abril 2023 | Direitos indígenas, Juventude, Povos Tradicionais
Por Vinícius Leal
Uma câmera na mão e 305 ideias na cabeça, que serão contadas em 274 línguas diferentes. Este Acampamento Terra Livre (ATL) não vai ser igual àqueles 18 que passaram: agora, os povos indígenas fazem parte do governo. Com lideranças como Sonia Guajajara, Joênia Wapichana, Weibe Tapeba e Célia Xakriabá, eles têm o seu próprio ministério, o comando da Funai e da Sesai e uma representação forte no Congresso. Depois de 523 anos conquistaram, finalmente, o direito de escolherem seus papéis. Caberá às novas gerações não só registrá-la e contá-la ao mundo, como garantir que ela não seja passageira.
Em meio a tantas conquistas e diante de velhos (e novos) desafios, qual será o futuro do movimento indígena? A resposta está no presente, representado por sua juventude, parte da construção deste novo hoje e protagonista do amanhã. Usando as lentes de seus celulares, câmeras e drones esses jovens vêm revolucionando e reinventando o movimento indígena, não apenas ao se apropriarem de ferramentas das novas tecnologias, mas também se apoderando do direito de narrar suas próprias histórias, culturas e reivindicações, antes filtradas por olhares estrangeiros. E essa produção vem circulando mundo afora.
Uma nova turma de cineastas, roteiristas, fotógrafos, cinegrafistas, jornalistas, produtores culturais, artistas e, acima de tudo, ativistas, aposta no audiovisual e nas ferramentas de monitoramento territorial como instrumentos para alçar, definitivamente, os povos originários a protagonistas do debate político, socioeconômico e climático global. Afinal, eles são os guardiões de 80% da biodiversidade da Terra. São novas formas de lutar, com o olho no futuro e os pés na ancestralidade. O caminhar dessa luta será determinante não apenas para as próximas gerações de indígenas, mas para todos os seres vivos do planeta.
As novas tecnologias e a determinação dessa juventude têm ajudado de forma decisiva a ecoar pelo mundo afora a importância da luta pela proteção dos direitos e dos modos de vida dos povos tradicionais, e o papel da demarcação dos territórios para essa luta. É o que vêm fazendo os jovens Munduruku da região do Médio Tapajós para proteger a Terra Indígena Sawré Muybu, no Pará. Eles não apenas retomaram a autodemarcação de suas terras, como criaram métodos revolucionários de proteção e vigilância, que viraram referência para outras iniciativas semelhantes. Tudo devidamente documentado no curta-metragem “Autodemarcação Já!”.
Aldira Akai, Beka Saw e Rilcelia Akay, do Coletivo Audiovisual de Mulheres Munduruku Daje Kapap Eypi, fizeram um registro da atuação dos indígenas de seu povo para percorrer e monitorar sua terra ancestral, desde a autodemarcação do território – um trabalho que começou em 2018 –, com placas de sinalização, até o trabalho constante de inspeção para expulsar invasores e desmatadores. O curta mostra como a junção das tecnologias de monitoramento e audiovisual podem contribuir para a luta dos Munduruku, e destaca a importância da demarcação para a proteção dos direitos e do bem viver dos povos indígenas. Não à tôa, a demarcação dos territórios é o tema central do ATL deste ano, que defende que, ‘sem demarcação, não há democracia’.
A defesa territorial também é o objetivo dos jovens indígenas Uru-Eu-Wau-Wau, em Rondônia, que, armados não mais apenas com arcos e flechas, mas com GPS, drones e câmeras, ajudam a proteger suas terras ancestrais de invasores. A luta dos Uru-Eu-Wau-Wau em defesa das suas terras ganhou o mundo por meio do documentário “O Território” (2022). Coproduzido pela jovem liderança indígena brasileira Txai Suruí e a National Geographic, o filme foi premiado em alguns dos principais festivais de cinema, como o Sundance, e hoje é exibido na plataforma de streaming Disney+.
E não para por aí: da viagem em realidade virtual conduzida pela cacica Raquel Tupinambá, que guia o espectador por entre as florestas e rios da região do Tapajós na obra “Amazônia Viva” – ganhadora do prêmio de melhor filme no Festival Planeta, em Barcelona, este ano –, aos conflitos de terra envolvendo Guarani Kaiowá e fazendeiros em Mato Grosso do Sul, pano de fundo do premiado documentário “Vento na Fronteira”, a assinatura originária está presente.
