Sejamos jardineiros, não desmatadores

Sejamos jardineiros, não desmatadores

Uma das primeiras coisas que a gente aprende nas aulas de História é que o nosso país foi batizado por causa de uma árvore; mas por um triz, só a conheceríamos pelos livros. O pau-brasil – em tupi-guarani, ibirapitanga, “árvore vermelha” – foi explorado sem dó nem replantio entre 1502 e 1875. No início do século XX já o consideravam extinto, até que em 1928 o estudante de agronomia João Vasconcelos Sobrinho e o professor de botânica Bento Pickel encontraram um exemplar, onde hoje fica a Estação Ecológica da Tapacurá, administrada pela Universidade Federal Rural de Pernambuco. “Nunca tantos deveram tanto a tão poucos”.

O pau-brasil renasceu, foi declarado patrimônio nacional em 1978, mas ainda corre o risco de desaparecer. E não só ele, como mostram dois importantes levantamentos do IBGE e do Jardim Botânico do Rio de Janeiro – o último lançou a plataforma CNCFLora, onde podemos acompanhar novas descobertas ­– divulgados nos últimos meses. De acordo com o primeiro, entre 2014 e 2022, a porcentagem de espécies ameaçadas aumentou 57,3%, passando de 2.039 para 3.207. Os estudos também mostram que estamos concentrando atenção e esforços na Amazônia, enquanto negligenciamos três biomas igualmente importantes: segundo o IBGE, os que hoje têm mais plantas e árvores em perigo são a Mata Atlântica, o Cerrado e a Caatinga.

A primeira é justamente o berço do pau-brasil. Quando os portugueses chegaram aqui, a árvore cobria uma área que ia do Rio de Janeiro ao Rio Grande do Norte. A destruição da Mata Atlântica vinha decaindo, mas voltou a aumentar nos últimos quatro anos. O IBGE, seguindo os critérios da Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), chegou aos seguintes números: o bioma tem hoje 457 espécies consideradas criticamente em perigo, 1.231 em perigo, 423 vulneráveis e 337 quase ameaçadas. E a situação ainda pode piorar: em 24 de maio, a Câmara aprovou a Medida Provisória 1150, de autoria do ex-presidente Jair Bolsonaro, que alterava a Lei da Mata Atlântica. No Dia do Meio Ambiente, 5 de junho, Lula vetou trechos que enfraqueciam o combate ao desmatamento, mas ela voltará ao Congresso para nova votação. 

O Cerrado está ferrado. Há anos sua taxa de desmatamento, causado, sobretudo, pela monocultura da soja, é maior que o da Amazônia; para o seu azar, ele é vizinho de porta do bioma mais famoso, que atrai todos os olhares, com suas árvores que podem chegar a 80 metros de altura. Apesar de bem menos exuberante, por se tratar de uma savana, a importância do Cerrado é vital, pois é a nossa principal caixa d’água: oito das 12 maiores bacias hidrográficas do país nascem lá. É como uma floresta de cabeça para baixo; as raízes são bem maiores do que os troncos e copas. E é justamente por causa dessa característica que ele estoca tanta água. E, entre as 169 plantas criticamente em perigo no Cerrado, está a brasiliana. Definitivamente, desmatadores não gostam do Brasil.

O grande Alceu Valença pode ficar sem “o beijo travoso de umbu-cajá” de sua “morena tropicana”. Faça isso, não, seu moço. A árvore frutífera é uma das 146 espécies em perigo da Caatinga, segundo o relatório do Jardim Botânico/ CNCFLora. O bioma é o único que só existe no Brasil, mas é tratado desde sempre como o seu patinho feio. Entretanto, sua aparente aridez esconde uma biodiversidade espantosa. Além do umbu-cajá, podem sumir a aroeira do sertão e a baraúna. Essas plantas são verdadeiros condomínios: elas fornecem comida e abrigo para répteis, aves, mamíferos e insetos, e suas flores fazem a festa das abelhas, fundamentais para a reprodução de outras espécies vegetais. São acolhedoras como as casas nordestinas.

