Marco temporal é regressão ao século XVI

Marco temporal é regressão ao século XVI

O Brasil está prestes a regredir ao século XVI, com escalas em 2009 e 1988. Para salvar a própria pele, o presidente fez mais um agrado à bancada ruralista atacando novamente os direitos dos povos indígenas. Temer aprovou na quarta-feira um parecer da Advocacia-Geral da União de 2009, sobre a demarcação da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol. A decisão pode trazer à tona a famigerada tese do “marco temporal”, que diz que os índios só teriam direito às terras que ocupavam até a data da promulgação da Constituição, 5 de outubro de 1988 – mesmo que tivessem sido expulsos delas com violência.

Isso não só inviabilizaria novas demarcações, como poderiam anular algumas já feitas. Mais uma lei feita para beneficiar o infrator.

A devastação premiada segue a todo vapor.

Foto: Agência Globo

Saiba mais:

Nota pública da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib)

Temer assina parecer que pode parar demarcação de terras indígenas

Temer ataca direitos indígenas para tentar se livrar de denúncia no Congresso

MPF divulga nota pública contra retrocesso em demarcação de terras indígenas

Índios ‘nada podem esperar’ do governo federal, diz Procuradoria

Governo Temer não demarca, não reconhece e não protege terras indígenas, diz MPF

Dallari: Parecer da AGU não é vinculante. É apenas opinativo, inconstitucional e ilegal

Parecer assinado por Temer pode acirrar violência contra indígenas

Como o governo Temer está restringindo a demarcação de terras indígenas

Quilombo é História

Quilombo é História

Zumbi dos Palmares, o senhor das demandas, também era conhecido como sweka, “homem invisível”, em idioma kikongo. Mas o que para ele era um dom, pairou muito tempo como maldição sobre os que levaram adiante a sua luta. Embora existam comunidades que datam do século XVI, até bem pouco tempo a invisibilidade era uma marca da causa quilombola. Hoje, felizmente, ela é inclusive tema de novela: em “Do outro lado do paraíso”, da Rede Globo, ganhou a voz das estrelas Zezé Motta e Erika Januza. E no último dia 11, a região da Serra da Barriga, em Alagoas, onde ficava Palmares, recebeu o título de Patrimônio Cultural do Mercosul.

Por isso, este 20 de novembro, Dia de Zumbi e da Consciência Negra, poderia ser motivo exclusivamente de celebração. Mas a luta passa por um momento delicado. No último dia 9, o ministro Dias Toffoli, em ação no Supremo Tribunal Federal (STF) que julga uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra direitos quilombolas, trouxe à mesa a famigerada tese do “marco temporal”. Segundo ela — que também ameaça os povos indígenas —, só poderiam reivindicar terras aqueles que as tivessem ocupando até a data da promulgação da Constituição, 5 de outubro de 1988. E isso vale mesmo para quem foi expulso de forma violenta. O julgamento foi suspenso, mas a previsão é que seja retomado ainda este ano. Só em 2016, 14 quilombolas foram assassinados.

A Serra da Barriga já havia sido tombada pelo Iphan em 1985 e em 2007 foi inaugurado o Parque Memorial Quilombo dos Palmares, o único do gênero no Brasil dedicado à cultura negra no Brasil. A região abrigou até 30 mil pessoas no seu auge, no século XVII, e era dividida em pequenos povoados, os mocambos. O maior deles chegou a ter 6 mil habitantes, quase mesma população do Rio de Janeiro na época. Zumbi foi morto em 20 de novembro de 1695 e Palmares foi extinto por volta de 1710. Mas milhares de quilombos existem até hoje. Segundo a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), são cerca de seis mil.

A Comunidade Quilombo Caveira, que fica no município de São Pedro da Aldeia (RJ), por exemplo, resiste desde o século XVIII. Ela tem esse nome porque ali eram depositados carcaças de animais e os corpos dos africanos que não resistiam à viagem ao Brasil nos porões dos navios negreiros. A terra pertencia aos jesuítas, que foram expulsos do país nessa época. Os descendentes dos africanos escravizados que para lá fugiram vivem nesta comunidade até hoje. O quilombo ocupa uma área de apenas 220 hectares.

