Governo quer incrementar menu de agrotóxicos
O que mata, engorda: um terço dos vegetais consumidos no Brasil já apresenta resíduos de agrotóxicos em níveis acima dos aceitáveis. Ninguém faz a Monsanto e congêneres mais felizes do que o brasileiro, que consome cinco litros de veneno por ano. Em média, o país importa anualmente 1 bilhão de litros, liderando esse indigesto ranking mundial. Neste cardápio, entram produtos proibidos em vários países: são 434 substâncias, sendo que entre as 50 mais utilizadas, 22 foram banidas de boa parte da Europa. Entre 2002 e 2012, o uso de pesticidas e herbicidas mais que dobrou no Brasil, crescendo 115%. O uso pulou de 2,7 quilos para 6,9 quilos por hectare, com o agravante que 64,1% dos produtos usados em 2012 foram considerados como perigosos e 27,7%, muito perigosos, segundo o IBGE. E o menu pode aumentar consideravelmente, pois o governo preparou um novo livro de receitas que vai mudar regras para registro de novas substâncias. A Medida Provisória foi preparada na Casa Civil, com as inestimáveis colaborações da bancada ruralista e dos próprios fabricantes, e pode ser aprovada a qualquer momento. Vamos engolir mais essa?
Entre os produtos que só os brasileiros consomem estão o Tricolfon, Cihexatina, Abamectina, Acefato, Carbofuran, Forato, Fosmete, Lactofen, Parationa Metílica e Thiram. Tem um chamado Fipronil que acabou de protagonizar uma saia-justa na Europa, por ter sido usado irregularmente e provocado a retirada e milhões de ovos contaminados dos supermercados. Vender agrotóxico para o Brasil é um negocião: tem 60% de desconto no ICMS e isenção de IPI. Não satisfeitos, ainda querem rebatizar o produto para “defensivo fitossanitário”, como se ele fosse ficar menos daninho. E a análise da comida que vai para a mesa do brasileiro é bastante modesta. No relatório de 2012 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), foram analisadas 3.293 amostras de somente 13 alimentos, 5% do que é examinado nos Estados Unidos e na Europa. A Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) calcula que os alimentos que mais recebem pesticidas no Brasil são a soja (40%), o milho (15%), a cana-de-açúcar e o algodão (10% cada), os cítricos (7%), o café, o trigo e o arroz (3 % cada), o feijão (2%), a batata (1%), o tomate (1%), a maçã (0,5%) e a banana (0,2%). Entre 2007 e 2014, foram registradas 1.186 mortes causadas por intoxicação por agrotóxicos. Mas eles também podem matar de forma indireta, já que alguns produtos contêm substâncias cancerígenas.
O campeão brasileiro no uso de veneno na agricultura é o Rio Grande do Sul. Um estudo realizado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul comparou o número de mortes por câncer na região de Ijuí, no noroeste gaúcho, com as registradas no estado e no país entre 1979 e 2003. O resultado foi de embrulhar o estômago: a taxa de mortalidade local supera tanto a do Rio Grande do Sul, que já é bem alta, como a nacional. Segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca), o estado tem a maior taxa de mortalidade pela doença. Em 2013, foram 186,11 homens e 140,54 mulheres mortos mortos para cada grupo de 100 mil habitantes de cada sexo. A proporção é bem maior do que os nos segundos colocados, Paraná (137,60 homens) e Rio de Janeiro (118,89 mulheres). Em 2014, 17,5 mil pessoas morreram de câncer no Rio Grande do Sul; no país todo, foram 195 mil.
Os pesticidas e herbicidas ainda podem prejudicar a própria atividade agrícola, pois estão ajudando a reduzir drasticamente as populações de insetos polinizadores, como abelhas e borboletas, além de contaminar os lençóis feráticos. E os seus efeitos nefastos são duradouros e poderão atingir as futuras gerações: uma pesquisa da Universidade Federal do Mato Grosso, feita em 2011, analisou 62 amostras de leite materno e encontrou, em 44% delas, vestígios de Endosulfan, um agrotóxico já proibido por reconhecidamente prejudicar os sistemas reprodutivo e endócrino humanos. Para piorar, também foram encontrados, em todas as amostras, produtos ainda em pleno uso, como o DDE. Vamos banir o veneno de nossas mesas?
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