Jogo de cartas marcadas

Jogo de cartas marcadas

por Cláudia Gaigher*

E a bola da vez é… C 2! Após o anúncio, começou a marcação. É um jogo de estratégia onde vence quem ocupar mais espaços. A bola da vez, a C 2, na realidade, é o Parque Estadual do Cristalino II, um dos últimos refúgios de Floresta Amazônica na região do Arco do Desmatamento, entre Mato Grosso e Pará, onde tombaram milhões de árvores nos últimos anos.

O placar de 3 x 2 no Tribunal de Justiça de Mato Grosso deu vitória ao avanço da agropecuária. Empresários têm se valido de ‘brechas’ nas legislações estaduais para questionar os limites e até a criação das Unidades de Conservação (UCs) estaduais, e também do silêncio do Poder Executivo Estadual. “O governo de Mato Grosso teve quatro meses para recorrer dessa decisão e não recorreu. Ou seja, o governo de Mato Grosso decidiu abrir mão de um parque por W.O., ele nem entrou no jogo”, disse a diretora-executiva da Rede Nacional Pró-Unidades de Conservação, Ângela Kuczach.

Uma jogada errada abriu espaço para uma prorrogação quando ‘esqueceram’ de citar o Ministério Público Estadual (MP-MT) no processo, mas a manutenção do Parque Cristalino II está, agora, nos minutos finais dos acréscimos. E, antes mesmo do jogo acabar, abriram uma cicatriz de mais de 1.800 hectares no parque. “Assim que saiu a decisão, houve 10 pedidos para extração de ouro dentro do parque, que impactam 75 mil hectares. É um ataque de gafanhoto. Com isso, abre-se precedentes para outros. Não tenho dúvida que os 18 parques [estaduais] de Mato Grosso, nesse momento, estão passando por um pente fino”, afirmou Kuczach.

Eles miram um ‘strike’. A mesma tática foi usada contra outros dois parques estaduais em Mato Grosso: Serra de Santa Bárbara e Serra Ricardo Franco, este último com 158.620 hectares, criado em 1997, ainda no embalo da Eco 92. Um mosaico ecológico composto por paredões de arenito e mais de 100 cachoeiras em um ecossistema único: o ecótono, área de transição entre a Amazônia, Cerrado e Pantanal. A palavra Ecótono, aliás, vem do grego ‘oikos’ e do latim ‘tonus’. A tradução é algo como “casa onde reina a tensão”.

Em abril de 2017, a Assembleia Legislativa do Mato Grosso aprovou o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 2/2017, que extinguia o Parque Serra Ricardo Franco. O MP-MT conseguiu um acordo e o projeto foi engavetado. Mas, em maio deste ano, ele foi desengavetado e teve parecer favorável à extinção, sob o argumento que a área é ocupada por fazendas há mais de meio século.

Acionamos o VAR e eis que, após analisar imagens de satélite, o MapBiomas constatou que 13.731 hectares de florestas foram derrubados depois da criação do parque, o que equivale a nada menos que 86 parques do Ibirapuera. Agora, fazendeiros tentam um acordo para levar no tapetão: indenização por desmatar ilegalmente terras públicas e protegidas para criar gado.

E não é só a biodiversidade única do Mato Grosso que está em jogo, um pedaço de sua história também. Vamos ao jogo da memória: A região das serras Ricardo Franco, Santa Bárbara e o Vale do Guaporé foi ocupada pelos primeiros habitantes da América do Sul, já tendo sido encontrados vestígios da presença humana de 12 mil anos. Lá foi fundada a primeira capital da então província de Mato Grosso, pelos idos de 1752. E foi na Serra Ricardo Franco que, no século 16, surgiram os primeiros quilombos da região, que acolhiam negros e indígenas, e onde ascendeu uma liderança que é símbolo da luta quilombola: Tereza de Benguela, do quilombo Quariterê. A façanha de uma mulher negra que administrou um quilombo como um parlamento 300 anos atrás foi reconhecida com a criação do Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra, em 2014.

