Nada será como antes: Mulheres que revolucionam e lideram um novo Brasil

março 2023

Um novo Brasil se desenha para o futuro. O desafio de trançar os fios que conduzem a democracia passa, necessariamente, pelas mãos que tecem a vida: dos espaços de decisão ao chão do território, no seio da comunidade e nas mais diversas instâncias de poder, há uma mulher fazendo revolução. E elas são a maioria. Se deixamos para trás quatro anos de desgoverno é porque 53% do eleitorado brasileiro é feminino.   

O governo Lula inicia com a intenção e a proposta de corrigir os erros desse passado. Grandes e ilustres lideranças femininas revolucionam em postos de comando importantes no Brasil oficial. As ministras Marina Silva, Sônia Guajajara e Anielle Franco, para citar alguns exemplos, assumem papéis históricos e desafiadores. São olhares que se mostram transversais, construtivos e múltiplos, seja pela história de vida, seja pela trajetória de luta.   

Marina retorna mais forte, com sua proposta de gestão ambiental que perpassa vários recortes e que vem consolidando o conceito de transversalidade na política. ‘Soninha’ é revolucionária pela sua própria existência e competência de unificar a diversidade do movimento como liderança indígena que chega ao inédito Ministério dos Povos Indígenas – e, não por acaso, faz história. Anielle, eleita uma das 12 mulheres do ano em 2023, carrega bem mais que a semelhança física com a irmã, prestando uma homenagem ancestral, preta e feminina a Marielle Franco em meio à luta por Justiça, ao mesmo tempo em que, habilidosamente, conduz a revolução pela igualdade racial no Brasil.

A liderança de mulheres em áreas cruciais para o país é a maior demonstração do significado histórico disso na democracia brasileira. São muitos ineditismos protagonizados por elas: Nísia Trindade é a primeira mulher ministra da Saúde; Joênia Wapichana é a primeira presidente mulher e indígena da Funai e foi a primeira indígena eleita para a Câmara Federal; Célia Xakriabá tornou-se a parlamentar indígena mais jovem do planeta, e tudo isso em um Legislativo onde as mulheres representam 14,81% do quadro. 

Todas transbordam traços de vida, trazem consigo as marcas que as forjaram mulheres de si. A revolução que chega aos espaços de pode é fruto de luta das mulheres que se movem no “Brasil profundo”. Em diferentes biomas, conectam a beleza de raças, culturas, conhecimentos e crenças de um País diverso. 

Olhar para o futuro é saber que tem muito mais por vir; é entender que há um pedaço da história sendo escrito agora por vidas femininas. Por isso, compartilhamos cinco mulheres que vêm inspirando revoluções inevitáveis Brasil afora:  

Kátia Penha

Filha do quilombo Divino Espírito Santo (ES), de pais agricultores, tornou-se ativista ambiental quilombola e agricultora familiar. Atua como gestora ambiental, coordenadora nacional do Diagnóstico Macro Situacional da Agricultura Familiar Quilombola da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq) e é graduanda em Ciência Socias em educação do campo pela Universidade Federal do Espírito Santos (UFES). 

“Eu ando, eu piso na terra, eu tenho que sentir a terra para me energizar e continuar. Mas eu sou coordenadora nacional da CONAQ e hoje estou tocando a pauta ambiental. Respiro a pauta ambiental desde pequena. Acho que eu nasci nisso. Eu já tenho vários, poucos e bons inimigos aqui na minha cidade pela questão ambiental.”  

Juma Xipaia

Juma Xipaia nasceu em 1991 na aldeia Tukamã, à beira do Rio Iriri, em Altamira (PA), terra do povo Xipaya. Ainda antes dos 18 anos, juntou-se ao movimento Xingu Forever, que lutava pelos direitos dos indígenas impactados pela usina de Belo Monte. Aos 24 anos, ela se tornou a primeira cacica da região do Médio Xingu e, desde então vem enfrentando ameaças de morte e as consequências socioambientais da construção da hidrelétrica. Hoje, é secretária de Articulação e Promoção de Direitos Indígenas do Ministério dos Povos Indígenas (MPI). 

“Na verdade, eu nunca quis ser cacica, não foi algo pelo que busquei. Mas conforme vi as necessidades, as coisas erradas, fui tendo a coragem e a força, muito espiritual, e vendo os exemplos: a minha mãe, minhas tias, são minhas maiores referências. As mulheres do meu povo foram e são os meus maiores exemplos de luta, coragem, firmeza e determinação. Cresci vendo todas as dificuldades que meu povo e as mulheres passavam, o processo de violência, de negação de direitos. E, também, a gente trabalhava de igual para igual com os homens. Cresci assim.”

