Um novo sol no horizonte?

Um novo sol no horizonte?

Para muitos cidadãos africanos, o nascer e o pôr do Sol são considerados uma metáfora para o ciclo da vida – do nascimento à morte, e depois ao renascimento. Mas até os menos crentes em simbologias reconhecem que o astro-rei, além de grande símbolo do continente, é essencial para a vida na Terra – e como isso está diretamente ligado ao clima. É por isso que muitos enxergam o horizonte como a linha tênue que separa os raios solares que contribuem para que tenhamos um planeta habitável daqueles que podem exterminar a vida. Foi justamente essa analogia, e a urgência por trás dela, que o governo do Egito quis trazer com a logomarca da COP27.

O encontro anual levou mais de 200 delegações ao balneário egípcio de Sharm El-Sheik para discutir os próximos passos nesta guerra, com o objetivo de transformar promessas – principalmente aquelas relacionadas com o Acordo de Paris – em ações concretas. O evento está chegando ao fim, mas as discussões que surgiram nesta COP devem dar o tom ao processo de mudança necessária pelos próximos anos.

Um tema bastante discutido no Egito foram as NDCs, uma sigla em inglês que significa Contribuições Nacionalmente Determinadas – ou seja, as metas com as quais cada país se compromete para diminuir suas emissões de gases de efeito estufa. O conceito foi explorado sob a ótica brasileira na mesa “Vinculando projetos de energia locais a NDCs e transparência dos relatórios climáticos nacionais”. Ricardo Baitelo, coordenador de projetos do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema), resumiu a realidade por trás dessas três letrinhas: “Sem transparência e participação, as NDCs não ajudarão em nada no alcance dos resultados para travarmos o aquecimento global”.

Para o Brasil, a expectativa é reforçada com a promessa da retomada do protagonismo global após a eleição de Luís Inácio Lula da Silva que, mesmo antes de assumir o cargo, foi uma das grandes “atrações” da Conferência, como se fosse o portador da lamparina que sinaliza uma luz no fim do túnel. Mas a expectativa é mundial, afinal, a Amazônia é o fiel da balança nessa crise climática – e Lula prometeu priorizar sua proteção.

Até o slogan da COP27 instigava mais ações reais, ao frisar que esta era a “COP da implementação”. Isso porque, na COP26, em Glasgow, foram finalizadas as regras do Acordo de Paris (2015), fornecendo um manual quase pronto com os principais caminhos para sua viabilização. Implementá-las, porém, requer que muito dinheiro seja destinado aos países em desenvolvimento do Sul, os mais vulneráveis às mudanças do clima. Essas negociações só evoluíram na segunda semana, quando se tornaram explicitamente inevitáveis, mas ainda há muito a ser feito para garantir esse financiamento que nos tiraria do débito climático.

Os povos tradicionais brasileiros, como indígenas, quilombolas, ribeirinhos e extrativistas, não só endossaram essas reivindicações, como exigiram fazer parte da construção. Fizeram isso com toda a autoridade de quem tem preservado e explorado a natureza da forma mais eficaz. Vozes de importantes lideranças femininas ecoaram em diversos espaços do encontro e reverberaram para além das fronteiras do Egito. Num deles, “A resistência feminina na Amazônia – a luta de lideranças ameaçadas pelo garimpo ilegal e crime organizado”, nomes como Sonia Guajajara, Joênia Wapichana, Neidinha Suruí, Txai Suruí, Marciely Ayap Tupari, Célia Pinto e Illona Szabó discutiram o impacto das atividades ligadas ao crime organizado sobre a Amazônia sob a ótica feminina, já que as mulheres são as maiores vítimas de ameaças contra ativistas socioambientais.

“Imaginem as crianças que nascem na beira no rio e não podem mais nadar porque embaixo d’água tem draga. Isso não é para fazer chorar, é para fazer reagir”, disse Joênia Wapichana, deputada federal e a primeira indígena eleita para a Câmara Federal. Coordenadora executiva da Coordenação Nacional dos Quilombos (Conaq) e liderança quilombola no Maranhão, Célia Pinto acrescentou ao alerta: “Falar da violência que sofremos todos os dias nos nossos territórios parece ser repetitivo, mas é necessário. O crime organizado está dentro dos nossos territórios e financiado para tirar nossas vidas”. Se indígenas e quilombolas sumirem, a Amazônia some junto.

A COP27 também serviu de palanque para cobranças às grandes corporações e aos blocos econômicos. O Parlamento Europeu está em processo de aprovação da lei antidesmatamento e precisa garantir rastreabilidade de comodities para além das florestas. Com o déficit alimentar provocado pela guerra da Ucrânia, a Organização da ONU para a Alimentação e Agricultura (FAO) passou a defender como alternativa um aumento na produção de alimentos no mundo – o que pode implicar riscos para vários biomas. Por isso a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) frisou em nota: “Obrigar empresas produtoras de comodities a respeitarem a preservação da nossa biodiversidade e os direitos dos povos indígenas é fundamental neste momento. O Cerrado, a Caatinga, o Pampa e o Pantanal também precisam estar enquadrados no conceito de vegetação da Lei, para além das florestas como Amazônia e Mata Atlântica, independentemente da definição de florestas da FAO”, completa o documento.

Dinamam Tuxá, da coordenação executiva da Apib, conta que, desde 2019, a organização tem conhecimento da construção, por parte da União Europeia, desse instrumento de rastreabilidade dos produtos que saem do Brasil. “Com isso, começamos a fazer essa incidência e mostrar a importância dessa rastreabilidade, destacando as consequências para os povos indígenas e o conflito socioambiental ocasionado pelo agronegócio. Mas fomos surpreendidos com o conceito de floresta da FAO, que era totalmente o inverso do que os povos indígenas acreditam. Os nossos conceitos não têm valor? O nosso entendimento do que é floresta ou território não tem valor?”, questionou Tuxá em outro espaço de debate na COP27, que discutiu a grilagem de terras.

Sem o financiamento aos países mais pobres – e mais afetados – e sem a participação ativa dos povos tradicionais no debate climático, continuaremos a acelerar rumo ao tal “inferno climático”. E aí só nos restará sonhar que aquela linha tênue do horizonte não seja símbolo do desequilíbrio fatal para a Humanidade. Então, olhos bem abertos!

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