Três séculos depois, em vez de cavalos e mosquetões, são tratores, motosserras e canetadas as armas usadas pelos novos ‘colonizadores’, que jogam sempre no ataque. E, no jogo das commodities, os povos tradicionais acabam empurrados pra escanteio. Mudam os jogadores, mas as estratégias são as mesmas, e o resultado também: mais devastação e impunidade. Em time que está vencendo não se mexe.

Aproveitando a onda favorável, a Associação de Produtores Rurais da Serra de Santa Bárbara entrou com uma ação na Justiça Federal este ano para extinguir o Parque Estadual Serra de Santa Bárbara, criado em 1997. Alegam décadas da presença de produtores nas terras, mas o parque Santa Barbara é território ancestral dos Chiquitanos, que tiveram a TI Portal do Encantado demarcada em 2010, em território vizinho ao parque.

Os Chiquitanos chamam a Serra de Santa Bárbara de a ‘Coroa do Mundo’ e a consideram um local sagrado, morada das nascentes e do ‘hitchi’ das águas, protetor dos rios. Para os indígenas, os ‘hitchis’ são a alma dos elementos da natureza e a destruição deles pode levar a nocaute a vida na terra. Pensamento parecido têm os Nambiquara, outro povo que habita a região e para quem os espíritos da floresta detêm a sabedoria ancestral: sem floresta, não há futuro.

E para quem prioriza os cifrões, um estudo da Conservação Internacional revelou que, além dos serviços ambientais, os parques e UCs podem alavancar a economia, pois para cada real investido em uma UC, R$ 7 retornam. Para ter uma ideia, no ano passado os parques nacionais receberam 16,7 milhões de visitantes, que movimentaram R$ 3 bilhões nas regiões das UCs. Nos EUA, que investem na proteção dos parques, esse valor é até sete vezes maior. Outro ‘7×1’.

Mas tem jeito: proteger os parques e aumentar em 20% os visitantes nas UCs brasileiras pode gerar de 15 a 42 mil empregos e movimentar até R$ 1,2 bilhões por ano. Isso sim é uma jogada de mestre: garantir a preservação ambiental, os direitos dos povos ancestrais e a geração de empregos verdes. Bingo!

 

*Cláudia Gaigher é jornalista ambiental, repórter e escritora. Nasceu em Cachoeiro de Itapemirim, no Espirito Santo, onde começou a sua carreira como repórter na TV Gazeta. Em 1998 se mudou para Mato Grosso do Sul para ser repórter de rede nacional da Rede Globo, baseada em Campo Grande. Foram 24 anos de reportagens nos biomas Pantanal, Cerrado, Mata Atlântica e Amazônia, fazendo reportagens especiais para o Jornal Nacional, Fantástico, Globo Reporter e para outros telejornais nacionais e regionais. Trabalhando na TV Morena, afiliada regional da Rede Globo, percorreu o Pantanal em toda a sua extensão conhecendo as histórias, noticiando descobertas científicas, revelando ao Brasil um pouco da essência pantaneira em importantes coberturas. No Cerrado, que cerca a planície, também mostrou em reportagens as transformações e as belezas desse outro bioma tão importante.

 

 

Saiba mais:

Relatório Final do Projeto Fronteira Ocidental: Arqueologia e História

Quanto Vale o Verde

Relatório Banco Mundial 1992 / Financiamento para Criação de UC’s em MT

Sobre a PDL 02/2017

Tramitação da PDL 02/2017

Ações do MPE garantem bloqueio de valores para recuperação de áreas degradadas 

MPE e Governo do Estado firmam TAC para garantir Proteção do Parque Serra de Ricardo Franco

Nota Técnica Pela Proteção do Parque Estadual Serra Ricardo Franco

Estudo de Caso Parque Ricardo Franco do Greenpeace

 

Boi-bombeiro e Boitatá

Boi-bombeiro e Boitatá

O conto varia de um lugar para o outro, mas a essência da história é a mesma: um espírito incandescente toma conta das matas e espanta aqueles que nelas querem atear fogo ou causar destruição. O Boitatá muda de forma, mas a mais comum é a de uma grande cobra feita de chamas com brilho azulado. Ele persegue aqueles que fazem mal à natureza, cegando-lhes. O primeiro registro escrito da lenda é do jesuíta José de Anchieta, em uma carta assinada por ele em 1560. O folclore se relaciona a um fenômeno natural explicado pela ciência: fogo-fátuo é uma chama azulada e efêmera produzida pela combustão espontânea de gás metano em pântanos ou lugares úmidos onde há muita concentração de matéria orgânica em decomposição.

