A chama que não se apaga

A chama que não se apaga

Depois da tempestade vem a bonança. Infelizmente, na vida real, as coisas nem sempre saem como no ditado. O exemplo mais recente é o caso dos quilombolas do Amapá: após um incêndio na principal subestação de energia do estado, no último dia 3, eles viram o já precário fornecimento de luz se tornar ainda pior. Catorze dias depois, um novo blecaute agravou a situação. Tudo isso no mês da consciência negra, que celebra a importância de pretos e pardos para o país e propõe uma reflexão em relação ao racismo que resiste em nossa sociedade.

Se antes os quilombos do Amapá chegavam a sofrer no mesmo mês até quatro blecautes que duravam alguns dias, a escuridão desta vez se prolongou por uma semana em lugares como Conceição do Macacoari. As 40 famílias que vivem na comunidade foram forçadas a fazer uma viagem no tempo. Trocaram lâmpada por lamparina e água encanada por água de poço. Diante deste cenário, a Anistia Internacional lançou uma mobilização exigindo que autoridades dos governos tomem providências em relação a esta situação.

Um ingrediente pode tornar especialmente devastador o efeito do apagão nestas comunidades: a pandemia. O Amapá só perde para Rio de Janeiro e Pará em número de quilombolas mortos por Covid-19. Quando a comparação é feita entre municípios, Macapá (com 15 casos) só fica atrás da capital fluminense, que tem 30. Os números são da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), que mantém por conta própria um monitoramento. Entretanto, a organização admite que a quantidade de infectados é bem maior. “Quando adoece uma pessoa, não tem serviço de testagem ampla para a gente saber, naquele raio, quem mais se contaminou”, explica a educadora Givânia da Silva em vídeo compartilhado pela entidade no Instagram.

Um estudo da Universidade Federal do Amazonas apontou que a taxa de mortalidade do novo coronavírus entre os quilombolas de 5 estados da região é de 11,5%. É quase quatro vezes a média de 3% verificada pelo Ministério da Saúde em todo o território nacional. Um olhar menos atento poderia entender que se trata de um vírus racista. Porém, não precisa ser um expert para saber que microrganismos infecciosos desconhecem tons de pele.

De acordo com a pesquisa, na prática, é a desigualdade gerada por racismo que favorece a maior propagação do Sars-Cov-2. Esta desigualdade se reflete na dificuldade de acesso à água tratada, na falta de uma rede de esgoto e ou de coleta de lixo, na deficiência de políticas de prevenção e atenção, e mesmo na distância dos centros urbanos que, no passado, protegeu esses territórios e hoje pode atrapalhar. A distorção afeta até a distribuição da ajuda, quando ela existe. Sem energia e internet, muitos quilombolas não conseguiram pedir auxílio emergencial, por exemplo.

Os problemas não se limitam ao Amapá. Em todo o Brasil, 4.635 casos de Covid-19 foram contabilizados pela Conaq em 19 estados até o último dia 11. São histórias com nome e sobrenome, como Cirilo Araújo Brito, patriarca da comunidade do Grotão, em Goiás, que morreu no último dia 23.

Numa entrevista concedida em 2017, Cirilo contou que, na sua infância, as crianças tinham obrigação de acompanhar a conversa dos mais velhos para que pudessem passá-las adiante. Este hábito deixou de ser comum e revela um dos impactos da perda de anciãos nestas comunidades. Quando um deles morre, um pouco da trajetória de cada povo some junto. “A história quilombola e a indígena, ela é muito oral, é muito da memória. Então, a gente perdeu a pessoa, perdeu a história e perdeu parte da memória daquela comunidade”, lembra Givânia.

Entre os especialistas, o clima é de preocupação. A negligência em relação aos territórios durante a pandemia “pode vir a representar o maior genocídio da população quilombola no Brasil desde o período escravocrata”, escreveu Eduardo Rodrigues Santos, sociólogo da Universidade Nacional de Brasília, no artigo “Necropolítica, coronavírus e o caso das comunidades quilombolas brasileiras”.

Com quase 500 anos de luta, os quilombolas já não esmorecem mais diante de ameaças como a redução no reconhecimento de territórios por parte do governo federal. Em 2018, foram 144 áreas reconhecidas. Já no ano passado, só 70. O que as comunidades têm feito é buscar novas estratégias, como a eleição de um prefeito, um vice-prefeito e 54 vereadores em 2020. Para quem se define a partir de um espaço que é fruto da busca pela liberdade, a coragem nunca foi uma qualidade – mas sempre um pré-requisito.

