Pacificação para quem?

Pacificação para quem?

O que aconteceu em 8 de janeiro ainda define embates centrais da política nacional. Em nome de uma suposta “pacificação”, tenta-se reescrever responsabilidades, aliviar culpas e relativizar princípios que deveriam ser inegociáveis. Esse movimento não surge do nada: ecoa estratégias já vistas em outras disputas recentes, como no caso do marco temporal, quando direitos constitucionais dos povos indígenas foram colocados na mesa como se fossem moedas de troca. O artigo abaixo fala do fio que conecta esses episódios: a tentativa de enfraquecer o Supremo, rebaixar conquistas históricas e normalizar ataques ao Estado de Direito.

Pacificação para quem?

Democracia não se negocia

Por Maria Paula Fernandes*

Há algo de inquietante na forma como o país tem lidado com os desdobramentos do 8 de janeiro. A tentativa de reescrever responsabilidades sob o manto da “pacificação” soa familiar demais. Para quem acompanhou de perto o embate sobre o marco temporal ao lado das organizações indígenas, é impossível não reconhecer os traços de um roteiro que insiste em se repetir: enfraquecer o Supremo, negociar direitos fundamentais e apagar responsabilidades.

Em setembro de 2023, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade da tese do marco temporal, reafirmando que os direitos dos povos indígenas são originários e não podem ser condicionados à ocupação de terras em uma data arbitrária. Foi uma decisão histórica, que parecia encerrar uma disputa jurídica longa e dolorosa.

Mas o Congresso reagiu. No final daquele mesmo ano, aprovou a Lei 14.701/23, formalizando justamente a tese que o STF havia rejeitado. E como resposta à tensão institucional, foi instaurada a chamada “Câmara de Conciliação”, que, sob o pretexto de buscar diálogo, colocou os direitos indígenas na mesa de negociação com setores que historicamente os atacam.

Acompanhei esse processo de perto, pelo trabalho que desenvolvo junto a organizações indígenas. E foi impossível não perceber que, por trás da linguagem da conciliação, havia uma tentativa clara de contornar decisões judiciais e relativizar direitos constitucionais. O que se negociava ali não era apenas um impasse político, era a própria legitimidade da Constituição.

Agora, diante da responsabilização dos envolvidos nos atos golpistas, vemos o mesmo roteiro em ação. A ideia de “pacificar” o país aparece como justificativa para aliviar penas, suavizar julgamentos e, novamente, colocar em xeque a autoridade do Supremo. O que está em jogo não é apenas a punição dos culpados, mas a integridade da democracia.

Mais de 40 mil pessoas ocuparam a orla de Copacabana em um ato que reuniu artistas como Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Djavan. Foi um grito coletivo contra a chamada PEC da Blindagem – que dificulta a responsabilização de parlamentares – e contra o projeto de anistia aos condenados pelos atos de 8 de janeiro. E não foi um ato isolado: manifestações simultâneas aconteceram em diversas cidades do país, como São Paulo, Brasília, Salvador, Porto Alegre e Belém, mostrando que a sociedade civil está em movimento e não aceita retrocessos.

A conexão entre os dois episódios é evidente. Primeiro, tentaram apagar os direitos dos povos indígenas. Agora, tentam apagar a própria ideia de democracia. E em ambos os casos, o Supremo é o alvo — porque é ele quem resiste. O ataque aos indígenas foi o ensaio geral. Agora o palco é maior, mas o roteiro continua igual.

Essas lutas não são paralelas, elas são a mesma luta. Quando se negocia direitos originários, abre-se espaço para negociar qualquer outro princípio constitucional. E quando se silencia diante de um ataque, o próximo virá com mais força. Como na poesia popularizada por Brecht, criada a partir de um poema do pastor luterano Martin Niemöller, escrito em 1946, o alerta é antigo: quando levam os outros e não nos importamos, é apenas questão de tempo até que venham por nós.

As organizações indígenas sempre souberam disso. Por isso resistiram, denunciaram, enfrentaram o discurso político e jurídico que tentava apagar sua existência. Essa resistência precisa ser reconhecida como uma defesa da democracia em sua forma mais profunda. E agora, ela se soma à mobilização de milhares de brasileiros que foram às ruas para dizer que não há conciliação possível com o autoritarismo.