Praticamente cinco séculos depois de padre Anchieta está difícil para o Boitatá vencer a concorrência. Hoje outros mitos tomam conta do Brasil. Há quem acredite que a Amazônia não está sendo desmatada e que o Pantanal não está em chamas. Numa cegueira seletiva, fingem não ver o encolhimento do Cerrado ou o desequilíbrio climático que afeta todo o planeta. Falando nele, há os que dizem ser plano. Nega-se o racismo estrutural enraizado em nossa história. E, diante das imagens de covas comunitárias, há até mesmo os que relativizam a gravidade da pandemia de Covid-19. É tanto negacionismo que a gente chega a questionar a própria existência.

Em Brasília, as dúvidas se aprofundam. Ainda mais quando o assunto é meio ambiente. Existe uma política pública para cuidar da natureza (ou seria lenda)? Em 2019, o Ministério do Meio Ambiente tinha à disposição mais de R$ 10 milhões para combate às mudanças climáticas, mas só 13% foram usados; e dos R$ 3 milhões que iriam para a conservação e o uso sustentável de nossa biodiversidade, apenas 14% se converteram em ações concretas. Os dados são do relatório anual da Controladoria-Geral da União.

O ano virou e as proporções se tornaram ainda menores, segundo aponta o Observatório do Clima, em levantamento feito a partir dos dados do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento. Nos primeiros oito meses de 2020, o ministério tinha à disposição cerca de R$ 26,5 milhões para ações de prevenção, mas só usou 0,4% do dinheiro disponível. Do montante de R$ 1,388 milhão que deveria ser usado para cuidar de nossa biodiversidade, 96,4% permaneceram intocados; e dos mais de R$ 6 milhões que deveriam ser utilizados em fomento a pesquisas relacionadas às mudanças climáticas, nem um único tostão foi investido. O dinheiro está lá, mas não se converte em ações práticas. Seria este o orçamento de Schrödinger?

A justificativa oficial foi que “o ministério alterou seu planejamento estratégico, sua estrutura e suas prioridades orçamentárias, com prioridade para recursos destinados aos programas de Qualidade Ambiental Urbana: resíduos sólidos, saneamento e qualidade do ar”. Se buscamos qualidade ambiental urbana acima de tudo, porque só 6% dos R$ 6,5 milhões disponíveis para a área foram investidos?
Outro que parece nunca ter existido é o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm). Mas não é lenda. No início deste século, nossa voracidade em relação ao verde tinha chegado a níveis pantagruélicos. Em 2004, inacreditáveis 27.772 km² de floresta foram abaixo. O plano se concretizou e o Brasil conseguiu reduzir em 83% a devastação na região entre aquele ano e 2012. Isso só foi possível porque houve um esforço em conjunto da sociedade brasileira, agronegócio incluído.

Já se sabia naquela época e repetimos hoje: preservar a natureza não é gasto, é investimento. Só em outubro de 2020 foram destruídos 7.899 km² de Amazônia, 50% a mais que no mesmo mês do ano passado, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Pagaremos muito mais caro depois.

Se não há investimento, então o que se propõe como solução prática para controlar o fogo? Uma das propostas é aumentar o espaço de criação de gado nos limites das reservas naturais para “reduzir o acúmulo de massa orgânica”. É claro! É só transformar a floresta em pasto que não tem mais incêndio, dizem eles. Não é assim que funciona? Respondemos: Não, não é.

