Pedra cantada

Pedra cantada

No Brasil, profeta não arruma emprego; tudo é previsível. O que aconteceu em Brumadinho há três anos era pedra cantada. Pouco depois do desastre, já se sabia que dois relatórios do corpo técnico da Vale, um de 2017 e outro de 2018, alertavam a direção da empresa sobre os riscos de rompimento da barragem 1 da Mina do Córrego do Feijão. Mesmo assim, nada foi feito para evitar a morte de 272 pessoas e o desaparecimento de seis. Pior: menos ainda fizeram depois para evitar novas calamidades. Minas Gerais está aí como prova. Continuam empurrando com a barriga pessoas para a morte.

Segundo a Agência Nacional de Mineração (ANM), ainda há no país 65 barragens como a de Brumadinho, que deveriam estar desativadas. Destas, 46 ficam em Minas. Jeferson Lucas de Godoy, operário de 29 anos, vive à sombra desta aflição. Da janela da sala, no município de Ouro Preto, vê uma dessas estruturas, classificada pela ANM como em situação de emergência declarada. “Vivo embaixo de uma bomba relógio. E se estourar, tenho dois bebês e uma criança para pegar e correr”, diz ele. Como não sentir o medo quase palpável de Jefferson?

Minas chegou a ter 374 municípios – 43,8% do total – em situação de emergência por causa das chuvas. Cerca de 13,2 milhões de pessoas vivem em áreas que foram atingidas por chuvas e inundações, ou 61,6% da população. Barragens – de mineradoras e hidrelétricas – das regiões mais afetadas correram o risco de romper e algumas, como a do Carioca, no Rio São João, no centro-oeste do estado, e a da Mina de Pau Branco, em Nova Lima, região metropolitana de Belo Horizonte, transbordaram. E só há 14 fiscais para vistoriar todas as 350 em funcionamento.

A empatia que sentimos pelos mineiros pode virar dor à flor da própria pele. Minas hoje é uma espécie de maquete do futuro do meio ambiente no Brasil. O país pode virar um campo minado, caso absurdos, como a lei que afrouxa o licenciamento ambiental seja aprovada, e a verba para a área continue a cair como árvores. Uma monocultura de Brumadinhos.

E olha que a situação atual já inspira muitos cuidados: mais de 8 milhões de brasileiros vivem em áreas de risco – quatro a cada 100, sendo que no Sudeste a proporção chega a 10%. Não à toa, a região detém o trágico título de maior desastre climático do Brasil, quando 918 pessoas morreram e 99 desapareceram, levadas pela chuva que castigou a Serra Fluminense (RJ), em 11 de janeiro de 2011.

Esta data, o 5 de novembro de 2015 (Mariana) e o 25 de janeiro de 2019, nunca deveriam ser esquecidos, para que jamais dias tão tristes se repetissem. Nossos problemas não começaram no atual governo, mas ele teve que encarar Brumadinho menos de um mês depois da posse. Era de se esperar que tivesse mais sensibilidade em relação a isso e honrasse a memória dos mortos pela lama tóxica da Vale. Nesse bingo azarado não é questão de sorte não acontecer algo, mas questão de tempo, caso nada seja feito. Cabe a nós juntar as vozes para que não nos tornemos as pedras cantadas da vez.

 

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Vale diz não a proposta de contratação de assessoria independente para avaliar prejuízos em Brumadinho

Vale diz não a proposta de contratação de assessoria independente para avaliar prejuízos em Brumadinho

Uma inversão de valores. A Vale disse não a uma proposta das famílias atingidas pelo desastre em Brumadinho de contratação de uma assessoria técnica independente. Ela teria como missão calcular os danos provocados pelo rompimento da barragem da mineradora.

As vítimas alegam que somente uma empresa livre de qualquer influência tem como fazer um levantamento com correção das perdas na saúde, financeiras, ambientais, entre outras. A Vale diz que tem todas as condições de fazer essa contagem. Há controvérsias.

Via O Globo

Foto: Adriano Machado/Reuters

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Carnaval também é reflexão

Carnaval também é reflexão

“O Carnaval é a maior caricatura, na folia o povo esquece a amargura”, diz a letra do velho samba. Mas também há espaço para a dura realidade e para a reflexão em meio à alegria. Cantando os rios em seu enredo, a campeã Portela levou à Avenida um carro que lembrou a tragédia de Mariana.

Com isso, a escola de samba de Madureira chamou atenção para o desastre ambiental que matou o Rio Doce e pelo menos 19 pessoas. Um crime que continua impune.

Enquanto isso, o governo federal, que deveria manter os pés na realidade, preferiu recorrer ao mundo da fantasia para fugir à sua responsabilidade: no informe oficial que enviou à ONU sobre a situação dos direitos humanos no Brasil, omitiu o desastre ambiental do Rio Doce, além do aumento do desmatamento na Amazônia.

Haja samba para superar essa desarmonia com a verdade.

Via: Jornal Nacional

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Saiba mais: https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2017/03/assinado-por-paulo-barros-enredo-da-portela-falou-sobre-rios.html

Rio Doce sob vigilância

Rio Doce sob vigilância

A Samarco terá que contratar uma perícia emergencial para verificar se a lama de rejeitos de minério de ferro ainda vaza da barragem de Fundão, em Mariana (MG), sobre o Rio Doce.

A decisão foi tomada na última sexta, 12, pela juíza Rosilene Maria Clemente de Souza Ferreira, da Justiça Federal de Minas Gerais.

Ela atendeu a um pedido do Ministério Público Federal (MPF).

Há oito dias, completou-se um ano desde o estopim da tragédia do Rio Doce. E a mineradora ainda parece vacilar bastante em pelo menos começar a sanar os danos dos crimes socioambientais que cometeu.

Via G1

Foto: Dante Pavan / GIAIA

Saiba mais: https://g1.globo.com/minas-gerais/desastre-ambiental-em-mariana/noticia/2016/11/samarco-tera-que-contratar-pericia-emergencial-em-area-de-barragem.html

Krenaks de Mariana sem água

Krenaks de Mariana sem água

Entre os atingidos pela tragédia de Mariana estão os índios Krenak.

Desde que o Rio Doce foi contaminado pela lama, sua sobrevivência e suas atividades dependem de caminhões-pipa e garrafas de água.

Uma mudança brusca para quem tinha no corpo d’água um local para as crianças nadarem e o gado saciar a sede.

Os índios afirmam que a Samarco demora a apresentar um plano de limpeza e não envia representantes à reserva para dialogar.

Uma pena. A mineradora tem muito a aprender com os povos indígenas sobre como ter uma relação harmoniosa com recursos naturais.

Via Estadão

Foto: Lincon Zarbietti / O Tempo

Saiba mais: https://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,lama-faz-indios-krenaks-depender-de-agua-mineral,10000086316