Novos caminhos para o futuro

Novos caminhos para o futuro

Eliane Xunakalo é uma mulher do seu tempo. Percebeu que para manter sua cultura viva e as terras de seus ancestrais intocadas era preciso estar atenta à contemporaneidade e aos movimentos do mundo. Ultimamente, tem se dedicado a estudar créditos de carbono – algo que até outro dia não lhe diria respeito e que muita gente boa desconhece. “Em 2016, já tinha feito pós em Direito Administrativo e Administração Pública, porque entendo que a gente precisa compreender como funciona a estrutura do poder público para poder cobrar. Não basta saber os direitos, tem que conhecer os caminhos”, diz ela, mais uma liderança feminina emergente do movimento indígena e uma fé no futuro. Anotem o nome.

Mãe de três filhos, de 10, 5 e 3 anos, e quatro cachorros, Eliane é Bakairi. Esse povo originário do Cerrado mato-grossense está no meio do maior fogo cerrado: o direto, que vem destruindo o segundo maior bioma brasileiro com incêndios cada vez maiores e constantes; e o que ricocheteia na Amazônia, ao abrir caminho para invasores – os Bakairi vivem em duas terras nos arredores do Parque Nacional do Xingu. Depois de uma eleição difícil, em que enfrentou uma oposição violenta, Eliane foi eleita a primeira presidenta da Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso (Fepoimt). Uma vitória histórica.

A votação foi apertada e deixou sequelas. Guerreira que usa a doçura como arma, Eliane prega a conciliação. “Nós, povos indígenas não podemos ser inimigos. Estamos pregando diálogo, união e consenso. Não vamos excluir nenhum povo que pensa diferente da gente, pelo contrário. Foi com essa proposta que nos apresentamos, que fomos eleitos e que vamos trabalhar. Nossa palavra é consulta transparência, protagonismo e força”, diz ela, demonstrando grande maturidade para os seus 36 anos, um contraste com autoridades mais velhas, que perecem crianças.

A Fepoimt foi criada em 2017, representa os 43 povos indígenas do estado. O próprio Cacique Kayapó Raoni se empenhou na campanha. Eliane Xunakalo irá enfrentar pedreiras à frente da federação. O poder mudou de mãos a nível federal, mas permaneceu nas mesmas em Mato Grosso. O governador, um senador e 18 dos 24 deputados estaduais mato-grossenses foram reeleitos. Ela tentou uma vaga na assembleia estadual, mas não foi eleita. “Tive 4.046 votos. São votos importantes porque são limpos e abrem caminhos. Pela falta de recursos e de experiência analiso como um resultado positivo. E sou a primeira indígena eleita como suplente na Assembleia. É um resultado histórico”, analisa.

O fato de ter ao seu lado outras mulheres corajosas como ela é outro motivo de otimismo: Eliane é vice-presidente da União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileiras (Amiab) e cofundadora da Articulação Nacional Das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga), além de ser sou assessora de articulação política e para questões climáticas da Takná, instituição que tem 13 anos e trabalha com os direitos das mulheres indígenas no Mato Grosso.

Mas Eliane nunca esteve sozinha. O marido apoia seu trabalho desde o começo e ela também foi incentivada a estudar por seu povo, pelas lideranças e anciões da sua aldeia. Quando estudou em Cuiabá, aprendeu com o movimento estudantil que era preciso levar a voz do movimento indígena a todos os recantos do planeta. “Nós não somos o atraso. Nós somos os guardiões do bioma, somos os guardiões do futuro. Precisamos que quem está no poder entenda isso”, diz Eliane Xunakalo. O Mato Grosso é a nossa primeira linha de defesa contra a destruição da Amazônia. A tarefa está em boas mãos, mas a Fepoimt precisa do apoio de todos nós.

 

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Jogo de cartas marcadas

Jogo de cartas marcadas

por Cláudia Gaigher*

E a bola da vez é… C 2! Após o anúncio, começou a marcação. É um jogo de estratégia onde vence quem ocupar mais espaços. A bola da vez, a C 2, na realidade, é o Parque Estadual do Cristalino II, um dos últimos refúgios de Floresta Amazônica na região do Arco do Desmatamento, entre Mato Grosso e Pará, onde tombaram milhões de árvores nos últimos anos.

O placar de 3 x 2 no Tribunal de Justiça de Mato Grosso deu vitória ao avanço da agropecuária. Empresários têm se valido de ‘brechas’ nas legislações estaduais para questionar os limites e até a criação das Unidades de Conservação (UCs) estaduais, e também do silêncio do Poder Executivo Estadual. “O governo de Mato Grosso teve quatro meses para recorrer dessa decisão e não recorreu. Ou seja, o governo de Mato Grosso decidiu abrir mão de um parque por W.O., ele nem entrou no jogo”, disse a diretora-executiva da Rede Nacional Pró-Unidades de Conservação, Ângela Kuczach.

