janeiro 2025 | Direitos indígenas, Mudanças Climáticas
Auguegi wao!
Na língua Bakairi, eu chego e peço licença: deixem-me falar! Deixem-me contar um pouco sobre as nossas lutas neste ano de 2024, compartilhar nossas preocupações e, claro, nossas conquistas. Neste ano, nós, povos indígenas de Mato Grosso, representados pela Federação dos Povos e Organizações Indígenas de MT (Fepoimt), conquistamos mais espaços. E não falo somente da demarcação de territórios, mas também de lugares de fala.
Sim, porque começamos o ano com novos representantes no Conselho Nacional de Políticas Indigenistas, tão importante na luta pelos nossos direitos. Consolidamos o Acampamento Terra Livre (ATL) em Mato Grosso com a participação de mais de 400 indígenas dos 46 povos do estado na praça Ulisses Guimarães, em Cuiabá, uma mobilização crucial para ampliar o diálogo com os poderes Executivo e Legislativo e compartilhar as nossas lutas com a sociedade.
Por falar em conquistar espaços públicos, 12 vereadores indígenas foram eleitos nas eleições municipais. Agora são 12 vozes a mais em defesa dos direitos dos povos tradicionais nos próximos quatro anos, em vários cantos de Mato Grosso.
Após décadas de luta e embates jurídicos, celebramos a homologação do território indígena Cacique Fontoura, do povo Iny Karajá, e a declaração dos limites de ocupação tradicional do território Apiaká do Pontal e Isolados.
Também levamos uma delegação a Brasília, onde fomos recebidos por quatro ministros do Supremo Tribunal Federal para debater a inconstitucionalidade do marco temporal. Conquistamos a participação dos povos indígenas no programa do governo “Arroz da Gente”, de incentivo à produção com acompanhamento técnico e garantia de comercialização. O Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome também incluiu os povos indígenas no Plano Nacional de Cuidados.
Mas este foi um ano de estiagem severa, e os incêndios florestais devastaram nossos territórios. De janeiro até agora, o número de focos de calor foi quatro vezes maior que no mesmo período do ano passado. Já estamos em emergência climática!
Não temos como impedir as mudanças, mas podemos nos preparar. Precisamos de um plano de adaptação climática para as cidades, é urgente! Precisamos de um plano de manejo do fogo, já que nas condições climáticas atuais, a prevenção e o combate não são mais os mesmos. Os sinais estão todos aí, a natureza vem nos alertando.
Em 2025, como anfitrião da COP30, a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, o Brasil ousa ser protagonista da agenda climática. Com três dos principais biomas do país, o Estado de Mato Grosso pode e deve estar no centro dos debates e das decisões políticas. E a nossa expectativa é participar efetivamente da construção das políticas públicas. Por isso defendemos a criação de uma secretaria indígena no estado, com recursos próprios. Queremos construir pontes, e não muros.
Nossa missão neste ano que se inicia segue firme: trabalhar em defesa dos direitos dos povos indígenas ao bem viver. Para tanto, é preciso conversar! Governador, bancadas parlamentares, estamos abertos ao diálogo!
Auguegi wao!
*ELIANE XUNAKALO é presidenta da Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso (Fepoimt)
Artigo produzido por Uma Gota no Oceano e publicado pelo jornal A Gazeta em 31/12/2024
Link: https://flip.maven.com.br/pub/jornalagazeta/?numero=11652&ipg=1238093#page/2
abril 2024 | Amazon, Amazônia, Área de preservação ambiental, Biodiversidade, Povos indígenas
por Toya Manchineri*
No coração da maior floresta tropical do mundo, a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) celebra 35 anos de resistência e comprometimento com a defesa de nossos territórios e culturas. À medida que nos preparamos para a COP-30 em Belém, refletimos sobre as conquistas e os desafios que persistem. Comemoramos as vitórias do passado, mas estamos de olho no futuro, com o pé no presente. “Demarcação, já!” é nosso lema; mas apenas demarcar já não é mais suficiente. Nesse sentido, a história da Terra Indígena Yanomami é exemplar. Homologada em 1992, ela continua sendo constantemente ameaçada por invasões. Este não é um problema isolado; é uma realidade enfrentada por muitas comunidades. Os que invadem nossas terras são apoiados por poderes econômicos e políticos.