Até agora, o CNCFLora identificou 683 plantas criticamente em perigo. Se a Terra é um grande organismo, seus biomas são suas células e, as plantas, organelas (aparelhos de golgi, mitocôndrias, lisossomas, ribossomas etc.), cada qual com sua função. O desaparecimento de uma única espécie pode desencadear uma reação em cadeia capaz de desequilibrar ecossistemas inteiros. A lógica da natureza funciona assim: cada um no seu quadrado. Se temos mesmo o cérebro mais desenvolvido do planeta, nossa função deveria ser cuidar para manter esse equilíbrio em ordem. Sejamos seus jardineiros.

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Árvore e progresso

Árvore e progresso

por Malu Ribeiro*

O dia da árvore, data escolhida por anteceder o início da primavera no hemisfério sul, pode ser celebrado nesta Década da Restauração dos Ecossistemas, declarada pela Organização das Nações Unidas como um chamamento para a emergência climática e uma oportunidade para que possamos reconectar o nosso país à sua identidade. O Brasil é a única nação do mundo com nome de árvore e tem tudo para ser reconhecida como potencia verde, democrática, próspera e sustentável.

Ao reafirmar o nome do nosso país, neste dia da árvore, temos que nos comprometer com o fim do desmatamento, com a restauração das florestas e ecossistemas, com a descarbonização da economia e com a equidade socioambiental. O pau-brasil, espécie da Mata Atlântica símbolo da nossa identidade, ainda figura na lista crítica de extinção. Testemunhas de séculos de degradação, as árvores da Mata Atlântica por sua resiliência e generosidade nos mostram que um novo modelo de desenvolvimento que, priorize o meio ambiente, é o caminho que precisamos trilhar.

A Mata Atlântica se estende por cerca de 15% do território nacional, em 17 estados, e é o lar de 72% dos brasileiros. Concentra 70% do PIB nacional e garante serviços ambientais essenciais à vida, como o abastecimento de água, a regulação do clima, a agricultura, pesca, energia elétrica, turismo e saúde. Apesar de ser o único bioma brasileiro a contar com uma lei especial para sua proteção e uso sustentável (Lei no. 11.428/2006) restam apenas 12,4% da floresta original.

Preservar e restaurar a Mata Atlântica é uma missão urgente. Ao longo de 36 anos de atuação, a Fundação SOS Mata Atlântica plantou mais de 42 milhões de árvores, em 9 dos 17 estados do bioma. Mas, ainda é preciso fazer muito mais. Restaurar a Mata Atlântica é uma contribuição para o Brasil cumprir a meta do Acordo de Paris e neutralizar as emissões da agropecuária no bioma até 2042, com a restauração de 15 milhões de hectares de florestas e a geração de empregos verdes.

É preciso fazer valer a Lei da Mata Atlântica, erradicar o desmatamento, reforçar a fiscalização, incentivar a conservação e a restauração por meio de instrumentos econômicos, de áreas protegidas e de educação ambiental. É urgente recuperar quatro milhões de hectares em Áreas de Preservação Permanente (APP) definidas no Código Florestal como especiais por serem responsáveis em garantir a perenidade dos rios e nascentes de água e proteger a população mais vulnerável, as cidades e o campo, de desastres potencializados pela mudança do clima.

Declarada patrimônio nacional na Constituição de 1988, a Mata Atlântica reúne 15, 7 mil espécies de plantas e dentre elas, mais de uma centena de árvores. Essas árvores são muito poderosas. Abrigam a biodiversidade, nos proporcionam alimento, água, conforto, bem-estar. Formam paisagens exuberantes e são reconhecidamente mantenedoras da fertilidade do solo, da qualidade do ar e da água. Fazem parte do nosso dia a dia, da nossa história e cultura, estão nos nomes de cidades, ruas, nos poemas e musicas, em obras de arte e cartões postais.

Pau-brasil, Araucária, Jacarandá, Jequitibá, Pitanga, Jabuticaba, Cambuci, Jatobá, Gabiroba, Cambucá, Jussara, Araça, Uvaia. Escolha as suas e junte-se a nós. Plante árvores e, nesta eleição, vote em candidatos e candidatas comprometidos com a defesa da Mata Atlântica e do meio ambiente.

Escolha candidaturas que nos ajudem no Congresso Nacional a aprovar leis que incentivem a restauração, que garantam recursos financeiros, conhecimento e tecnologia para que possamos fazer do Dia da Árvore muito mais que uma data no calendário.

Está nas nossas mãos a oportunidade de reconstruir uma nação mais verde e azul, justa, sustentável e próspera.

