Joint venture do bem

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O mundo está em suspensão. A economia desacelerou e nós também. Repensamos, assim, o que fazemos com o nosso dinheiro; seja o da conta bancária, seja o dos impostos. Prioridades estão sendo reavaliadas. O momento é de recolhimento, de silêncio. Cientistas apontam que até a Terra reduziu suas vibrações porque estamos mais quietos em casa. Nas palavras de Ailton Krenak, doutor honoris causa pela Universidade de Juiz de Fora: “É para nós refletirmos e prestarmos atenção ao sentido do que venha mesmo ser humano”.

A origem da palavra filantropia vem das expressões gregas philos e anthropos que conjugadas, traduzem-se livremente como “amor” e “ser humano”. Ou seja, a palavra filantropia significaria amor à Humanidade.

O que alguns veem como caridade, outros chamam de investimento. O trabalho do terceiro setor é investir no bem-estar do outro, e lideranças em todo o mundo já perceberam que essa é uma das saídas para a crise. Doações para contenção do coronavírus somam US$ 2 bilhões, se juntarmos todos os países. No Brasil, a Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR) calcula um total de R$ 848 milhões investidos. Ainda há muito potencial de expansão.

Nos Estados Unidos e na Europa, os recursos da filantropia e das ONGs geralmente são aplicados em educação e no fortalecimento da democracia, são vistos como forma de aumentar a produção nacional porque, a longo prazo, essas doações dão retorno em forma de crescimento econômico regional.

No Brasil, em meio à crise, os territórios onde o poder público não chega por completo são os que mais sofrem. E graças à capilaridade construída ao longo de décadas, o terceiro setor – logo ele, que tem sido tão atacado – reafirma sua importância ao oferecer o acesso à essas pessoas. Uma estrutura que viabiliza esta ajuda é formada por uma rede de ONGs, lideranças comunitárias e entidades filantrópicas, que vem sendo construída há décadas. Instituições que contam com a solidariedade e recursos financeiros de empresas e fundações.

Enquanto o governo e o Congresso ainda debatiam sobre a melhor forma de recuperar a economia e dar algum alento aos mais necessitados, ONGs de todo o país já distribuíam cestas básicas, material de limpeza, kits de higiene e transferiam renda diretamente a mulheres chefes de família. Durante a pandemia várias dessas iniciativas da sociedade civil ganharam a mídia, seja nas favelas cariocas, seja nas comunidades ribeirinhas do Norte.

Planejar uma ação nacional é ainda mais difícil em um país continental. Vários brasis convivem em um só território. Se nos grandes centros urbanos há de se assegurar a saúde das milhares de pessoas que vivem nas comunidades periféricas, na área rural e nas florestas é preciso atender aqueles que para chegar ao posto de saúde mais próximo precisam viajar pelo menos cinco horas em um barco.

A realidade amazônica impõe desafios proporcionais à imensa floresta. Em meio à pandemia do coronavírus, tarefas de prevenção são ainda mais árduas. Como lidar com um novo vírus quando não se tem imunidade nem para uma simples gripe, catapora ou sarampo? Como se isolar numa aldeia onde até quarenta pessoas em um ambiente único?

Pensando nisso, o Projeto Saúde & Alegria (PSA), transformou o barco em hospital. O navio-hospital Abaré nasceu em 2006, tornando-se a primeira Unidade Básica de Saúde Fluvial (UBSF) do Brasil. Além dos atendimentos clínicos oferecidos, também são realizadas atividades de ensino, pesquisa e extensão da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa). Foi essa parceria que possibilitou uma nova atividade em tempos de corona: estão sendo produzidos 500 equipamentos de proteção – máscaras e óculos de acetato –feitos com uma impressora 3D. Eles estão sendo entregues a profissionais de saúde de sete municípios paraenses.

“Nos antecipamos e trabalhamos intensamente pra somar esforços no combate a essa pandemia, seja no suporte ao navio-hospital, na construção em massa de banheiros e sistemas de água, na busca de parceiros para apoiar com materiais e equipamentos, nas campanhas de educação e prevenção, e por fim, na viabilidade de poder fazer acontecer a tecnologia de ponta na ponta”, explica o coordenador Caetano Scannavino. E ele se empolga com o uso das tecnologias de ponta a serviço dos povos amazônicos: “Se tem o Vale do Silício, sempre fui entusiasta do Vale do Tapajós”.

A Operação Amazônia Nativa (Opan) – a mais antiga organização indigenista do Brasil, criada em 1969 – também tem uma frente de trabalho pela saúde, mas ficou conhecida por suas colaborações na demarcação e defesa dos territórios indígenas. Recentemente, tem investido no incentivo a formas sustentáveis de manejo da terra. O Instituto Socioambiental (ISA) também faz investimentos sociais nessa linha.