Representamos cerca de 860 mil indígenas de 180 povos diferentes, falantes de 160 línguas. Nossa diversidade é nossa força, mas enfrentamos adversidades significativas. É crucial intensificar esforços para proteger o que é sagrado e vital para a sobrevivência de toda espécie humana. Os Planos de Gestão Territorial e Ambiental (PGTAs), também chamados de Planos de Vida, são elaborados pelos próprios povos, que conhecem as particularidades de suas terras e suas necessidades, e sabem a melhor forma de preservar o meio ambiente local. Não paramos no tempo: unimos nossos saberes ancestrais, acumulados ao longo de 12 mil anos de manejo da floresta, com a ciência moderna.
Não poderíamos falar de COIAB sem citar o papel fundamental das mulheres em sua criação e consolidação. Um exemplo marcante é o da Associação das Mulheres Indígenas do Alto Rio Negro (Amarn), cujo apoio contínuo desde os primeiros dias foi essencial para o desenvolvimento e fortalecimento da COIAB. Entre os nomes que compuseram a coordenação executiva da COIAB, podemos citar a pioneira Maria do Carmo Serra Wanano, a ministra dos Povos Indígenas Sonia Bone Guajajara e Nara Baré, a primeira mulher eleita como coordenadora-geral. Para nós, o planeta onde vivemos e a que tudo devemos tem nome e sobrenome femininos: Mãe Terra.
Enfrentamos perigos imediatos. Políticos mal-intencionados querem que a sociedade brasileira aceite a tese do “marco temporal” – mais de uma vez declarado inconstitucional pelo STF –, e buscam criar atalhos para a entrada de desmatadores na Amazônia, como a Ferrogrão e o asfaltamento da BR-319, que liga Manaus a Porto Velho; e a exploração de gás no Maranhão e de potássio no Território Mura. É uma luta desigual: enquanto temos apenas uma representante no Congresso, a bancada ruralista conta com 374.
Conclamamos a sociedade brasileira e os cidadãos do mundo a se juntarem a nós nesta luta, não apenas dos povos indígenas, mas de todos que valorizam a vida e a justiça ambiental. Essa não é uma luta só de 860 mil indígenas, mas de todos os 8 bilhões de habitantes da Terra. É o recado que queremos dar ao mundo em Belém, em 2025. A COIAB foi fundada num 19 de abril, Dia dos Povos Indígenas, e à medida que avançamos para a COP-30, carregamos as esperanças e os sonhos de nossos ancestrais, comprometidos em proteger nossa Mãe Terra para as futuras gerações.
* Toya Manchineri é coordenador executivo da COIAB.
fevereiro 2024 | Direitos indígenas, Marco Temporal, Povos indígenas, Povos Tradicionais, Quilombola
Se é verdade que o ano no Brasil só começa depois do Carnaval, ainda bem que este caiu no início de fevereiro, pois temos muito a fazer. O bloco da Bancada do Fim do Mundo não está nem aí para estourar o tempo do desfile – leia-se o prazo para tomarmos medidas definitivas contra o avanço das mudanças climáticas e o ponto de não retorno da Amazônia –, como se não houvesse amanhã. Fora que o seu repertório parece inesgotável, embora seja só variações sobre os mesmos temas. E aqui estamos nós, com 30 anos de atraso – a Constituição diz que todas as terras indígenas deveriam estar demarcadas até 1993, bem como determinou a titulação dos quilombos –, falando de “marco temporal”. Um enredo do século passado.