Vejamos o Pantanal como exemplo. Há dois pontos que mostram a falácia. O primeiro é que o rebanho bovino no Pantanal cresceu nos últimos anos. Ou seja, se o boi é bombeiro, ele não está fazendo bem o seu trabalho, porque o número de focos de incêndio também aumentou. O segundo ponto é a conclusão da perícia na Reserva Natural do Sesc Pantanal: a causa do incêndio foi dada como queima intencional de vegetação desmatada para criação de área de pasto para gado em uma fazenda na região que entrou para a área da reserva. Mais uma vez, a ciência derruba a lenda.

O boi-bombeiro o boitatá às avessas. Não afasta os homens que querem destruir a natureza, antes pelo contrário, ele mesmo traz consigo o desmatamento. Aonde chegaremos se levarmos mitos ao pé da letra?

#Pantanal #Amazônia #Desmatamento #Queimadas #MeioAmbiente #MudançasClimáticas #UmaGotaNoOceano #CadaGotaConta

Saiba mais:
G1 – Por que a teoria do ‘boi bombeiro’ no Pantanal, citada pela ministra da Agricultura, é mito

Estadão – Bolsonaro volta a defender o ‘boi-bombeiro’ para apagar fogo do Pantanal

Governo de Mato Grosso – Perícia constata que incêndio em reserva no Pantanal foi provocado por ação humana

O Globo – Governo gastou, em 2019, cerca de 70% a menos com ações de combate ao racismo em relação ao ano anterior

G1 – Ministério deixa de usar maior parte da verba para preservação ambiental, diz CGU

G1 – Ministério do Meio Ambiente não gastou nem 1% da verba para preservação, diz levantamento

Valor Econômico – Política ambiental, o que o orçamento mostra e promete

BBC Brasil – Ibama paralisa combate a incêndios alegando falta de caixa, mas 15% do orçamento não foi usado

El País – Dióxido de carbono na atmosfera baterá novo recorde em 2020 apesar da pandemia

Valor Econômico – UE dirá no G-20 que quer reforma “verde” na OMC

Folha de São Paulo – Brasil trava preparo do acordo de biodiversidade da ONU

G1 – Novo site do Ministério do Meio Ambiente não tem informações sobre áreas protegidas

O Globo – ‘Não esperamos nada de positivo do governo, mas jamais vamos desistir’, diz líder indígena brasileira que recebeu prêmio Robert F. Kennedy de Direitos Humanos

A ema abre o bico

A ema abre o bico

Ema não é de falar muito; na verdade só o macho abre o bico e, mesmo assim, exclusivamente para passar cantada na gente em época de acasalamento. Por isso até agora eu não tinha dado um pio. Mas não vou esconder a cabeça num buraco como a prima avestruz: sou emancipada – aqui em casa é meu companheiro quem toma conta dos filhotes – e arco com as consequências de meus atos. Biquei, biquei outra vez e bico de novo se for preciso. Já tínhamos recebido hóspedes inoportunos no Alvorada, mas nenhum tão declaradamente hostil à natureza. E ainda vem me oferecer agradinho? Isso me ofende. Quer minha simpatia? Mude de atitude. Não sou pra qualquer bico.

Nós, emas, somos a elegância em forma de bípede, as maiores, mais majestosas e modestas aves da América do Sul. Chegamos aqui quando era tudo mato e vivemos do Pampa à Caatinga. Mas enquanto eu desabafo e tiro onda, uma de nossas casas mais belas, o Pantanal, a maior planície alagada do planeta, arde em chamas como nunca. Entre 1º de janeiro e o último dia 28 foram detectadas 3.415 queimadas na região. É o maior número registrado desde 1998, quando o monitoramento começou a ser feito pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), e 189% maior que o do mesmo período no ano passado. Mais de 300 mil hectares já pegaram fogo.