#Amapá #Coronavírus #Covid19 #Apagão #Energia #Quilombos #PovosTradicionais #Racismo

Saiba mais:

Anistia Internacional – Amapá pede socorro! Pressione as autoridades

G1 – Laudo inicial descarta que raio tenha causado incêndio que provocou apagão no Amapá

Folha – Macapá pode ficar até 15 dias sem luz após incêndio em subestação

G1 – Amapá tem novo apagão total

Portal Cultura – Dia da Consciência Negra: entenda o significado da data

Portal Geledés – O que é Consciência Negra?

Folha – Com apagão no Amapá, quilombolas perdem carne, peixe e polpa de fruta

Conaq e ISA – Quilombo sem Covid-19

Conaq (instagram) – Covid-19 nos quilombos

Ufam – Amazônia concentra recorde de mortes de quilombolas por covid-19

Ministério da Saúde – Painel Coronavírus

Conaq (instagram) – Cirilo Araújo Brito

Universidade Federal do Tocantins – A formação socioterritorial da comunidade remanescente de quilombo Grotão

Revista do CEAM – Necropolítica, coronavírus e o caso das comunidades quilombolas brasileiras

Nexo – A covid-19 nos quilombos. E a cobrança por ações do governo

O Globo – Quilombolas elegeram 56 representantes na eleição de ontem em dez estados — um recorde

Governo omite ataques a três aldeias Wajãpi

Governo omite ataques a três aldeias Wajãpi

No fim de semana foram registrados três ataques coordenados a aldeias Wajãpi, no Amapá. Ao comentar esses crimes, o governo despreza os ataques simultâneos a três aldeias e prefere questionar o assassinato de um cacique, ignorando o contexto de invasões registradas na mesma Terra Indígena em um curto intervalo de tempo. Em nome de que essa informação é omitida?

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) manifestou sua preocupação. Pediu para que o governo brasileiro proteja as TIs de atos violentos. A OEA solicitou ainda explicações sobre a demora da Polícia Federal em atender aos pedidos de socorro dos indígenas no último fim de semana. Líderes Wajãpi garantem que o primeiro contato com a Funai foi feito na noite de quinta-feira (25). A PF só chegou ao local na manhã de domingo.

Essa demora não seria um incentivo àqueles que pretendem invadir territórios indígenas? Em nome de que atacar aqueles que têm papel crucial na conservação da biodiversidade e do nosso planeta?

Leia mais:

Governadores acordam para as mudanças climáticas

Governadores acordam para as mudanças climáticas

Ainda não são todas, mas algumas autoridades estão acordando para o fato de que precisamos combater as mudanças climáticas e cumprir o Acordo de Paris. 12 governadores se comprometeram com a meta estabelecida pelo Brasil de, até 2025, reduzir em 37% – em relação a 2005 – a emissão de gases de efeito estufa.

Segundo o Fórum Brasileiro de Mudanças do Clima, são favoráveis ao tema os governadores do Amapá, Amazonas, Distrito Federal, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e São Paulo. Agora, é importante ficar de olho para ver se a promessa não é só da boca para fora.

Via Agência Brasil
Foto de divulgação

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Vamos salvar os corais do Amazonas!

Vamos salvar os corais do Amazonas!

Começou ontem (24/1/17), em Macapá (AP), uma expedição do Greenpeace Brasil com ambientalistas e pesquisadores para explorar um ecossistema descoberto há menos de um ano: um recife de corais com área total de 9.500 km², que se estende do Maranhão ao Amapá, na foz do rio Amazonas.

Mas, para estudá-lo, precisamos que o coral permaneça lá. Por isso, o Greenpeace organiza uma petição para que as petroleiras Total, Queiroz Galvão e BP desistam de blocos de prospecção naquela mesma região.

Vamos assinar e ajudar pesquisadores a entender melhor um ecossistema tão inusitado, em vez de colocá-lo em risco por mais petróleo?

Assine a petição: https://br.amazonreefs.org/?utm_source=whatsapp&utm_medium=share_site&utm_campaign=Corais&utm_content=tkspage

Via: Folha de S.Paulo

Foto: hype science

Saiba mais: https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2017/01/1852256-recife-na-foz-do-amazonas-e-unico-no-mundo.shtml

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