Um negócio da China que é um presente de grego

Um negócio da China que é um presente de grego

O presidente aproveitou o lançamento de sua candidatura à reeleição para anunciar um negócio da China que é um presente de grego. Disse, com pompa e circunstância, que finalmente conquistaríamos “nossa saída para o Pacífico”. Para nós, a estrada que une Acre a Pucallpa, no Peru, uma das opções mais consideradas, seria um desastre. A Conservation Strategy Fund calcula um prejuízo social de quase R$ 1 bilhão; já para os chineses, que Jair Bolsonaro trata como inimigos da boca pra fora – alguém se esqueceu que ele chamava a Coronavac, que salvou as vidas de milhões de brasileiros, de “vachina”? – a cicatriz aberta na Amazônia seria a realização de um sonho: economizar no pedágio do Canal do Panamá. Só que a rodovia também serve de atalho para a destruição e até para o narcotráfico.

O governo diz querer distância da China, mas com a rodovia Pucallpa-Cruzeiro do Sul está praticamente criando uma fronteira entre os dois países. Os chineses são nossos principais parceiros comerciais: só no ano passado, 32% dos US$ 280 bilhões que exportamos foram para eles – quase o triplo do que vendemos para os EUA. O agronegócio brasileiro praticamente trabalha apenas para encher as barriguinhas chinesas. Segundo o Departamento de Agricultura dos EUA, devemos exportar 100 milhões de toneladas de soja para a China em 2022/23. Isso dá quase toda a safra colhida na temporada 2021/22, estimada em 122,76 milhões de toneladas. A maior parte vai virar ração de porco.

Não precisava ser assim. Há caminhos que têm se mostrado sustentáveis e vantajosos economicamente para os dois lados: a necessária produção de alimentos e a conservação da natureza. Mas o governo faz com que o que é bom para o agro seja péssimo para o meio ambiente e para os povos tradicionais. A rodovia, de 152 km de extensão previstos, deve cortar o Parque Nacional Serra do Divisor e pelo menos 30 terras indígenas. As obras começaram em novembro de 2019, com a abertura de uma trilha de 90 km até Puccalpa. O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), dirigido pelo general da reserva Antônio Leite dos Santos Filho, atropelou geral: ignorou a necessidade de estudos de viabilidade técnica e de impactos ambientais e a determinação da Convenção 169 da OIT, que prevê a consulta e o consentimentos prévios dos povos originários.

Ambientalistas e indígenas protestaram, mas de nada adiantou: “Sou contra. A devastação que vai trazer é muito grande, e nunca fomos consultados. Se alguém tivesse feito uma consulta, perguntado a nossa posição eu saberia dizer”, diz o cacique Joel Puyanawa, uma das principais lideranças da região. Para continuar na contramão, o Dnit usou a lei nº 5.917/73, herança da ditadura que que criou o Plano Nacional de Viação; o decreto nº 2.375, de 1987, que considera indispensáveis à segurança nacional terras públicas em regiões de fronteiras; e uma portaria do próprio departamento, de 2008.

Em dezembro, a Justiça Federal brasileira chegou a ordenar a paralisação das obras, mas ela continuou de forma clandestina, segundo a Apiwtxa – Associação Ashaninka do Rio Amônia. O desmatamento no Acre vem disparando: entre 1º de janeiro a 31 de outubro de 2021 foram abaixo 871 km² de floresta, a maior extensão em 18 anos. As portas foram abertas para a entrada do crime. “O impacto disso será muito grande, com a migração de grupos ao longo desta rodovia, trazendo para próximo da nossa fronteira e para a cabeceira dos nossos rios, extração de madeira ilegal, tráfico de drogas e outras ações ilícitas”, afirma Francisco Piyãko, liderança Ashaninka da Apiwtxa.

