A mesma mão que oferece vacina põe mais veneno em sua comida. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) sofre de dupla personalidade: sua atuação digna de elogios nos piores momentos da pandemia encobre o seu lado assustador. Não fosse pela entidade, teriam morrido bem mais pessoas de Covid-19 no país; por outro lado, ela é corresponsável pela morte causada por agrotóxicos de um brasileiro a cada dois dias, segundo um relatório recém-publicado pela ONG Friends of the Earth Europe. E, de acordo com a pesquisadora Larissa Bombardi, professora do departamento de Geografia da USP, pela intoxicação de 50 bebês por ano no Brasil. É como na história do médico e o monstro.
A Anvisa “tem por finalidade institucional promover a proteção da saúde da população, por intermédio do controle sanitário da produção e consumo de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária”. Seguindo à risca o que diz seu estatuto, aprovou as vacinas que salvaram as vidas de milhares de brasileiros, contra recomendações do governo; ao mesmo tempo, tem cumprido ordens que vêm minando nossa saúde lentamente. Cabe à agência não só dar ou negar seu aval a medicamentos, como também a pesticidas. E nunca tantos agrotóxicos foram liberados no Brasil em tão pouco tempo.
Em 2021, 562 novas substâncias foram aprovadas, um recorde absoluto. Até 25 de fevereiro deste ano, quando o atual governo completou 1.158 dias, este número chegou a 1.629 – o que dá uma a incrível média de 1,4 por dia. E a nossa saúde tem se deteriorado com a mesma rapidez. “Os números me chocaram, pois só aumentaram. Pela média, são 15 pessoas intoxicadas por ano. No antigo levantamento, eram 10. Entre os bebês de 0 a 1 ano, a média de intoxicações passou de 43 para 50. Essa alta tem se mantido para todos os recortes que tenho feito”, diz Larissa Bombardi, que ora prepara a versão atualizada do “Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia”.
A cientista publicou o primeiro relatório em 2017. Nele, constavam dados de 2007 a 2014, compilados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde. A atualização traz dados de 2010 a 2019. Notificações de intoxicação desse tipo são obrigatórias no Brasil desde 2011; mas como isso nem sempre acontece, é razoável supor que os números devem ser ainda mais assustadores. O texto foi publicado em 2020 na Europa, onde causou escândalo – uma grande rede escandinava de supermercados chegou a boicotar produtos brasileiros. Larissa foi ameaçada e teve que deixar o país.
O lado monstro da Anvisa gosta de vida mansa – e isso o torna ainda mais perigoso. Há quase três anos não sabemos o risco que corremos quando nos sentamos à mesa. O Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos foi criado em 2011. A última vez que um resultado veio à luz, foi em 2019, com análises de amostras recolhidas em 2017 e 2018. Ou seja, desde que começou o atual governo, o recordista em lançamento de pesticidas, não temos a menor ideia da quantidade de veneno que estamos ingerindo. Melhor dizendo, temos uma leve noção: 42% das goiabas, 39% das cenouras, 35% dos tomates e oito a cada dez pimentões analisados na safra 2017-2018 estavam contaminados.
A agência também está empurrando com a barriga a decisão de proibir o uso do carbendazim no país. O agrotóxico foi banido dos Estados Unidos e da Europa; suspeita-se que leve à malformação de fetos e cause câncer. Em 2015, a Agência Internacional de Pesquisa em Câncer já alertava para os perigos do glifosato, da diazinona e da malationa, usados como água por aqui. O Instituto Nacional de Câncer calcula 625 mil novos casos da doença por ano entre 2020 e 2022 – contra 600 mil em 2018 e 2019. Segundo a Organização Internacional do Trabalho, os agrotóxicos são responsáveis por 70 mil mortes por ano no mundo; e 20% das vítimas no Brasil são crianças e jovens de até 19 anos.