Porque democracia não se negocia. E o Brasil – com todas as suas contradições – tem mostrado que sabe resistir. Que sabe enfrentar, com coragem e lucidez, as artimanhas de um Congresso que insiste em dobrar a Constituição para proteger interesses próprios e nada republicanos. Que sabe, como na canção, transformar o grito sufocado de Cálice em canto coletivo – e cantar, apesar de você, até que o dia nasça enfim. E nasça para todos.

*Maria Paula Fernandes é diretora fundadora da Uma Gota No Oceano

A colheita do futuro

A colheita do futuro

Diz a sabedoria popular que o apressado come cru. No fim do ano passado, sugerimos que 2022 fosse usado para semear esperança e votos. Nada de pressa agora: a colheita fica para depois de 2023. Primeiro precisamos cuidar bem das sementes e mudas que plantamos, regá-las todo dia com carinho, regenerar terrenos, tornar o solo novamente fértil. Só assim elas irão florescer. Há muito a ser feito na terra arrasada que o país se tornou.

A começar por reestruturar o Ministério do Meio Ambiente, que precisa voltar a contar com a participação da sociedade civil, e apoiar os indígenas na criação do Ministério dos Povos Originários, mas também garantir a proteção dos quilombolas, extrativistas e ribeirinhos, cujos direitos foram ignorados ao longo dos últimos anos. Só assim vamos garantir safras saudáveis pelas próximas décadas.

Destruir é mais rápido e fácil que construir. Calcula-se que a Amazônia, como conhecemos hoje, formou-se há pelo menos 2 milhões de anos. Seus 6,7 milhões km² de área permaneceram praticamente intocados até meados dos anos 1970. A partir daí, a motosserra pintou e bordou: segundo um estudo do Mapbiomas, em apenas 37 anos – entre 1985 e 2021 – ela perdeu 750 mil km². Dá 11% de sua área original e pouco menos que um Chile inteirinho.

O Brasil é o país que mais desmatou, com 19% da Amazônia posta abaixo, bem perto do ponto de não retorno, calculado pelos cientistas entre 20% e 25%. Em setembro passado, foi descoberta, na fronteira do Amapá com o Pará, a árvore mais alta da floresta, um angelim vermelho de 88,5 metros de altura. Ela tem pelo menos 400 anos de idade que poderiam ser abreviados em minutos por um espírito do mal.

Assim como “liberdade”, a palavra “narrativa” costuma de ser dita por gente que não entende, ou finge não entender, seu significado. Mais importante que o novo presidente que escolhemos é o que ele prometeu em campanha, a narrativa que escolheu. E ela é baseada nos anseios de qualquer pessoa que sabe da sinuca de bico em que o mundo se meteu: economia sustentável, desmatamento zero, terras indígenas demarcadas – as primeiras já foram escolhidas –, participação da sociedade civil, biotecnologia, a opção pela ciência, fontes de energia verdadeiramente sustentáveis e o fim do garimpo e do contrabando de madeira. E, claro, democracia. Poderemos e devemos cobrar – incluindo a nossa participação na tomada das decisões mais importantes. Nós votamos num projeto.

Já os compromissos assumidos pelo governo que ora já vai tarde, só quem não estava bem-informado queria ver cumpridos. E olha que os resultados foram impressionantes: a Amazônia perdeu 45.586 km² em apenas quatro anos. E quem achasse ruim era exonerado. Outro relatório do Mapbiomas aponta que as áreas de garimpo dobraram entre 2010 e 2021 no Brasil e que 91% dessa exploração está concentrada na Amazônia, especialmente em áreas protegidas. Nas terras indígenas, por exemplo, o garimpo cresceu 632% nesse período. Além do garimpo, a mineração industrial, a agropecuária e o avanço da infraestrutura urbana foram justamente as atividades mais favorecidas com a política ambiental adotada na administração que se despede, que afrouxou regras de licenciamento ambiental, não demarcou nenhuma terra indígena ou quilombola, e levou à UTI órgãos de fiscalização como o Ibama e o ICMBio.

“O Brasil voltou”, cantaram na COP27. Mas, para que tenha voltado para ficar, é preciso plantar não pensando somente na próxima safra. Vamos cuidar de nossas mudinhas e sementes com muito cuidado e carinho para garantir a colheita de um futuro social e ambientalmente mais justo. Que 2023 seja regido pelo afeto.