A Unidos do Ruralismo tem em mãos uma ala quase imbatível, a maioria do Congresso mais antivida que já tivemos. Em 21 de setembro de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu, por nove votos a dois, a inconstitucionalidade da tese, que põe barreiras quase intransponíveis para que novos territórios originários sejam homologados – e ainda ameaça muitos já demarcados. A despeito de a maior Corte do país considerá-la inconstitucional, os ruralistas aprovaram, ainda em setembro, o PL 2.903/2023, que institui o marco temporal.
O projeto foi vetado pelo presidente Lula em outubro, mas os congressistas derrubaram o veto. Seu nome agora é Lei 14.701/2023. Coube a uma deputada federal indígena liderar uma nova luta no Supremo, agora pela inconstitucionalidade da lei. Inacreditavelmente, o judiciário terá que julgar novamente um caso que já deu por resolvido. Anotem na agenda: o STF julga este ano duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) e enfrenta a pressão dos lobbies do agronegócio e da mineração. O relator será Gilmar Mendes.
Também dormita na Câmara o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 177/2021, cujo objetivo é retirar o Brasil da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Na prática, ela liberaria geral a mineração, o agronegócio e a construção de obras de impacto em terras indígenas. Ou seja, mais do mesmo. A Escola de Samba Salgueiro levou à avenida o enredo Hutukara, que conta a história da luta Yanomami. Sim, luta. O próprio Davi Kopenawa, uma de suas mais proeminentes lideranças, pediu que a escola não tratasse os Yanomami como coitadinhos e, sim, como são de fato: guerreiros. A invasão de sua terra por garimpeiros remonta aos anos 1980, mas eles vêm resistindo bravamente.
Só que já passou da hora de encontrar uma solução rápida e definitiva. No início do ano, o governo federal anunciou que vai investir R$ 1,2 bilhão numa operação permanente contra o garimpo ilegal. É preciso que os povos indígenas participem da coordenação dessas ações e fiscalizem para onde vai esse dinheiro. Sabe-se que membros das Forças Armadas que têm simpatia pelo garimpo sabotaram missões no território – isso sem contar os políticos da região, que têm políticas francamente anti-indígenas. É agente da “abin paralela” pra todo lado.
Os garimpeiros não trabalham para si próprios, mas para muitos dos ocupantes das cadeiras do Congresso ou empresários que os apoiam financeiramente – e este ano tem eleições municipais. É preciso escolher candidatos comprometidos com a defesa da vida e ficar nos seus pés depois de eleitos. Cada anúncio de obra do PAC na Amazônia merece atenção redobrada. Uma estrada asfaltada, hidrovias, pistas de pouso e ferrovias serviriam para facilitar a vida dos invasores e para desviar dinheiro que poderia desenvolver a bioeconomia e ações de conservação. Tapetes vermelhos para o crime por cima do verde.
Outro desafio que não pode esperar mais um Carnaval é o desmatamento no Cerrado. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), enquanto houve uma redução de 50% do desmatamento na Amazônia, no segundo maior bioma do Brasil ele cresceu 43%. Foram abaixo 7,8 mil km² de vegetação nativa em 2023. Não tem tanto segredo porque a causa é basicamente uma: o avanço sem trégua do monopólio da soja.
A solução mais prática e óbvia nos leva ao início do artigo: o aumento de áreas protegidas. A Amazônia tem mais de 40% de seu território coberto, enquanto no Cerrado essa proporção fica entre 12% e 14%. É preciso demarcar mais terras indígenas, territórios quilombolas e unidades de conservação. E, claro, cortar os subsídios dos desmatadores. A marchinha favorita dessa turma é “Me dá um dinheiro aí”.
Como diz o pensador acadêmico da ABL Ailton Krenak, “até quando as pessoas vão ficar olhando o povo indígena defender sozinho a floresta?”. O escritor também disse que não quer “salvar os indígenas, mas evitar a extinção da espécie humana”. Tem enredo melhor que esse? É hora de a sociedade civil puxar esse samba.