Hoje, o Peru é um dos maiores produtores de cocaína do mundo. O narcotráfico no país vem crescendo, estimulado pelo aumento da demanda do mercado brasileiro e, também, pela busca de novos territórios por grandes organizações criminosas do Brasil. Elas vem expandindo seu domínio para além de nossas fronteiras, levando junto a violência. “Tem comunidade que está sofrendo com os impactos que já ocorreram, pelas drogas que invadiram seus territórios, pela prostituição que viveram dentro do seu território, pelas quedas de lideranças que hoje deixaram os seus territórios, porque essas empresas os levaram ou até mesmo os mataram”, conta a liderança Ashaninka Benki Piyãko. Essa situação tem ligação direta com os assassinatos d e Bruno Pereira e Dom Phillips.

E ainda há a ameaça da mineração ilegal, que pode contaminar os rios Ucayali, Sheshea, Genepanshea, Amônia, Dorado, Juruá, Arara, Breu e Huacapishtea. “Esse talvez seja o lugar do mundo que tem uma qualidade que está tão pura, que não tem o mercúrio, que não tem nenhuma contaminação. A água é pura, você pode beber, você pode andar, você pode vir e comer peixe, a caça”, lamenta Francisco Piyãko. Nossa “saída para o Pacífico” pode ser mais um Cavalo de Tróia a serviço da aniquilação da Amazônia. Vamos deixá-lo entrar? Em nome de quê?

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O verde e as verdinhas

O verde e as verdinhas

Caro Mercado Financeiro,

Eu, Meio Ambiente, sempre tive com você uma relação difícil. Por isso, foi com imensa alegria que recebi a última carta que Larry Fink, CEO do fundo BlackRock, enviou a seus investidores – assim como os comentários que vi no Fórum Econômico Mundial. Com a pandemia, ninguém pôde ir a Davos e as conversas tiveram de ser virtuais. Mas tudo indica que o verde vai finalmente se entender com as verdinhas. Não foi sem alguma vaidade que li Mr. Fink dizer que seus clientes perguntam sobre o risco climático todos os dias. Também fiquei lisonjeado quando o fotógrafo Sebastião Salgado falou, na abertura do Fórum, que “podemos viver em paz com o meio ambiente“. E aí, vamos ficar de bem ou seguir nos desentendendo?

Assim como você, estou muito esperançoso com o maior interesse das empresas pelo selo ESG, concedido por consultorias e outras instituições. Ter companhias preocupadas com Environment, Social e Governance (ou natureza, iniciativas sociais e governança corporativa em bom português) é a chance que eu esperava há séculos para mostrar que também tenho meu valor. O fato de as ações das firmas com este selo terem sido mais procuradas ao longo de 2020 mostra que não sou o único que pensa assim.

Como dizia o economista Milton Friedman, “não existe almoço grátis” e cuidar de mim até que é um preço justo, tendo em vista o bom retorno que proporciono. Por exemplo, a cada segundo, 33 mil litros de água são distribuídos pelo Sistema Cantareira e outros 43 mil litros são captados no Rio Guandu. Isso permite que as cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro sigam sem sede (apesar da geosmina no caso carioca). Já pensou se estes valores oscilassem como os papéis da bolsa? Este é o cenário que você evita quando me preserva.

É como se, da noite para o dia, todos descobrissem o meu potencial. Em 2020, foram investidos US$ 288 bilhões em ativos sustentáveis, o dobro do verificado no ano anterior. Um levantamento da empresa Morning Star apontou que só no primeiro semestre do ano passado, 23 fundos compostos apenas por ações de empresas ESG foram lançados nos Estados Unidos. Das 20 maiores corporações do mundo, 19 já se comprometeram a zerar suas emissões de gases de efeito estufa na atmosfera nos próximos anos. A única exceção é uma estatal de petróleo saudita. Até o bilionário Jeff Bezos, todo-poderoso da Amazon, anunciou esta semana que vai deixar o comando da varejista para poder dar mais atenção a iniciativas como o fundo Bezos Earth, que financia soluções criadas por comunidades tradicionais para preservar o meio ambiente.

