Quilombo é História

novembro 2017

Zumbi dos Palmares, o senhor das demandas, também era conhecido como sweka, “homem invisível”, em idioma kikongo. Mas o que para ele era um dom, pairou muito tempo como maldição sobre os que levaram adiante a sua luta. Embora existam comunidades que datam do século XVI, até bem pouco tempo a invisibilidade era uma marca da causa quilombola. Hoje, felizmente, ela é inclusive tema de novela: em “Do outro lado do paraíso”, da Rede Globo, ganhou a voz das estrelas Zezé Motta e Erika Januza. E no último dia 11, a região da Serra da Barriga, em Alagoas, onde ficava Palmares, recebeu o título de Patrimônio Cultural do Mercosul.

Por isso, este 20 de novembro, Dia de Zumbi e da Consciência Negra, poderia ser motivo exclusivamente de celebração. Mas a luta passa por um momento delicado. No último dia 9, o ministro Dias Toffoli, em ação no Supremo Tribunal Federal (STF) que julga uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra direitos quilombolas, trouxe à mesa a famigerada tese do “marco temporal”. Segundo ela — que também ameaça os povos indígenas —, só poderiam reivindicar terras aqueles que as tivessem ocupando até a data da promulgação da Constituição, 5 de outubro de 1988. E isso vale mesmo para quem foi expulso de forma violenta. O julgamento foi suspenso, mas a previsão é que seja retomado ainda este ano. Só em 2016, 14 quilombolas foram assassinados.

A Serra da Barriga já havia sido tombada pelo Iphan em 1985 e em 2007 foi inaugurado o Parque Memorial Quilombo dos Palmares, o único do gênero no Brasil dedicado à cultura negra no Brasil. A região abrigou até 30 mil pessoas no seu auge, no século XVII, e era dividida em pequenos povoados, os mocambos. O maior deles chegou a ter 6 mil habitantes, quase mesma população do Rio de Janeiro na época. Zumbi foi morto em 20 de novembro de 1695 e Palmares foi extinto por volta de 1710. Mas milhares de quilombos existem até hoje. Segundo a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), são cerca de seis mil.

A Comunidade Quilombo Caveira, que fica no município de São Pedro da Aldeia (RJ), por exemplo, resiste desde o século XVIII. Ela tem esse nome porque ali eram depositados carcaças de animais e os corpos dos africanos que não resistiam à viagem ao Brasil nos porões dos navios negreiros. A terra pertencia aos jesuítas, que foram expulsos do país nessa época. Os descendentes dos africanos escravizados que para lá fugiram vivem nesta comunidade até hoje. O quilombo ocupa uma área de apenas 220 hectares.

“Aos remanescentes das Comunidades de quilombos que estejam ocupando suas terras, é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes títulos respectivos”, diz o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) do artigo 68 da Constituição  de 1988. Esse direito, porém, só foi regulamentado pelo Decreto 4887/2003, que lhes concede o direito à auto-atribuição como único critério para identificação das comunidades quilombolas. Fundamentado pela a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), este decreto vem sendo questionado pelo DEM (na época, PFL), desde 2004, pela ADI 3.239.

O julgamento começou em 2012, com o voto pela inconstitucionalidade do decreto do relator e ministro aposentado Cézar Peluso. Três anos depois de pedir vistas do processo, a ministra Rosa Weber deu parecer favorável aos quilombolas, mas em seu voto fez menção ao “marco temporal”. O julgamento só foi retomado no último dia 9, quando Toffoli votou pela constitucionalidade do decreto, mas insistiu na mesma tese. O ministro Edson Fachin também pediu vistas, adiando mais uma vez a decisão.

Segundo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), autarquia responsável pelo processo de identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação de terras ocupadas por Remanescentes de Comunidades dos Quilombos, atualmente existem 2.847 comunidades certificadas no Brasil. Ainda há 1.673 processos em andamento e somente 170 terras tituladas. Tirando o preconceito, a maior dificuldade enfrentada pelos quilombolas são os sucessivos cortes no orçamento do Incra: em sete anos, ele caiu 94%.

Ser quilombola não traz nenhum benefício especial, muito pelo contrário. É muito mais fácil conseguir título de terra e crédito agrícola como pequeno produtor rural do que como povo tradicional. Querer ser reconhecido como quilombola é uma questão de orgulho. É dizer ao mundo que a luta de Zumbi não foi em vão.

Entre nessa luta assinando a petição.

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