Saiba mais:
ACNUDH manifesta-se contra retirada do Brasil da Convenção 169 da OIT
https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cdhm/noticias/acnudh-manifesta-se-contra-retirada-do-brasil-da-convencao-169-da-oit
Não adianta chorar sobre o cerrado derrubado
https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2024/01/nao-adianta-chorar-sobre-o-cerrado-derrubado.shtml
Congresso derruba veto de Lula ao marco temporal das terras indígenas
https://www12.senado.leg.br/noticias/videos/2023/12/congresso-derruba-veto-de-lula-ao-marco-temporal-das-terras-indigenas
Marco temporal volta ao STF com três ações diferentes e Gilmar Mendes relator; entenda
https://www.brasildefato.com.br/2024/01/04/marco-temporal-volta-ao-stf-com-tres-acoes-diferentes-e-gilmar-mendes-relator-entenda
PP, Republicanos e PL acionam o STF para validar o marco temporal de terras indígenas
https://www.jota.info/justica/pp-republicanos-e-pl-acionam-o-stf-para-validar-o-marco-temporal-de-terras-indigenas-28122023
fevereiro 2024 | Amazônia, Biodiversidade, Direitos indígenas, Mudanças Climáticas, Povos indígenas
Não é de hoje que os indígenas vêm dizendo ao mundo que o clima está mudando e só têm encontrado ouvidos de mercadores. “Há muito tempo, desde que eu era menino, há 30, 40 anos, meu povo vem notando essas mudanças no clima, o calor aumentando e a chuva rareando. Antigamente, chovia pelo menos a cada 10 dias. Agora, são 90 dias sem cair um pingo sequer”, diz o cacique Zé Bajaga Apurinã, da aldeia Idecora, na Terra Indígena Caititu, que fica no município de Lábrea (AM).
“Temos visto deslizamentos de terra e inundações nas cidades. Isso acontece porque desmataram as encostas dos morros e impermeabilizaram o solo. A água não tem para onde ir e nenhum tipo de contenção. As cidades precisam de mais áreas verdes. É preciso reflorestá-las. Sem contar que o cimento e o asfalto refletem o sol e fazem o calor aumentar”, ensina o cacique Zé Bajaga, que também é coordenador executivo da Federação das Organizações e Comunidades Indígenas do Médio Purus (Focimp) e faz parte do Conselho da Coordenação das Organizações da Amazônia Brasileira (Coiab).
A guerra contra a crise no clima tem que se dar em duas frentes: a redução da emissão de gases do efeito estufa e a adaptação dos territórios – urbanos, rurais ou florestais – à nova realidade por ela imposta. A ocupação da Amazônia começou há 14 mil anos e os povos originários têm todo esse tempo de experiência acumulada para se adaptar a circunstâncias adversas, incluindo catástrofes naturais. E eles já começaram a planejar para lutar em ambos os flancos, unindo saberes ancestrais e ciência moderna ‘no papel’. O Plano de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA) é uma ferramenta da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI) que norteia a forma como eles manejam seu território. É tão importante para os povos originários que eles o chamam de Plano de Vida.
Apesar de um estudo do governo federal ter alertado que, em mais de um terço dos municípios brasileiros, há pessoas vivendo em áreas suscetíveis a desastres naturais, a Confederação Nacional dos Municípios revelou que menos da metade dos municípios brasileiros que estão no Cadastro Nacional de Risco possuem Plano Municipal de Redução de Risco e 30% deles não têm sequer Plano Diretor. Enquanto isso, os povos indígenas vêm investindo na elaboração ou reformulação do PGTA de suas terras para contemplar estratégias de enfrentamento ao aquecimento global.
