Muito Além dos Incêndios

Muito Além dos Incêndios

Por Claudia Gaigher

A Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo é um importante passo no controle de biomassa, educação ambiental, prevenção e fiscalização. Mas e o que foi destruído? E a restauração do bioma? É preciso responsabilizar e punir efetivamente os culpados

Em uma das minhas coberturas de incêndios no Pantanal, eu estava acompanhando a brigada indígena nos combates noturnos. Toda aquela devastação me impactou, e eu chorava ao ver o fogo avançando. Foi quando um brigadista Terena me olhou e disse: “É triste né? Ver que muita gente não conhece o comportamento do fogo… Tem o fogo bom e o fogo ruim.” Fiquei intrigada e perguntei: ” Como assim?”.  Ele, com o rosto enegrecido pela fuligem, me encarou serenamente e disse: “Fogo bom é aquele calmo, que queima pouco, não mata os bichos e as plantas. E quando vem a chuva, tudo brota verdinho. O fogo ruim é esse aqui, raivoso, que passa queimando e matando tudo no Pantanal”. A explicação me surpreendeu, e fiquei com aquilo na cabeça. Fui estudar a respeito…

Os povos originários vivem no Pantanal há mais de 2 mil anos e sempre usaram o fogo como aliado nas roças de subsistência e na preparação dos campos. Segundo Leticia Garcia, bióloga e coordenadora do Laboratório de Intervenções Ecológicas da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), o Pantanal é parcialmente adaptado ao fogo e algumas espécies, inclusive, dependem do fogo, mas a recorrência dos
grandes incêndios vai tornando os ambientes cada vez mais degradados, afetando a resiliência do bioma. O “fogo ruim” está devastando o Pantanal.

O papel dos povos originários na proteção e recuperação de áreas no Pantanal tem se mostrado fundamental. Em praticamente todos os territórios existem brigadas indígenas formadas pelo PrevFogo Ibama. Esses brigadistas estão entre os mais efetivos no combate aos incêndios. São os primeiros a chegar e os últimos a sair das áreas em chamas e têm uma resistência física impressionante. Além disso, as brigadas indígenas têm uma qualidade insuperável no combate e manejo integrado do fogo: o conhecimento do território, fundamental para a chegada imediata aos locais dos incêndios. Seus ancestrais já usavam o fogo bom, e eles sabem o momento certo e o tipo de vegetação que pode ser queimada. É fato que, onde os brigadistas indígenas foram contratados, os resultados têm sido bastante significativos na redução de áreas queimadas.

Só que não podemos esquecer que 95% do Pantanal são formados por fazendas privadas, a maioria de criação de gado. A pecuária extensiva foi instalada há mais de 200 anos e, durante muito tempo, os antigos “reis do gado” eram os maiores proprietários de terra. Agora, a situação mudou, mas a destruição continua. A divisão das fazendas entre os herdeiros, a venda para investidores externos, o abandono de áreas por descapitalização, são situações que têm fragmentado o bioma e tornado ainda mais difícil implementar uma política de conservação na região. Alguns proprietários no Pantanal abriram as porteiras para o ecoturismo, pesquisa e buscaram o PrevFogo para treinar os seus funcionários e formar brigadas civis nas fazendas. Isso tem sido importante no combate inicial dos focos, mas não é suficiente. Os anos de estiagem, sem cheias e o relevo plano encheram os olhos dos produtores de grãos, que já avançam com as suas lavouras bioma adentro.

Este ano, praticamente todos os focos de incêndio foram provocados por ação humana. Nos anos anteriores, também. O fogo mau compensa. Investigações são feitas, inquéritos instaurados e multas aplicadas, mas, na prática, não muda nada. Tanto que, de 2020 até 2023, o governo de Mato Grosso do Sul aplicou mais de R$ 50 milhões em multas para quem comprovadamente começou os incêndios. Mas da aplicação das multas ao pagamento tem uma longa espera… Recursos e questionamentos se arrastam, e o pagamento que é bom, nada.

Em julho, foi aprovado no Senado e sancionado pelo Presidente Lula em uma visita a Corumbá, no Pantanal em Mato Grosso do Sul, o projeto que institui a Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo, um importante passo no controle de biomassa, educação ambiental, prevenção e fiscalização. Mas e o que foi destruído? E a restauração do bioma? Quem paga essa conta? É preciso responsabilizar e punir efetivamente os culpados.

Até 22 de agosto, 2.031 milhões de hectares do bioma foram queimados, 13,46% da área total, de acordo com dados do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (LASA-UFRJ). A Polícia Federal instaurou 20 inquéritos que apuram os culpados identificando os pontos de ignição dos incêndios pantaneiros. Será que esses inquéritos também vão virar cinzas?

Claudia Gaigher é Jornalista e escritora. Acompanha desde 1998 a saga dos indígenas no Centro Oeste do Brasil*
 
Publicado no Correio Brasiliense em 27 de agosto de 2024.

O vício de desmatar

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O vício de cortar árvores: os dez maiores desmatadores da Amazônia derrubaram ilegalmente o equivalente a quatro vezes o tamanho do Parque Nacional da Tijuca, a maior floresta urbana do mundo, em um ano. Só dois deles, a Manasa Madeireira Nacional S.A. e José Carlos Nunes Meloni, desmataram 7,8 mil hectares, o que dá a metade do total.

É bom essa turma procurar logo o D.A. (Desmatadores Anônimos) para se curar, pois o Ministério Público Federal e o Ibama estão entrando na Justiça em conjunto contra eles, pedindo R$ 244,7 milhões em indenizações. Essa dependência pode pesar no bolso.

Via O Globo

Foto: Tiago Queiroz/Estadão

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Mais uma multa para as contas da usina Belo Monte

Mais uma multa para as contas da usina Belo Monte

Belo Monte é multada em R$ 7,5 milhões além de multa diária de R$ 810 mil por descumprir regras ambientas e exigências do licenciamento da usina.

A decisão do órgão ambiental ocorre após uma série de vistorias realizadas nos últimos meses nas regiões impactadas pela obra, que está em andamento no rio Xingu. A avaliação técnica é de que houve “descumprimento intencional” de exigências do licenciamento ambiental federal.

Essa multa se junta a outras 27 que o Ibama já havia aplicado à Norte Energia, dona da usina, o que totaliza R$ 76,2 milhões em penalidades.

Desde a emissão da licença de operação da usina, em novembro de 2015, quando a primeira turbina de Belo Monte recebeu sinal verde para funcionar, o Ibama fez 37 vistorias técnicas para monitorar o cumprimento das exigências do licenciamento. Procurada, a Norte Energia não se posicionou até o fechamento desta matéria.

Via: Estadão
Saiba mais em: https://bit.ly/2qdF8dT
Foto: Marizilda Cruppe

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