 

Saiba mais:

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Semeadura

A democracia é de nossa natureza

A democracia é de nossa natureza

por Eloy Terena e Sonia Guajajara*

Caciques só tomam decisões depois de consultarem todas e todos em suas aldeias. Para os povos originários, a democracia é uma coisa tão natural quanto a noção de amor e de respeito à Mãe Terra. Durante décadas, mantivemo-nos afastados da política institucional; mas a partir da Constituinte de 1987-88, quando garantimos nossos direitos, temos aprimorado nossas ferramentas de luta, também neste campo.

Lideranças de todas as regiões do país ora estão no 18º Acampamento Terra Livre (ATL), em Brasília. Elas debatem não só temas relativos aos nossos direitos, como também formas de fortalecer o regime democrático brasileiro. É a maior mobilização da história do evento: são 7 mil representantes de 200 povos. Não poderia ser diferente.

Reconhecemos a gravidade do momento: há tempos a democracia brasileira não corria tanto risco. Como cidadãos brasileiros, temos nossas responsabilidades, e muito a dizer sobre diálogo e respeito às diferenças. O movimento indígena tem feito a oposição mais eficiente contra o atual governo. Ganhamos diversas ações na Justiça, com destaque às vitórias alcançadas no Supremo Tribunal Federal (STF), e fincamos bandeiras em diversos fóruns internacionais, desde espaços organizados pela sociedade civil até a ONU.

Em defesa do #PacoteVerdenoSTF, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) é uma das organizações habilitadas como amicus curiae na ADPF 760, exigindo o reestabelecimento da política pública de combate ao desmatamento na Amazônia. Convém lembrar que as terras indígenas são bens da União – ou seja, também pertencem a você, leitor. Temos direito a usufruir delas para manter nossos costumes e tradições, e o garimpo ilegal não faz parte deles. As terras dos Munduruku foram invadidas por milhares de garimpeiros e o mercúrio corre abundantemente no leito do Rio Tapajós.

A contaminação por este metal já atinge a maioria da população daquele povo. Mas não só ela: 75% dos mais de 306 mil habitantes de Santarém, no Pará, a maior cidade às suas margens, também o carregam no sangue. A intoxicação por mercúrio pode ser irreversível e é transmitida de mãe para filho. São gerações comprometidas.

Também temos muito a oferecer à Humanidade neste momento crucial. Hoje, sabe-se que nossos ancestrais criaram impressionantes civilizações, totalmente em harmonia com a natureza, na Amazônia. Falamos de tecnologia de ponta.

No Brasil, somos mais de 900 mil, mas só temos uma representante no Congresso, a deputada federal Joênia Wapichana (Rede/RR). Enquanto isso, a bancada ruralista conta com desproporcionais 245 representantes na Câmara Federal (de um total 513 cadeiras) e 39 senadores (ao todo o Senado tem 81), que falam em nome de alguns poucos grandes latifundiários.

Tramitam por Brasília projetos de lei que atingem de morte o meio ambiente. Caso sejam aprovados, será possível reverter a catástrofe, desde que a maioria do novo Congresso seja formada por gente empenhada em construir um futuro melhor para toda a população. E esta decisão cabe apenas à Sua Excelência, o eleitor, como convém numa democracia.

*Eloy Terena é assessor jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e Sonia Guajajara é coordenadora-executiva da instituição.

A natureza do voto

A natureza do voto

Se a eleição é a festa da democracia, com que roupa a gente vai? Atualmente, muitos ainda não sabem o que vão vestir. É o que aponta um levantamento do Datafolha. Em cidades como Rio de Janeiro, a pesquisa revela que quase um terço dos eleitores não tinha um candidato favorito a cinco dias da votação. Esta indefinição não é privilégio do cenário eleitoral. Ela se repete em relação à preservação do meio ambiente. Divulgado em 05 de novembro, um levantamento da Confederação Nacional da Indústria indicou que só metade dos brasileiros se veem diretamente afetados pelos problemas ambientais, que poderão ter diferentes desdobramentos de acordo com os prefeitos e vereadores mais votados nestas eleições.

