O bicho está pegando

O bicho está pegando

A União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) incluiu 1.840 novas espécies ameaçadas de extinção em sua lista vermelha. Agora, são ao todo 30.178 animais e plantas que podem ser riscados mapa. O anúncio foi feito durante a Conferência do Clima da ONU (COP-25), em Madri, na Espanha. Em fevereiro deste ano, o rato de cauda em mosaico (Melomys rubicola) foi declarado oficialmente o primeiro mamífero extinto por causa das mudanças climáticas. O roedor vivia apenas na pequena Ilha de Bramble, perto da Austrália, que está sendo tragada pelo mar – encolheu de 4 para 2,5 hectares. O ratinho sumiu do mapa junto com 97% de seu habitat.

O Melomys rubicola era a única espécie endêmica de mamíferos da Grande Barreira de Corais. Só na Austrália, que ora enfrenta as maiores ondas de calor e incêndios florestais de sua história, 37% das espécies de peixes fluviais estão ameaçadas e 25% das espécies de eucalipto podem desaparecer. “As mudanças climáticas aumentam as múltiplas ameaças que as espécies enfrentam, e devemos agir de maneira rápida e decisiva para enfrentar esta crise”, disse a costa-riquenha Grethel Aguilar, diretora-geral da UICN. O desequilíbrio do clima não é a única ameaça da fauna e da flora, que também são vítimas da poluição, da caça e da pesca predatória, do desmatamento e da exploração desenfreada dos recursos naturais do planeta. Mas ainda é possível reverter esse cenário apocalíptico.

Calcula-se que entre os séculos XVIII e XX cerca de 300 mil baleias jubartes foram mortas. Nos anos 1950, a população de espécie foi reduzida a pouco mais de 400 indivíduos no Atlântico Sul. O cetáceo só não foi extinto porque um acordo internacional – que não foi respeitado apenas por Japão, Noruega e Islândia – proibiu sua caça em 1985. O último censo realizado pelo Programa Baleia Jubarte, concluído em novembro, registrou 17 mil delas na costa brasileira. Segundo um estudo publicado em outubro na Royal Society Open Science devem haver 25 mil jubartes em todo Atlântico Sul. “Este é um exemplo claro de que, se fizermos a coisa certa, a espécie se recupera. Espero que sirva de exemplo para que possamos fazer o mesmo por outras populações animais”, diz o biólogo brasileiro Alexandre Zerbini, da agência federal americana, principal autor da pesquisa.

Outro censo recém-realizado mostra que Brasil e Argentina, ao menos em relação ao maior felino das Américas, vêm fazendo a coisa certa. Embora a sobrevivência da espécie ainda esteja por um fio, a população de onças-pintadas na região de Iguaçu, área de Mata Atlântica onde os países mantêm parques nacionais, também vem aumentando. Hoje, o número estimado de animais hoje está entre 84 e 125; em 2014 eram entre 51 e 84 e em 2016, entre 71 e 107. A proeza é resultado do trabalho de uma força-tarefa formada pelo WWF-Brasil, pela Fundación Vida Silvestre Argentina, pelo Parque Nacional do Iguaçu, pelo Parque Nacional Iguazú, pelo Projeto Onças do Iguaçu, pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). “Nosso trabalho de conservação vai além do monitoramento. Atuamos na conscientização de moradores vizinhos ao parque para a redução das principais ameaças à vida silvestre que são a caça, perda de habitat e os atropelamentos”, explica Felipe Feliciani, analista de conservação do WWF-Brasil.

Já é tarde demais para a arara-azul-pequena, o caburé-de-pernambuco, o limpa-folha-do-nordeste e o gritador-do-nordeste, aves brasileiras declaradas extintas no ano passado; mas a ararinha-azul pode ter uma segunda chance. Existem apenas 177 delas vivendo em cativeiro, mas um projeto do ICMBio prevê a reintrodução do pássaro em seu habitat, a Caatinga. Depois de muita negociação, está prevista para março do ano que vem a chegada de 50 deles, vindos da Alemanha. Os bichinhos vão passar por um período de adaptação e só os considerados aptos a voltarem a viver na natureza serão soltas. Que a ararinha-azul volte logo a bater asas no sertão e chegue a hora de a onça beber água.

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Assessing the recovery of an Antarctic predator from historical exploitation

Aumenta população de onças-pintadas na região de Iguaçu

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Em nossas mãos

Em nossas mãos

A Conferência do Clima da ONU 2019 (COP-25) foi para a prorrogação: os trabalhos se estenderam até domingo (15/12), dois dias depois do tempo regulamentar esgotado. Mas apesar da hora extra e de o documento final se chamar “Chile-Madri, hora de agir”, as decisões mais urgentes foram novamente postergadas. Entre elas, a razão principal do encontro, a regulamentação do chamado mercado de carbono. Prevista desde 2105 pelo Acordo de Paris, a medida vai permitir que países que emitiram menos possam vender créditos de CO₂ aos maiores emissores.