“Aos remanescentes das Comunidades de quilombos que estejam ocupando suas terras, é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes títulos respectivos”, diz o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) do artigo 68 da Constituição  de 1988. Esse direito, porém, só foi regulamentado pelo Decreto 4887/2003, que lhes concede o direito à auto-atribuição como único critério para identificação das comunidades quilombolas. Fundamentado pela a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), este decreto vem sendo questionado pelo DEM (na época, PFL), desde 2004, pela ADI 3.239.

O julgamento começou em 2012, com o voto pela inconstitucionalidade do decreto do relator e ministro aposentado Cézar Peluso. Três anos depois de pedir vistas do processo, a ministra Rosa Weber deu parecer favorável aos quilombolas, mas em seu voto fez menção ao “marco temporal”. O julgamento só foi retomado no último dia 9, quando Toffoli votou pela constitucionalidade do decreto, mas insistiu na mesma tese. O ministro Edson Fachin também pediu vistas, adiando mais uma vez a decisão.

Segundo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), autarquia responsável pelo processo de identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação de terras ocupadas por Remanescentes de Comunidades dos Quilombos, atualmente existem 2.847 comunidades certificadas no Brasil. Ainda há 1.673 processos em andamento e somente 170 terras tituladas. Tirando o preconceito, a maior dificuldade enfrentada pelos quilombolas são os sucessivos cortes no orçamento do Incra: em sete anos, ele caiu 94%.

Ser quilombola não traz nenhum benefício especial, muito pelo contrário. É muito mais fácil conseguir título de terra e crédito agrícola como pequeno produtor rural do que como povo tradicional. Querer ser reconhecido como quilombola é uma questão de orgulho. É dizer ao mundo que a luta de Zumbi não foi em vão.

Entre nessa luta assinando a petição.

Saiba mais:

Somos todos quilombolas!

Quilombo preserva, preserva quilombo

 

A Constituição está sob ataque

A Constituição está sob ataque

A máxima herdada do jogo-do-bicho é uma espécie de lei universal brasileira; mas, nesses tempos sinistros, nem mesmo ela tem sido respeitada. Vale mesmo o escrito? Estão atropelando a letra fria da lei: as últimas vítimas foram os Gamela, que tiveram suas terras invadidas, ainda que existam documentos que comprovem que elas lhes foram concedidas pela Coroa Portuguesa no século 18. Nossa Constituição também está sob ataque cerrado de Projetos de Emendas Constitucionais (PECs), Medidas Provisórias (MPs) e Projetos de Lei (PLs), que podem deixá-la desfigurada. Na mira, além de conquistas da sociedade civil, estão o licenciamento ambiental e os direitos indígenas.

A última ameaça partiu do próprio ministro da Justiça que revelou, quiçá num ato falho, sua disposição de usar um dispositivo não previsto na Constituição em processos de demarcação de Terras Indígenas (TIs): o marco temporal.

Vamos assistir a essas arbitrariedades de braços cruzados?

Ministro da Justiça de ascendência ruralista, Osmar Serraglio disse no dia 3 ao programa “A voz do Brasil” que irá acelerar as demarcações das terras “onde os indígenas estavam em 1988, no dia da promulgação da Constituição, dia 5 de outubro”. A declaração foi dada depois de uma entrevista coletiva, na qual anunciou que estaria montando um “mutirão” para acelerar demarcações “dificultadas” de TIs, em resposta ao ataque aos Gamela no Maranhão. Sua afirmação faz referência à controversa tese do marco temporal, há anos em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF) e nunca consolidado pela corte.

Segundo esta tese, considerada inconstitucional por juristas respeitados como Dalmo Dallari e José Afonso da Silva, os indígenas só teriam direito às terras que estivessem ocupando em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição – mesmo que tivessem sido expulsos dela com violência. Ou seja, o ministro da, vejam bem, Justiça deixou passar que pretende cometer uma ilegalidade. Precisamos marcar uma posição definitiva contra isso.

Conheça a opinião dos juristas sobre o marco temporal: https://trabalhoindigenista.org.br/segundo-juristas-marco-temporal-de-1988-para-terras-indigenas-e-inconstitucional/

E assine nossa petição: https://peticao.umagotanooceano.org/l/FNmAe2ABF1132

Translate »