Transição energética e a seca

Transição energética e a seca

Especialistas já avisavam que hidrelétricas poderiam interferir no curso dos rios e na dinâmica dos ciclos de cheia e vazante

Por Ricardo Baitelo*

Será que precisamos mesmo explorar petróleo na Foz do Amazonas para bancar nossa transição energética? A produção de energia eólica e solar cresce de vento em popa e de sol a sol. Como estamos falando de futuro, é bom lembrar que o mito de que “hidrelétrica é energia limpa” ficou no século passado. Belo Monte está aí para provar isso. E o agravamento das mudanças climáticas — que impõe aos rios da Amazônia a maior seca da História e, no início do mês, levou a Hidrelétrica de Santo Antônio, no Rio Madeira, a desligar as turbinas — reforça esse alerta.

Como contra-argumento à construção de Belo Monte, que está matando o Rio Xingu, já falávamos sobre o potencial das fontes renováveis. Quando a obra começou, já havia acontecido o primeiro leilão de energia eólica. Os primeiros leilões de fotovoltaicas saíram entre 2013 e 2014.

Previa-se que sol e vento tivessem uma participação relevante na descarbonização da matriz energética brasileira em 2050, mas isso aconteceu já nesta década. Nos últimos dois anos, as fontes eólica e solar passaram de 30 GW para mais de 60 GW de capacidade instalada. De agosto de 2022 a agosto de 2023, foram quase 20 GW de crescimento de energia solar distribuída, fazendas solares e parques eólicos, avanço que corresponde ao previsto por projeções governamentais passadas para um período de dez anos — superando o que Belo Monte produz por ano.

Entre os fatores que puxaram esse crescimento, estão incentivos às fontes e condições para sua competitividade nos leilões de energia; a evolução do mercado livre e a aprovação de um marco legal para geração distribuída, que passou a ser respaldada por uma lei federal. A redução de incentivos também provocou uma corrida para a instalação de sistemas fotovoltaicos em 2022.

Mas é preciso que haja planejamento e equilíbrio nessa transição. A instalação de parques eólicos vem causando impactos socioambientais no Nordeste, onde, segundo o MapBiomas, 40 quilômetros quadrados de Caatinga foram desmatados só em 2022 para a construção de complexos eólicos e solares. Isso sem falar em contratos injustos de arrendamento de terras.

O próximo passo para que o Brasil descarbonize sua geração de energia a partir de uma transição justa é aperfeiçoar os critérios socioambientais de aprovação e instalação desses projetos, que muito em breve dividirão o protagonismo da matriz brasileira com as hidrelétricas, altamente vulneráveis a secas e cheias extremas, cada vez mais frequentes.

O cenário atual de seca na Região Norte era previsto. Especialistas já avisavam que o regime hídrico seria impactado cada vez mais por fenômenos climáticos, que as hidrelétricas poderiam, no longo prazo, interferir no curso dos rios e na dinâmica dos ciclos de cheia e vazante e que as mudanças climáticas reduziriam a produção de energia de hidrelétricas na Amazônia. Enquanto os dias de sol e calor batem sucessivos recordes, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) paralisa hidrelétricas por causa da seca e usa diesel para suprir a demanda. A estratégia do governo contra a seca foi acionar termelétricas — elevando nossas emissões, agravando a crise do clima e afastando o Brasil do Acordo de Paris.

O problema de situações de crise é que raramente há alternativas milagrosas de curto prazo. Mas podemos aprender com as oportunidades, para que o cenário não se repita — e para que regiões do país não fiquem vulneráveis em cenários de seca e sujeitas ao acionamento de termelétricas poluentes e caras.

Uma transição energética justa pode fazer a diferença na busca do Brasil por um papel de protagonista global. Para isso, ela deve acompanhar um debate que envolva a proteção das populações tradicionais e a biodiversidade. Afinal, os bons ventos precisam chegar ao país inteiro, e o sol brilhar para todos.