Também foi adiada para a COP-26, em Glasgow, na Escócia, a apresentação de metas mais ambiciosas para a redução de emissões de gases do efeito estufa (GEE). Segundo o Programa da ONU para o Meio Ambiente (Pnuma), elas precisariam cair 7,6% ao ano para evitar que o aumento da temperatura média global ultrapasse 1,5° C até o fim do século. Mas há dois anos as emissões vem subindo – este ano já aumentaram 0,6%, de acordo com o balanço anual do Global Carbon Project (GCP) – e em 2018 o nível de concentração na atmosfera bateu recorde.

Os cientistas acreditam que se medidas realmente efetivas não forem tomadas nos próximos 10 anos, o aquecimento do planeta atingirá um ponto irreversível – e quanto mais a gente demorar para agir, mais drásticas terão de ser essas ações. Na velocidade atual, a temperatura mundial poderá estar 4°C ou 5°C maior em 2100 em comparação com a era pré-industrial. Mas se os líderes mundiais têm se mostrado hesitantes, há quem tenha cansado de esperar e esteja fazendo a sua parte. A sociedade civil começa a se mexer: 177 multinacionais já se comprometeram a tomar ações para combater às mudanças climáticas. Elas atuam em 36 países – 18 delas no Brasil – e, juntas, suas emissões anuais equivalem às da França.

O presidente Donald Trump retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris, mas, ainda assim, o país está cumprindo aproximadamente 70% das metas que se comprometeu no tratado. Há dois anos foi criada a US Climate Alliance, uma coalizão bipartidária de 25 governadores, e um estudo liderado pela Universidade de Maryland já aponta resultados nos esforços do setor privado, dos estados e dos municípios. Graças a ações como essa, as emissões do país podem cair até 37% em 2030, em relação a 2005 – enquanto a meta era de 25%. O Brasil permanece no acordo, mas deve ficar 2% acima do que comprometeu para 2020. O país sempre teve papel de destaque nas conferências do clima, mas sua atual política ambiental tem feito com que perca o protagonismo. E o pior, pela primeira vez o Brasil ganhou o infame prêmio Fóssil Colossal, dedicado aos vilões do clima.

E temos feito por onde: segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o desmatamento na Floresta Amazônica foi 104% maior em novembro do que no mesmo mês em 2018. Os números foram divulgados no dia 13, que seria o último dia da COP. Depois de fazer pouco-caso do Fundo Amazônia, o Brasil chegou à Madri passando o chapéu, sem mostrar resultados, e voltou de bolso vazio. Em carta aberta publicada em 3 de dezembro, um grupo de 87 empresas europeias já haviam cobrado a redução no desmatamento para manter negócios com país. Enquanto isso, nossa vizinha Colômbia, que reduziu em 10% o desmate entre 2017 e 2018 na região, vai receber US$ 360 milhões da Alemanha, Noruega e Reino Unido.

Bolsonaro chegou a ameaçar seguir os passos de Trump e tirar o Brasil do Acordo de Paris. Ainda que tenha permanecido, aqui começa a acontecer um fenômeno semelhante: parlamentares, prefeitos e governadores decidiram entrar nas negociações, à revelia do governo federal. Um consórcio formado pelos nove estados da Amazônia Legal aproveitou a COP 25 para fechar um acordo com a França pela preservação da floresta. Se o caminho principal tem se mostrado tortuoso, o jeito é comer as mudanças climáticas pelas beiradas. E a sociedade civil é fundamental para construir esse atalho.

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A emenda melhor que o soneto

A emenda melhor que o soneto

A Emenda de Kigali saiu melhor que o soneto. Ela incide sobre o Protocolo de Montreal, o mais bem-sucedido acordo ambiental internacional e lhe dá mais um propósito. O tratado, firmado em 1987 na cidade canadense, está restaurando a camada de ozônio do planeta e pode ajudar a conter as mudanças climáticas. Kigali pode nos dar um refresco de 0,5°C a menos até o fim do século – além de gerar empregos e economia de energia. Esperam-se avanços modestos na Conferência do Clima da ONU 2019 (COP-25), que ora se realiza em Madri, na Espanha. É preciso buscar alternativas.

Funciona assim: o ar-condicionado que esfria a sua casa ou local de trabalho ajuda a esquentar o planeta – seja pelo consumo de eletricidade, seja por emissões de hidrofluorcarbonetos (HFCs). Esses gases do efeito estufa, usados em equipamentos de refrigeração, são até duas mil vezes mais potentes do que o CO₂. Mas como se dissipam mais rapidamente na atmosfera, os efeitos seriam mais imediatos. A emenda determina que seus signatários reduzam gradativamente o uso de HFCs. Ela foi assinada em 2016, em Ruanda, e entrou em vigor em janeiro deste ano. Mas o Brasil não está entre os 89 países que a ratificaram. Esta tarefa é do Congresso.