*Malu Ribeiro é diretora de Políticas Públicas e Advocacy da Fundação SOS Mata Atlântica, especialista da causa Água Limpa e do Projeto Observando os Rios. Bacharel em Comunicação Social, ela é jornalista com atuação em políticas públicas, gestão ambiental e de recursos hídricos. Ela também é editora e coautora da Rede das Águas da Fundação SOS Mata Atlântica, voltada à articulação entre organizações, redes e fóruns de água.

A Mata Atlântica é História e futuro

A Mata Atlântica é História e futuro

A Mata Atlântica sempre foi tratada como a casa da mãe Joana e ganhou um presente de grego em seu dia, comemorado em 27 de maio. Saiu nesta data a notícia de que o bioma perdeu 130,53 km² entre 2019 e 2020. Ainda que a devastação tenha sido menor que a do ano anterior, foi 14% maior que a de 2017-2018, quando comemorávamos a menor taxa de desmatamento em 36 anos. É mito que a floresta tenha sido destruída aos poucos no período colonial, quando os europeus começaram a derrubar árvore para plantar cana-de-açúcar e, em menos de 30 anos, quase levaram à extinção o pau-brasil. O bota-abaixo para valer aconteceu no século XX, quando 5.364,8 km² de mata foram ao chão só entre 1985 e 1990. Tudo isso no quintal de casa da maior parte dos brasileiros. Hoje, sobraram só 12,4% dos seus 1.310.298,98 km² originais.

Toda esta situação desmente um dos hits da desinformação nas atuais discussões sobre ecologia: o argumento de que só as nações ricas destruíram suas florestas, enquanto o Brasil manteve as suas intactas. A área derrubada aqui equivale a três Alemanhas e meia. Não devemos nada a eles. Quer dizer, não em relação a isso. Então, que tal aproveitar a Semana do Meio Ambiente para perguntar: em nome de quê? Presente em 17 estados e lar de 72% da população do país, o bioma parecia ter o desmatamento sob controle até 2017, com dois períodos consecutivos de queda. Mas a coisa degringolou no ano seguinte, quando o indicador cresceu 27% e segue destrambelhada desde então, como mostra o relatório anual da Fundação SOS Mata Atlântica, feito em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Se este parágrafo inteiro lhe fez pensar num certo pessoal que anda batendo ponto em Brasília, tudo bem. A relação era inevitável mesmo.

No ano passado, o ministro do Meio Ambiente sugeriu ao presidente uma revisão na Lei da Mata Atlântica. A regra sancionada em 2008 reduziu consideravelmente a devastação do bioma. Além disso, também tentou anistiar desmatadores ilegais. Investigado por contrabando de madeira, o menino da porteira está feliz com a boiada que passa e só falta pedir ao vaqueiro que toque o berrante. Vale lembrar que, em tese, ele conhece bem a Mata Atlântica – pelo menos por mapas. Salles começou sua carreira como secretário do meio ambiente em São Paulo. É diferente da Amazônia, que ele só viu pela primeira vez após ter se mudado para o Plano Piloto. Agora, entre conhecer e preservar, há uma grande diferença.

As razões para devastação da Mata Atlântica são várias. A expansão imobiliária, a ocupação de áreas pela agropecuária e a queima de árvores para produção de carvão vegetal são apenas algumas delas. Para piorar a situação, tramita hoje no Congresso um projeto que flexibiliza o licenciamento ambiental. O texto abre caminho para mais desmatamento e facilita a construção de barragens como as da Vale e da Samarco, por exemplo. O rompimento da primeira devastou 1,3 km² de vegetação nativa após em 2019. Já o rompimento da segunda arruinou o Rio Doce, cuja bacia atinge 228 municípios de Minas Gerais e Espírito Santo. Tudo isso dentro do mesmo bioma: a Mata Atlântica, que abriga os rios que abastecem Rio e São Paulo. Sentiu o drama? Quem nos lê de uma das duas maiores cidades brasileiras pode, em breve, ter saudades da água do volume morto ou com notas de geosmina.