Juntas, as duas organizações alcançam cerca de 12 mil famílias de indígenas, ribeirinhos, quilombolas e camponeses. Suas atividades são realizadas em colaboração com outras ONGs, associações e autoridades locais. As equipes refletem com os povos tradicionais sobre as práticas de consumo e desenvolvem cursos de capacitação para a apropriação de tecnologias.

Já são 24 cadeias de produção aceleradas pelo ISA, incentivando o desenvolvimento sustentável de mais de 200 tipos de sementes, 50 linhas de artigos artesanais e 37 produtos rurais. E o estímulo às alternativas econômicas feito pela Opan resultou até agora em uma geração de renda mensal de até R$ 2.508,95 para cada um dos envolvidos. Esses números representam pessoas que, através da educação, tiveram a oportunidade de criar modos de sustento que respeitam a floresta em pé. Eles são a prova de que caminhos alternativos ao garimpo e à extração ilegal de madeira são possíveis.

E existem, literalmente, mais de 90 mil outros exemplos. São cerca de 93 mil Organizações da Sociedade Civil nos nove estados da Amazônia legal, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). O trabalho de todas envolve desde o combate e prevenção contra a violência doméstica até serviços de homeopatia, passando pelo acesso à internet. Sem elas, a saúde, a segurança, a educação e os direitos mais básicos de milhares de pessoas estariam em risco.

“A nossa vida é justamente humana porque nós de alguma forma contrariamos a seleção natural para incluir todo mundo”, afirma o professor de filosofia Clodoaldo Meneguello Cardoso, coordenador do Observatório de Educação em Direitos Humanos da Unesp. Ele completa, dizendo que esta quarentena é a oportunidade de repensar valores: “A dignidade humana tem a solidariedade como princípio”.

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Errar é humano, insistir no erro é desumano

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Errar é humano. Insistir em negar as evidências é desumano.

“Nos últimos anos, políticos irresponsáveis minaram deliberadamente a confiança na ciência, nas autoridades e nos meios de comunicação”, escreveu no último dia 20 o historiador israelense Yuval Noah Harari, autor do best-seller “Sapiens: de animais a deuses, uma breve história da Humanidade”. Publicado no jornal inglês “Financial Times”, o artigo não por acaso se chama “O mundo depois do coronavírus”. Nele, Harari é direto: “as decisões que os governos e os povos tomarem, nas próximas semanas, provavelmente moldarão o mundo que teremos nos próximos anos”.

Não dá mais para fingir: pandemias, como a causada pelo novo coronavírus, e catástrofes, como os incêndios que castigaram o Brasil em 2019, deixarão de ser acidentes de percurso e se tornarão o novo normal. Hesitar pode custar vidas. Vamos aproveitar a quarentena para refletir?

Não adianta erguer muros em torno de cada país: doenças também se espalham pelo ar e as emissões de CO₂, sejam do Brasil ou do Japão, se acumulam na mesma atmosfera. É um problema comum a todos. A solução também depende da democratização dos cuidados e da informação. “Tanto a epidemia, quanto a crise econômica são globais, e apenas poderão ser resolvidas com a cooperação global. Para derrotar a pandemia, precisamos compartilhar globalmente a informação”, afirma o historiador israelense. Só assim conseguiremos criar barreiras eficazes contra os inimigos que nós mesmos criamos.

Quem acompanha as notícias e os artigos científicos sobre a crise climática já sabe que nosso modo de vida tem duros impactos no planeta e na saúde das próximas gerações. No entanto, a realidade atual impõe pressa: não se fala mais em décadas, mas sim em semanas. Chegamos ao ponto em que não dá mais para fechar os ouvidos (ou as abas do seu navegador) para os cientistas. “A época da pós-verdade e das fakenews nutriu uma apatia à realidade. E aqui está um vírus real – e não um de computador – aquele que causa uma comoção. A realidade resiste e volta a se fazer notar no formato de um vírus inimigo” escreveu o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han.

E a sociedade brasileira está mostrando que quer ouvir a Ciência. Esta semana, a entrevista do microbiologista Atila Iamarino bateu o recorde histórico de audiência do programa Roda Viva, com repercussão intensa nas redes sociais. Há um mês, quem poderia imaginar que esta marca seria conquistada por um microbiologista?

Uma mudança imposta por um vírus, por uma quarentena que levará provavelmente meses. Nesse tempo, pais estão convivendo mais com seus filhos e vizinhos estão interagindo, mesmo que pelas varandas.