É vero que o Pantanal foi incluído, junto com a Amazônia, no decreto do governo federal que proibiu as queimadas por 120 dias. Mas logo nos primeiros 15 dias de julho, já com a moratória valendo, houve um aumento de 12% em relação ao mesmo período de 2019, em Mato Grosso. O governador do estado decretou situação de emergência ambiental. Os incêndios são criminosos, mas dados do Inpe mostram que o volume de chuvas no bioma foi metade do normal no período de janeiro a maio. E a vegetação seca faz o fogo se alastrar com mais facilidade. O engenheiro agrônomo e doutor em Geografia Física Felipe Dias, diretor executivo do Instituto SOS Pantanal, explica que os rios também não inundaram a região como costuma acontecer nesta época do ano: “Deveríamos estar no nível de cheia máxima, principalmente no Rio Paraguai. Agora, a área sem inundação está vulnerável a incêndios, especialmente diante da atual condição de baixa umidade do solo e do ar”. Segundo Dias, esta situação pode ser comum no futuro, já que o regime de chuvas foi completamente zoado pelas mudanças climáticas.

Amazônia (com 60,93%), Cerrado (30,95%) e Pantanal (8,12%) concentram o maior número de queimadas no primeiro semestre. Isso não acontece por acaso: os três biomas estão intimamente ligados. É a Amazônia que rega o Cerrado, por meio das nuvens que se formam na floresta e que são carregadas para lá pelo vento, os chamados “rios voadores”; e é o Cerrado, a “caixa d’água do Brasil”, que inunda o Pantanal. As emas não vivem na Amazônia – preferimos desfilar nossa graça por planícies de vegetação baixa – mas, assim como acontece com todo mundo, somos afetadas pelo que acontece lá. O país vem batendo sucessivos recordes de desmatamento desde 2019. Piscou e lá se foi um campo de futebol abaixo. Em carta aberta divulgada no dia 27, mais de 600 servidores do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) afirmam que o desmatamento neste ano na Amazônia pode ser 28% maior que no ano anterior – e que na comparação com 2018, o aumento é de 72%. Ou seja, a situação tende a piorar. Vou abrir o bico aqui de novo: a missiva foi dirigida ao vice-presidente Hamilton Mourão, que ora preside o ex-extinto Conselho Nacional da Amazônia. Já sabem de quem cobrar.

Ainda não é possível afirmar com certeza a origem deste coronavírus, mas é consenso que o desequilíbrio climático, a destruição do meio ambiente e o tráfico de animais silvestres são a porta de entrada para pandemias – e a Covid-19 tem servido de base para novas pesquisas nesta área. Acusado sem provas, o morcego chinês estava na dele, vocês é que foram chegando cada vez mais perto de sua casa – assim como o presidente veio parar na minha. “A relação entre desmatamento e tráfico de animais silvestres e o surgimento de doenças emergentes é muito bem estabelecida. Mesmo assim, ações ambientais estão essencialmente fora da agenda de prevenção de pandemias”, disse Mariana Vale, professora do Departamento de Ecologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Até agora nenhuma ema contraiu a Covid-19, mas vou dar minha bicada: Mariana participou de um estudo recém-publicado na revista “Science”, feito por cientistas de Brasil, Quênia, China e Estados Unidos. Ele concluiu que combater o contrabando de animais e frear a degradação de florestas tropicais sairia muito mais barato que combater doenças, uma economia entre US$ 22 bilhões e US$ 31 bilhões por ano. O estudo compara este valor com os US$ 2,6 trilhões perdidos até agora para a Covid-19, além das mais de 600 mil vidas humanas.

O presidente outro dia veio me oferecer cloroquina – sorte dele que eu estava bem-humorada – e, segundo foi divulgado em entrevista coletiva do Ministério da Saúde no dia 24, o governo federal distribuiu 100.500 comprimidos do medicamento para nossos irmãos indígenas. Como a transparência nas contas públicas não é o forte deste governo, sabe-se lá quanto essa medida inadequada custou aos cofres públicos; mas é quase certo que o remédio não tem nenhuma eficácia contra a doença além de provocar graves efeitos colaterais. Que tal prevenir em vez de remediar? Bom, já disse tudo o que estava entalado aqui no meu gogó. Depois não adianta gemer no tronco do juremá.

