Sejamos jardineiros, não desmatadores

Sejamos jardineiros, não desmatadores

Uma das primeiras coisas que a gente aprende nas aulas de História é que o nosso país foi batizado por causa de uma árvore; mas por um triz, só a conheceríamos pelos livros. O pau-brasil – em tupi-guarani, ibirapitanga, “árvore vermelha” – foi explorado sem dó nem replantio entre 1502 e 1875. No início do século XX já o consideravam extinto, até que em 1928 o estudante de agronomia João Vasconcelos Sobrinho e o professor de botânica Bento Pickel encontraram um exemplar, onde hoje fica a Estação Ecológica da Tapacurá, administrada pela Universidade Federal Rural de Pernambuco. “Nunca tantos deveram tanto a tão poucos”.

O pau-brasil renasceu, foi declarado patrimônio nacional em 1978, mas ainda corre o risco de desaparecer. E não só ele, como mostram dois importantes levantamentos do IBGE e do Jardim Botânico do Rio de Janeiro – o último lançou a plataforma CNCFLora, onde podemos acompanhar novas descobertas ­– divulgados nos últimos meses. De acordo com o primeiro, entre 2014 e 2022, a porcentagem de espécies ameaçadas aumentou 57,3%, passando de 2.039 para 3.207. Os estudos também mostram que estamos concentrando atenção e esforços na Amazônia, enquanto negligenciamos três biomas igualmente importantes: segundo o IBGE, os que hoje têm mais plantas e árvores em perigo são a Mata Atlântica, o Cerrado e a Caatinga.

A primeira é justamente o berço do pau-brasil. Quando os portugueses chegaram aqui, a árvore cobria uma área que ia do Rio de Janeiro ao Rio Grande do Norte. A destruição da Mata Atlântica vinha decaindo, mas voltou a aumentar nos últimos quatro anos. O IBGE, seguindo os critérios da Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), chegou aos seguintes números: o bioma tem hoje 457 espécies consideradas criticamente em perigo, 1.231 em perigo, 423 vulneráveis e 337 quase ameaçadas. E a situação ainda pode piorar: em 24 de maio, a Câmara aprovou a Medida Provisória 1150, de autoria do ex-presidente Jair Bolsonaro, que alterava a Lei da Mata Atlântica. No Dia do Meio Ambiente, 5 de junho, Lula vetou trechos que enfraqueciam o combate ao desmatamento, mas ela voltará ao Congresso para nova votação. 

O Cerrado está ferrado. Há anos sua taxa de desmatamento, causado, sobretudo, pela monocultura da soja, é maior que o da Amazônia; para o seu azar, ele é vizinho de porta do bioma mais famoso, que atrai todos os olhares, com suas árvores que podem chegar a 80 metros de altura. Apesar de bem menos exuberante, por se tratar de uma savana, a importância do Cerrado é vital, pois é a nossa principal caixa d’água: oito das 12 maiores bacias hidrográficas do país nascem lá. É como uma floresta de cabeça para baixo; as raízes são bem maiores do que os troncos e copas. E é justamente por causa dessa característica que ele estoca tanta água. E, entre as 169 plantas criticamente em perigo no Cerrado, está a brasiliana. Definitivamente, desmatadores não gostam do Brasil.

O grande Alceu Valença pode ficar sem “o beijo travoso de umbu-cajá” de sua “morena tropicana”. Faça isso, não, seu moço. A árvore frutífera é uma das 146 espécies em perigo da Caatinga, segundo o relatório do Jardim Botânico/ CNCFLora. O bioma é o único que só existe no Brasil, mas é tratado desde sempre como o seu patinho feio. Entretanto, sua aparente aridez esconde uma biodiversidade espantosa. Além do umbu-cajá, podem sumir a aroeira do sertão e a baraúna. Essas plantas são verdadeiros condomínios: elas fornecem comida e abrigo para répteis, aves, mamíferos e insetos, e suas flores fazem a festa das abelhas, fundamentais para a reprodução de outras espécies vegetais. São acolhedoras como as casas nordestinas.