Mas calma. A esperança é como uma população de micos-leões dourados que, mesmo com risco de extinção, cresce de novo quando a gente preserva. Aqui vão alguns motivos para isso. No Desafio de Bonn e na Declaração de Florestas de Nova York, o Brasil se comprometeu a reflorestar 120 mil km² até 2030. E um estudo publicado em julho de 2019 na revista “Science Advances” identificou que a Mata Atlântica é nosso bioma mais apto a ser regenerado. Assinada por 25 cientistas de Austrália, Brasil, Estados Unidos, Polônia, Reino Unido e Suécia, outra pesquisa divulgada na “Nature Ecology & Evolution” foi além e apontou áreas específicas deste ecossistema para a restauração, levando em conta desde critérios econômicos à conservação da biodiversidade e o combate às mudanças climáticas. De acordo com esta análise, seria possível evitar a extinção de 745 espécies de animais e plantas, absorver um bilhão de toneladas de CO₂ e ainda economizar US$ 28 bilhões por meio desta iniciativa. Ou seja, temos a faca e o queijo na mão. A Mata Atlântica está em nossa História, sobrevive heroicamente no presente e pode ser vital para o nosso futuro.

 

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Galinha que tem nome não vai para a panela

Galinha que tem nome não vai para a panela

“Galinha que tem nome não vai pra panela”. Regina Casé recorreu ao dito popular para lembrar a importância da educação para a preservação da natureza. “Eu era míope, enxergava a mata como uma mancha verde. Aos poucos fui ajustando o grau de meus óculos e comecei a identificar as árvores por seus nomes e me apaixonar por elas. Acho que isso devia ser ensinado às crianças nas escolas. Se a criança sabe o nome de uma árvore, se apaixona por ela, não vai querer que a cortem”, completou a atriz, que ao lado do marido e cineasta Estêvão Ciavatta, criou há 19 anos o programa de TV “Um pé de quê?”. A dupla participou da live sobre biodiversidade com o arquiteto, urbanista Miguel Pinto Guimarães, presidente do conselho de Uma Gota no Oceano. A conversa encerrou a programação oficial da Semana do Meio Ambiente no Brasil, organizada pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), que nos convidou para participar.

A conversa foi mais uma oportunidade de refletir o momento atual em busca de reflexões que ajudem a conscientizar a população, a gerar solidariedade e a mudar a relação do ser humano com o meio ambiente. Mas do que nunca, trocar ideias é preciso. “As florestas têm 400 milhões de anos. Se não fossem elas, a gente não estaria aqui”, refletiu Estêvão. No ar desde 2001, “Um Pé de Quê?” roda o Brasil e o mundo – teve episódio gravado também em Moçambique, Japão e França – identificando e contando a história das mais diferentes espécies de árvores. Até agora foram 180 episódios. Regina aproxima o espectador às árvores da cultura, da História, da tecnologia e da sua relação com o homem. Em 2007 ele se tornou o primeiro programa de TV carbono zero.

O papo começou pela árvore símbolo do país, o ipê-amarelo, e suas versões roxo, branco e verde. É uma árvore que ocorre no Brasil inteiro, tem do Rio Grande do Sul à Amazônia”, lembrou Estêvão. O ipê também é símbolo de uma das maiores ameaças às nossas florestas, a exploração ilegal de madeira. “O ipê hoje é a árvore mais valiosa da Floresta Amazônica. É muito usada em construção. Um caminhão com toras de ipê vale R$ 200 mil. E isso que abre o caminho para a devastação, pois só os exploradores de ipê têm dinheiro entrar mata adentro. Seria o momento de a gente parar de usar essa madeira em nossas obras, de fazer campanha para os gringos pararem de comprar ipê brasileiro, porque isso está levando nossas florestas ao fim”, explicou Estêvão, que também é diretor do documentário “Amazônia Sociedade Anônima”.

Os sucessivos recordes de desmatamento que vêm se sucedendo desde o início do ano passado e a sua importância para o planeta põe a maior floresta tropical do mundo em evidência, mas ela não é o único bioma brasileiro em risco. “Só restaram 10% ou 12% de Mata Atlântica. É uma barbaridade imaginar que depois de se estabilizar o seu desmatamento isso a duras penas, ele volte a crescer agora”, lembrou Miguel. Para Regina, ela está também intimamente ligada à nossa cultura: “Cada som que vem dela sugere uma música, uma dança, um batuque. E cada gosto, uma comida diferente”.