Hoje, o país responde por 20% do mercado mundial de agrotóxicos, com US$ 10 bilhões por ano. Caso a sociedade não reaja, a tendência é piorar. O médico/monstro ainda pode ser obrigado a lavar as mãos. O Projeto de Lei 6.299/2002, mais conhecido como PL do Veneno, que ora tramita ameaçadoramente no Congresso, não só flexibiliza ainda mais as regras de aprovação e comercialização de agrotóxicos: também transfere essa atribuição da Anvisa para o Ministério da Agricultura. Em nome de quê?
Existem opções, não se deixe enganar. Não podemos ser obrigados a escolher entre morrer de fome ou de câncer por causa da ganância alheia. Vamos deixar claro nas urnas que queremos uma vida longa, próspera e saudável para nós e para as próximas gerações.
27 \27\America/Sao_Paulo julho \27\America/Sao_Paulo 2018 | Agronegócio
Mais terra, menos gente e mais veneno. Segundo o Censo Agropecuário 2017 do IBGE, em 11 anos a área ocupada por propriedades rurais no Brasil cresceu 16,5 milhões de hectares, o equivalente ao estado do Acre. Mas isso não significou mais geração de empregos: com a mecanização da produção, 1,5 milhão de trabalhadores deixaram o campo.
Para piorar, também aumentou a concentração de posse: eram 5,17 milhões de propriedades em 2006 e 5,07 milhões em 2017. Essas terras ocupam 41% da área do Brasil. Neste período, o uso de agrotóxicos aumentou 21,2%, como tabém cresceu o número de agricultores que os usam. E ainda querem nos convencer a derrubar mais floresta e que a gente engula a PL do Veneno. Em nome de quê?
5 \05\America/Sao_Paulo setembro \05\America/Sao_Paulo 2017 | Agronegócio
O que mata, engorda: um terço dos vegetais consumidos no Brasil já apresenta resíduos de agrotóxicos em níveis acima dos aceitáveis. Ninguém faz a Monsanto e congêneres mais felizes do que o brasileiro, que consome cinco litros de veneno por ano. Em média, o país importa anualmente 1 bilhão de litros, liderando esse indigesto ranking mundial. Neste cardápio, entram produtos proibidos em vários países: são 434 substâncias, sendo que entre as 50 mais utilizadas, 22 foram banidas de boa parte da Europa. Entre 2002 e 2012, o uso de pesticidas e herbicidas mais que dobrou no Brasil, crescendo 115%. O uso pulou de 2,7 quilos para 6,9 quilos por hectare, com o agravante que 64,1% dos produtos usados em 2012 foram considerados como perigosos e 27,7%, muito perigosos, segundo o IBGE. E o menu pode aumentar consideravelmente, pois o governo preparou um novo livro de receitas que vai mudar regras para registro de novas substâncias. A Medida Provisória foi preparada na Casa Civil, com as inestimáveis colaborações da bancada ruralista e dos próprios fabricantes, e pode ser aprovada a qualquer momento. Vamos engolir mais essa?
Entre os produtos que só os brasileiros consomem estão o Tricolfon, Cihexatina, Abamectina, Acefato, Carbofuran, Forato, Fosmete, Lactofen, Parationa Metílica e Thiram. Tem um chamado Fipronil que acabou de protagonizar uma saia-justa na Europa, por ter sido usado irregularmente e provocado a retirada e milhões de ovos contaminados dos supermercados. Vender agrotóxico para o Brasil é um negocião: tem 60% de desconto no ICMS e isenção de IPI. Não satisfeitos, ainda querem rebatizar o produto para “defensivo fitossanitário”, como se ele fosse ficar menos daninho. E a análise da comida que vai para a mesa do brasileiro é bastante modesta. No relatório de 2012 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), foram analisadas 3.293 amostras de somente 13 alimentos, 5% do que é examinado nos Estados Unidos e na Europa. A Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) calcula que os alimentos que mais recebem pesticidas no Brasil são a soja (40%), o milho (15%), a cana-de-açúcar e o algodão (10% cada), os cítricos (7%), o café, o trigo e o arroz (3 % cada), o feijão (2%), a batata (1%), o tomate (1%), a maçã (0,5%) e a banana (0,2%). Entre 2007 e 2014, foram registradas 1.186 mortes causadas por intoxicação por agrotóxicos. Mas eles também podem matar de forma indireta, já que alguns produtos contêm substâncias cancerígenas.