*Ricardo Baitelo, doutor em planejamento energético pela Escola Politécnica da USP, é gerente de projetos do Instituto de Energia e Meio Ambiente

Dia do orgulho indígena

Dia do orgulho indígena

O resultado do Censo do IBGE seria a justificativa perfeita para a criação do Dia do Orgulho Indígena. Sigam nosso raciocínio: hoje, 1.693.535 de nós, brasileiros, se declaram assim. Pouco mais da metade dessas pessoas vive na Amazônia Legal. No censo anterior, o IBGE contou 896.917; um aumento de 88,82% em 12 anos. De 2010 para cá, a população total cresceu 6,5%. Mas não houve um baby boom nas aldeias: o que aumentou foi o número de pessoas que se autodeclararam indígenas. O orgulho e um chamado as fizeram abraçar suas raízes, que estão calando o medo da perseguição e do preconceito. Afinal, a Terra grita por socorro; que os ministros do Supremo Tribunal Federal também a ouçam no julgamento do “marco temporal”, que será retomado esta semana.

Não há mão de obra mais qualificada para enfrentar as mudanças climáticas. Os povos originários são guardiões da floresta, mas também protetores do clima. E 867,9 mil deles, mais da metade, vivem na Amazônia Legal, que tem papel relevante para manter o equilíbrio do clima no planeta. O Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e o Centro de Pesquisa em Clima Woodwell divulgaram uma nota técnica que atesta que a temperatura média anual no Território Indígena (TI) do Xingu é 5°C menor do que em sua vizinhança, castigada pelo agronegócio; em geral, as temperaturas nas TIs são 2°C mais baixas do que em áreas não protegidas. Por que será?

A floresta é um ar-condicionado natural, graças a um fenômeno chamado evapotranspiração, que faz a vegetação mandar vapor d’água para cima, como se chovesse ao contrário. As TIs ajudam a temperatura do resto do mundo a ser menos infernal ao guardar 55 bilhões de toneladas de carbono, o que dá 26 anos de emissões brutas do país inteiro. Sem esse serviço ambiental, gratuito, natural e eficiente, o Brasil não cumpre as metas do Acordo de Paris – e se esses 55 bilhões de toneladas de carbono forem para a atmosfera, as portas da extinção serão escancaradas. O MapBiomas divulgou, no fim de agosto, um levantamento preocupante: o país perdeu 960 mil km² de vegetação nativa entre 1985 e 2022 – o que dá duas Alemanhas e meia de extensão e uns graus a mais na temperatura global. 

As TIs são as áreas menos desmatadas, com apenas 1% do total. Essas terras resguardam 19% da vegetação nativa do país em 13% da área total de seu território, mas estão ameaçadas. Além de não demarcar nenhuma TI, o governo anterior estimulou a motosserra a cantar e, de 2018 a 2022, foram desmatados 128 mil km² de vegetação nativa, 120% a mais que entre 2008 e 2012. A destruição, agora, parece sob controle – de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), ela diminuiu 42,5% entre janeiro e julho deste ano, em comparação com o mesmo período de 2022. 

Ainda assim, continuamos na beira do ponto de inflexão da Amazônia, quando a floresta não conseguirá mais se regenerar. A gente não quer pressionar, longe de nós influenciar os votos dos Excelentíssimos Ministros do STF, mas seria de bom tom lembrar que o julgamento marcado para esta quarta não decide apenas as vidas de 1.693.535 de brasileiros, mas de todos os habitantes do planeta. Que a decisão deles dê a todos nós um motivo de orgulho. 

Saiba mais

Terras indígenas, “ar-condicionado” do Brasil: Xingu tem 5°C a menos que áreas desmatadas

https://ipam.org.br/terras-indigenas-ar-condicionado-do-brasil-xingu-tem-5c-a-menos-que-areas-desmatadas/

Brasil perde 2,5 Alemanhas de vegetação nativa em 38 anos, diz estudo

https://noticias.uol.com.br/colunas/carlos-madeiro/2023/08/31/pais-perde-area-de-25-alemanhas-de-vegetacao-nativa-em-38-anos-diz-estudo.htm

Dados do Censo 2022 revelam que o Brasil tem 1,7 milhão de indígenas

https://www.gov.br/funai/pt-br/assuntos/noticias/2023/dados-do-censo-2022-revelam-que-o-brasil-tem-1-7-milhao-de-indigenas