Uma jogada errada abriu espaço para uma prorrogação quando ‘esqueceram’ de citar o Ministério Público Estadual (MP-MT) no processo, mas a manutenção do Parque Cristalino II está, agora, nos minutos finais dos acréscimos. E, antes mesmo do jogo acabar, abriram uma cicatriz de mais de 1.800 hectares no parque. “Assim que saiu a decisão, houve 10 pedidos para extração de ouro dentro do parque, que impactam 75 mil hectares. É um ataque de gafanhoto. Com isso, abre-se precedentes para outros. Não tenho dúvida que os 18 parques [estaduais] de Mato Grosso, nesse momento, estão passando por um pente fino”, afirmou Kuczach.

Eles miram um ‘strike’. A mesma tática foi usada contra outros dois parques estaduais em Mato Grosso: Serra de Santa Bárbara e Serra Ricardo Franco, este último com 158.620 hectares, criado em 1997, ainda no embalo da Eco 92. Um mosaico ecológico composto por paredões de arenito e mais de 100 cachoeiras em um ecossistema único: o ecótono, área de transição entre a Amazônia, Cerrado e Pantanal. A palavra Ecótono, aliás, vem do grego ‘oikos’ e do latim ‘tonus’. A tradução é algo como “casa onde reina a tensão”.

Em abril de 2017, a Assembleia Legislativa do Mato Grosso aprovou o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 2/2017, que extinguia o Parque Serra Ricardo Franco. O MP-MT conseguiu um acordo e o projeto foi engavetado. Mas, em maio deste ano, ele foi desengavetado e teve parecer favorável à extinção, sob o argumento que a área é ocupada por fazendas há mais de meio século.

Acionamos o VAR e eis que, após analisar imagens de satélite, o MapBiomas constatou que 13.731 hectares de florestas foram derrubados depois da criação do parque, o que equivale a nada menos que 86 parques do Ibirapuera. Agora, fazendeiros tentam um acordo para levar no tapetão: indenização por desmatar ilegalmente terras públicas e protegidas para criar gado.

E não é só a biodiversidade única do Mato Grosso que está em jogo, um pedaço de sua história também. Vamos ao jogo da memória: A região das serras Ricardo Franco, Santa Bárbara e o Vale do Guaporé foi ocupada pelos primeiros habitantes da América do Sul, já tendo sido encontrados vestígios da presença humana de 12 mil anos. Lá foi fundada a primeira capital da então província de Mato Grosso, pelos idos de 1752. E foi na Serra Ricardo Franco que, no século 16, surgiram os primeiros quilombos da região, que acolhiam negros e indígenas, e onde ascendeu uma liderança que é símbolo da luta quilombola: Tereza de Benguela, do quilombo Quariterê. A façanha de uma mulher negra que administrou um quilombo como um parlamento 300 anos atrás foi reconhecida com a criação do Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra, em 2014.

Três séculos depois, em vez de cavalos e mosquetões, são tratores, motosserras e canetadas as armas usadas pelos novos ‘colonizadores’, que jogam sempre no ataque. E, no jogo das commodities, os povos tradicionais acabam empurrados pra escanteio. Mudam os jogadores, mas as estratégias são as mesmas, e o resultado também: mais devastação e impunidade. Em time que está vencendo não se mexe.

Aproveitando a onda favorável, a Associação de Produtores Rurais da Serra de Santa Bárbara entrou com uma ação na Justiça Federal este ano para extinguir o Parque Estadual Serra de Santa Bárbara, criado em 1997. Alegam décadas da presença de produtores nas terras, mas o parque Santa Barbara é território ancestral dos Chiquitanos, que tiveram a TI Portal do Encantado demarcada em 2010, em território vizinho ao parque.

Os Chiquitanos chamam a Serra de Santa Bárbara de a ‘Coroa do Mundo’ e a consideram um local sagrado, morada das nascentes e do ‘hitchi’ das águas, protetor dos rios. Para os indígenas, os ‘hitchis’ são a alma dos elementos da natureza e a destruição deles pode levar a nocaute a vida na terra. Pensamento parecido têm os Nambiquara, outro povo que habita a região e para quem os espíritos da floresta detêm a sabedoria ancestral: sem floresta, não há futuro.

E para quem prioriza os cifrões, um estudo da Conservação Internacional revelou que, além dos serviços ambientais, os parques e UCs podem alavancar a economia, pois para cada real investido em uma UC, R$ 7 retornam. Para ter uma ideia, no ano passado os parques nacionais receberam 16,7 milhões de visitantes, que movimentaram R$ 3 bilhões nas regiões das UCs. Nos EUA, que investem na proteção dos parques, esse valor é até sete vezes maior. Outro ‘7×1’.