Outra pesquisa, do Itaú BBA, perguntou a investidores qual das 3 letrinhas da sigla eles consideravam a mais importante. Nela, o E deu um banho no S e no G. Sou a prioridade de 90% dos estrangeiros e 50% dos brasileiros, entre os quais a moda está começando a pegar. Já tem banco com projeto de preservação da Amazônia, loja de roupa que só trabalha com algodão certificado e operadora de celular que recolhe lixo eletrônico. Tudo para ter o bendito selinho e sair bem na foto. O primeiro fundo ESG do Brasil foi criado em 31 de agosto do ano passado. Em menos de 6 meses, surgiram, pelo menos, outros seis, que já acumulam R$ 700 milhões, segundo a Anbima. Parece muito, mas é só 0,13% do dinheiro investido em fundos no país, o que mostra que ainda há espaço para crescer.

É muito bom ver tantas coisas caminhando. Mas confesso que alguns pontos ainda me preocupam. Vice-presidente do Brasil, o general Hamilton Mourão afirmou no Fórum Econômico Mundial que depende do apoio da iniciativa privada para preservar a Amazônia após a pandemia. Segundo ele, o governo não terá mais dinheiro para investir em ciência. Mas Eric Pedersen, executivo do fundo Nordea, pontuou que é importante que os Estados forneçam uma estrutura regulatória que encoraje os investimentos, por exemplo. E o governo do Brasil, no último ano, não aplicou nenhuma multa ambiental.

Já Jan Saugestad, do fundo Storebrand, lembrou que, para quem quer preservar o meio ambiente, não faz sentido investir num país onde o desmatamento cresce e nada acontece. Enquanto isso, a proposta de orçamento do governo brasileiro para fiscalização ambiental em 2021 é a menor deste século, segundo o Observatório do Clima. “Os povos indígenas desempenham um papel crucial na proteção das florestas”, afirmaram por meio de nota representantes do grupo Diálogo de Política de Investidores sobre Desmatamento. Isso logo depois de termos Bolsonaro, presidente da república, denunciado por lideranças indígenas ao Tribunal Penal Internacional por crimes ambientais. É como se o Brasil fosse um investimento de altíssimo risco e baixíssimo rendimento. Não dá mais nem para alugar, como propôs o Raul. Em relação a isso, o naturalista inglês David Attenborough disse numa entrevista recente: “Será maravilhoso quando o Brasil entender que é economicamente melhor deixar a floresta em pé do que derrubá-la”.

Se o desespero quase sempre paralisa, a esperança tem a vantagem de nos tranquilizar e, às vezes, até resultar em algo bom. E não faltam motivos para eu ter esperança. Um estudo da Ember e da Agora Energiewende mostrou que, em 2020, a Europa produziu mais energia a partir de fontes renováveis do que de combustíveis fósseis pela primeira vez. Nos Estados Unidos, Joe Biden recolocou o país no Acordo de Paris e anunciou a meta de tornar sua economia livre de carbono até 2050. Sondagens da BlackRock com investidores de 27 países indicaram que eles pretendem dobrar a fatia das ESGs em suas carteiras de investimento até 2025. Há quem diga até que, no futuro, o selo vá deixar de ser um diferencial para se tornar uma pré-condição.

Despeço-me com uma citação de Carlos Abras, coordenador de negócios e mobilização de recursos da Fundação SOS Mata Atlântica, que resume o que penso sobre o assunto: “Existe um custo ambiental para produzir nesse planeta e devolver a ele parte das receitas é uma atitude ética“.

Um abraço,
Meio Ambiente

#MeioAmbiente #Economia #ESG #Davos #Sustentabilidade #UmaGotaNoOceano #CadaGotaConta

BlackRock – Carta do Larry Fink aos CEOs

Jamil Chade (Uol) – Premiado por Davos, Sebastião Salgado defende “paz com meio ambiente”

Você S/A – A mão invisível do ESG

Sabesp – De onde vem?

Cedae – ETA Guandu

Rosana Jatobá (Uol) – No oceano de discursos virtuais de Davos, a onda verde veio com tudo

Tasso Azevedo (O Globo) – Emissão zero e o novo normal

Amazon – Email from Jeff Bezos to employees

The Soluction Project – Bezos Earth Fund

Miriam Leitão (O Globo) – Na agenda do clima, mudança de eixo nos afeta diretamente

Folha – Fundo estrangeiro rebate Mourão, vê diálogo vazio e cobra política ambiental

Uol – Ação ambiental é insatisfatória, dizem investidores após reunião com Mourão