#EmaDaAlvorada #Pantanal #Queimadas #Desmatamento #MeioAmbiente #UmaGotaNoOceano #CadaGotaConta

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Galinha que tem nome não vai para a panela

Galinha que tem nome não vai para a panela

“Galinha que tem nome não vai pra panela”. Regina Casé recorreu ao dito popular para lembrar a importância da educação para a preservação da natureza. “Eu era míope, enxergava a mata como uma mancha verde. Aos poucos fui ajustando o grau de meus óculos e comecei a identificar as árvores por seus nomes e me apaixonar por elas. Acho que isso devia ser ensinado às crianças nas escolas. Se a criança sabe o nome de uma árvore, se apaixona por ela, não vai querer que a cortem”, completou a atriz, que ao lado do marido e cineasta Estêvão Ciavatta, criou há 19 anos o programa de TV “Um pé de quê?”. A dupla participou da live sobre biodiversidade com o arquiteto, urbanista Miguel Pinto Guimarães, presidente do conselho de Uma Gota no Oceano. A conversa encerrou a programação oficial da Semana do Meio Ambiente no Brasil, organizada pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), que nos convidou para participar.

A conversa foi mais uma oportunidade de refletir o momento atual em busca de reflexões que ajudem a conscientizar a população, a gerar solidariedade e a mudar a relação do ser humano com o meio ambiente. Mas do que nunca, trocar ideias é preciso. “As florestas têm 400 milhões de anos. Se não fossem elas, a gente não estaria aqui”, refletiu Estêvão. No ar desde 2001, “Um Pé de Quê?” roda o Brasil e o mundo – teve episódio gravado também em Moçambique, Japão e França – identificando e contando a história das mais diferentes espécies de árvores. Até agora foram 180 episódios. Regina aproxima o espectador às árvores da cultura, da História, da tecnologia e da sua relação com o homem. Em 2007 ele se tornou o primeiro programa de TV carbono zero.

O papo começou pela árvore símbolo do país, o ipê-amarelo, e suas versões roxo, branco e verde. É uma árvore que ocorre no Brasil inteiro, tem do Rio Grande do Sul à Amazônia”, lembrou Estêvão. O ipê também é símbolo de uma das maiores ameaças às nossas florestas, a exploração ilegal de madeira. “O ipê hoje é a árvore mais valiosa da Floresta Amazônica. É muito usada em construção. Um caminhão com toras de ipê vale R$ 200 mil. E isso que abre o caminho para a devastação, pois só os exploradores de ipê têm dinheiro entrar mata adentro. Seria o momento de a gente parar de usar essa madeira em nossas obras, de fazer campanha para os gringos pararem de comprar ipê brasileiro, porque isso está levando nossas florestas ao fim”, explicou Estêvão, que também é diretor do documentário “Amazônia Sociedade Anônima”.

Os sucessivos recordes de desmatamento que vêm se sucedendo desde o início do ano passado e a sua importância para o planeta põe a maior floresta tropical do mundo em evidência, mas ela não é o único bioma brasileiro em risco. “Só restaram 10% ou 12% de Mata Atlântica. É uma barbaridade imaginar que depois de se estabilizar o seu desmatamento isso a duras penas, ele volte a crescer agora”, lembrou Miguel. Para Regina, ela está também intimamente ligada à nossa cultura: “Cada som que vem dela sugere uma música, uma dança, um batuque. E cada gosto, uma comida diferente”.

Para a atriz, a as florestas também têm muito a nos ensinar. “Na Mata Atlântica tem espécies completamente convivendo harmonicamente. Isto deveria servir de lição para a gente. Nada melhor também do que uma árvore para dar noção de processo. Você planta uma e as pessoas dizem, ‘mas você nem vai vê-la na sua plenitude’. E eu digo ‘mas eu já peguei várias prontinhas, que não fui eu quem plantou’. Então temos a noção de que você não precisa fazer as coisas só para si. Alguém fez para você e você pode fazer para alguém”.

