Galinha que tem nome não vai para a panela

Galinha que tem nome não vai para a panela

“Galinha que tem nome não vai pra panela”. Regina Casé recorreu ao dito popular para lembrar a importância da educação para a preservação da natureza. “Eu era míope, enxergava a mata como uma mancha verde. Aos poucos fui ajustando o grau de meus óculos e comecei a identificar as árvores por seus nomes e me apaixonar por elas. Acho que isso devia ser ensinado às crianças nas escolas. Se a criança sabe o nome de uma árvore, se apaixona por ela, não vai querer que a cortem”, completou a atriz, que ao lado do marido e cineasta Estêvão Ciavatta, criou há 19 anos o programa de TV “Um pé de quê?”. A dupla participou da live sobre biodiversidade com o arquiteto, urbanista Miguel Pinto Guimarães, presidente do conselho de Uma Gota no Oceano. A conversa encerrou a programação oficial da Semana do Meio Ambiente no Brasil, organizada pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), que nos convidou para participar.

A conversa foi mais uma oportunidade de refletir o momento atual em busca de reflexões que ajudem a conscientizar a população, a gerar solidariedade e a mudar a relação do ser humano com o meio ambiente. Mas do que nunca, trocar ideias é preciso. “As florestas têm 400 milhões de anos. Se não fossem elas, a gente não estaria aqui”, refletiu Estêvão. No ar desde 2001, “Um Pé de Quê?” roda o Brasil e o mundo – teve episódio gravado também em Moçambique, Japão e França – identificando e contando a história das mais diferentes espécies de árvores. Até agora foram 180 episódios. Regina aproxima o espectador às árvores da cultura, da História, da tecnologia e da sua relação com o homem. Em 2007 ele se tornou o primeiro programa de TV carbono zero.

O papo começou pela árvore símbolo do país, o ipê-amarelo, e suas versões roxo, branco e verde. É uma árvore que ocorre no Brasil inteiro, tem do Rio Grande do Sul à Amazônia”, lembrou Estêvão. O ipê também é símbolo de uma das maiores ameaças às nossas florestas, a exploração ilegal de madeira. “O ipê hoje é a árvore mais valiosa da Floresta Amazônica. É muito usada em construção. Um caminhão com toras de ipê vale R$ 200 mil. E isso que abre o caminho para a devastação, pois só os exploradores de ipê têm dinheiro entrar mata adentro. Seria o momento de a gente parar de usar essa madeira em nossas obras, de fazer campanha para os gringos pararem de comprar ipê brasileiro, porque isso está levando nossas florestas ao fim”, explicou Estêvão, que também é diretor do documentário “Amazônia Sociedade Anônima”.

Os sucessivos recordes de desmatamento que vêm se sucedendo desde o início do ano passado e a sua importância para o planeta põe a maior floresta tropical do mundo em evidência, mas ela não é o único bioma brasileiro em risco. “Só restaram 10% ou 12% de Mata Atlântica. É uma barbaridade imaginar que depois de se estabilizar o seu desmatamento isso a duras penas, ele volte a crescer agora”, lembrou Miguel. Para Regina, ela está também intimamente ligada à nossa cultura: “Cada som que vem dela sugere uma música, uma dança, um batuque. E cada gosto, uma comida diferente”.

Para a atriz, a as florestas também têm muito a nos ensinar. “Na Mata Atlântica tem espécies completamente convivendo harmonicamente. Isto deveria servir de lição para a gente. Nada melhor também do que uma árvore para dar noção de processo. Você planta uma e as pessoas dizem, ‘mas você nem vai vê-la na sua plenitude’. E eu digo ‘mas eu já peguei várias prontinhas, que não fui eu quem plantou’. Então temos a noção de que você não precisa fazer as coisas só para si. Alguém fez para você e você pode fazer para alguém”.

Num bioma aparentemente bem menos exuberante, Regina aprendeu outra lição. A atriz rodou o filme “Eu Tu Eles”, de Andrucha Waddington, nos anos 1990, quando passou uma boa temporada no sertão nordestino. E descobriu que a vida transbordava, nos mínimos detalhes, naquele cenário com aparência estéril. “Todo mundo acha que tem a gente e as árvores. Que o meio ambiente é um lugar longe pra caramba, que fica depois da Amazônia, enquanto ele está o tempo todo debaixo de nosso nariz, no ar que você respira, na água que a gente bebe. Na Caatinga a gente percebe mais isso”.

“Pero Vaz de Caminha escreveu em sua carta que aqui se plantando tudo dá. E é o que temos feito passado o trator e plantando o mesmo que se planta na Península Ibérica, destruindo nossa biodiversidade”, alertou Miguel. Só na Amazônia são 450 mil km de pasto inutilizado e apenas 45 mil km de plantação de grãos. “Ou seja, dá para quadruplicar a produção brasileira sem ter que desmatar mais nada. E o Cerrado é o manancial de águas não só de rios do Sudeste, como também da Amazônia. E A Floresta Amazônica produz 20 bilhões de toneladas de água por dia. Sem água não há agronegócio”.