Observatório do Clima – Fakebook.eco newsletter

Uol – Cacique Raoni denuncia Bolsonaro no Tribunal de Haia por crimes ambientais

Veja – O planeta é vulnerável, diz o naturalista David Attenborough

Folha – Biden ambiental

Nexo – O papel das empresas na preservação do meio ambiente

O sonho brasileiro

O sonho brasileiro

“Existe um sonho brasileiro?”, provocou o economista Eduardo Giannetti, numa live produzida por Uma Gota no Oceano. Afinal, o que se espera do Brasil? A gente sabe que o sonho americano, datado do início do século passado, vem embalado na crença de que qualquer um pode vencer na vida. Mas o que significa, afinal, “vencer na vida” em 2020, com uma pandemia na sala de estar e uma crise climática arrombando a porta? Em conversa com o presidente de nosso conselho, o arquiteto e urbanista Miguel Pinto Guimarães, o autor de “Trópicos utópicos” (2016) e “O elogio do vira-lata” (2018) disse acreditar que é hora de o Brasil aspirar a criar sua própria utopia e se tornar o preconizado país do futuro: “Devíamos mobilizar nossas energias na construção de um novo modelo civilizatório”. Não tem saída: o coronavírus nos mostrou que temos que reinventar nossa relação com o meio ambiente. “Vamos ter que nos repensar à luz dessa disfunção de metabolismo entre sociedade e mundo natural”, disse Gianetti.

Ao lidar com forças que estão além de seu controle, a Humanidade acabou se tornando vítima delas – a destruição do meio ambiente ajudou a deflagrar epidemias e a acelerar as mudanças climáticas. Para o economista, que foi colaborador da candidata à Presidência, ex-senadora e ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva, além de sua biodiversidade o Brasil tem outra característica que o credencia a conduzir essa mudança, a sua multiculturalidade: “O elemento afro-indígena nos dá a possibilidade de construir algo original juntando elementos tão diferentes”. É preciso mudar a forma de pensar antes de começar a agir diferente. “A floresta era vista como um inimigo a ser vencido, um obstáculo ao desenvolvimento. Hoje, podemos afirmar que crescer 7% destruindo o patrimônio ambiental é muito pior do que crescer 3% preservando este mesmo patrimônio” disse Gianetti.

E dá para crescer bem mais. Em outra conversa online com Miguel, o cofundador e pesquisador sênior do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), Beto Veríssimo, apontou o caminho: a bioeconomia. “Tudo que é da natureza tem potencial econômico, as fibras, as resinas, os óleos. O Brasil perdeu a corrida da industrialização e se apoia basicamente no agronegócio. Nenhum país se desenvolve ancorado somente na agropecuária. É preciso produzir bens tecnológicos. Nos anos 1960, o Brasil se encontrava no mesmo patamar que a Coreia do Sul e hoje ela está muito mais avançada do que a gente”. O cacau sai da Amazônia para virar chocolate suíço ou belga. Para Veríssimo, é preciso agregar valor ao cacau, algo que não vem sendo feito: “A bioeconomia é uma dessas janelas de oportunidades, mas o Brasil não está fazendo o dever de casa. Além de não ter políticas públicas dirigidas para o desenvolvimento de tecnologias para a área e de não conseguir atrair investimento privado, ainda está destruindo os recursos naturais que são a base dessa futura economia”. A floresta já desempenha um papel enorme em nossa economia. Ela gera bens e serviços que são vitais para o agronegócio, a medicina, a alimentação etc., mas ainda não conseguimos dimensionar todo o seu potencial. “A Amazônia é uma grande Biblioteca de Alexandria da natureza. Só que nossa capacidade de ler essa biblioteca é muito limitada, seja por incapacidade de nossa ciência, seja pelo fato de que o conhecimento ancestral sobre ela foi dizimado nos séculos XVI e XVII. Conhecimento empírico que os povos da floresta acumularam por 15 mil anos e que a ciência moderna pode levar mil anos para recuperar”, explicou o pesquisador.