O campeão brasileiro no uso de veneno na agricultura é o Rio Grande do Sul. Um estudo realizado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul comparou o número de mortes por câncer na região de Ijuí, no noroeste gaúcho, com as registradas no estado e no país entre 1979 e 2003. O resultado foi de embrulhar o estômago: a taxa de mortalidade local supera tanto a do Rio Grande do Sul, que já é bem alta, como a nacional. Segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca), o estado tem a maior taxa de mortalidade pela doença. Em 2013, foram 186,11 homens e 140,54 mulheres mortos mortos para cada grupo de 100 mil habitantes de cada sexo. A proporção é bem maior do que os nos segundos colocados, Paraná (137,60 homens) e Rio de Janeiro (118,89 mulheres). Em 2014, 17,5 mil pessoas morreram de câncer no Rio Grande do Sul; no país todo, foram 195 mil.
Os pesticidas e herbicidas ainda podem prejudicar a própria atividade agrícola, pois estão ajudando a reduzir drasticamente as populações de insetos polinizadores, como abelhas e borboletas, além de contaminar os lençóis feráticos. E os seus efeitos nefastos são duradouros e poderão atingir as futuras gerações: uma pesquisa da Universidade Federal do Mato Grosso, feita em 2011, analisou 62 amostras de leite materno e encontrou, em 44% delas, vestígios de Endosulfan, um agrotóxico já proibido por reconhecidamente prejudicar os sistemas reprodutivo e endócrino humanos. Para piorar, também foram encontrados, em todas as amostras, produtos ainda em pleno uso, como o DDE. Vamos banir o veneno de nossas mesas?
12 \12\America/Sao_Paulo dezembro \12\America/Sao_Paulo 2017 | Agronegócio
Não basta abusar da dose e contrabandear produtos proibidos no Brasil: tem agricultor usando agrotóxico com prazo de validade vencido na comida que chega às nossas mesas. Todos os dias, oito brasileiros são intoxicados por pesticidas e herbicidas, sendo que só um a cada 50 casos é registrado.
As informações são da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que calcula que entre 2007 a 2014 mais de um milhão de brasileiros foram atingidos. Se o veneno bom (sic) já é um problema, imaginem o estragado? Pois o Pacote do Veneno que circula no Congresso pode facilitar ainda mais a vida do mau produtor rural. O antídoto é a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pnara), Projeto de Lei que tramita na Câmara dos Deputados. Vamos demonstrar o nosso apoio à essa ideia?
Via Greenpeace Brasil
Foto: Polícia Militar Ambiental de Aparecida do Taboado
Vai mais uma pitada de veneno? Depois de 14 anos repousando na gaveta, está para ser levado à votação na Câmara Federal o Projeto de Lei (PL) 6299/2002, revogando a atual Lei de Agrotóxicos (7.802/1989). Caso seja aprovado, ele abre brechas para a regulamentação de novos produtos que podem ser nocivos à saúde humana e ao meio ambiente. O PL do Veneno é de autoria do atual ministro da Agricultura, Blairo Maggi. Sua volta à cena abriu uma guerra no governo, botando os Ministérios da Saúde, a Anvisa e o Ibama contra o chefiado por Maggi. Além disso, o Ministério Público Federal declarou que o projeto é inconstitucional e ele enfrenta a oposição de entidades do quilate da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e do Instituto Nacional do Câncer (Inca).