“O Brasil não perde uma oportunidade de perder uma oportunidade”, dizia o economista Roberto Campos. Nossas reservas de água e nossa biodiversidade nos dariam uma imensa vantagem na retomada da economia no pós-pandemia, mas não estamos sabendo aproveitá-la. “Há um potencial de biodiversidade inexplorado que só o Brasil tem. Essa biodiversidade pode nos livrar dos coronavírus que vêm por aí. E estamos jogando tudo isso fora. Por isso temos que parar de dizer só ‘não desmata’ e mostrar ‘olha só a riqueza que a gente tem aqui’, para ver se todos entendem”, disse Regina. Ela lembrou também que tão importante quando essa diversidade biológica é nossa diversidade cultural, manifestada desde a ciência que sai das Universidades das grandes cidades à sabedoria ancestral dos povos tradicionais: “As diferenças são combustível de riqueza”.

“O futuro do mundo vai passar pela bioeconomia. Os países que vão sair na frente depois da pandemia são os que abraçarem essa economia verde. O escritor austríaco Stefan Zweig dizia que o Brasil é o país do futuro. E o futuro está batendo à nossa porta”, lembrou Miguel. A primeira medição de desmatamento da Amazônia feita pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) é de 1975. Naquela época, só 0,5% da Amazônia tinha sido desmatada; hoje, essa porcentagem é de 19%. Como a ilegalidade toma conta de boa parte dos processos produtivos da região, a população local sequer desfruta da riqueza que é extraída de lá. “O resultado são as cidades com os piores IDHs do Brasil, que contribuem com pouquíssimo para o PIB nacional”, disse Estêvão. O diretor lembrou uma história que deveria nos guiar em nossa relação com o meio ambiente: “O cacique Juarez Munduruku me disse certa vez que na sua língua não existe a palavra árvore. Cada ser vivo tem o seu nome”. Árvore que tem nome não vira cabo de panela.

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Impactos humanos vistos de cima

Impactos humanos vistos de cima

Os estragos vistos de cima. A ONU Meio Ambiente e o Google anunciaram uma parceria para monitorar os impactos da atividade humana no planeta. O objetivo é fornecer subsídios para que governos e entidades invistam com mais segurança em políticas e projetos ambientais.

A princípio, o trabalho será focado em ecossistemas relacionados à água doce, como florestas, montanhas, rios, pântanos, aquíferos e lagos, que abrigam 10% das espécies conhecidas. Será que vendo as coisas de um novo ângulo a gente entenda a importância da proteção do meio ambiente?

Via ONU Brasil

Foto: Pexels

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Guerra à poluição

Guerra à poluição

Precisamos declarar guerra à poluição. É uma questão de vida ou morte, já que ela mata mais do que os conflitos armados e outras formas de violência. Segundo o último relatório da ONU Meio Ambiente, todo ano a poluição causa um quarto (12,6 milhões) de todas as mortes de seres humanos. Em 80% das grandes cidades do mundo, a qualidade do ar está abaixo do nível aceitável. Por isso, a fumaça que sai de chaminés e escapamentos é a que mais mata: 6,5 milhões. Não dá simplesmente para tapar o nariz e seguir em frente com um problemão desses. Até porque ele custa 7,2% do PIB global por ano.

Respirar pode matar, mas o pior é que o inimigo também faz baixas na terra e no mar: cerca de 4,5 bilhões, mais da metade da população do mundo, não têm acesso a saneamento básico, 2 bilhões não têm um banheiro adequado, e mais de 80% do esgoto mundial é despejado na natureza sem tratamento, contaminando o solo, rios, lagos e o mar. Além disso, os 50 maiores lixões do planeta põem em risco a vida de 64 milhões.

Como o peixe, correm risco de morrer pela boca as 3,5 bilhões de pessoas que se alimentam do que tiram do mar. E a mesma poluição que nos enfraquece está tornando as bactérias mais fortes. Os microrganismos estão ganhando resistência a antibióticos por causa do descarte impróprio de medicamentos e de substâncias químicas na natureza. Isso está custando a vida de 700 mil pessoas por ano. Todo dia se descobre um novo malefício da poluição: um recente estudo realizado por pesquisadores das Universidades de Hong Kong e de Utrecht, na Holanda, alerta que exposição contínua a poluentes na atmosfera pode deteriorar a qualidade dos espermatozoides. E a má qualidade do ar pode desfazer os benefícios à saúde que uma boa caminhada traria aos mais idosos.

Aliás, praticar esportes em cidades muito poluídas está ficando impraticável. No início do mês, uma partida de críquete entres as seleções do Sri Lanka e da Índia, em Nova Délhi, teve que ser interrompida por causa da poluição. Em novembro, as escolas da capital indiana tiveram que suspender as aulas, porque a poluição do ar atingiu um nível quase 39 vezes maior do que a Organização Mundial de Saúde considera aceitável. A Índia é o “i” dos Brics, grupo de países emergentes, que conta ainda com Brasil, Rússia e África do Sul. Olhando para o mal que aflige os indianos, podemos refletir sobre o modelo de desenvolvimento que temos adotado.