O Brasil já tirou da Amazônia o equivalente aos estados de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro juntos. E 90% dessa área desmatada está abandonada ou subaproveitada. Segundo Veríssimo, é possível aumentar a produção sem sacrificar a floresta e o clima. “Até 2030 a agropecuária pode ocupar essas áreas, sem a necessidade de desmatar um único hectare, e ainda sobrariam partes que a gente poderia restaurar, principalmente as próximas a cabeceiras de rios”, disse ele. Fora que o modelo de desenvolvimento adotado na região, com base no desmatamento e em grandes projetos de infraestrutura, não gerou prosperidade para quem vive lá. “Hoje a Amazônia está relativamente mais pobre do que quando era floresta. Nos anos 1940, o estado do Pará tinha a economia voltada para o extrativismo e era o sétimo PIB per capita do Brasil; em 2010, com 25% do território desmatado, era o maior produtor de minério de ferro, exportava carne bovina e soja, tinha grandes hidrelétricas, mas era o 21º PIB per capita”, exemplificou Veríssimo.

O mundo inteiro já sabe que não há solução para a questão da mudança climática se a Amazônia não continuar de pé. “Há uma pressão externa monumental. Boa parte dos donos do dinheiro do mundo não querem investir no Brasil. Isso, aliás, já estava ficando claro antes mesmo da pandemia, no encontro do G-20 em Davos. Ninguém queria saber da nossa reforma da previdência, mas de proteção da Amazônia”. A conta das sanções internacionais será paga por todos nós. Ainda temos a chance de reverter esse processo, mas Veríssimo lembra que, para isso, será preciso também haver mudanças em nossas dimensões espiritual e ética. É preciso ter a consciência de que a natureza tem o direito de existir; recuperar ao menos parte do conhecimento daqueles que viveram na maior floresta tropical do mundo antes de nós. Este deveria ser o sonho brasileiro.

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Conta gota: Marina Silva

Conta gota: Marina Silva

Para a ex-ministra do Meio Ambiente e ex-senadora Marina Silva, sustentabilidade não deve ser encarada apenas uma maneira da produzir, mas como “uma visão de mundo, um ideal de vida”. Em conversa via internet com o arquiteto, urbanista e conselheiro de Uma Gota no Oceano Miguel Pinto Guimarães, ela propôs que um modelo de desenvolvimento que considera os pontos de vista econômico, social, ambiental, cultural, político, ético e até mesmo estético. “É preciso pensar o mundo não a partir do ideal do ter, mas do ideal do ser. Há limites para ter, mas não há para ser. O planeta nos limita, os recursos são finitos. Por outro lado, não há limites para pintar o melhor quadro, fazer a melhor poesia, compor a melhor música. No ideal do ser, a gente não está disputando coisas, está agregando mais valores simbólicos, estéticos, afetivos”. Este foi um dos temas da primeira live, realizada na última quinta-feira (dia 15), coproduzida por Uma Gota no Oceano.

“Nós já tivemos debates entre o capitalismo, o socialismo, o liberalismo. Todo mundo gosta de um ismo. Talvez a gente tenha que trabalhar na dimensão do sustentabilismo”, provocou Marina. Verdade seja dita: a expressão sustentabilidade foi banalizada a ponto de virar peça de propaganda, como lembrou Miguel, ou “vaidade pessoal”, como costuma dizer o pensador Ailton Krenak. Mas evidentemente não se trata apenas de uma questão de sufixo, mas de fazer mudanças radicais que garantam um futuro melhor para todos. O mundo pós-pandemia de coronavírus não será o mesmo e a própria Covid-19 é uma prova de que não vínhamos fazendo as melhores escolhas. “Em vez de querer a herança, temos que trabalhar pelo legado”, afirmou.

Marina sabe, por experiência própria, que a mudança está ao alcance de nossas mãos. Quando esteve no Ministério do Meio Ambiente ela coordenou a criação do Plano de Prevenção e Controle de Desmatamento da Amazônia. A situação estava fora de controle: 27 mil km² de floresta tinham ido abaixo em 2004. O plano reduziu a devastação em mais de 83% em 10 anos, evitando que fossem lançados na atmosfera mais de 4 bilhões de toneladas de CO₂. Marina adotou uma política transversal, na qual a agenda ambiental não era exclusividade do Ministério do Meio Ambiente: “Para o desmatamento cair naquela época foi preciso um conjunto de ações que envolveu 13 ministérios com a participação de diferentes setores da sociedade, da academia a movimentos sociais”, lembrou. Em tempos de Medida Provisória 910 – que legaliza terras invadidas na Amazônia – é oportuno lembrar que durante a sua passagem pela pasta foram inibidas 60 mil tentativas de grilagem. “Hoje existe, de forma induzida, uma indústria de invasão”, disse ela.