Essa nova estratégia de ocupação de espaços é uma das tantas conquistas que alçaram o movimento indígena a este novo patamar, e um instrumento crucial no processo de derrubar preconceitos, fazendo com que todo o mundo possa conhecer a luta dos povos originários através de uma nova lente: a da juventude indígena. Se os caminhos do porvir cabem a essa geração, os primeiros passos anunciam uma jornada promissora rumo a um futuro que, bem nos disseram antes, é ancestral. Olho na terra e na tela.
setembro 2022 | Direitos humanos, Eleições
por Danielle Amaral* e Gabriela Borges*
A cena se passa em 2022. O projetor das eleições é ligado e a tela finalmente dá protagonismo a quem por muitos anos foi relegada ao papel de coadjuvante: a juventude. Segundo o IBGE, 47 milhões de brasileiros têm de 15 a 29 anos. Por outro lado, a população brasileira está envelhecendo rapidamente. Hoje, são 15,7% de pessoas com mais de 60 anos e a Organização Mundial de Saúde calcula que até meados dos anos 2050 um em cada três brasileiros terá ultrapassado essa idade. Por isso é fundamental apontar os holofotes para quem cuidará do país no futuro, caso a gente queira um final feliz.
Não é o que tem acontecido. Uma pesquisa feita pela ONG Engajamundo, em parceria com os Institutos Cíclica e Veredas, comprova que nos últimos dois anos as políticas públicas para jovens foram reduzidas pela metade. Os dados apresentados demonstram uma negligência ainda maior aos mais vulneráveis, como as juventudes negra, indígena e LGBTQIA+. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) registra mais de 21 milhões de eleitores na faixa dos 16 a 24 anos. Os jovens têm o poder e o dever de mudar esse roteiro trágico.
Incentivo para isso não faltou. Foram várias as iniciativas para impulsionar a participação desse grupo na política, principalmente no que diz respeito ao primeiro voto. Dada a largada do ano de eleitoral, o TSE e ONGs como o Nossas entraram de cabeça nessa campanha. A mobilização tomou conta do país, e artistas como Anitta, Juliette, Bruna Marquezine, Zeca Pagodinho – e até mesmo estrangeiros, como Mark Ruffalo e Leonardo DiCaprio – entraram na ciranda para estimular jovens de 16 e 17 anos a tirarem seus títulos de eleitor. E muita gente caiu nessa dança.
Mesmo que o voto seja facultativo para essa faixa etária, o resultado de tanta mobilização foi bastante fértil: entre janeiro e abril de 2022, o país ganhou mais 2.042.817 jovens eleitores, um aumento de 47,2% em relação ao mesmo período em 2018. Esse é só o início da realização de nossos sonhos, que serão construídos nas urnas. Como canta o pernambucano Siba, “cada vez que eu dou um passo, o mundo sai do lugar”. O primeiro passo foi dado, o objetivo agora é que o mundo saia do lugar de encontro à juventude!
Mas a luta só começou. Só 3% dos deputados federais têm menos de 30 anos; a imensa maioria já passou dos 50. Como ninguém vive para sempre, seu futuro tem um horizonte curto: boa parte deles não estará mais entre nós em 30 anos. E é justamente a Câmara que cria as leis e fiscaliza o Poder Executivo. Entendeu agora porque não estamos incluídos na construção de políticas públicas justas para o nosso perfil? É preciso começar a ocupar esse espaço também. Porque o perigo mora ao lado, não só em Brasília
O voto jovem precisa ter consciência de que só votar no melhor candidato para Presidente da República não resolve. Deputados, senadores e governadores também são responsáveis por decidir os caminhos de nossas vidas. E são eles que estão logo ali nas ruas disputando votos no corpo a corpo. O que podemos esperar do futuro num país que corre na Câmara a aprovação para o Pacote Veneno – que libera muito mais agrotóxicos no Brasil, aumentando os danos à saúde pública e ao meio ambiente – assim como outros Projetos de Lei que limitam a demarcação e liberam a mineração em terras indígenas, além de estimularem e a grilagem e a violência.
O agora deles é o nosso futuro. O Greenpeace Brasil lançou a campanha Voto Sem Vacilo, com o objetivo de conscientizar o jovem – mas não só ele –, de forma lúdica e didática, sobre a importância do voto socioambiental. No seu site, o eleitor encontra um guia que descreve as pautas que estarão em jogo depois das eleições e quais as candidaturas estão verdadeiramente comprometidas pautas ligadas à preservação do meio ambiente e com o bem-estar da sociedade.
Nesse momento, o tique-taque do relógio do fim do mundo está acelerado e indica para um esgotamento do planeta num futuro próximo. Sequer sabemos se ainda há tempo para fazer frente às mudanças climáticas. A questão é que, daqui a 10, 20, 30 anos, serão os jovens que estarão aqui para ver o resultado dessa aposta arriscada no desenvolvimento a qualquer preço. E o seu voto vale muito mais que dinheiro.
O filme ainda não acabou. Por isso, ainda que a urna seja uma caixa pequena demais para guardar todos os nossos sonhos, ela é a nossa principal esperança de garantirmos o desfecho que merecemos. Um futuro que não se inicia no amanhã; para nós ele acontece no agora. Vote socioambiental, vote verde, vote jovem!
*Danielle Amaral é mulher preta nordestina e interiorana. É formada em Relações Internacionais, ativista socioambiental e Diretora Executiva da ONG Engajamundo.
*Gabriela Borges: Não binárie, graduanda em Psicologia, ativista, pesquisadora e comunicadora na ONG Engajamundo e é responsável pelas redes sociais da Uma Gota no Oceano.
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