A próxima mudança deverá ser tomada por nós. Será um desdobramento de todas as reflexões levantadas durante esta crise. Para nos salvar e salvar nosso planeta é preciso repensar e remodelar nosso jeito de produzir, de gerir, de governar, de ser cidadão, de existir. Byung-Chul arrematou: “Não podemos deixar a revolução nas mãos do vírus. Precisamos acreditar que após o vírus virá uma revolução humana”.

O covid-19 já nos traz uma contundente evidência: é possível reduzir rapidamente as emissões de gases do efeito estufa. O fenômeno foi observado imediatamente nos países mais atingidos, China e Itália. E os europeus também já respiram um ar mais puro nesses tempos de isolamento. Isso não faz pensar que é possível adotar um modelo de desenvolvimento diferente?

Voltamos a nossa recorrente questão: o que será dos mais vulneráveis?

O novo mundo pressupõe outro modelo econômico, mais sustentável e solidário. Filantropia? Taxação de grandes fortunas? Construção de um grande fundo social? O caminho está aberto a várias possibilidades. Cabe a nós discutir qual é a melhor rota a seguir. Já estamos cientes de que somos gotas num mesmo oceano.

#Coronavirus #COVID19 #Pandemia #Ciência #CriseClimática #Planeta #DesenvolvimentoSustentável

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Pandemia

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Não é história pra boi dormir: nos cafundós da China, um incauto pangolim – uma espécie de tamanduá ou tatu com escamas – pisou nas fezes de um morcego e, ao cair numa armadilha e entrar em contato involuntariamente com o ser humano, deu início à pandemia que vem deixando o mundo em polvorosa. Assim como o ebola, a aids e a sars, a covid-19, causada por uma nova espécie de coronavírus (o Sars-Cov-2), tem origem animal; mas o principal culpado por sua disseminação é o próprio bicho-homem. Segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), por trás do aparecimento dessas doenças está a deterioração do meio ambiente causada pela atividade humana.

A degradação ambiental e as mudanças climáticas também fizeram chegar aos grandes centros urbanos do Brasil moléstias antes restritas a áreas de florestas, como a dengue, a zika e a chikungunya, transmitidas pelo famigerado mosquito Aedes aegypti. O inseto totalflex também trouxe de volta a febre amarela, doença erradicada das cidades brasileiras no início do século passado. Hoje, na surdina, o país passa pelo maior surto de dengue dos últimos anos: entre janeiro e 31 de dezembro de 2019 foram notificados 1.544.987 casos prováveis da doença. O número é 488% maior do que o anotado em 2018. O Brasil anda tão adoentado que essa informação já não causa a comoção de outrora.

Mas voltando à covid-19: apesar dos muitos pesares, a enfermidade acabou provocando um efeito colateral inesperado, porém benéfico: tanto China como Itália, os dois países mais atingidos até agora, reduziram substancialmente suas emissões de CO₂ desde que o novo coronavírus deu o ar da graça. Isso aconteceu devido à retração forçada de suas economias. Foi uma queda tão abrupta que os cientistas veem aí a confirmação de que seria possível conter rapidamente o avanço das mudanças climáticas com uma desaceleração radical na atividade industrial. E é preciso correr, antes que a caixa de pandora chamada permafrost seja aberta.

A covid-19 fez até agora cerca de 7 mil mortos em todo o planeta, enquanto a poluição mata cerca de 4,5 milhões de pessoas por ano – isso sem considerar os impactos climáticos. O permafrost é o solo permanentemente congelado que cobre 25% da superfície terrestre de todo o Hemisfério Norte – sobretudo na Rússia, Canadá e Alasca. Sob esta camada de gelo, que pode chegar a centenas de metros, hibernam microrganismos letais que podem despertar com o degelo, que vem acontecendo cada vez mais rápido.

Em 2016, um menino morreu na Sibéria depois de contrair antraz, doença causada pela bactéria Bacillus anthracis, erradicada há 75 anos na região. Também foram descobertos recentemente dois tipos de vírus gigantes, um de 30 mil anos de idade, conservados no permafrost. Nosso organismo não tem defesa contra esses germes pré-históricos.

O pior é que o permafrost mantém aprisionada quase 1,7 trilhão de toneladas de CO₂, quase o dobro do presente na atmosfera hoje. Segundo a projeção menos catastrófica, ele poderia perder 30% de sua área e liberar até 160 bilhões de toneladas de gases do efeito estufa (GEE) até 2100. É um círculo vicioso: quanto mais GEE liberar, mais o planeta esquenta e mais o permafrost descongela, nos deixando à mercê de micróbios desconhecidos. É bom fazer logo alguma coisa, ou a vaca vai pro brejo.

#coronavírus #covid19 #pandemia #meioambiente #mudancaclimatica

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