Desde sua saída do ministério essas políticas vêm sendo enfraquecidas, mas a partir deste governo isso vem sendo feito de modo avassalador – por ação ou omissão. “O ministro do Meio Ambiente vem operando sistematicamente para destruir a governança ambiental brasileira. Ele acha que está favorecendo as empresas e o agronegócio, mas está criando graves prejuízos”, afirmou Marina. O último foi a decisão do Banco Central da Noruega, anunciada na última quarta-feira (13/5), de excluir a mineradora Vale e a estatal de energia Eletrobras do maior fundo soberano do mundo, que administra uma reserva de mais de US$ 1 trilhão a partir de lucros gerados pelo petróleo. Os motivos? Danos ambientais e violações de direitos humanos. “Economia não precisa ser separada de ecologia. O mundo inteiro está discutindo durante a crise como migrar para o desenvolvimento sustentável com os investimentos que serão necessários para reerguer a economia no pós-pandemia. No Brasil estamos fazendo o oposto”. O país não tem se esforçado para cumprir suas metas do Acordo de Paris, por isso, e não deverá ser tratado com condescendência: “Os países que estão se sacrificando para cumprir suas partes no tratado não vão permitir que o Brasil lucre em prejuízo do clima, do meio ambiente e dos direitos dos povos originários”.

Marina lembrou como opção o Programa Amazônia 4.0, lançado pelo cientista Carlos Nobre, cuja ideia é unir o conhecimento ancestral dos povos tradicionais às novas tecnologias para criar produtos e materiais a partir da biodiversidade de floresta, como forma de atingir essas metas. A palavra mágica se chama bioeconomia “Nós temos uma commoditie que já é mais rentável do que o café, que é o açaí. Só não há escala de produção para atender à demanda, que ainda pode ser estimulada. Então é preciso associar biodiversidade, agroindústria, bioindústria, sistemas agroflorestais e comunidades locais. para que possamos vender produtos acabados e não matéria-prima”. A ex-ministra disse ainda que a Covid-19 nos deixou uma importante lição: “Com essa visão de terceirizar processos de produção com visão exclusiva do lucro, o mundo ficou refém da China em relação quando precisou de produtos como respiradores e máscaras”.

Marina lembrou, porém, que a maior riqueza que a Amazônia nos dá são os serviços ambientais que ela presta não só ao Brasil, como ao planeta. “Nós só somos uma potência agrícola porque somos uma potência florestal e hídrica. E só somos uma potência hídrica por causa da Amazônia. Ela produz 20 bilhões de toneladas de água por dia, que são lançados na atmosfera na forma de vapor d’água e viram chuva nas regiões mais economicamente importantes do país”. Para gerar a energia que bombear essa água, que é levada naturalmente do norte para o sul, o sudeste e o centro-oeste do país, nós precisaríamos de 50 mil Usinas de Itaipu. Marina lembrou ainda que a importância da Amazônia para o mundo é tão grande que ela ainda ajuda a regular a salinidade das águas do oceano, já que em torno de 17% da água doce que chega ao oceano vem das chuvas e da água produzidas na região.

Miguel lembrou que em sua última campanha para a Presidência, Marina usou como slogan uma frase de Raul Seixas: “Sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só. Mas sonho que se sonha junto é realidade”. Hoje ela tem um sonho que gostaria de dividir com todos: “Sonhar juntos não significa eliminar as diferenças, criar um processo de homogenização, só existe troca na diferença. Mas que é possível construir um país que seja ao mesmo tempo economicamente próspero, socialmente justo, politicamente democrático, ambientalmente sustentável e culturalmente diverso. Este é um sonho bom para quem crê e para quem não crê”.

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