O cacique Zé Bajaga Apurinã exemplifica uma ação voltada para o combate às mudanças climáticas prevista no documento que ajudou a conceber: “Nosso plano prevê a plantio de árvores de diversos tipos, frutíferas e não frutíferas, que ajudam a reduzir a temperatura local e a chuva a voltar”. Essas árvores também servirão de abrigo e vão fornecer alimentos à fauna local, que se encarregará de espalhar sementes pela mata. Os PGTAs têm o objetivo de promover a proteção socioambiental, o desenvolvimento sustentável e a implementação de políticas públicas em seus territórios – como saúde e educação.
Pensando em compartilhar conhecimento e buscar financiamentos para implementar e executar os PGTAs na Amazônia, a Coiab lançou um site que reúne quase 100 projetos de organizações dos nove estados da Amazônia Legal. É o maior banco de dados sobre esses territórios, que cobrem 700 mil km², onde vivem 152 povos diferentes, 17% deles isolados.
“A ideia é que o site seja uma vitrine para mostrar o que cada terra indígena tem feito pela sustentabilidade e as soluções que já encontramos e praticamos em nossos territórios. Essa ferramenta pode ser uma importante contribuição dos povos indígenas para a autossustentabilidade da Amazônia e do planeta”, explica o coordenador de Projetos da Coiab, Luiz Penha, do povo Tukano, do Amazonas. “É importante lembrar que a conservação das florestas e o equilíbrio do clima passam pela garantia de direitos aos indígenas sobre suas terras, e o PGTA é um instrumento feito de forma coletiva, por cada povo indígena, com esse objetivo”, completa o coordenador-geral da Coiab, Toya Manchineri.
As tragédias se repetem, ano após ano, nas regiões Sul e Sudeste, as mais desenvolvidas do país. Enquanto isso, os povos originários continuam compartilhando saberes e aprendizados acumulados ao longo de milênios manejando a floresta, para mostrar um caminho possível para a gestão dos vários territórios em tempos de mudanças climáticas. Ouvir os indígenas é importante, mas não basta para frear o colapso do clima e do planeta: é preciso agir como eles.
Saiba mais
Todos os Planos de Gestão Territorial e Ambiental (PGTAs)
https://pgtas.coiab.org.br/
2023 é o mais quente em 174 anos, confirma relatório da OMM
https://portal.inmet.gov.br/noticias/2023-%C3%A9-o-mais-quente-em-174-anos-confirma-relat%C3%B3rio-da-omm
48 mil morreram por ondas de calor no Brasil entre 2000 e 2018
https://oc.eco.br/mais-de-48-mil-pessoas-morreram-por-ondas-de-calor-no-brasil-entre-2000-e-2018/?swcfpc=1
El Niño está sendo intensificado pelas mudanças climáticas, trazendo chuvas mal distribuídas
https://jornal.usp.br/atualidades/el-nino-esta-sendo-intensificado-pelas-mudancas-climaticas-trazendo-chuvas-mal-distribuidas/
Desastres em 47% dos Municípios forçaram mais de 4,2 milhões a deixarem suas casas nos últimos 10 anos
https://www.cnm.org.br/comunicacao/noticias/desastres-em-47-dos-municipios-forcaram-mais-de-4-2-milhoes-a-deixarem-suas-casas-nos-ultimos-10-anos
Mais de um terço dos municípios brasileiros têm moradores em áreas de risco de desastres naturais, aponta estudo
https://g1.globo.com/politica/noticia/2024/01/18/mais-de-um-terco-dos-municipios-brasileiros-tem-moradores-em-areas-de-risco-de-desastres-naturais-aponta-estudo.ghtml
janeiro 2024 | Agronegócio, Biodiversidade, Catástrofe ambiental, Garimpo, Mercúrio, Mineração
Seca extrema e contaminação pelo metal também ameaçam o agronegócio
Depois de uma estiagem recorde, a bacia amazônica voltou a encher. Isso não impede que chova mercúrio na horta do agronegócio: o metal, em forma de vapor, acaba chegando aos rios voadores que regam lavouras e pastos nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul do país. Usado no garimpo ilegal que invadiu terras indígenas, o metal pesado não tem contaminado somente os Yanomami, que sofrem com a crise humanitária que devasta seus territórios, mas outros povos da floresta, como os Munduruku, e grandes centros urbanos: 75,6% da população de Santarém – a terceira maior cidade do Pará – também apresenta níveis de mercúrio no organismo acima do aceito pela OMS.
