dezembro. Em junho e julho deste ano, ela perdeu mais 220. Porém, a maior ameaça para os indígenas está no subsolo. 

Em dezembro de 2020, o governo federal lançou o primeiro de uma série de estudos, elaborado pelo Serviço Geológico do Brasil, que indica áreas onde há mais possibilidades de haver metais preciosos no norte do Mato Grosso. E deu a largada para mais uma corrida do ouro. Entre 1994 a 2020, havia 119 requerimentos de mineração na área; depois da divulgação dos estudos, houve mais 202, um aumento de 70% em oito meses. Um levantamento da Operação Amazônia Nativa (Opan) apontou que os pedidos de lavra de garimpo no entorno da TI passaram de 21 processos, que abrangiam 64 mil hectares, em 2017, para 34 em junho de 2021. Isso fez a área total pular para 143 mil hectares, um aumento de 123% em três anos e meio. 

Oficialmente, existem 28 povos isolados no Brasil, mas este número pode chegar a 86. As TIs Pirititi (que fica em Roraima), Jacareúba/Katawixi (no Amazonas) e Ituna/Itatá (no Pará) também vão perder a proteção em breve: a da primeira, que tem quase metade de sua área (47%) ameaçada pela grilagem, expira em 5 de dezembro; a última, que foi a terra indígena mais desmatada em 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro, fica ao deus-dará em 9 de janeiro de 2022. Afora a perda do conhecimento único que esses povos guardam, nossa geração vai carregar esses genocídios em sua consciência? 

* A imagem que ilustra este texto é do projeto The Crying Forest, do artista francês Philippe Echaroux.

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