Aldira Akai Munduruku

Professora de língua materna da comunidade munduruku Daje Kapap Eypi, também conhecida como Sawré Muybu, onde nasceu, passou boa parte da infância no município de Jacareacanga (PA) – que tem no garimpo ilegal sua principal atividade econômica – de onde guarda a experiência de anos difíceis, marcados pela fome. Mãe de quatro filhos, todos nascidos em Sawré Muybu, teve contato com uma câmera fotográfica profissional pela primeira vez em 2014, durante a primeira fase de autodemarcação do território. Assim, passou a integrar o coletivo audiovisual Daje Kepap Eypi, hoje formado por ela e mais duas mulheres munduruku, que atua denunciando a invasão dos territórios por madeireiros e garimpeiros. Fluente em português, pretende cursar graduação em pedagogia. 

“É perigoso, mas eu não tenho medo. Quando a gente entra para a luta tem que enfrentar tudo que vai acontecer com a gente. Isso me fortalece. Eu pensei muito antes de entrar nessa luta, pensando que muita coisa poderia acontecer na minha vida, com meus filhos, mas enfrentei esse medo. Hoje não tenho medo de falar.”

Selma Dealdina

Secretária-executiva da Conaq, é quilombola do Território do Sapê do Norte (ES), assistente social e a organizadora do livro “Mulheres Quilombolas – Territórios de existências negras femininas”, lançado em outubro de 2020, que potencializa as vozes de mulheres quilombolas.  Em 2021, foi finalista do Prêmio Inspiradoras, uma iniciativa de Universa e do Instituto Avon para dar visibilidade a mulheres que se destacam na luta pelos direitos das brasileiras.

“As lutas das mulheres quilombolas entrelaçam as lutas de resistência dos quilombos no Brasil. Historicamente seguimos os passos que vêm de longe com Dandara dos Palmares, Tereza de Benguela, Maria Aranha, Zacimba Gaba e tantas outras mulheres importantes para a continuidade da luta nos dias atuais. É espelhando nessas mulheres e em tantas outras anônimas do país que nós, mulheres quilombolas, lutamos contra a invisibilidade da nossa luta contra o racismo, machismo e contra todo tipo de discriminação e violência desta sociedade injusta, racista e desigual.”

Andréa Nazareno

Liderança quilombola, agricultora e mãe de quatro filhos, sendo um PCD, Andreia Nazareno dos Santos, 42, é sinônimo de luta e protagonismo feminino preto no Nordeste brasileiro. Do Quilombo de Capoeiras, na zona rural de Macaíba, a maior comunidade quilombola do Rio Grande do Norte, com cerca de 200 famílias, Andreia percebeu desde cedo que precisava persistir contra um sistema bem estruturado de desigualdade de gênero e raça.  

“As mulheres não cuidam só do movimento, não cuidam só do território. Mulheres são mães, esposas, pai e mãe ao mesmo tempo. Muitas das coisas que acontecem nas comunidades passam por elas. A grande maioria das lideranças das comunidades quilombolas são mulheres. Elas que vão para frente, brigam, choram, que estão ali na luta pela melhoria do território e da comunidade”.

Estas mulheres revolucionam por defenderem, sem medo, seus territórios em diferentes biomas, diante das absurdas violências cometidas por um modelo econômico predatório e por uma estrutura sociopolítica ainda potencialmente machista. Mulheres de diferentes raças e etnias que confrontam o racismo. Mulheres de diferentes gerações que se conectam em luta e trajetória, independentemente da idade. Mulheres que revolucionam por lutar por igualdade e justiça social na saúde, na educação, na geração de renda e na cultura.  

Durante a pandemia de Covid-19, as mulheres mostraram porque faz diferença a perspectiva do olhar de gênero: cidades administradas por elas alcançaram um número de óbitos até 43% menor em algumas cidades. 

O presente nos mostra que nada será como antes porque as sementes carregadas nas tranças de mulheres pretas escravizadas alimentaram a ancestralidade histórica que hoje toma gerações; porque cada traço de urucum marcado na pele indígena materializou o reconhecimento de que somos fruto de uma Mãe Terra generosa. Essa consciência vem ‘reflorestando corações e mentes’, como costuma lembrar Sônia Guajajara. 

Nós lembramos que resistência é substantivo feminino. Mais do que nunca, mulheres no comando. Mais do nunca, mulheres na revolução!

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