Na maior cidade brasileira, São Paulo, respirar por duas horas equivale a fumar um cigarro. Sua Lei Municipal do Clima, criada em 2009, determina que a partir do ano que vem toda a frota paulistana de ônibus seja abastecida por combustíveis 100% renováveis. Isso seria o suficiente para salvar uma vida por dia e economizar R$ 3,8 bilhões até 2050. Se a lei não pegar, a poluição vai matar mais de 178 mil pessoas na cidade e gerar um prejuízo de R$ 54 bilhões nos próximos 33 anos. Há motivos de sobra para ser cético: até agora, R$ 8,8 bilhões foram esgoto abaixo na vã tentativa de despoluir o Tietê. O projeto de limpeza do rio data de 1993, era para ter sido concluído em 2005. Dinheiro e tempo escorrendo pelo esgoto. O motivo? Uma modalidade olímpica, quer dizer, política que se tornou uma especialidade brasileira: empurrão de problemas com a barriga.

A Justiça tardou tanto, que não dá para dizer que não falhou com Cubatão: somente depois de 31 anos, 24 empresas do polo petroquímico e siderúrgico local foram condenadas pelos danos que causaram ao meio ambiente e por fazer a ONU lhe dar o título de cidade mais poluída do mundo nos anos 1980. Companhias como Petrobras e Rhodia fizeram Cubatão ser conhecida também como Vale da Morte. A poluição levou doenças à população e causou o nascimento de bebês com malformações no cérebro. Pássaros e peixes sumiram e a chuva ácida matou a vegetação de Mata Atlântica da Serra do Mar. Hoje, graças a medidas implantadas pela Constituição de 1988 e pelas resoluções da Rio-92, Cubatão começa a respirar novamente. E agora ganhou esse cheirinho de vitória. Mariana também terá que esperar esse tempo todo por essa mesma sensação?

O país despeja em seus rios o equivalente a 2 mil piscinas olímpicas de esgoto in natura por dia. O dado é do Atlas Esgotos – Despoluição de Bacias Hidrográficas, da Agência Nacional de Águas (ANA). Segundo o estudo, 81% dos municípios brasileiros jogam metade dos dejetos que produzem em cursos d’água, sem nenhum tratamento. No Rio de Janeiro, a segunda maior cidade do país, são quase 70%. O país tem hoje cerca de 83 mil km de rios considerados mortos – o que equivale à soma da extensão dos 17 maiores do mundo.

O brasileiro poluindo cada vez mais para produzir eletricidade. Com a seca esvaziando os reservatórios das hidrelétricas, a produção de energia por termelétricas mais do que dobrou de janeiro a agosto deste ano. E em vez de corrermos para cumprir a nossa parte do Acordo de Paris, tomamos a contramão: outro dia mesmo, o governo rescindiu o contrato para a construção de 16 novos parques eólicos e nove usinas solares, que gerariam 557 megawatts de energia limpa. Ao mesmo tempo, planeja construir novas termelétricas, como a de Peruíbe, em São Paulo, encravada numa área preservada de Mata Atlântica. É este futuro cinzento que queremos?

Mais de 4 mil pessoas, entre chefes de Estado, ministros, empresários, funcionários das Nações Unidas, representantes da sociedade civil, ativistas e celebridades se reuniram na Assembleia da ONU para o Meio Ambiente, em Nairóbi, no Quênia, na semana passada. Com o sinal de alerta ligado, foram tomadas decisões importantes. Pela primeira vez, os ministros do meio ambiente presentes fizeram uma declaração conjunta. O documento afirma que seus países vão honrar os compromissos firmados para prevenir, amenizar e gerenciar a poluição do ar, do solo, da água doce e dos oceanos. Se as promessas forem cumpridas, 1,49 bilhão de pessoas a mais vão respirar ar puro, 480 mil quilômetros (aproximadamente 30%) das costas litorâneas serão limpas e 18,6 bilhões de dólares, investidos em pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias para combater com a poluição.

Ao menos a ONU parece estar levando esses compromissos a sério: suas duas maiores autoridades ambientais, a secretária-executiva da Convenção sobre Mudança do Clima, Patricia Espinosa, e o secretário-executivo da ONU Meio Ambiente, Erik Solheim, assinaram um acordo de cooperação para agilizar a tomada de decisões sobre o clima e no combate à poluição. “A realidade mostra que há uma clara ligação entre a poluição e a mudança do clima”, disse Patricia. Só não vê que o tempo está fechando quem não quer.

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Poluição abissal

Poluição abissal

Poluição abissal. O novo relatória da ONU Meio Ambiente revela que foi encontrada uma sacola de plástico a 10.898 metros abaixo da superfície, na Fossa das Marianas.

Ou seja: nem mesmo a região mais profunda do oceano está livre da sujeira que fazemos aqui em cima. Chegamos ao fundo do poço?

Via ONU Brasil

Foto: National Geographic

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