Para a atriz, a as florestas também têm muito a nos ensinar. “Na Mata Atlântica tem espécies completamente convivendo harmonicamente. Isto deveria servir de lição para a gente. Nada melhor também do que uma árvore para dar noção de processo. Você planta uma e as pessoas dizem, ‘mas você nem vai vê-la na sua plenitude’. E eu digo ‘mas eu já peguei várias prontinhas, que não fui eu quem plantou’. Então temos a noção de que você não precisa fazer as coisas só para si. Alguém fez para você e você pode fazer para alguém”.

Num bioma aparentemente bem menos exuberante, Regina aprendeu outra lição. A atriz rodou o filme “Eu Tu Eles”, de Andrucha Waddington, nos anos 1990, quando passou uma boa temporada no sertão nordestino. E descobriu que a vida transbordava, nos mínimos detalhes, naquele cenário com aparência estéril. “Todo mundo acha que tem a gente e as árvores. Que o meio ambiente é um lugar longe pra caramba, que fica depois da Amazônia, enquanto ele está o tempo todo debaixo de nosso nariz, no ar que você respira, na água que a gente bebe. Na Caatinga a gente percebe mais isso”.

“Pero Vaz de Caminha escreveu em sua carta que aqui se plantando tudo dá. E é o que temos feito passado o trator e plantando o mesmo que se planta na Península Ibérica, destruindo nossa biodiversidade”, alertou Miguel. Só na Amazônia são 450 mil km de pasto inutilizado e apenas 45 mil km de plantação de grãos. “Ou seja, dá para quadruplicar a produção brasileira sem ter que desmatar mais nada. E o Cerrado é o manancial de águas não só de rios do Sudeste, como também da Amazônia. E A Floresta Amazônica produz 20 bilhões de toneladas de água por dia. Sem água não há agronegócio”.

“O Brasil não perde uma oportunidade de perder uma oportunidade”, dizia o economista Roberto Campos. Nossas reservas de água e nossa biodiversidade nos dariam uma imensa vantagem na retomada da economia no pós-pandemia, mas não estamos sabendo aproveitá-la. “Há um potencial de biodiversidade inexplorado que só o Brasil tem. Essa biodiversidade pode nos livrar dos coronavírus que vêm por aí. E estamos jogando tudo isso fora. Por isso temos que parar de dizer só ‘não desmata’ e mostrar ‘olha só a riqueza que a gente tem aqui’, para ver se todos entendem”, disse Regina. Ela lembrou também que tão importante quando essa diversidade biológica é nossa diversidade cultural, manifestada desde a ciência que sai das Universidades das grandes cidades à sabedoria ancestral dos povos tradicionais: “As diferenças são combustível de riqueza”.

“O futuro do mundo vai passar pela bioeconomia. Os países que vão sair na frente depois da pandemia são os que abraçarem essa economia verde. O escritor austríaco Stefan Zweig dizia que o Brasil é o país do futuro. E o futuro está batendo à nossa porta”, lembrou Miguel. A primeira medição de desmatamento da Amazônia feita pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) é de 1975. Naquela época, só 0,5% da Amazônia tinha sido desmatada; hoje, essa porcentagem é de 19%. Como a ilegalidade toma conta de boa parte dos processos produtivos da região, a população local sequer desfruta da riqueza que é extraída de lá. “O resultado são as cidades com os piores IDHs do Brasil, que contribuem com pouquíssimo para o PIB nacional”, disse Estêvão. O diretor lembrou uma história que deveria nos guiar em nossa relação com o meio ambiente: “O cacique Juarez Munduruku me disse certa vez que na sua língua não existe a palavra árvore. Cada ser vivo tem o seu nome”. Árvore que tem nome não vira cabo de panela.

#MeioAmbiente #BiomasBrasileiros #Natureza #SemanaDoMeioAmbinte #PNUMA #ONUMeioAmbiente #UmaGotaNoOceano #CadaGotaConta

Brasil, uma biopotência

Brasil, uma biopotência

No duro momento de transição pelo qual passamos, vida e morte figuram no centro do debate global. Enquanto respeitamos o conselho médico #FicaEmCasa, repensamos nossa forma de viver e em como lidamos com as mais diversas formas de vida do planeta – humanas ou não. Quando falamos em biotecnologia, em bioeconomia e em biodiversidade, também é disso que se fala. O “bio” no início da palavra vem do grego, significa vida. E é desse debate que sai a chave para o fim da crise.