Por Alessandra Korap e Marcelo de Oliveira Lima*
Pode chover mercúrio na horta dos ruralistas. O desmatamento é uma das principais causas daquela que, ao que tudo indica, figura como a pior seca já registrada na Amazônia.
O mercúrio usado no garimpo evapora do solo e da água e se acumula na atmosfera. Os rios voadores, nuvens que se formam na floresta, levam chuva para as regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul. A água que cai do céu e garante as boas safras do agronegócio pode estar contaminada.
Mesmo que essas regiões venham sendo atingidas por uma sufocante onda de calor, latifundiários e comerciantes de ouro ainda se sentem protegidos dos efeitos das mudanças climáticas dentro de suas casas bem refrigeradas. Como veem os povos da floresta como meros entraves para seus interesses, não custa reforçar que eles também têm a perder caso continuem destruindo a Amazônia.
Na forma de vapor, o mercúrio penetra em nosso organismo pela água que bebemos, pelo pescado que comemos e pelo ar que respiramos. Ele não respeita fronteiras: não bastasse o garimpo ter crescido no governo passado, também aumentou em países como Peru, Bolívia e Venezuela. Estudos do Instituto Evandro Chagas (IEC) apontam que seus efeitos são potencializados pela estiagem, fazendo com que a água que resta nas regiões mais secas tenha concentrações mais altas do metal, pois ele não se dilui nos leitos correntes dos rios.
O pescado, base da alimentação dos ribeirinhos, também está comprometido. As espécies mais resistentes à seca são as predatórias, que absorvem mercúrio de suas presas. Muitas delas desovam nos Andes e vão para a foz do Amazonas, espalhando o metal por toda a bacia.
O mercúrio também é absorvido do solo pela vegetação. Com a estiagem, os incêndios são mais frequentes, e o metal vira fumaça e chega à atmosfera. Outro agente de contaminação é o processo de industrialização da Amazônia. Uma única empresa de Barcarena, no Pará, já mandou para o ar, com a queima de combustíveis fósseis, 17 mil gramas de mercúrio.
Em parceria com o IEC, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) vem realizando uma série de estudos sobre contaminação entre os mundurukus desde a década passada. Em 2019, foram examinados 200 habitantes de três aldeias: Sawré Muybu, Poxo Muybu e Sawré Aboy. E 6 a cada 10 deles tinham níveis de mercúrio no organismo acima do limite.
Outro estudo, da Universidade Federal do Oeste do Pará com a Fiocruz e WWF Brasil, realizado em Santarém (oeste paraense), apresentou resultados assustadores. Foi coletado sangue de 462 pessoas, entre 2015 e 2019, e todas as amostras apresentaram concentrações altas, sendo que 75,6% delas tinham níveis acima do aceito pela Organização Mundial da Saúde.
Esse mercúrio não só chega ao córtex cerebral dos viventes como à placenta de gestantes. Muita gente tem o metal no organismo e não apresenta sintomas. Mas, no Japão, onde ocorreu um grave acidente em 1956, foi observado que algumas pessoas só começaram a adoecer 20 anos depois. O que realmente deveria valer ouro é a saúde da população.
*Alessandra Korap é uma liderança indígena do povo Munduruku, é presidente da Associação Indígena Pariri e vencedora do “Goldman Enviromental Prize” de 2023
*Marcelo de Oliveira Lima é um pesquisador em saúde pública da Associação Brasileira de Saúde Coletiva
Página 1 de 1612345678...»Última »