O que explica alta de quase 90% na população indígena registrada pelo Censo 2022

https://www.bbc.com/portuguese/articles/c6pw10g6w4xo

Copo meio cheio

Copo meio cheio

As mudanças climáticas estão abalando as estruturas não só do mundo ocidental, como também do oriental. Literalmente e metaforicamente. Um estudo da Academia Chinesa de Ciências e da Universidade Técnica da Dinamarca indica que o descontrole no clima vem causando alterações no eixo de rotação da Terra desde os anos 1990. A razão é a redistribuição do volume de água no planeta, causada pelo degelo dos polos – afinal, H₂O pesa. Por outro lado, depois da Cúpula do Clima convocada por Joe Biden, já é possível vislumbrar o copo meio cheio – no bom sentido, é claro. As grandes potências parecem ter acordado para o significado da expressão emergência climática, o que é ótimo. O próprio presidente americano disse que é preciso limitar em 1,5°C o aumento médio da temperatura global até 2100 – o Acordo de Paris prevê, oficialmente, 2° C. “Estão deixando a gente sonhar”, já dizia o filósofo Ronaldinho Gaúcho.

É claro que nem tudo são flores. De acordo com a mesma pesquisa, caso as emissões de gases do efeito estufa continuem em desabalada carreira, o Ártico pode descongelar nos verões de 2040 em diante. O pior é que a economia mundial pode derreter junto. O quadro é tão sério que até o presidente brasileiro foi obrigado a reconhecer que as mudanças climáticas são resultado da ação humana, um dos últimos bastiões de sua cartilha negacionista. Caso o governo não demonstre seriedade, periga o Brasil ser abandonado no século XX por seus pares. Certa vez, o ex-presidente Collor comparou os carros brasileiros a carroças. Essa hipérbole pode deixar de ser figura de retórica: se até os Estados Unidos, que têm o petróleo entranhado em sua cultura, vão apostar na eletrificação de automóveis, quem vai comprar lá fora uma peça de museu movida a suco de dinossauro?

A boa notícia é que, com a água batendo em lugares, digamos, desagradáveis, os países começaram a se mexer. Na véspera da cúpula, a União Europeia (UE) anunciou que o bloco vai zerar as emissões de CO₂ até 2050 e as reduzirá em 55 % em relação aos níveis de 1990; Vladimir Putin, presidente da Rússia, se comprometeu a atingir neutralidade em carbono até 2025; e o Japão, a diminuir em 46%, até 2030. Os americanos também deram uma cartada alta: afirmaram que vão cortar as emissões de carbono em até 52% até 2030 – na era Barack Obama, a meta era reduzir de 26 a 28% até 2025. A onda verde contagiou até o presidente brasileiro, que prometeu duplicar a verba da fiscalização ambiental no encontro de líderes – para, no dia seguinte, cortar o orçamento do Ministério do Meio Ambiente. Como diz o ditado, o que é bom dura pouco. Nesse caso, muito pouco mesmo.

O fato é que águas passadas não movem moinhos e o mundo parece mesmo estar finalmente enxergando com novos olhos a questão ambiental. Na cúpula, Joe Biden falou explicitamente nos empregos que a indústria de energia eólica poderia gerar. Os líderes das principais nações agem por duplo pragmatismo. “Ações sobre o clima não são necessárias apenas para o futuro de nossas vidas e meios de subsistência. A ação climática é o principal motor do crescimento; é a história de crescimento do século XXI”, disse o ex-economista-chefe do Banco Mundial, Nicholas Stern. Gina McCarthy, assessora nacional de clima do presidente americano, foi ainda mais sincera: “É por isso que tantas pessoas estão se interessando pela questão das mudanças climáticas. Porque agora está sendo apresentado como uma oportunidade”. É como se alguém enfim tivesse lido o cartaz há anos exibido pelos ambientalistas, que diz “Quer saber como salvar a humanidade e ainda ganhar um troco? Pergunte como!”, e pensado “Hmmm… Acho que isso me interessa”. Óbvio que interessa!