“O que nos aguarda após a porta de saída da pandemia? Teremos uma aceleração inexorável de um futuro de uma economia mais verde, baseada no consumo de formas de energias mais limpas e renováveis? Acredito que, sim, estamos em plena transição energética, para melhor, e, se nós não nos atrapalharmos, o Brasil poderá desembarcar no novo século XXI.” As palavras não são de um ambientalista, mas do engenheiro mecânico e ex-presidente da Agência Nacional do Petróleo (ANP) David Zylbersztajn.

O que Zylbersztajn aponta é que ao fim das duras mudanças pelas quais estamos passando, um novo modelo nascerá. Neste formato, o Brasil pode se tornar uma grande potência. Afinal, somos reconhecidamente o país mais rico em biodiversidade no mundo, temos o conhecimento ancestral de ser um com a terra, e em nossas universidades há pesquisadores com capacidade de combinar esses saberes à mais moderna tecnologia.

Uma biopotência é uma potência de vida. E que outro país teria floresta em todas as direções? Pois se temos árvores de até 88 metros de altura na Amazônia, o Cerrado é a “floresta invertida”. Ali, o essencial não é visível aos olhos: o segredo está no subterrâneo. As árvores do Cerrado têm dois terços de seu corpo sob a terra, suas raízes são extremamente profundas e ramificadas, formando como uma grande esponja que protege a água em bolsões, garantindo a manutenção da vida durante o período da seca. Ali estão três grandes depósitos subterrâneos de água: os aquíferos Guarani, Urucuia e Bambu. Por isso o bioma é conhecido como “a caixa d’água da América do Sul”. O Cerrado abastece seis das oito grandes bacias hidrográficas do país.

As águas do Cerrado escoam para o Pantanal, uma das maiores extensões úmidas contínuas do mundo. Ele é berço de 4.700 espécies entre animais e plantas. Infelizmente, assim como a Mata Atlântica e o Pampa, ele está sob forte ameaça. A temporada de queimadas deste ano começou com alta nos registros de incêndios nos três biomas. No Pampa o aumento foi de 343%; no Pantanal de 186% e na Mata Atlântica de 44%.

Na Caatinga, bioma exclusivamente brasileiro, temos 178 espécies de mamíferos, 591 de aves, 177 de répteis, 79 espécies de anfíbios, 241 de peixes, 221 de abelhas e 932 espécies de plantas. Todos só são encontrados ali. A biodiversidade do bioma sustenta atividades econômicas que vão para além da agricultura, especialmente nas indústrias farmacêutica, de cosméticos e química.

Mas a maior indústria que o Brasil tem, e que irá se valorizar ainda mais no futuro, é a da água. Todos esses ecossistemas são irrigados pela nossa maior e mais estratégica fábrica: a Amazônia. Cerca de 20 bilhões de toneladas de água que são produzidos todos os dias pelas árvores da Bacia Amazônica. Destruir a floresta seria como queimar ações no mercado futuro.

Mas se você prefere os números às palavras, em dezembro de 2019 o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) publicou um estudo mostrando como o investimento vale a pena. A cada 1 real investido em áreas protegidas, 15 reais são gerados em empregos diretos e indiretos, produtos agroextrativistas, pescados, conservação de recursos hídricos, e captura de gás carbônico. Quer investimento com retorno melhor que esse?

Acha que vale se informar mais antes de investir? Então venha conversar conosco no sábado, às 18h horas, no YouTube da Gota. Nosso papo vai ser com uma dupla que já rodou por todos esses biomas: Regina Casé e seu marido Estevão Ciavatta. Eles vão conversar com o arquiteto e urbanista Miguel Pinto Guimarães, presidente do conselho de Uma Gota no Oceano. O encontro virtual encerra a agenda no Brasil do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente para celebração da semana do meio ambiente, que este ano trata da biodiversidade.

Já confirmaram presença Conservação Internacional – Brasil, Instituto Clima e Sociedade (iCS); Institute for Governance & Sustainable Development (IGSD), Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), WWF-Brasil, Instituto Alana, Fundação Grupo Boticário, Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), Observatório do Código Florestal, Amazon Watch, Greenpeace, Observatório do Clima, Fundação SOS Mata Atlântica, Operação Amazônia Nativa (OPAN), ClimaInfo, Engajamundo, Instituto Socioambiental (ISA), Instituto Centro de Vida (ICV), Charles Stewart Mott Foundation e Fastenopfer.

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