Num bioma aparentemente bem menos exuberante, Regina aprendeu outra lição. A atriz rodou o filme “Eu Tu Eles”, de Andrucha Waddington, nos anos 1990, quando passou uma boa temporada no sertão nordestino. E descobriu que a vida transbordava, nos mínimos detalhes, naquele cenário com aparência estéril. “Todo mundo acha que tem a gente e as árvores. Que o meio ambiente é um lugar longe pra caramba, que fica depois da Amazônia, enquanto ele está o tempo todo debaixo de nosso nariz, no ar que você respira, na água que a gente bebe. Na Caatinga a gente percebe mais isso”.

“Pero Vaz de Caminha escreveu em sua carta que aqui se plantando tudo dá. E é o que temos feito passado o trator e plantando o mesmo que se planta na Península Ibérica, destruindo nossa biodiversidade”, alertou Miguel. Só na Amazônia são 450 mil km de pasto inutilizado e apenas 45 mil km de plantação de grãos. “Ou seja, dá para quadruplicar a produção brasileira sem ter que desmatar mais nada. E o Cerrado é o manancial de águas não só de rios do Sudeste, como também da Amazônia. E A Floresta Amazônica produz 20 bilhões de toneladas de água por dia. Sem água não há agronegócio”.

“O Brasil não perde uma oportunidade de perder uma oportunidade”, dizia o economista Roberto Campos. Nossas reservas de água e nossa biodiversidade nos dariam uma imensa vantagem na retomada da economia no pós-pandemia, mas não estamos sabendo aproveitá-la. “Há um potencial de biodiversidade inexplorado que só o Brasil tem. Essa biodiversidade pode nos livrar dos coronavírus que vêm por aí. E estamos jogando tudo isso fora. Por isso temos que parar de dizer só ‘não desmata’ e mostrar ‘olha só a riqueza que a gente tem aqui’, para ver se todos entendem”, disse Regina. Ela lembrou também que tão importante quando essa diversidade biológica é nossa diversidade cultural, manifestada desde a ciência que sai das Universidades das grandes cidades à sabedoria ancestral dos povos tradicionais: “As diferenças são combustível de riqueza”.

“O futuro do mundo vai passar pela bioeconomia. Os países que vão sair na frente depois da pandemia são os que abraçarem essa economia verde. O escritor austríaco Stefan Zweig dizia que o Brasil é o país do futuro. E o futuro está batendo à nossa porta”, lembrou Miguel. A primeira medição de desmatamento da Amazônia feita pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) é de 1975. Naquela época, só 0,5% da Amazônia tinha sido desmatada; hoje, essa porcentagem é de 19%. Como a ilegalidade toma conta de boa parte dos processos produtivos da região, a população local sequer desfruta da riqueza que é extraída de lá. “O resultado são as cidades com os piores IDHs do Brasil, que contribuem com pouquíssimo para o PIB nacional”, disse Estêvão. O diretor lembrou uma história que deveria nos guiar em nossa relação com o meio ambiente: “O cacique Juarez Munduruku me disse certa vez que na sua língua não existe a palavra árvore. Cada ser vivo tem o seu nome”. Árvore que tem nome não vira cabo de panela.

#MeioAmbiente #BiomasBrasileiros #Natureza #SemanaDoMeioAmbinte #PNUMA #ONUMeioAmbiente #UmaGotaNoOceano #CadaGotaConta

Brasil, uma biopotência

Brasil, uma biopotência

No duro momento de transição pelo qual passamos, vida e morte figuram no centro do debate global. Enquanto respeitamos o conselho médico #FicaEmCasa, repensamos nossa forma de viver e em como lidamos com as mais diversas formas de vida do planeta – humanas ou não. Quando falamos em biotecnologia, em bioeconomia e em biodiversidade, também é disso que se fala. O “bio” no início da palavra vem do grego, significa vida. E é desse debate que sai a chave para o fim da crise.

“O que nos aguarda após a porta de saída da pandemia? Teremos uma aceleração inexorável de um futuro de uma economia mais verde, baseada no consumo de formas de energias mais limpas e renováveis? Acredito que, sim, estamos em plena transição energética, para melhor, e, se nós não nos atrapalharmos, o Brasil poderá desembarcar no novo século XXI.” As palavras não são de um ambientalista, mas do engenheiro mecânico e ex-presidente da Agência Nacional do Petróleo (ANP) David Zylbersztajn.