Oba-oba à parte, é hora de arregaçarmos as mangas e trabalharmos por um mundo mais sustentável. Afinal, o copo só está meio cheio. É claro que esta missão envolverá desafios. Como ajudar, por exemplo, James Owuor? Retratado pela revista Time, este queniano viu as mudanças climáticas causarem o aumento das chuvas e a subida das águas em 12 metros no Lago Baringo, na região onde vivia. Com isso, ele perdeu não só sua casa como seu emprego em um resort que existia na região e teve de fechar. O que faremos em casos como este? As nações ricas sabem que as menos favorecidas vão precisar de ajuda para fazer a transição para uma economia mais sustentável. EUA, Noruega e Reino Unido criaram um fundo para brecar o desmatamento e o anfitrião Joe Biden também anunciou na cúpula que vai dobrar as verbas para ações climáticas em países em desenvolvimento. O Brasil já falou alto quando o assunto era o meio ambiente. Em vez de pedir dinheiro em troca da proteção da Amazônia, nós, brasileiros, deveríamos liderar essa revolução verde e ajudar o mundo a superar essa emergência. Em nome de que abrir mão desse privilégio?

 

#MeioAmbiente #MudançasClimaticas #Brasil #EmissoesdeCarbono

 

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Um mergulho sem refresco

Um mergulho sem refresco

Não se iluda com a água gelada da próxima vez que for à praia. Organizado por 20 cientistas de 13 instituições, um estudo divulgado este mês na publicação científica Advances in Atmospheric Sciences apontou que, em 2020, os oceanos registraram as temperaturas mais altas desde 1955. Sabe-se que os mares estão esquentando há, pelo menos, 70 anos. Acontece que o processo acelera como um tsunami que se aproxima da costa.

Entre 1986 e 2020, o aumento médio do calor acumulado nos mares foi 8 vezes maior que o verificado entre 1958 e 1985. E ganha uma estrela-do-mar dourada quem acertar qual dos cinco foi o oceano que mais esquentou no período. Sim, ele mesmo, o seu, o meu, o nosso Atlântico. Será que não é hora de darmos uma atenção maior a isso?

Oceanos não esquentam do nada. No caso em questão, pesquisadores como Lijing Cheng, da Academia Chinesa de Ciências, apontam o efeito estufa como origem do problema. “Mais de 90% do excesso de calor gerado pelo aquecimento global é absorvido pelos oceanos“, afirma ele. Há outros números de tirar o fôlego. Entre 1995 e 2020, nossos mares incorporaram uma quantidade de calor equivalente à explosão de 3,6 bilhões de bombas de Hiroshima. É muita energia para um período relativamente pequeno.

Como os oceanos têm ligação direta com o clima, as consequências começam a aparecer. No ano passado, o Atlântico registrou 29 tempestades, um recorde inédito. A umidade que alimentou furacões no Caribe e no sul dos Estados Unidos foi a mesma que fez falta na Amazônia e se traduziu em uma temporada de incêndios na floresta, segundo a Nasa. Ou seja, o aquecimento das águas já está bagunçando nosso regime climático. Só não vê quem não quer.

Como no começo do filme Tubarão, muita gente já começa a olhar preocupada para a confusão logo ali além da areia. A diferença é que, na vida real, ainda há o que ser feito. Um exemplo é a ONU, que vai celebrar entre 2021 e 2030 a Década Internacional do Oceano. Assim mesmo, no singular, para promover a ideia de que todos os mares são, na verdade, um só e devem ser preservados. Afinal, eles nos prestam bons serviços.

Você sabia que o habitat de algas, sardinhas e golfinhos absorveu 7 gigatoneladas de carbono só em 2019? O dado é do Global Carbon Project. Se todo este volume tivesse sido lançado na atmosfera, nosso planeta teria ficado muito mais quente. Por outro lado, este porre de CO2 está deixando o mar de ressaca. Nos últimos 2 séculos, a acidez das águas subiu cerca de 30%, o que afetou animais marinhos sensíveis a esta variação. Não é exatamente o tipo de problema que se resolve só com um antiácido.

Os impactos das mudanças do clima nos oceanos não param por aí. Com o calor, o gelo dos polos derrete e o aumento do nível do mar é outro fenômeno que tira o sono de muitos. As medições indicam uma subida média de 24 centímetros entre 1850 e 2010. Já para os próximos 79 anos, são esperados acréscimos entre 48 e 56 centímetros, segundo a WWF. Na primeira hipótese, 46 milhões de pessoas seriam afetadas; Na segunda, 49 milhões. Com 50 milhões de habitantes distribuídos por 9 mil quilômetros de litoral, o Brasil deveria estar mais atento a isso, não é? Não podemos deixar que a continental costa brasileira e toda sua biodiversidade deixem de ser um dos nossos maiores patrimônios e se tornem um problema.