Até agora, o CNCFLora identificou 683 plantas criticamente em perigo. Se a Terra é um grande organismo, seus biomas são suas células e, as plantas, organelas (aparelhos de golgi, mitocôndrias, lisossomas, ribossomas etc.), cada qual com sua função. O desaparecimento de uma única espécie pode desencadear uma reação em cadeia capaz de desequilibrar ecossistemas inteiros. A lógica da natureza funciona assim: cada um no seu quadrado. Se temos mesmo o cérebro mais desenvolvido do planeta, nossa função deveria ser cuidar para manter esse equilíbrio em ordem. Sejamos seus jardineiros.

Saiba mais:

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CNCFLora

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Tabela do IBGE de espécies ameaçadas da Mata Atlântica

Lula veta ataques à Lei da Mata Atlântica

Mata Atlântica concentra 24% das espécies ameaçadas no Brasil

Uma em cada 4 espécies da mata atlântica corre risco de extinção, diz IBGE

Expedição encontra três plantas ameaçadas de extinção, uma delas pela primeira vez desde 1995

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A bicharada invade o Rio

A bicharada invade o Rio

A bicharada está invadindo o Rio de Janeiro. Ou seria o contrário? Outro dia, uma arara-vermelha, ave raramente vista em nossas florestas, foi vista sobrevoando a Avenida Rio Branco, no centro da cidade. Já teve até bicho-preguiça badalando pelo Leblon. Mas a verdade é que nós estamos invadindo a praia deles.

O Rio é uma cidade cercada de morros e florestas, habitat de uma rica fauna. Só que o cinza-concreto está invadindo cara vez mais o verde-árvore. E, desta forma, esta convivência tem se tornado cada vez mais frequente. Segundo bombeiros, 17 mil animais foram capturados no ano passado. O macaquinho da foto logo estará em liberdade, procurando por seu galho. Quando acharemos o nosso?

Via O Globo

Foto: Brenno Carvalho

Saiba mais

Belo Monte: vidas sem rumo

Belo Monte: vidas sem rumo

O documentário “Belo Monte: Depois da Inundação”, de Todd Southgate, responde às indagações feitas em 2011 pelo Movimento Gota D’Água.

Naquele ano, o Gota D’Água já alertava que a usina de Belo Monte alagaria 640 km² de Floresta Amazônica. E, assim, tiraria de famílias de indígenas e pescadores seu modo de vida tradicional à beira do Rio Xingu.

Posseiros na Flona Jamanxim

Posseiros na Flona Jamanxim

Na Flona Jamanxim, a festa é dos posseiros.

O presidente Temer transformou 23% do território da Floresta Nacional (Flona) Jamanxim, no Pará, em área de proteção ambiental (APA).

Na prática, a medida reduz a proteção legal sobre a parcela convertida em APA e regulariza a situação de dezenas de posseiros pecuaristas.

Para Elis Araújo, da Imazon, a mensagem que o governo passa é de que “vale a pena ocupar terra pública em unidade de conservação”.

Precisamos nos manter juntos para impedir retrocessos como este e termos um 2017 mais justo e sustentável.

Via: Folha de S.Paulo

Foto: Nacho Doce / Reuters

Saiba mais: https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2016/12/1843269-medida-provisoria-reduz-nivel-de-protecao-legal-de-floresta-no-para.shtml

Guardiões da superfície terrestre

Guardiões da superfície terrestre

Só não cimentaram o planeta inteiro por causa deles. Mesmo correspondendo a apenas 5% da população mundial, os povos tradicionais são guardiões de 1/4 da superfície terrestre. E desses 38 milhões de km², 2/3 estão preservados.

Os números são de uma pesquisa internacional liderada pela Universidade Charles Darwin, na Austrália, e publicada na revista Nature Sustainability. O meio ambiente e as pessoas de bom senso lhes são gratos.

Via Revista Superinteressante

Foto: Peru North

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