A Emenda de Kigali também mira na redução do consumo de energia – diminuindo, assim, a necessidade de construção de novas unidades de geração. Por isso incentiva o investimento em tecnologias que aumentam a eficiência energética de equipamentos de refrigeração. No Brasil, a economia de energia pode chegar a 39,3 TWh até 2035, o equivalente a consumida por 11,9 milhões de residências. Para o consumidor ela vai significar R$ 152 bilhões a menos na conta de luz entre 2021 e 2035. Com a ratificação da Emenda de Kigali, o país poderá usar recursos do Fundo Multilateral do Protocolo de Montreal (MLF) na modernização de seu parque industrial. E pode dar um passo bem largo adiante.

O Brasil está em vigésimo lugar no ranking de eficiência energética entre os 25 países que mais consomem energia no mundo. Itália e Alemanha estão empatados em primeiro lugar, com 75,5 pontos de 100 possíveis, seguidos por França, Reino Unido e Japão. Os dados são da edição de 2108 do International Energy Efficiency Scorecard, do American Council for an Energy-Efficient Economy (ACEEE). Enquanto a Alemanha investe mais de US$ 2,5 bilhões por ano em eficiência energética (US$ 31 per capita) e a Itália, mais de US$ 1,5 bilhão (US$ 25), o Brasil destina só US$ 191 milhões (US$ 0,94).

Com o aumento da temperatura, o setor de refrigeração vem crescendo na mesma proporção. Para se ter uma ideia, o aumento do consumo geral de eletricidade no Brasil foi de 61%, enquanto no uso em aparelhos de ar condicionado em residências aumentou 237%. No ano passado, o Comitê Gestor de Indicadores de Eficiência Energética (CGIEE) propôs uma nova regulamentação para o setor. Mas ainda estamos a anos-luz dos padrões mínimos de eficiência energética exigidos por países como Canadá, Coreia do Sul, Japão, China e México.

O Lawrence Berkeley National Lab, do Departamento de Energia dos EUA, calculou que, no Brasil, uma melhoria de 30% nos índices de eficiência energética significaria a redução de 23% das emissões de gases do efeito estufa pelo setor até 2050 – e nos ajudaria a cumprir as metas do Acordo de Paris. Precisamos preservar a floresta, mas também falar sério sobre desenvolvimento sustentável. Além de ratificar urgentemente a Emenda de Kigali, o Congresso tem o dever de propor novas soluções.

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Governadores acordam para as mudanças climáticas

Governadores acordam para as mudanças climáticas

Ainda não são todas, mas algumas autoridades estão acordando para o fato de que precisamos combater as mudanças climáticas e cumprir o Acordo de Paris. 12 governadores se comprometeram com a meta estabelecida pelo Brasil de, até 2025, reduzir em 37% – em relação a 2005 – a emissão de gases de efeito estufa.

Segundo o Fórum Brasileiro de Mudanças do Clima, são favoráveis ao tema os governadores do Amapá, Amazonas, Distrito Federal, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e São Paulo. Agora, é importante ficar de olho para ver se a promessa não é só da boca para fora.

Via Agência Brasil
Foto de divulgação

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Mudanças de rumo no clima

Mudanças de rumo no clima

O Brasil se juntou no ano passado a um importante esforço planetário pelo clima ao ratificar o Acordo de Paris. Mas as palavras do documento assinado por Michel Temer parecem ter voado ao sabor do vento. Desde então, seu governo retirou recursos do Ibama, cortou pela metade a Floresta Nacional do Jamanxim, no Pará, e planeja uma redução similar em Unidades de Conservação no Amazonas. Mudanças de rumo que no futuro irão se refletir no clima.

O pior, no entanto, ficou mesmo com a questão indígena.

A lista de ações temerárias vai da tentativa do ex-ministro da Justiça e hoje ministro no STF, Alexandre de Moares, de mudar o rito de demarcações à nomeação do ruralista Osmar Serraglio como seu sucessor no Executivo.

Em carta publicada hoje, Dia Nacional de Conscientização sobre as Mudanças Climáticas, na Folha de S.Paulo, Carlos Rittl, do Observatório do Clima, explica ao presidente que o Brasil precisa inverter os atuais rumos de sua agenda ambiental.

Vamos torcer para que a missiva permaneça sob sua atenção e não seja mais uma a criar asas e voar para longe das decisões de Brasília.

Foto: Fato Curioso

Leia a carta: https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2017/03/1866927-presidente-precisamos-falar-sobre-clima.shtml

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