Este calor todo também terá impacto nos animais. Se nada for feito, a tendência é que 90% dos corais do planeta estejam mortos até 2050, por exemplo. Mais quentes, os oceanos retêm menos oxigênio. A taxa de gás dissolvido na água já caiu 2% entre 1960 e 2010. Se nada mudar, pode cair 4% até o fim deste século. Se você gosta de iguarias como um bom atum, a boa é já começar a se despedir, porque neste cenário elas desapareceriam do mapa. Quer dizer, da água.

Como o protagonista do clássico O Velho e o Mar, não devemos nos desesperar na busca por nossos objetivos. Se o ser humano conseguiu desenvolver uma vacina eficaz contra um vírus letal em menos de 1 ano, ele é capaz de usar sua inteligência para reverter os riscos iminentes à vida marinha. De acordo com especialistas, o mais urgente é reduzir as emissões de CO2 para derrubar o volume de calor armazenado pelo mar. Não foi à toa que a volta dos Estados Unidos ao Acordo de Paris foi anunciada por Joe Biden, o novo presidente americano, assim que assumiu seu posto na Casa Branca. Cuidar do assunto é algo, literalmente, para ontem. Se o Brasil quiser fazer sua parte, vai precisar mudar de atitude, já que as metas para 2030 anunciadas em dezembro soaram, no mínimo, acanhadas.

Outro esforço necessário é a criação de unidades de conservação marinha. É uma caminhada longa, na qual o país ainda está em seus primeiros passos. Em 2018, aumentamos de 1,5% para 26,4% a fatia de áreas protegidas na nossa Zona Econômica Exclusiva. Mas ainda há muito por fazer. Para além disso, é preciso prestigiar o papel desempenhado por pescadores e outras populações tradicionais na preservação do litoral – assim como as pesquisas de ponta desenvolvidas pelo Observatório do Clima. Composta por mais de 50 organizações (inclusive Uma Gota no Oceano), a rede criou um grupo para estudar a relação entre o mar e o clima, de onde bebemos muitos dos dados aqui apresentados.

Como diz a canção, quem é do mar não enjoa. Cada um é responsável por arregaçar as mangas e construir um futuro diferente.

#Oceanos #MudançasClimáticas #AcordoDeParis #C02 #EmissõesDeCO2 #UmaGotaNoOceano #CadaGotaConta

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Eurekalert – Upper ocean temperatures hit record high in 2020

Upper Ocean Temperatures Hit Record High in 2020

Liga das Mulheres pelo Oceano – Recorde de calor no oceano em 2020. E eu com isso?

Nasa – Conditions Ripe for Active Amazon Fire, Atlantic Hurricane Seasons

ONU – UN designates 2021-2030 ‘Decade of Ocean Science’

Global Carbon Project – Global Carbon Budget 2019

IUCN – Ocean deoxygenation: Everyone’s problem

G1 – Retorno dos EUA ao Acordo de Paris e OMS estão entre primeiros atos do presidente Joe Biden

Uma Gota no Oceano – Cordão de Isolamento

Cordão de isolamento

Cordão de isolamento

Puseram um cordão de isolamento em torno do Brasil. A causa principal não foi a Covid-19, mas outro mal que ora aflige o país: a falta de credibilidade. É uma espécie de isolamento térmico; nos deram um gelo nas discussões sobre o clima. O país, que antes ocupava a cabeceira da mesa na Cúpula da Ambição Climática, não teve direito a nenhum dos 80 assentos disponíveis este ano. O evento serve para traçar metas e objetivos que serão negociados na próxima Conferência sobre Mudanças Climáticas da ONU (COP-26) – a ser realizada na Escócia somente no fim do ano que vem, devido à pandemia. Se antes o Brasil dava as cartas, agora não somos mais convidados para definir as regras do jogo. Perdemos este privilégio. E o pior: a troco de nada. Há uma contradição interessante em curso. A sensação é parecida com a daquela pessoa que chega mega entusiasmada a uma festa, mas com quem ninguém quer papo. É triste, mas é verdade: o Brasil se tornou um espalha-bolinho global.