Mas tem jeito: proteger os parques e aumentar em 20% os visitantes nas UCs brasileiras pode gerar de 15 a 42 mil empregos e movimentar até R$ 1,2 bilhões por ano. Isso sim é uma jogada de mestre: garantir a preservação ambiental, os direitos dos povos ancestrais e a geração de empregos verdes. Bingo!

 

*Cláudia Gaigher é jornalista ambiental, repórter e escritora. Nasceu em Cachoeiro de Itapemirim, no Espirito Santo, onde começou a sua carreira como repórter na TV Gazeta. Em 1998 se mudou para Mato Grosso do Sul para ser repórter de rede nacional da Rede Globo, baseada em Campo Grande. Foram 24 anos de reportagens nos biomas Pantanal, Cerrado, Mata Atlântica e Amazônia, fazendo reportagens especiais para o Jornal Nacional, Fantástico, Globo Reporter e para outros telejornais nacionais e regionais. Trabalhando na TV Morena, afiliada regional da Rede Globo, percorreu o Pantanal em toda a sua extensão conhecendo as histórias, noticiando descobertas científicas, revelando ao Brasil um pouco da essência pantaneira em importantes coberturas. No Cerrado, que cerca a planície, também mostrou em reportagens as transformações e as belezas desse outro bioma tão importante.

 

 

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Relatório Final do Projeto Fronteira Ocidental: Arqueologia e História

Quanto Vale o Verde

Relatório Banco Mundial 1992 / Financiamento para Criação de UC’s em MT

Sobre a PDL 02/2017

Tramitação da PDL 02/2017

Ações do MPE garantem bloqueio de valores para recuperação de áreas degradadas 

MPE e Governo do Estado firmam TAC para garantir Proteção do Parque Serra de Ricardo Franco

Nota Técnica Pela Proteção do Parque Estadual Serra Ricardo Franco

Estudo de Caso Parque Ricardo Franco do Greenpeace

 

Fraldas de mandioca

Fraldas de mandioca

Fraldas descartáveis levam até 600 anos para se decompor na natureza. E um bebê usa em média 240 por mês. Logo, o que é uma mão na roda para os pais é um problemão para o meio ambiente. Mas um grupo de estudantes de Mato Grosso encontrou a solução: um produto biodegradável, feito à base de amido de mandioca, que se dissolve em seis meses.

Os jovens são alunos do ensino médio dos cursos técnicos de Meio Ambiente, Comérico e Agropecuária do Instituto Federal do Mato Grosso, no município de Juína (a 800 km da capital, Cuiabá). Eles têm entre 15 e 16 anos; ou seja, não há idade para começar a se preocupar com o futuro do planeta.

Via Conexão Planeta

Foto: ToperBio

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O Mato Grosso está afinando

O Mato Grosso está afinando

O Mato Grosso está afinando. E pode ficar ainda mais ralo, caso a proposta de estadualizar o Parque Nacional da Chapada dos Guimarães (foto) seja aprovado. Exemplos recentes não faltam.

Em 2006, os deputados do estado tentaram reduzir o Parque Estadual do Cristalino em quase 1/3; em 2011, o governo estadual quis envolver o Parque Estadual do Araguaia, a Terra Indígena Marãiwatsédé e grileiros num troca-troca ilegal; em 2016, os parlamentares cortaram 107 mil hectares da Resex Guariba Roosevelt; desde abril de 2017, tentam extinguir o Parque Estadual da Serra de Ricardo Franco; e o PL 591/2017 visa retalhar a Área de Proteção Ambiental Cabeceiras do Rio Cuiabá, que já perdeu cerca de 40% de seus 460 mil hectares para o desmatamento ilegal. Em nome de que – ou de quem – agem esses políticos?

Via Jornal do Brasil

Foto: José Medeiros

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Mato Grosso esconde o jogo

Mato Grosso esconde o jogo

À boca miúda: o governo do Mato Grosso escondeu um relatório oficial que revela que 61,7% do corte de madeira no estado é ilegal. Os dados são referente a 2014 e 2015. Segundo o mapeamento, 177,3 mil hectares de vegetação foram abaixo.

Comparado com o período 2013/2014, a área de exploração ilegal cresceu 27%. E olha que o governo mato-grossense havia refutado um estudo da ONG Instituto Centro de Vida – ICV, que apontava um cenário menos sombrio. É como disse certa vez um ministro: “O que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde”.

Via Folha de S.Paulo

Foto: Daniel Beltrá/Greenpeace

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