O que Zylbersztajn aponta é que ao fim das duras mudanças pelas quais estamos passando, um novo modelo nascerá. Neste formato, o Brasil pode se tornar uma grande potência. Afinal, somos reconhecidamente o país mais rico em biodiversidade no mundo, temos o conhecimento ancestral de ser um com a terra, e em nossas universidades há pesquisadores com capacidade de combinar esses saberes à mais moderna tecnologia.

Uma biopotência é uma potência de vida. E que outro país teria floresta em todas as direções? Pois se temos árvores de até 88 metros de altura na Amazônia, o Cerrado é a “floresta invertida”. Ali, o essencial não é visível aos olhos: o segredo está no subterrâneo. As árvores do Cerrado têm dois terços de seu corpo sob a terra, suas raízes são extremamente profundas e ramificadas, formando como uma grande esponja que protege a água em bolsões, garantindo a manutenção da vida durante o período da seca. Ali estão três grandes depósitos subterrâneos de água: os aquíferos Guarani, Urucuia e Bambu. Por isso o bioma é conhecido como “a caixa d’água da América do Sul”. O Cerrado abastece seis das oito grandes bacias hidrográficas do país.

As águas do Cerrado escoam para o Pantanal, uma das maiores extensões úmidas contínuas do mundo. Ele é berço de 4.700 espécies entre animais e plantas. Infelizmente, assim como a Mata Atlântica e o Pampa, ele está sob forte ameaça. A temporada de queimadas deste ano começou com alta nos registros de incêndios nos três biomas. No Pampa o aumento foi de 343%; no Pantanal de 186% e na Mata Atlântica de 44%.

Na Caatinga, bioma exclusivamente brasileiro, temos 178 espécies de mamíferos, 591 de aves, 177 de répteis, 79 espécies de anfíbios, 241 de peixes, 221 de abelhas e 932 espécies de plantas. Todos só são encontrados ali. A biodiversidade do bioma sustenta atividades econômicas que vão para além da agricultura, especialmente nas indústrias farmacêutica, de cosméticos e química.

Mas a maior indústria que o Brasil tem, e que irá se valorizar ainda mais no futuro, é a da água. Todos esses ecossistemas são irrigados pela nossa maior e mais estratégica fábrica: a Amazônia. Cerca de 20 bilhões de toneladas de água que são produzidos todos os dias pelas árvores da Bacia Amazônica. Destruir a floresta seria como queimar ações no mercado futuro.

Mas se você prefere os números às palavras, em dezembro de 2019 o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) publicou um estudo mostrando como o investimento vale a pena. A cada 1 real investido em áreas protegidas, 15 reais são gerados em empregos diretos e indiretos, produtos agroextrativistas, pescados, conservação de recursos hídricos, e captura de gás carbônico. Quer investimento com retorno melhor que esse?

Acha que vale se informar mais antes de investir? Então venha conversar conosco no sábado, às 18h horas, no YouTube da Gota. Nosso papo vai ser com uma dupla que já rodou por todos esses biomas: Regina Casé e seu marido Estevão Ciavatta. Eles vão conversar com o arquiteto e urbanista Miguel Pinto Guimarães, presidente do conselho de Uma Gota no Oceano. O encontro virtual encerra a agenda no Brasil do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente para celebração da semana do meio ambiente, que este ano trata da biodiversidade.

Já confirmaram presença Conservação Internacional – Brasil, Instituto Clima e Sociedade (iCS); Institute for Governance & Sustainable Development (IGSD), Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), WWF-Brasil, Instituto Alana, Fundação Grupo Boticário, Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), Observatório do Código Florestal, Amazon Watch, Greenpeace, Observatório do Clima, Fundação SOS Mata Atlântica, Operação Amazônia Nativa (OPAN), ClimaInfo, Engajamundo, Instituto Socioambiental (ISA), Instituto Centro de Vida (ICV), Charles Stewart Mott Foundation e Fastenopfer.

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