O Acordo de Paris está fazendo cinco anos e a pandemia deixou claro que os países não só precisam cumprir o acertado, como reavaliar suas metas. Aqueles que entenderam o recado se apressaram em agir. Joe Biden, presidente eleito dos EUA, já adiantou que seu país voltará ao tratado e que apresentará ao Congresso um plano de US$ 2 trilhões para combater as mudanças climáticas. China, Coreia do Sul e Japão anunciaram que vão zerar suas emissões de carbono até 2050; já a União Europeia revisou sua meta até 2030 e aumentou a redução de 40% para 55%, em relação aos níveis de 1990; brigado com o bloco, até o Reino Unido deu sua contribuição e aumentou de 40% para 68% a fatia de poluição a ser reduzida até 2030, na comparação com 30 anos atrás. Juntos, esses países respondem por 2/3 das emissões globais.

Você deve estar se perguntando o que o Brasil fez em relação a isso, não é? Nosso país é o sexto maior emissor (3,2% do total), sendo que o desmatamento responde por 44% do CO₂ que despejamos na atmosfera. Em 2020, 11.088 km² de floresta foram abaixo. Isso dá quase três vezes mais que a meta de 3.925 km², estabelecida para este ano pela Política Nacional de Mudança do Clima, em 2009. A conta é simples. Numa prova em que precisávamos ter nota 10, tiramos menos que 5. E o pior é que, ao que tudo indica, nosso governo é aquele tipo de aluno que faz de tudo para tentar esconder a nota dos pais (no caso, somos todos nós, brasileiros).

No último dia 8, o Ministério do Meio Ambiente apresentou as novas metas climáticas do país no âmbito do Acordo de Paris. “Novas” é forma de dizer. O texto manteve o compromisso brasileiro de reduzir em 43% as emissões de carbono até 2030, em comparação aos números de 2015. Por si só, o fato já representaria um descompasso. É como se o mundo todo estivesse dobrando sua contribuição em uma vaquinha e o Brasil continuasse pagando o mesmo. Não tem jeito: sempre pega mal. Mas uma pegadinha mostra que o vexame foi ainda maior.

Quando o acordo foi firmado, em 2015, a estimativa de emissões de poluentes pelo país era de 2,1 bilhões de toneladas. Posteriormente, estudos mais apurados indicaram que a sujeira liberada tinha sido maior, na casa de cerca de 3 bilhões de toneladas. Adivinha em que indicadores se baseiam as novas metas de redução do governo? No maior, é claro. Foi o jeito que o Brasil arranjou de poder poluir mais dizendo que ia poluir o mesmo. Ficou parecendo uma daquelas promoções em que os produtos saem pela metade do dobro do preço. Isso para não falar em outras jogadas, como pedir US$ 10 bilhões por ano a outros países na forma de incentivo para cumprir o combinado e a promessa de descarbonizar a economia só em 2060 – ou seja, dez anos depois da China. Tem cabimento?

Se uma coisa este ano de 2020 nos provou é que, juntos somos capazes de driblar até as situações mais complicadas. Está aí a vacina contra Covid-19, que teve o desenvolvimento mais rápido da história graças a um esforço de cientistas do mundo todo e não nos deixa mentir. A máxima vale inclusive em relação à possibilidade de harmonizar preservação da natureza e crescimento econômico – algo que, na verdade, nem é tão difícil assim. Em 2019, as emissões na União Europeia diminuíram em 3,7% – o nível mais baixo dos últimos 30 anos – enquanto o PIB cresceu 1,5%.

Há milênios, os indígenas já perceberam que cuidar do meio ambiente é um belíssimo investimento. Falta agora que o restante de nós se dê conta disso. Quando o desmatamento na Amazônia despencou em 82%, entre 2004 e 2014, a pobreza extrema caiu 63% no país. Coincidência? Parece que não. Só não vê quem vive em outro mundo.

#MudançasClimáticas #COP26 #Desmatamento #Amazônia #MeioAmbiente #UmaGotaNoOceano #CadaGotaConta

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