Apesar do cardápio variado de recursos à disposição, os governantes ainda saem mal na foto quando o assunto é preservação de ecossistemas. Dados de 2018 do Sistema Nacional de Informações sobre o Saneamento (SNIS) apontavam que 50 milhões de brasileiros não tinham acesso a um serviço de recolhimento de lixo e 100 milhões viviam em municípios que não contavam com rede de esgoto.

São problemas que estão literalmente batendo na porta das autoridades e já passaram da hora de serem resolvidos. “Hoje, se você olhar as principais cidades do Brasil e do mundo, elas estão de costas para o rio. É como se o rio deixasse de ter importância e passasse a ser algo secundário na vida das pessoas”, já comentou sobre o tema o biólogo João Paulo Capobianco, presidente do Instituto Democracia e Sustentabilidade, em 2018, no Dia Mundial da água, durante o lançamento da campanha “Em nome de quê?”, desenvolvida por Uma Gota no Oceano em parceria com a Operação Amazônia Nativa (Opan). Você já parou para avaliar qual importância seus candidatos dão à natureza de seu município? E sabe o que eles podem fazer por ela?

Vereador e prefeito são como os 2 ponteiros de um mesmo relógio. O trabalho de um não faz sentido sem a colaboração do outro. Enquanto a Câmara elabora as leis e fiscaliza as ações do prefeito, o gestor aprova ou veta as regras propostas pelos legisladores e define onde serão aplicados os recursos. Desta colaboração saem decisões com alto impacto em nossas vidas e que podem ajudar a proteger (ou a destruir) a natureza. Elas vão dos projetos de agricultura familiar da prefeitura ao tipo de merenda servida nas escolas da cidade.

Se um município cuida de seus mananciais, evita que a paisagem seja alterada e dá a destinação adequada a seu lixo, o meio ambiente prospera e a qualidade de vida da população aumenta. Um estudo da Universidade da Califórnia mostrou, por exemplo, que morar perto de áreas verdes gera benefícios para saúde mental de adultos e adolescentes. Ideias do tipo estão por trás da chamada Economia Verde, que propõe o uso consciente dos recursos naturais e já inspira alguns governantes. Em São José dos Campos, por exemplo, um programa criado em 2012 paga a quem mantém e restaura a vegetação na região do Rio do Peixe. Assim, o local alcançou a conservação de 500 hectares de floresta e o plantio de mais de 80 mil mudas.

Da mesma forma, quando uma cidade vai na contramão e atropela a natureza, a vida selvagem não é a única prejudicada. Nós também somos afetados, já que nossa sobrevivência está diretamente ligada ao contexto a nossa volta. O maior exemplo disso é a pandemia de Covid-19, doença que bateu a marca de 50 milhões de pessoas contaminadas em todo o mundo e que teve origem atribuída à degradação ambiental, segundo a ONU.

“Quando se desmata e se perde a biodiversidade, o vírus, que tinha o seu hospedeiro natural, vai procurar outro organismo para viver e se adaptar. Na falta de outras espécies, eles chegam até os humanos”, explicou em entrevista Rubens Benini, líder da estratégia de restauração florestal da ONG The Nature Conservancy. Só no Brasil, o Ministério da Saúde já repassou cerca de R$ 17 bilhões às prefeituras nos esforços para atender os doentes.

Mais do que apenas protegerem ecossistemas, as políticas ambientais têm efeitos positivos para todos os setores. E é importante lembrar que não falamos apenas de áreas urbanas. Na região rural dos municípios da Amazônia, cada hectare dedicado ao cultivo de açaí, cacau ou castanha rende hoje US$ 12.400 por ano, valor 20 vezes maior que o verificado em uma área do mesmo tamanho dedicada à pecuária. A grande diferença é que as plantações demandam menos espaço e não exigem a derrubada da floresta. Já no Centro-Oeste, um estudo apontou que fazendas de soja poderiam economizar R$ 1,24 milhão por safra se mantivessem a vegetação nativa do Cerrado e, com isso, diminuiriam os gastos com erosão.

Ao contrário do que muitos ainda pensam, conservação do meio ambiente e crescimento econômico não concorrem entre si. Se forem capazes de enxergar isso, os próximos prefeitos e vereadores prestarão um imenso serviço não só à natureza, mas à sociedade brasileira.