Em novembro passado, a opinião pública se revoltou com a liberação do Benzoato de Emamectina, substância proibida no Brasil desde 2010, por suspeita de causar danos ao sistema nervoso. No mês passado a União Europeia proibiu produtos que contenham substâncias conhecidas como neonicotinoides porque podem causar a extinção de insetos polinizadores, como as abelhas. A China também está endurecendo suas leis ambientais e fechando fábricas de pesticidas.
Em nome de que botar a mão num vespeiro desses, justamente quando o resto do mundo começa a adotar políticas de restrição ao uso de agrotóxicos? Estamos na contramão. Arriscar a vida da população está custando mais caro, mas o Brasil parece estar disposto a pagar o preço. O país pode deixar de ser o maior e se tornar o único grande comprador de agrotóxicos. Bom, há pistas a serem seguidas: fabricantes desses produtos financiam campanhas de boa parte dos integrantes da bancada ruralista. Se a gente ligar os pontos vai ver que não dá para engolir mais essa de boca fechada.
No momento, o PL do Veneno está sendo avaliado por uma comissão especial da Câmara, que deve voltar a se reunir no próximo dia 29. É ela quem vai decidir se o projeto vai ou não ao plenário para votação. Só que 20 dos 26 membros desse colegiado são ruralistas. Vai ser preciso muita pressão para derrubá-lo; os lobistas das fábricas de pesticidas insistem em minimizar os seus efeitos nocivos e sempre encontram alguém disposto a lhes dar aval. É uma história que se repete: nos anos 1970, quando começaram a ser divulgados os malefícios do fumo, a indústria tabagista chegou a encomendar estudos falsos para rebater as acusações. A contrapropaganda é uma estratégia antiga, mas os propósitos ficam claros nos pequenos detalhes do projeto. Como, por exemplo, alterar o termo “agrotóxico”, usado na legislação de 1989, para “defensivos fitossanitários”. Fica clara a intenção de levar o consumidor na conversa – como no caso do projeto para tirar o selo “T” dos transgênicos.
Foi o engenheiro agrônomo Adilson Paschoal, Ph.D. em Ecologia e Conservação de Recursos Naturais pela Universidade Estadual de Ohio, nos Estados Unidos, que criou a palavra, em 1977, com rigor científico: “agrotóxicos têm sentido geral para incluir todos os produtos químicos usados nos agrossistemas para combater pragas e doenças. O termo é uma contribuição útil, já que a ciência que estuda esses produtos chama-se toxicologia”, escreveu ele em seu livro “Pragas, praguicidas & a crise ambiental”. Não à toa, ela foi adotada oficialmente, batizando sua lei específica. Paschoal também defende que o uso de agrotóxicos aumenta o número de pragas, porque matam os seus predadores naturais, como as vespas, que também são insetos polinizadores. Professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da USP, ele é um dos pioneiros da agroecologia no Brasil e defensor de sua viabilidade econômica.
Além dos métodos mais sustentáveis de produção, como a agrofloresta ou permacultura, inspirados nos usados pelos povos tradicionais, a Ciência tem apontado novos caminhos. Assim como está mudando a matriz energética do mundo, a atividade agropecuária começa a buscar soluções menos danosas ao meio-ambiente – e, por que não?, mais economicamente viáveis. O controle natural de pragas e os chamados bioinseticidas parecem ser o caminho. A empresa mexicana Seipasa acaba de conseguir o registro de um novo bioinseticida nos Estados Unidos. Um imenso novo mercado se descortina. O Brasil tem expertise nessa área. Um estudo desenvolvido há seis anos pela Esalq/USP, em parceria com a Universidade da Califórnia pode levar ajudar na erradicação do greening, principal doença que afeta os laranjais. E a fórmula é 100% natural: usar hormônios do psilídeo para combater o próprio inseto. Em nome de que vamos continuar marcando passo?
‘O uso seguro de agrotóxicos é um mito’ (entrevista com Raquel Rigotto, professora do Departamento de Saúde Comunitária da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará)