Nossos saberes ao vento

Nossos saberes ao vento

A Amazônia começou a ser povoada há cerca de 12 mil anos. Não é possível afirmar exatamente quando os Juma se instalaram na Bacia do Rio Purus e deram início à sua história; infelizmente, porém, testemunhamos a data que marcou o seu fim: 17 de fevereiro de 2021. Nesse dia, Aruká, o último homem de seu povo, foi ao encontro de seus ancestrais. Com ele se perdeu um conhecimento irrecuperável. Agoniza mais uma cultura, que não significa somente artes, tradições e costumes, mas também ciências, como a medicina tradicional. Oficialmente, a causa mortis foi a Covid-19; sabemos, entretanto, que Aruká foi vítima da negligência do governo.

Havia entre 12 e 15 mil Juma quando houve o primeiro contato com o autodenominado homem civilizado, no século XVIII. Desde então, eles vinham sendo paulatinamente encurralados em seu território e exterminados. Na década de 1960 tinham sobrado algumas dezenas deles; em 2002, só Aruká, três filhas e uma neta. Ele próprio foi um dos sete sobreviventes do último massacre de seu povo, em 1964, às margens do rio Assuã, no sul do Estado do Amazonas. Comerciantes de castanha da região mataram cerca de 60 pessoas, com requintes de crueldade, inclusive crianças. Os assassinos nunca foram incomodados pela Justiça.

Por terem sido reduzidos a uma família de apenas cinco pessoas, os Juma foram incluídos no grupo de povos de recente contato. Conforme determinou o Supremo Tribunal Federal (STF), deveriam receber atenção especial do governo durante a pandemia. Não foi o que aconteceu. Em setembro do ano passado, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) ajuizou uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) contra o Executivo, para que este cumprisse o seu dever constitucional de proteger os povos tradicionais. O ministro Roberto Barroso prescreveu medidas de urgência e ordenou a elaboração de um projeto detalhado. O Plano Geral de Enfrentamento e Monitoramento da Covid-19 para os Povos Indígenas Brasileiros já teve três versões rejeitadas pelo ministro. Apib, Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e Fundação Oswaldo Cruz já deram seu parecer contrário à quarta, recém-proposta.

Até o dia 22 deste mês, de acordo com a Apib, 970 indígenas tinham morrido e havia 49.060 contaminados pelo coronavírus; segundo dados do próprio governo, menos de 30% deles receberam vacina. A aldeia onde vivia Aruká fica no coração da floresta. Como a doença chegou lá? O governo não instalou as barreiras sanitárias e de contenção determinadas pelo STF, deixando o caminho livre para invasores. Os descendentes de Aruká hoje dividem seu território, demarcado em 1992 e homologado em 2005, com indígenas Uru-eu-wau-wau. O que não é incomum; a Raposa Serra do Sol, por exemplo, abriga os povos Ingarikó, Macuxi, Patamona, Taurepang e Wapichana. E como se não bastasse a omissão do poder público, ainda trataram Aruká com o coquetel de remédios indicado pelo Ministério da Saúde e não recomendado pela Organização Mundial da Saúde e pela Anvisa – incluindo a ivermectina, considerada ineficaz pelo próprio fabricante.

Sabemos que a situação da população em geral também é dramática, mas hoje há povos ainda mais vulneráveis que os Juma, alguns fadados à extinção. Dos Piripkura, restaram somente dois homens; dos Kanoê, sobraram três pessoas; dos Avá-canoeiro, cinco; e dos Akuntsu, seis. Segundo o Censo Indígena 2010 do IBGE, há mais de 30 povos com menos de 50 indivíduos. Hoje, é praticamente ponto pacífico que a biodiversidade é a maior riqueza do país. Mas temos outro tesouro tão valioso quanto: nossa diversidade cultural. É ela que faz com que boa parte do mundo ainda nos veja como sinônimo de esperança. Em nome que abrir mão dessa preciosidade?

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Negligência histórica

Negligência histórica

“Fomos apresentados a Zumbi e outros personagens negros de nossa História pelo Carnaval”, lembrou Flávia Oliveira, jornalista e conselheira de Uma Gota no Oceano, em nossa última live. Por causa dessa negligência histórica mesmo ela, sambista militante cujo coração bate na cadência da bateria da Beija-Flor de Nilópolis, descobriu somente há 9 anos sua ascendência quilombola. “Confunde-se o movimento negro com o quilombola, que tem reivindicações específicas”, disse ela, na conversa que teve com Miguel Pinto Guimarães, arquiteto, urbanista e presidente de nosso conselho. Os quilombos também têm sido vítimas do descaso do governo – que chegou a lhes negar água, em veto à lei de proteção aos povos tradicionais durante a pandemia – no combate ao coronavírus.

Hoje é difícil acreditar, mas quando o Movimento Gota D’Água surgiu ainda tinha gente que pensava que não existiam mais indígenas no Brasil. De 2011 – quando começamos nossa campanha contra a construção da Usina de Belo Monte – para cá, muita coisa mudou: Sonia Bone Guajajara foi candidata à vice-Presidência da República, a deputada Joênia Wapichana é figura de destaque no Congresso Nacional, e a voz dos povos originários está mais potente como um todo e reverbera no mundo inteiro. Ainda assim, eles continuam forçados a recorrer à Justiça para que seus direitos prevaleçam. Quando Uma Gota no Oceano foi convidada pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) para trabalhar com a causa quilombola, em 2017, ela tinha menos visibilidade ainda do que a indígena. “Até hoje tem gente que acredita que os quilombos acabaram com Palmares”, lembrou Flávia. Em fevereiro de 2018, os direitos dos quilombolas foram reafirmados em julgamento histórico no STF; mas, assim como acontece com os dos indígenas, continuam sendo desdenhados.

Segundo dados da Conaq e do Instituto Socioambiental (ISA), até o dia 13, 133 quilombolas tinham morrido e havia 3.465 infectados. O Estado do Rio de Janeiro lidera em número de mortes de quilombolas. “A interação com áreas urbanas facilita o contágio”, disse Flávia. Não à toa, o quilombo mais atingido é o Dona Bilina, que fica na Zona Oeste da capital fluminense (a região mais afetada da cidade), que registra 72% do total de mortos do estado. Só que, diferentemente dos indígenas, recenseados em 2010, não sabemos quantos quilombolas há no Brasil. Para ajudar no combate à pandemia, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) adiantou dados preliminares primeiro censo oficial desta população, que será concluído em 2021. Assim, ficamos sabendo que o país tem 5.972 localidades quilombolas, que estão divididas em 1.672 municípios. Acabaram-se as desculpas: tem quilombo no país inteiro e só não ver quem não quer. Não há justificativa para o governo deixá-los desamparados na luta contra a Covid-19.

É preciso reforçar: nem todos os negros são quilombolas – embora sejam a maioria – e nem todo quilombola é negro. Os negros vieram da África, mas quilombos são espaços de liberdade, não colônias estrangeiras; recebiam refugiados de diversos povos. Mas também há negros que desconhecem suas origens. Flávia só descobriu sua ascendência quando da morte repentina de sua mãe, baiana de Cachoeira: “A partir daí, comecei a me aprofundar em sua ancestralidade. Fiz um teste para um documentário chamado ‘Brasil DNA África’ e me descobri descendente da linhagem Balanta, de um território que hoje é a Guiné-Bissau. Eu nunca soube disso e em 2016 fiz uma viagem de pesquisa à Bahia com minha filha, em busca de nossas origens”. A jornalista acabou descobrindo que as terras que pertenceram ao seu bisavô deram origem ao Quilombo Tabuleiro da Vitória. “O censo de 2021 será a oportunidade de revelar de vez esse Brasil que muita gente não sabe que existe”, disse ela. Quilombos não só ajudam a preservar a natureza como guardam importantes tradições. São um patrimônio do Brasil. A cultura popular e os movimentos sociais mantiveram vivas a memória de Zumbi; hoje cabe à sociedade como um todo defender o seu legado.

#MovimentoNegro #FláviaOliveira #VidasNegrasImportam #VidasQuilombolasImportam #UmaGotaNoOceano

Agronegócio faz água render pouco

Agronegócio faz água render pouco

Damos pouco valor à nossa maior riqueza. O Brasil é depositário de 20% da água potável do mundo, mas gastamos em média seis litros para gerar R$ 1 no PIB do país. E segundo o IBGE, quem mais gasta é justamente quem menos rende: o agronegócio.

O setor gera R$ 11 para cada mil litros. O desperdício no setor é grande: pode chegar a 80% em perdas por evaporação. Em nome de que não procuramos formas de não jogar tanta água – e dinheiro – fora?

Via G1

Foto: Fabrimar

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Um Acre a mais e mais veneno

Um Acre a mais e mais veneno

Mais terra, menos gente e mais veneno. Segundo o Censo Agropecuário 2017 do IBGE, em 11 anos a área ocupada por propriedades rurais no Brasil cresceu 16,5 milhões de hectares, o equivalente ao estado do Acre. Mas isso não significou mais geração de empregos: com a mecanização da produção, 1,5 milhão de trabalhadores deixaram o campo.

Para piorar, também aumentou a concentração de posse: eram 5,17 milhões de propriedades em 2006 e 5,07 milhões em 2017. Essas terras ocupam 41% da área do Brasil. Neste período, o uso de agrotóxicos aumentou 21,2%, como tabém cresceu o número de agricultores que os usam. E ainda querem nos convencer a derrubar mais floresta e que a gente engula a PL do Veneno. Em nome de quê?

Via G1 e Jornal do Brasil

Foto: StartAgro

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Pequeno produtor alimenta o Brasil

Pequeno produtor alimenta o Brasil

O agronegócio ganha as manchetes e leva os tapinhas nas costas, mas quem bota comida na mesa do brasileiro ainda é o pequeno produtor. Segundo o IBGE, 70% dos alimentos consumidos no país vêm da agricultura familiar, que também gera 74% dos empregos no campo.

O agronegócio investe na monocultura, destrói o meio ambiente, é tocado por máquinas e foca no mercado externo: das 115 milhões de toneladas de soja colhidas no Brasil em 2017, 78% foram para a China. Em troca, recebe crédito maciço do governo, enquanto a agricultura familiar, que bota o feijão e o arroz em nossas mesas e é mais sustentável, fica com as migalhas.

Via DW Brasil

Imagem: Brandon & Meredith

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