#Eleições2020 #VotePelaNatureza #Democracia #MeioAmbiente #Natureza #UmaGotaNoOceano #CadaGotaConta

Leia mais:
Folha – Paes amplia vantagem sobre Crivella, que tem 62% de rejeição no Rio, mostra Datafolha

Estadão – Desafio brasileiro ainda é ligar preservação do meio ambiente à rotina

Ministério do Desenvolvimento Regional – Sistema Nacional de Informação sobre Saneamento (2018)

Uma Gota no Oceano – Em nome de quê? | Desafio para preservação dos nossos rios

Tribunal Superior Eleitoral – Eleições 2020: você sabe o que faz um prefeito?

Tribunal Superior Eleitoral – Vereador: conheça o papel e as funções desse representante político

Aliança Pela Alimentação Adequada e Saudável – É dever da prefeitura e Câmara Municipal garantir que as escolas da cidade sejam ambientes livres de ultraprocessados

Instituto Centro Vida – Quais perguntas você deve fazer para seu candidato?

Ipea – Economia verde e o desenvolvimento sustentável

ScienceDirect – Green space and serious psychological distress among adults and teens: A population-based study in California

Programa Internacional de Cooperação Urbana – Programa Pagamento por Serviços Ambientais

Uol – Mundo ultrapassa 50 milhões de casos confirmados de covid-19

UN Environment Programme – Surto de coronavírus é reflexo da degradação ambiental, afirma PNUMA

Veja – Dia do Meio Ambiente: pandemia reforçou necessidade de proteger a natureza

Ministério da Saúde – Transferências financeiras do Ministério da Saúde para os estados e municípios, no âmbito do combate à COVID-19

Açaí, cacau e castanha são mais rentáveis que pecuária e soja na Amazônia, diz Carlos Nobre

Manter vegetação nativa no cerrado gera economia de R$ 1,24 milhão por safra, diz estudo

Unidos da Democracia

Unidos da Democracia

Quem ainda acredita que o Carnaval é sinônimo de alienação não sabe da missa a metade. Desde que se chamava entrudo, ainda no Brasil Império, a maior manifestação popular do país vem servindo de válvula de escape da população contra os desmandos das autoridades. Mas a festa deste ano foi especial. O chamado mais vibrante veio do Sambódromo do Rio de Janeiro. A maioria das escolas de samba que desfilaram pela Marquês de Sapucaí contaram histórias inspiradoras de resistência de minorias. Neste momento conturbado pelo qual passa o Brasil, elas cantaram a liberdade, a fraternidade e a igualdade, as bases da democracia moderna. E o seu canto ecoou.

A campeã, a Viradouro, entrou e saiu de alma lavada da passarela. Seu enredo falou de um episódio histórico pouco conhecido: o das ganhadeiras do Abaeté, bairro de Salvador, Bahia. Essas mulheres de origem africana, aqui escravizadas, conquistaram sua liberdade e, com o suor de seus rostos – a maioria trabalhava como lavadeira às margens do Lagoa do Abaeté –, juntavam dinheiro para comprar a alforria de outras pessoas. Elas são consideradas as primeiras feministas do Brasil. E luta é um substantivo feminino.

A segunda colocada, a Grande Rio, criticou a intolerância religiosa, o racismo e a homofobia cantando Joãozinho da Gomeia. Nascido na Bahia, o babalorixá, veio para o Rio de Janeiro em 1948 e abriu seu terreiro em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Uma história deliciosa resume bem o seu espírito libertário. No carnaval de 1956, vestiu-se de vedete. Em entrevista à revista “O Cruzeiro”, ao ser questionado se sua fantasia feria as regras do candomblé, respondeu: “O fato de eu ter me fantasiado de mulher não implica desrespeito ao meu culto, que é uma Suíça de democracia. Os orixás sabem que a gente é feito de carne e osso e toleram, superiormente, as inerências da nossa condição humana, desde que não abusemos do livre arbítrio”.

A luta pela democracia é a mãe de todas as lutas. Não existe defesa do meio ambiente sem democracia. Num momento em que o governo ameaça as terras indígenas com a PL 191 e com a construção de 40 novas hidrelétricas, é preciso se inspirar na resistência dos povos tradicionais e das comunidades que levam as escolas de samba cariocas à avenida. “A falange está formada / Um coral cheio de amor”, diz o samba da Viradouro. Vamos entrar de alma lavada nessa luta?

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Por respeito ao Estado Democrático de Direito, 215 organizações e entidades assinam nota pública

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